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fevereiro 27, 2013
Paisagens cariocas são destaque entre primeiras exposições do MAR, G1
Paisagens cariocas são destaque entre primeiras exposições do MAR
Matéria originalmente publicada no G1 Rio em 23 de fevereiro de 2013.
Museu de Arte do Rio será inaugurado na próxima sexta-feira (1º). Quatro mostras serão realizadas simultaneamente em oito salas.
Quatro exposições entrarão em cartaz simultaneamente no Rio de Janeiro, a partir da próxima sexta-feira (1º), por ocasião da inauguração do Museu de Arte do Rio (MAR), na Praça Mauá, Zona Portuária do Rio. Dentre elas, a mostra "Rio de imagens: uma paisagem em construção", sobre as transformações do cenário urbano da cidade ao longo de quatro séculos, promete chamar mais atenção. Ocupando o terceiro andar do pavilhão Palacete Dom João VI, o primeiro no fluxo de visitação proposto pelo museu, a exposição tem curadoria de Carlos Martins e Rafael Cardoso e vai contar com aproximadamente 400 peças.
"A ideia da exposição é despertar essa perspectiva do imaginário apreendido pelos artistas que passaram pela cidade ou que aqui se estabeleceram e mostrar como a paisagem do Rio interfere e interage com cada observador", disse Carlos Martins.
Um dos destaques, segundo o curador, é uma reprodução multimídia que remonta a antiga Avenida Central, a atual Avenida Rio Branco, no Centro. "A recriação foi toda baseada no álbum de fotografias originais de Marc Ferrez. A projeção colorizada vai fazer com que o visitante tenha a sensação de estar percorrendo os quarteirões da avenida."
Além de importantes obras da arte brasileira dos séculos 19 e 20 — entre elas, quadros de Tarsila do Amaral, gravuras de Lasar Segall e aquarelas de Ismael Nery —, a exposição apresenta objetos do cotidiano diretamente influenciados pela paisagem carioca, como objetos de decoração, fotos, desenhos e gravuras.
Outras exposições
No segundo andar, serão exibidas cerca de 140 peças da coleção particular do marchand Jean Boghici. A mostra "O colecionador: ate brasileira e internacional na coleção Boghici" inclui pinturas e esculturas de Di Cavalcanti, Brecheret, Guignard, Vicente do Rego Monteiro, Rubens Gerchman, Antonio Dias, Calder, Kandinsky e outros 70 artistas sob a curadoria de Luciano Migliaccio e Leonel Kaz.
Um piso abaixo, a "Vontade construtiva na Coleção Fadel" reúne aproximadamente 230 peças, todas produzidas por artistas plásticos brasileiros participantes dos movimentos concreto e neoconcreto, que surgiram e se desenvolveram durante as décadas de 1950 e 1960. São destaques obras de Willys de Castro, Hercules Barsotti, Lygia Clark, Franz Weissemen, Ligya Pape, Hélio Oiticica e Aloísio Carvão, entre outros, sob curadoria de Paulo Herkenhoff e Roberto Conduru.
Já "O abrigo e o terreno - Arte de sociedade no Brasil I" se concentra na ocupação do espaço público, com obras de Antonio Dias, Antonio Manuel, Bispo do Rosário e Lygia Clark, além dos coletivos Ocupação Prestes Maia, E-OU, Opavivará, entre outros, “O Abrigo e o Terreno - Arte de Sociedade no Brasil I” tem curadoria de Clarissa Diniz e Paulo Herkenhoff e faz parte do projeto “Arte e Sociedade no Brasil”.
Vale-Cultura para videogames por Piero Locatelli, Carta Capital
Vale-Cultura para videogames
Matéria de Piero Locatelli originalmente publicada na revista Carta Capital em 26 de fevereiro de 2013.
Em março deste ano, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque, o MoMA, terá sua primeira exposição sobre videogames. Farão parte da mostra 14 jogos adquiridos pelo museu, produzidos entre 1980 e 2009. Neste mês de fevereiro, a ministra da Cultura Marta Suplicy se mostrava alheia às discussões geradas pela decisão do museu norte-americano. Enquanto a repercussão gira em torno da legitimação do videogame como arte, a ministra afirma: “eu não acho que jogos digitais sejam cultura”. A declaração foi feita em audiência pública na última terça-feira 19 em São Paulo.
No evento, a ministra dizia que, a princípio, o Vale-Cultura não poderia ser usado para a compra de jogos digitais. Promessa de campanha de Dilma Rousseff, o programa dará 50 reais, 45 desses bancados pelo governo, para o trabalhador gastar naquilo que a ministra acredita ser cultura. Para os críticos, o benefício é uma forma de o governo se abster em criar uma diretriz cultural e financiar quem não precisa de mais apoio estatal, como os espetáculos do Cirque du Soleil, filmes do Daniel Filho e musicais de Miguel Falabella.
“O que nós temos acesso não credencia o jogo como cultura. (…) Pode desenvolver raciocínio, pode deixar a criança quieta, pode trazer lazer para o adulto, mas cultura não é,” disse a ministra.
A ministra, portanto, entende como cultura revista de fofoca, mas não videogames. Em carta ao ministério, o presidente da Abragames (Associação Brasileira dos Desenvolvedores de Jogos Digitais), Ale McHaddo, disse que a discussão sobre os jogos eletrônicos no campo artístico é antiga, mas não vê precedentes na fala da ministra. “Confesso que jamais havia ouvido um comentário questionando se jogos eletrônicos são cultura,” escreveu Ale.
Sob uma perspectiva econômica, o faturamento dessa indústria já supera a do cinema em diversos países, como a Inglaterra. Além disso, as inovações da última década permitiram a alguns desenvolvedores questionarem a linguagem dos jogos e testar seus limites. São jogos autorais, vendidos a preços módicos por desenvolvedores independentes, em contraposição aos preços estratosféricos cobrados pelos grandes produtores.
Duas ideias, mesmo ministério. Na mesma semana em que a ministra mostrava o que achava dos jogos digitais, o ministério deu um sinal oposto para os produtores de videogame. Em uma decisão inédita, os desenvolvedores do estúdio gaúcho Swordtales foram autorizados a captar 370 mil reais pela Lei Rouanet para a pós-produção do jogo Toren.
Em seu favor, Marta se disse aberta ao diálogo e pediu para que levassem exemplos ao ministério. Com os inúmeros casos que possam ser apresentados, espera-se que a ministra possa perceber nos jogos algum valor cultural. A própria Marta Suplicy já falou que o Vale-Cultura pode ser usado para comprar até “revista porcaria”. Que deixe, então, os trabalhadores comprarem videogames porcaria se bem entenderem.
Vale-cultura poderá ser gasto com TV por assinatura, diz ministra, por Cristina Tardáguila, O Globo
Vale-cultura poderá ser gasto com TV por assinatura, diz ministra
Matéria de Cristina Tardáguila originalmente publicada no jornal O Globo em 26 de fevereiro de 2013.
RIO - Na semana em que a presidente Dilma Rousseff deve assinar o decreto que regulamenta o vale-cultura — benefício de R$ 50 que poderá ser dado pelas empresas brasileiras aos trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos para consumo de atividades culturais realizadas em todo o território nacional —, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, surpreende o setor com uma novidade: o dinheiro do vale poderá ser usado também para o pagamento de mensalidades de TV por assinatura.
Em entrevista ao GLOBO, Marta explica que a regulamentação que Dilma deve assinar hoje em Brasília será um “documento bem genérico” e que o detalhamento operacional relativo ao uso do benefício só virá mesmo nos próximos meses, por meio de portarias que um grupo de trabalho criado no Ministério da Cultura (MinC) redigirá até junho, quando o benefício deve entrar realmente em vigor.
— Trata-se de um produto novo, e nós não queremos engessá-lo logo de cara. Fazendo esse detalhamento por portarias, podemos ir corrigindo pouco a pouco as regras estabelecidas para seu uso — explicou a ministra. — Mas não há dúvidas de que esse benefício só poderá ser usado em estabelecimentos majoritariamente culturais. Então, ele vai funcionar em cinemas, teatros, casas de shows, museus, livrarias, para a compra de revistas e periódicos e para a assinatura de TV a cabo.
Encontros em três cidades
No site oficial do vale-cultura, nascido de um projeto de lei que tramitou no Congresso durante três anos e que foi sancionado pela presidente Dilma em 27 de dezembro do ano passado, informa-se que o benefício de R$ 50 é “parecido ao vale-transporte ou ao vale-refeição”, que “o trabalhador receberá um cartão magnético complementar ao salário” e que ele “poderá utilizar (esse cartão) para entrar em teatros e cinemas, comprar livros e CDs e consumir outros produtos culturais”. A aquisição de pacotes de TV por assinatura não aparece na lista e, até agora, não havia sido mencionada publicamente por nenhum integrante do governo.
Atualmente, Net e Sky, por exemplo, oferecem no Rio de Janeiro e em São Paulo pacotes de TV com cerca de 80 canais por valores que oscilam entre R$ 39,90 e R$ 59,90. Com as portarias que o MinC publicará até junho permitindo que esses valores sejam quitados ou mesmo complementados usando o benefício do vale-cultura, é bem possível que o número de assinantes de TV aumente e a inadimplência diminua.
Para os próximos dias, a ministra tem uma série de encontros com empresários, trabalhadores e produtores culturais. Vai a Brasília, Curitiba e Belo Horizonte. A ideia, diz ela, é colher informações que ajudem a operacionalizar o vale-cultura. Enquanto Marta faz esse périplo, o MinC trabalha no credenciamento de empresas interessadas em operar os futuros cartões pré-pagos.
— Já estamos conversando com operadoras que têm expertise nisso, mas também queremos estimular novos empreendedores, sobretudo nas regiões Norte e Nordeste — diz a ministra. — A ideia é gerar emprego e credenciar todos que decidirem se habilitar.
Informados sobre a posição da ministra, representantes de setores da cultura se mostraram surpresos.
— Acho essa possibilidade de uso muito ruim — avalia Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR). — O vale-cultura foi pensado para dar ao cidadão acesso a instrumentos culturais dos quais ele estava excluído. A TV não é um deles.
Sônia Jardim, presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros (Snel), segue a mesma linha:
— Se a TV por assinatura for uma alternativa de uso para o vale-cultura, não vai sobrar dinheiro para nenhum outro setor. Pense bem: as TVs a cabo trabalham com mensalidade. O cidadão que assina um pacote de canais contando com o dinheiro do vale-cultura se compromete imediatamente a pagar aquele mesmo valor ao longo de muitos meses. Não vai dispor de dinheiro para nenhum outro bem cultural. Menos ainda para o livro.
Sônia e Barata reconhecem que para o público-alvo do vale-cultura — trabalhadores quem ganham até R$ 3.110 (em valores de hoje) — a TV por assinatura é “um grande chamariz”. Lembram ainda que a expansão das operadoras de TV caminha na direção da conquista desse mesmo grupo.
— Espero que a ministra fique muito atenta, que escute as ponderações da cultura nacional ao redigir as portarias que vão fixar os detalhes operacionais do vale-cultura — diz Barata.
— Entendo que Marta Suplicy esteja muito preocupada em mostrar que não cabe ao governo fazer censura quanto ao uso desse benefício, mas o vale-cultura tem em seu DNA a ideia de acesso a setores de que, em condições normais, alguns brasileiros não poderiam usufruir — ressalta Sônia.
De Nova York, a produtora cultural Paula Lavigne, responsável por shows de Caetano Veloso, pondera que o movimento de Marta talvez seja mesmo fruto de uma necessidade política.
— Se foi preciso que a ministra abrisse essa concessão, o.k. É válido. Mas é uma pena. Eu tinha romantizado um pouco mais (o vale-cultura).
Em miúdos, editores e produtores temem que boa parte dos R$ 11,3 bilhões que o vale-cultura poderia injetar em seus projetos nos próximos anos vá parar nas operadoras de TV por assinatura e esvazie o prometido aumento de poder de fogo do restante da indústria cultural.
A Federação Nacional das Empresas Exibidoras Cinematográficas (Feneec), por sua vez, destaca em nota que “acredita que a escolha individual faz parte do processo de formação cultural e que a iniciativa (do vale-cultura) tende a estimular o consumo das artes e cultura de maneira geral”.
A Associação Brasileira de Televisão por Assinatura (ABTA) informou que não sabia dessa posição de Marta. Mas comemorou:
— Trata-se de uma boa notícia. Só 27% das residências do Brasil têm TV paga, um dos índices mais baixos da América Latina — diz Oscar Simões, presidente da ABTA. — Esse uso (do vale) vai atender a uma parcela significativa da população que tem a TV como única fonte de informação e entretenimento.
Para Simões, a TV por assinatura tem uma oferta ampla e serve como uma verdadeira “biblioteca digital”.
— Acho o cinema fascinante, insubstituível, mas e as pessoas que não têm cinema em suas cidades? Isso é para elas — diz.
***
Detalhes:
- Quem tem direito:
Trabalhadores que ganham até cinco salários mínimos, ou seja, R$ 3.110. Não terão direito ao benefício servidores públicos, estagiários e aposentados.
- Onde usar:
Segundo a ministra, em “estabelecimentos majoritariamente culturais”, como cinemas, teatros, casas de shows, livrarias, museus e na compra de CDs. Agora também poderá ser usado para adquirir pacotes de TV por assinatura.
- Quanto vale:
O benefício, que é pessoal e intransferível, será entregue ao trabalhador num cartão pré-pago semelhante ao vale-transporte e terá valor de face de R$ 50. A empresa poderá descontar até R$ 5 de seus funcionários para conceder-lhes o vale-cultura.
- Como ganham as empresas:
As companhias que aderirem ao vale-cultura poderão abater até 1% de seu imposto de renda.
- Estimativas do governo:
O Ministério da Cultura acredita que o benefício atenderá a cerca de 18,8 milhões de trabalhadores e que injetará R$ 11,3 bilhões na indústria cultural.
- O que falta ainda:
O vale-cultura tramitou no Congresso por três anos e foi sancionado em dezembro. Hoje, a presidente Dilma Rousseff deve assinar um decreto de regulamentação que dará poder aos ministérios para transformar o cartão em realidade. O MinC, que baixará portarias sobre o assunto, acredita que o vale estará funcionando no mês de junho.
fevereiro 22, 2013
Para Ministra, Game Não é Cultura. Sim, Ele É. por Kao ‘Cyber’ Tokio, Cyber Geek
Para Ministra, Game Não é Cultura. Sim, Ele É.
Post de Kao ‘Cyber’ Tokio originalmente publicado no blog Cyber Geek em 20 de fevererio de 2013.
Estive na terça-feira, dia 19 de fevereiro, na Assembléia Legislativa de São Paulo para acompanhar a audiência pública com a Ministra da Cultura Marta Suplicy sobre a adoção do Vale Cultura, instrumento idealizado para fomentar o acesso aos meios culturais disponibilizados no país, e apresentado pela ministra como “alimento para a alma”.
Assim como outras realizações do gênero, o projeto tem grande potencial para alcançar sua proposta fim, qual seja, permitir que pessoas com até dois salários mínimos possam empenhar seus valores com aquilo que, em sua acepção, melhor se configurar como “cultura”. O projeto ainda está em fase de formatação e, nesse sentido, o movimento da ministra em abrir sua agenda para ouvir as opiniões de representantes de classe e demais interessados é louvável, pois permite considerar possibilidades até então não imaginadas pela equipe do ministério, como, por exemplo, a possibilidade ou não de disponibilizar essa verba para o financiamento de fantasias de carnaval, como sugeriu um participante da audiência.
Interessado no tema, compareci ao evento como representante da pesquisa em cultura de games, certo da ideia de que a cultura digital, por meio de sua vertente mais visível e cativante, isto é, as mídias de entretenimento eletrônico, estaria contemplada como produto cultural a ser incluído no projeto. Curiosamente, não foi o que ouvi. Consultada pelo pesquisador e designer de games Francisco Tupy sobre suas impressões a respeito do tema e os consequentes desdobramentos desta inclusão para o fometo da insurgente economia criativa de produtores nacionais de jogos, o ministra mostrou-se incialmente reticente, para, em seguida, expor com clareza suas opiniões, conforme segue a transcrição de gravação do evento:
Francisco Tupy – “O que o ecosistema que trabalha com jogos digitais, pesquisadores, desenvolvedores, professores etc pode esperar do Vale Cultura?”
Marta Suplicy – “No caso dos jogos digitais, o assunto ainda não foi aprofundado o suficiente, mas eu acho que eu seria contra. Eu não acho que jogos digitais sejam cultura […] Mas a portaria é flexível. Na hora em que vocês conseguirem apresentar alguma coisa que seja considerada arte ou cultura, eu acho que pode ser revisto. No momento o que eu vejo é outro tipo de jogo. Encaminhem para o ministério as sugestões que vocês estão fazendo. Eu tenho certeza que talvez vocês consigam fazer alguma coisa cultural. Mas, por enquanto, o que nós temos acesso, não credencia o jogo como cultura. O que tem hoje na praça, que a gente conhece (eu posso também não conhecer tanto!) não é cultura; é entretenimento, pode desenvolver raciocínio, pode deixar a criança quieta, pode trazer lazer para o adulto, mas cultura não é! Boa vontade não existe, então, vocês vão ter que apresentar alguma coisa muito boa”.
A fala da ministra é curiosa, visto que, ao iniciar o evento, Marta comentou que, recentemente questionada se, com o Vale, seria possível “comprar tudo, qualquer livro ou revista”, sua pronta resposta afirmava: “Pode. É a demanda que vai fazer algumas coisas frutificarem e outras não. As pessoas vão poder escolher, e isso é que vai ser interessante”. Mais à frente, em sua apresentação, a mesma ministra, ao refletir sobre a necessidade de uma atualização das leis para o Direito Autoral, mostrou-se mais atenta às possíveis transformações midiáticas e tecnológicas para este meio do que quando pondera sobre a cultura do entretenimento digital. Na fala, Marta afirmou que “Nós vivemos um momento de transição, em que vamos passar de algo de um século passado, que virou tão passado, como o século XX, para um século em que não temos ideia da rapidez com que tudo vai acontecer”. Nesse sentido, ao decretar os jogos eletrônicos como mero entretenimento, a ministra mostra não apenas desconhecimento sobre o assunto, mas passa a impressão de considerar que determinados temas merecem mais atenção quanto ao seu potencial cultural e mercadológico futuro do que outros. Autores de obras literárias, devem ser protegidos e recompensados por seu trabalho cultural. Produtores de mídias interativas…?
Nota-se, portanto, que o Ministério da Cultura precisa, com efetiva urgência de subsídios que o façam ver com outros e melhores olhos a rica produção cultural dos jogos digitais e sua efetiva contribuição para o aprimoramento de seus praticantes, como indivíduos e seres sociais. Este texto, vem com a pretensão de abrir este diálogo com o ministério, de modo que outros pensadores nacionais possam também se manifestar, promovendo uma saudável rodada de reflexões, que deixem claro como, entre outras tantas vertentes culturais, o game tem destacada presença.
Para o Prof. Dr. Roger Tavares, criador e mantenedor da Comunidade GameCultura, todas as mídias passam por um período de estranhamento e adaptação, até a sua aceitação como cultura. Em seu texto “Game Cultura”, de 2005, o pesquisador fala sobre o advento do livro em seus primórdios: “O próprio livro, que hoje é o representante maior da alta cultura, da verdade, e tradições como ciência e religião, teve a sua fase de Nova Mídia, e sofreu diversos ataques, tais quais os videogames sofrem hoje. Apenas para citar alguns: superficialidade, entretenimento, promiscuidade, violência e saúde”. Mais à frente, no mesmo texto, Tavares cita as apreenssões sociais em relação à potencial violência presente no singelo ato da leitura: “Roger Chartier (1999, 100), um dos mais consagrados historiadores do livro hoje, toma mão de descrições da leitura como ‘um perigo para a ordem pública, um narcótico (expressão usada por Fichte), ou como um desregramento da imaginação e dos sentidos’”.
Em seu livro “Game Over”, a Profa. Dra. Lynn Alves dedica um capítulo exclusivamente ao esclarecimento da produção midiática dos games como elemento de caráter inequivocamente cultural. Em sua avaliação, a partir dos conceitos de Clifford Geertz, para quem a cultura pode ser entendida como “sistemas entrelaçados de signos interpretáveis”: “Compreender a cultura como um sistema semiótico implica atentar para um elemento que emerge na sociedade a partir da década de 1950 e que intensifica a imersão em um novo ambiente semiótico, constituído basicamente de signos, ícones e sinais: a informática”. Na sequência, a autora completa sua definição, com ênfase na cultura do entretenimento digital: “Ao desvendar o enigma dos suportes informáticos e suas implicações culturais, defrontamo-nos com uma nova cultura, a cultura da simulação, que está presente nos modelos computacionais e, de forma mais intensa, nos jogos eletrônicos” (p. 28).
Para Marshall McLuhan, que anteviu a migração da humanidade rumo à convivência com as novas mídias no livro “Os Meios de Comunicação como extensões do homem”, a ideia aristotélica sobre a tragédia como representação e catarse das pressões angustiosas se aplica perfeitamente a toda espécia de jogos, danças e diversões. O autor afirma que “os jogos são extensões do homem social e do corpo político, como as tecnologias são extensões do corpo animal. Tanto os jogos como as tecnologias são contra-irritantes, ou meios de ajustamento às pressões e tensões das ações especializadas de qualquer grupo social. Como extensões da resposta popular às tensões do trabalho, os jogos são modelos fiéis de uma cultura” (p. 264).
Saindo momentaneamente das linguagens artísticas, tão somente no desejo de mostrar como nossa relação de com as novas tecnologias frequentemente nos causa apreensão ou evidencia nossa limitada perspectiva de suas potencialidades, Sergio Bairon, Livre Docente pela Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo, decreve em seu livro “Multimídia” as primeiras experiências da população com a energia elétrica: “Quando a luz elétrica começou a surgir no final do século XIX penetrando no cotidiano, aos poucos, de todos, as pessoas achavam que dali emanava um conjunto de raios que poderia cegá-las. Após algum tempo se acostumaram e não podiam mais viver sem luz elétrica” (p. 66).
Esta aversão à insurgência de novas tecnologias permanece ainda hoje. O sociólogo Domenico de Masi já identificava em sua obra “O Ócio Criativo” o vanguardista grupo por ele denomiado como “digitais” e os “não-digitais”, temerosos em relação ao incerto futuro: “Da mesma forma como são otimistas os que aderem ao paradigma ‘digital’, são pessimistas os que ficam de fora: amedrontados pela avalanche de novidades que não param de surgir, em vez de aproveitar as vantagens que tais coisas proporcionam, só vêem motivos para pânico” (p. 267). Da mesma forma, pode-se inferir que os “não-gamers” só vislumbram aspectos negativos nas narrativas digitais. Talvez seja hora de rever posturas, conceitos e preconceitos.
Este texto se encerra como um primeiro movimento, em busca de um canal de diálogo com os representantes do governo e seus interlocutores do Ministério da Cultura, para que possam ser ouvidos outros pensadores contemporâneos que atestem com mais clareza e ênfase os aspectos iminentemente culturais dos games e suas contribuições sociais no âmbito individual, familiar, profissional, sociocultural e na transformação de jovens em cidadãos melhores e mais integrados, responsáveis por um novo mundo, admirável e superior. Teóricos como Johan Huizinga, Aristóteles, Steven Johnson, Nicholas Nigroponte, Jesper Juul, Lucia Santaella e tantos outros certamente em muito contribuirão para a renovação de velhos axiomas e a aceitação da cultura proveniente dos jogos eletrônicos.
Ficamos (eu e, certamente, outros pesquisadores da cultura de games) à disposição da ministra e seus assessores para mais informações e conteúdos que permitam um novo olhar para os desafios da cultura no novo século.
Kao ‘Cyber’ Tokio é agente cultural, artesão, ilustrador, roteirista e cenógrafo, com graduação em Educação Artística e Artes Cênicas pela Belas Artes de São Paulo e especialização em Mídias Interativas pelo Senac de São Paulo, professor de Design de Games e Design Digital. Escreve regularmente para os sites GameStorming, Game Cultura, CS:Games e Aperta Start
Games são arte? por Aline Ridolfi, Estado de São Paulo
Games são arte?
Matéria de Aline Ridolfi originalmente publicada no caderno Link do jornal Estado de S. Paulo em 17 de fevereiro de 2013.
O MoMA abre em março sua mais nova exposição com uma coleção de 14 games e divide opiniões sobre o valor artístico dos jogos
LEIA o anúncio no MoMA: "Video Games: 14 in the Collection, for Starters"
NOVA YORK – A nova seção do Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York divide opiniões. A partir de março, as obras de Frida Kahlo, Henri Matisse, Andy Warhol e Pablo Picasso que fazem parte do acervo permanente vão dividir as atenções dos visitantes com Pac-Man, Sim City e Minecraft, entre outros games, adquiridos pelo museu.
A decisão foi considerada ousada mesmo para um dos mais importantes museus de arte do mundo. “Estamos muito orgulhosos de anunciar que o MoMA adquiriu uma seleção de 14 games, os primeiros de uma lista de cerca de 40 a serem adquiridos em um futuro próximo”, disse com entusiasmo Paola Antonelli, curadora sênior do departamento de arquitetura e design do MoMA. O museu inaugura oficialmente em 2 de março não apenas a exposição desses itens, mas também uma nova seção para comportá-los.
Quem passar pela galeria Philip Johnson vai visualizar e interagir com os títulos escolhidos. Em uma viagem pelo tempo, os visitantes vão poder observar a evolução dos jogos desde os primeiros games produzidos em massa, com Pac-Man (de 1980), até versões mais elaboradas e recentes, como Canabalt, lançado quase 30 anos depois. Quem quiser também vai poder jogá-los no museu.
“Videogames são o melhor exemplo de design interativo. Nosso trabalho no museu é documentar o que acontece de relevante para a sociedade”, disse Paola Antonelli ao Link. Responsável pela escolha dos títulos incluídos no acervo, a curadora confessa que ela e sua equipe – composta por gamers de todos os níveis, acadêmicos, especialistas em conservação e distribuição digital, historiadores e críticos – fizeram questão de testar pessoalmente inúmeros jogos para garantir que a seleção representasse o conceito da coleção.
Nova estética. Mas videogame é arte? Para Paola, a resposta é sim e está documentada em um post assinado por ela no blog do MoMA. Quando perguntada a respeito ela não nega, mas enfatiza o caráter de registro que justifica a iniciativa do museu. “Não criamos hierarquias. Os videogames são artefatos que realmente representam a cultura e o design da nossa época”, diz.
Como em todas as outras coleções do museu, a intenção da curadoria é valorizar “itens que combinem relevância histórica e cultural, expressão estética, visões inovadoras de tecnologia e comportamento, e uma boa síntese de materiais e técnicas que alcancem sua meta inicial”, afirma Paola.
Christiane Paul, curadora adjunta de artes das novas mídias do Museu Whitney de Arte Americana e autora do livro Digital Art (sem edição brasileira), diz que os games são “uma nova forma de cultura” e reconhece a importância da aquisição do MoMA também pelo registro histórico. Mas, apesar de acreditar que os games são representantes da nossa era, Christiane discorda do valor artístico da coleção. “Não acredito que videogames se são uma forma de arte no contexto das belas artes – do mesmo jeito que jogos de tabuleiro e de carteado ou revistas e jornais também não podem ser considerados arte”, diz ela. “Qualquer tipo de jogo envolve a arte do design gráfico, ou escultura, ou design interativo, mas isso não significa que o game em si possa ser considerado automaticamente uma obra de arte.”
Muitos jogos são violentos, o que pode parecer antiético do ponto de vista artístico, mas eles também têm cenários complexos e sofisticados dignos de – por que não – uma obra de arte. “Não consideraria Quake ou Doom obras artísticas, mas ao mesmo tempo não nego que eles são fundamentais para a história da representação gráfica em mundos virtuais”, diz ela
Para os que pensam que os videogames são apenas brincadeiras de criança (ou de adultos imaturos), o MoMA rebate afirmando que eles não só são retratos de uma geração como também podem ser considerados itens revolucionários – aproximando essa nova coleção de outras mais tradicionais.
Como pontuam seus apoiadores, os cenários e narrativas desenvolvidos nos jogos ganham vida através do comportamento de seus jogadores, não só individualmente, mas também no coletivo. Um jogo criado com um propósito específico pode ser usado de forma educativa, social, para testar novas experiências e até mesmo induzir emoções.
A passagem por cenários diferentes, as narrativas não-lineares que desafiam a compreensão espaço-tempo e a evolução estética das novas tecnologias são todos elementos que devem ser levados em conta para fazer a análise de um jogo digital, assim como em grandes obras de arte. “Existem alguns projetos de games que podem ser considerados arte, e arte em games tem se tornado um gênero importante da prática artística nos últimos 15 anos”, diz Christiane. “Porém, se todos os games que o MoMA adquiriu podem ser considerados arte é uma questão que segue em discussão.
fevereiro 20, 2013
Fora de foco por Paula Alzugaray, revista Select
Fora de foco
Artigo de Paula Alzugaray originalmente publicado na revista Select em 6 de fevereiro de 2013.
Ao discutir o “vazio da cultura”, Carta Capital mostra falta de discernimento em sua apreciação da realidade cultural brasileira contemporânea
O dossiê cultural produzido pela revista Carta Capital de 6 de fevereiro quer discutir um suposto “vazio da cultura”, mas o que faz, na realidade, é mostrar o entendimento esvaziado que a imprensa brasileira tem da produção artística e cultural contemporânea.
Os motivos que levam os editores da revista a dedicar 13 páginas a tal corpo de matérias são notáveis: faz-se premente atentar para a necessidade de políticas de estado para a cultura, que funcionem independentemente da existência de renúncia fiscal e que livrem a cultura de sua submissão às leis do mercado – mecanismo vicioso que cria relações desiguais entre as partes.
O problema é que a Carta Capital sustenta seus argumentos sobre a tese de que a cultura brasileira “se encontra debilitada em relação ao passado cultural recente do país”. Ora, mas uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa.
Uma coisa é falar do perigo de achatamento cultural produzido pelos interesses canibais da indústria cultural, da imbecilização do Brasil ou do papel central que a Rede Globo possa exercer nesse processo. Outra coisa é comparar Pixinguinha com Claudia Leitte, como se não houvesse Marisa Monte, Arto Lindsay, Otto, Lucas Santanna. Comparar Portinari com Romero Brito, ignorando solenemente as três gerações de pintores que, desde anos 1980 aos anos 2010 nos brindam com a arte vigorosa de Dudi Maria Rosa, Paulo Pasta, Rodrigo Andrade, Fabio Miguez, Rodrigo Bivar, Tatiana Blass... Só para começar a falar de pintura.
É no mínimo questionável que se isole Paulo Mendes da Rocha e Paulinho da Viola no altar dos “maiores da atualidade”. Não porque não sejam grandes. De forma alguma. O que se questiona aqui é uma tendência a observar a cultura como ranking, cotação, pódio esportivo. O problemático é não entendê-la em sua complexidade, transversalidade, diversidade.
Para a indagação de que a cultura brasileira “se encontra debilitada em relação ao passado cultural recente do país”, o crítico Alfredo Bosi, entrevistado sobre as tensões entre indústria cultural e resistência artística: “Não existe uma cultura brasileira única e homogênea”. Com essa frase, Bosi desconstrói pela raiz a tese do vazio cultural.
É verdade que a revista dedica três generosas páginas a uma cuidadosa análise de O Som ao Redor, revelação de Kleber Mendonça Filho, que despontou como uma flor no deserto intelectual dos megalançamentos do mercado cinematográfico. E assim faz muito bem o seu papel. Outras semanais não o fizeram. É um grande equívoco, porém, relegar a existência de vida inteligente na cultura brasileira a uma zona de “relativa escuridão”. Depois que surgiu a internet, não existe a escuridão. É bom lembrar que muito antes de explodir como a musa do tecnobrega e chegar à projeção global como jurada no caldeirão do Huck, a cantora paraense Gaby Amarantos surgiu como um fenômeno viral no YouTube.
“Que vazio? Vamos ocupar esse vazio!”, indagou Ivana Bentes, professora e pesquisadora da Escola de Comunicacão da UFRJ, no debate travado nas redes sociais essa semana. “Essa matéria da Carta Capital! é sintoma, mais do que "diagnóstico"! Sintoma de um tipo de discurso, grupo social e mídia que perdeu poder de "formar" opinião. Parte da produção cultural contemporânea passa por outros circuitos de legitimação, dos próprios pares, redes e grupos. Crise de quem "autenticava" e carimbava "isso é cultura!" É fato que existe uma indústria cultural no Brasil que "forma" e "deforma", mas não é esse discurso do "vazio" que vai apontar as novas dinâmicas, processos, em curso. Paradoxalmente a indústria cultural está mais atenta a nova cena cultural que esse discurso do "vazio".
Outro sintoma do autoritarismo a que Bentes se refere é o statement do colunista de Carta Capital, Vladimir Safatle, de que não existe revista de crítica de arte no Brasil. Soma-se o comentário desinformado que “artistas plásticos promissores continuam a aparecer em várias partes do mundo”. Menos no Brasil.
Quando todos os olhos do sistema de arte internacional se voltam para o contexto artístico brasileiro – a exemplo de três casos mais recentes, como a coleção suíça de arte latino-americana ganhar sede no Rio de Janeiro; a maior galeria do Reino Unido abrir filial em São Paulo; e o Centre Pompidou de Paris viajar para “dialogar” com a coleção de arte brasileira do MAM SP – fica improdutivo embarcar nesse tipo de argumento.
Existe, portanto, a imposição de um vazio que não existe. A revista apresenta um sintoma de astigmatismo, uma visão sem discernimento da realidade.
A cultura do vazio por Carlos Henrique Machado Freitas, Trezentos
A cultura do vazio
Artigo de Carlos Henrique Machado Freitas originalmente publicado no blog Trezentos em 4 de fevereiro de 2013.
A edição da Carta Capital da semana que passou, projeta em lentes fortes e canhões de luz o vazio da cultura brasileira. O artigo assinado por Mino Carta dá conta da imbelicilização da cultura do espetáculo. O bombardeio em parte serve como grande lição de um dos gurus do jornalismo brasileiro. Mas mesmo esse mirante impaciente que proporciona sensações fortes quando denuncia o desastre da informação, não faz uma observação inédita e curiosamente também não faz uma autocrítica.
Quem esperou que o debate proposto por Mino se tornasse mais profundo, frustrou-se, pois seu aprofundamento foi basicamente no próprio sistema da mídia e sua subordinação ao capital. No mais o conteúdo normativo de seu artigo não trata exatamente de nossa identidade, de nosso território, de nosso chão. E quando ele não fala do território, não trata da base, do trabalho, da resistência, da troca de materiais da própria vida espiritual que influi de forma determinante no território cultural.
Há ali uma queda de braço fundamental com a mídia, mas parece que Mino não enxerga assim. O próprio sistema de relações constituídas dos espaços culturais, públicos e privados, não está no conteúdo do seu artigo. Mino pega um fragmento, um princípio geral da cultura de massa e ataca os produtos escolhidos, mas sua visão armazena um sentimento equivocado de que existe uma estrita obediência da população aos mandamentos que regem a produção de cultura do entretenimento. Pior, Mino pára no tempo e perde a capacidade de acrescentar que, por meio de uma organização social, há um quadro sendo modificado e com resultados importantes para o Brasil, como é o caso dos Pontos de Cultura.
Talvez por condicionamento de entender a cultura como força central do que foi imposto pelas classes dominantes, o artigo de Mino Carta pinta uma paisagem aonde as condições da criatividade brasileira não inflamam mais os espíritos e nem sensibilizam mais os corações.
Com todo o respeito intelectual que Mino merece, faltou, para dar brilho ao seu artigo, o calor humano que ele cobra. Talvez assim ele pudesse ter uma visão mais ampla de todas as manifestações polivalentes do verdadeiro monumento que é a cultura brasileira.
Mesmo sendo um intelectual singular, Mino não se arriscou a indagar que São Paulo, por exemplo, vista pelos olhos de Gilberto Dimenstein (Folha), é a capital da economia criativa. Poderia perguntar não só a ele como ao próprio Ministério da Cultura, o que é isso. Pois até agora ninguém sabe, apesar dos inúmeros simpósios e conferências internacionais sobre o tema aqui no Brasil.
Mas o que a meu ver deveria ser uma obrigação é Mino escrever sobre o dinheiro público que banca, por exemplo, uma Bienal do Vazio que representa com fidelidade a sofreguidão que vive a cultura institucional no Brasil. Aquela bienal que sequer as baratas deram sinal de vida. Ali sim foi jogada poeira na inteligência nacional.
Dessa forma Mino Carta poderia escrever mais sobre a musculosa língua, quase um dialeto secreto com que a gestão corporativa de cultura (terceiro setor) tem nos brindado, até porque numa projeção minimamente aguçada, ele seria capaz de perceber que o campo plástico da cultura dos departamentos de marketing das leis de incentivo é fidelíssima à fidalga mídia nacional. Diria mais, que essa velha mídia está sendo transplantada e por encomenda, senão pelos próprios donos dela, pelos filhos genuínos dessa elite, sobretudo a paulistana para os espaços institucionais da cultura, públicos e privados.
Vai aqui a minha sugestão, para que outros artigos nutridos pelo mesmo tema avancem, dado o processo adiantado de uma ideologia baseada no cotidiano das classes dominantes com seus institutos, fundações e OSs ligados à grandes corporações. Sim, porque o que antes era quase imperceptível, no momento atual é gritante. E isso tem transformado profundamente a paisagem institucional da cultura brasileira aonde a simbologia e a ideologia da cultura de massa estão sendo substituídas por outra simbologia também fixa e vazia com pedagogia própria para expansão do ciclo das oligarquias brasileiras.
Resposta ao apocalipse por Michel Laub, Folha de S. Paulo
Resposta ao apocalipse
Artigo de Michel Laub originalmente publicado no jornal Folha de S. Paulo em 15 de fevereiro de 2013.
Faça o teste: digite o nome de qualquer hit brasileiro dos anos 1980 no YouTube. Entre os comentários, 99% de chance de alguém ver ali os vestígios de uma era de ouro. A nostalgia inclui Rádio Táxi, Dr. Silvana, até o ursinho Blau-Blau, e pode ser resumida nas palavras do internauta Xreynato: "A mídia só dá valor para essas porqueiras de hoje".
Seria injusto dizer que foi isso, mas em alguns momentos pareceu isso o que fez a "Carta Capital" de 6/2. Sob a manchete "O vazio da cultura", nomes como Vladimir Safatle, Daniela Castro e Rosane Pavam diagnosticaram a situação da área no país. O tom geral é o de que não há mais grandes artistas, não há políticas públicas efetivas e a produção sucumbiu ao mercado e à vulgaridade.
Daria para responder de várias formas. Para começar, o passado sempre leva vantagem: é fácil citar três ou quatro mortos, pinçando-os entre centenas na vulgaridade de quando estavam vivos, e comparar suas obras hoje completas, de sentidos evidenciados por anos de distanciamento, com o caos fragmentário atual.
Também não enxergo a irrelevância brasileira, como defende Safatle, diante de equivalentes contemporâneos. Entre eles, a literatura chilena (unicamente Roberto Bolaño, que morava fora do país e lá situou seus melhores romances) e o cinema argentino (do qual só nos chegam os filmes importantes, alguns nem tão bons, quase todos sobre rescaldos da ditadura na vida de Ricardo Darín).
Mas gosto é discutível, claro. Interessa-me é outro ponto do artigo do professor: o que ele chama de "inibição do julgamento", que seria causa ou efeito de fatores como relativismo e condescendência populista. Sem crítica cultural rigorosa, diz o texto, não é possível consolidar uma cena com "capacidade de induzir novos artistas e dar visibilidade a problemas comuns".
O diagnóstico está correto em parte. De fato, o hábito de acompanhar a produção e medi-la sob a régua da elite pensante, no bom sentido do termo, está em crise. Um problema até quantitativo: quem consegue ler 50%, 30%, 1% dos livros publicados hoje? E quem está dando uma resposta analítica relevante nesse novo cenário?
Discordo é da conclusão de Safatle: a relação entre qualidade do que se produz e preparo e disposição de quem julga não é necessariamente direta. A primeira pode sobreviver sem a segunda. Da parte dos que se dedicam à tarefa de ser "antena cultural", e como colunista também integro o time, o embaralhamento de hierarquias parece se misturar à consciência melancólica da perda de poder.
Parece uma conclusão dura, mas só ela explica que --como faz Mino Carta no editorial da revista-- se considere o atual panorama tão pior que o de décadas anteriores. Cresci entre o fim do regime militar e o governo Sarney, e sei o que é ficar a mercê de pouquíssimos canais de difusão cultural --Embrafilme, meia dúzia de gravadoras e editoras, TV aberta sem concorrência.
Se falamos em indústria cultural, é lógico que ela terá menos poder numa época de hiperprodução descentralizada. Nos anos 1980, quando se tinha notícia de uma parte bem maior do que era lançado, a "crítica de peso" até tinha elementos para dizer que nada prestava (e dizia, lembro bem). Hoje, diante de um panorama infinito de artistas, obras e gêneros, que vão dos quadrinhos aos instrumentistas eruditos, do rap ao vídeo experimental, fazê-lo requer limitar a análise ao "mainstream" ou cair num reducionismo pretensioso.
Ao avaliar os últimos dez anos, Safatle não cita a palavra internet. É ela que, com o barateamento dos meios de produção de conteúdo, num impacto análogo ao da invenção da imprensa ou da revolução industrial, tornou a nova era tão difícil de ser interpretada. O cânone crítico sofreu com isso, não há dúvida, o que posso até lamentar. Quanto à arte, que é capaz de superar limites mercadológicos, tecnológicos e sociais (ou a falta deles), não vejo motivo para tanto pessimismo.
Afinal, nenhum contexto impede que a ele se reaja criativamente. Machado de Assis, um negro, surgiu no período escravocrata. A própria "Carta Capital" o cita e dá voz a nomes --como Kleber Mendonça, diretor de "O Som ao Redor"-- que seriam exceções ao apocalipse. A pergunta é: em que tempo, do Descobrimento a 2012, passando pelo reinado do ursinho Blau-Blau, artistas de verdade não o foram?
A imbecilização do Brasil por Mino Carta, Carta Capital
A imbecilização do Brasil
Editorial de Mino Carta originalmente publicado na revista Carta Capital, Edição 734, em 31 de janeiro de 2013.
Há muito tempo o Brasil não produz escritores como Guimarães Rosa ou Gilberto Freyre. Há muito tempo o Brasil não produz pintores como Candido Portinari. Há muito tempo o Brasil não produz historiadores como Raymundo Faoro. Há muito tempo o Brasil não produz polivalentes cultores da ironia como Nelson Rodrigues. Há muito tempo o Brasil não produz jornalistas como Claudio Abramo, e mesmo repórteres como Rubem Braga e Joel Silveira. Há muito tempo…
Os derradeiros, notáveis intérpretes da cultura brasileira já passaram dos 60 anos, quando não dos 70, como Alfredo Bosi ou Ariano Suassuna ou Paulo Mendes da Rocha. Sobra no mais um deserto de oásis raros e até inesperados. Como o filme O Som ao Redor, de Kleber Mendonça, que acaba de ser lançado, para os nossos encantos e surpresa.
Nos últimos dez anos o País experimentou inegáveis progressos econômicos e sociais, e a história ensina que estes, quando ocorrem, costumam coincidir com avanços culturais. Vale sublinhar, está claro, que o novo consumidor não adquire automaticamente a consciência da cidadania. Houve, de resto, e por exemplo, progressos em termos de educação, de ensino público? Muito pelo contrário.
E houve, decerto, algo pior, o esforço concentrado dos senhores da casa-grande no sentido de manter a maioria no limbo, caso não fosse possível segurá-la debaixo do tacão. Neste nosso limbo terrestre a ignorância é comum a todos, mas, obviamente, o poder pertence a poucos, certos de que lhes cabe por direito divino. Indispensável à tarefa, a contribuição do mais afiado instrumento à disposição, a mídia nativa. Não é que não tenha servido ao poder desde sempre. No entanto, nas últimas décadas cumpriu seu papel destrutivo com truculência nunca dantes navegada.
Falemos, contudo, de amenidades do vídeo. De saída, para encaminhar a conversa. Falemos do Big Brother Brasil, das lutas do MMA e do UFC, dos programas de auditório, de toda uma produção destinada a educar o povo brasileiro, sem falar das telenovelas, de hábito empenhadas em mostrar uma sociedade inexistente, integrada por seres sem sombra. Deste ponto de vista, a Globo tem sido de uma eficácia insuperável.
O espetáculo de vulgaridade e ignorância oferecido no vídeo não tem similares mundo afora, enquanto eu me colho a recordar os programas de rádio que ouvia, adolescente, graciosas, adoráveis peças de museu como a PRK30, ou anos verdolengos habitados pelos magistrais shows de Chico Anysio. Cito exemplos, mas há outros. Creio que a Globo ocupe a vanguarda desta operação de imbecilização coletiva, de espectro infindo, na sua capacidade de incluir a todos, do primeiro ao último andar da escada social.
O trabalho da imprensa é mais sutil, pontiagudo como o buril do ourives. Visa à minoria, além dos donos do poder -real, que, além do mais, ditam o pensamento único, fixam-lhe os limites e determinam suas formas de expressão. O alvo é a chamada classe média alta, os aspirantes, a segunda turma da classe A, o creme que não chegou ao creme do creme. E classe B também. Leitores, em primeiro lugar, dos editoriais e colunas destacadas dos jornalões, e da Veja, a inefável semanal da Editora Abril. Alguns remediados entram na dança, precipitados na exibição, de verdade inadequada para eles.
Aqui está a bucha do canhão midiático. Em geral, fiéis da casa-grande encarada como meta de chegada radiosa, mesmo quando ancorada, em termos paulistanos, às margens do Rio Pinheiros, o formidável esgoto ao ar livre. E, em geral, inabilitados ao exercício do espírito crítico. Quem ainda o pratica, passa de espanto a espanto, e o maior, se admissível a classificação, é que os próprios editorialistas, colunistas, articulistas etc. etc. acabem por acreditar nos enredos ficcionais tecidos por eles próprios, quando não nas mentiras assacadas com heroica impavidez.
O deserto cultural em que vivemos tem largas e evidentes explicações, entre elas, a lassidão de quem teria condições de resistir. Agrada-me, de todo modo, o relativo otimismo de Alfredo Bosi, que enriquece esta edição. Mesmo em épocas medíocres pode medrar o gênio, diz ele, ainda que isto me lembre a Península Ibérica, terra de grandes personagens solitárias em lugar de escolas do saber. Um músico e poeta italiano do século passado, Fabrizio de André, cantou: “Nada nasce dos diamantes, do estrume nascem as flores”. E do deserto?
fevereiro 13, 2013
Arte não era contemplação, mas sim enfrentamento, diz Waltercio Caldas por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Arte não era contemplação, mas sim enfrentamento, diz Waltercio Caldas
Entrevista de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha de S. Paulo em 6 de fevereiro de 2013.
Waltercio Caldas é o artista brasileiro que mais fez exposições nos últimos 25 anos.
Ainda assim, cerca de 60% das 84 obras que serão exibidas a partir de quinta-feira (7) na mostra "O Ar Mais Próximo e Outras Matérias", individual de Caldas na Pinacoteca do Estado, nunca foram expostas na cidade.
"Ele pode ser o artista mais visto, mas dificilmente é o mais compreendido", diz o curador da mostra, Gabriel Pérez-Barreiro, diretor da Coleção Patricia Phelps de Cisneros, o maior acervos privado da América Latina.
"É possível conhecer as obras de muitos artistas apenas por sua descrição, mas não é o caso do Waltercio", explica Pérez-Barreiro. "É preciso estar na presença de suas obras para de fato poder conhecê-las."
A diversidade de suportes, materiais e temáticas tornam a obra de Caldas de difícil tradução, extrapolando os rótulos limitantes em geral aplicados a ela, como arte conceitual ou arte minimalista.
"O Ar Mais Próximo e Outras Matérias" passou pela Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, e segue em outubro para o Museu Blanton, da Universidade do Texas, nos Estados Unidos.
Caldas, 66, faz parte de uma geração de artistas surgidos nos anos 1970, como Tunga e Cildo Meireles, que reintroduziu a arte contemporânea no circuito institucional, após rompimento promovido por artistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark nos anos 1960 e 1970.
Oiticica e Clark deixaram de criar obras para museus, propondo trabalhos em ambientes não convencionais, como a própria casa do artista ou as ruas da cidade.
"Percebemos que havia uma certa ingenuidade [por parte de Oiticica e Clark] na maneira como tratavam a questão institucional", diz o artista.
Leia a seguir trechos da entrevista à Folha.
Folha - Cerca de 60% de suas obras nesta exposição nunca foram vistas em São Paulo.
Waltercio Caldas - Eu até fiquei espantado quando percebi isso! Muitos trabalhos só foram exibidos fora do país e alguns, feitos há mais de 30 anos, nunca tinham sido mostrados aqui.
Gabriel Pérez-Barreiro selecionou 84 obras, mas muitas ainda ficaram de fora.
A seleção privilegiou uma característica importante do trabalho: a presença individual deles; afinal, cada um tem uma especificidade formal e plástica, já que trabalho com 60 tipos de materiais distintos, e o fato de a relação entre eles ser também importante em minha poética.
Sempre vi meu processo de trabalho como a possibilidade de ampliar a linguagem. E a questão da linguagem, para mim, é a arte: o estatuto do objeto de arte e do objeto em si. Um quadro do Picasso é, na realidade, uma tela esticada em um gabarito de madeira com tinta aplicada.
Sua geração é vista como aquela que passou a criar para espaços institucionais depois que artistas como Hélio Oiticica e Lygia Clark romperam essa relação. Você concorda com essa análise?
Nós percebemos que havia uma certa ingenuidade [por parte desses artistas] na maneira como tratavam a questão institucional, como se houvesse uma utopia, que não seria mais realizável. Nós enfrentamos a instituição dentro de sua estrutura, pensando a inserção das obras como parte do trabalho.
Mas a geração anterior negou instituições de arte, enquanto vocês a afirmaram, não?
Nós percebemos que talvez não houvesse instituições! Eu lembro que quase não havia galerias no Rio, e o trabalho da Lygia Clark seguia apesar de não haver onde mostrá-lo.
Fiz parte de um movimento que pedia a instalação de uma sala experimental no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro para criar oportunidades a artistas vivos e atuantes.
Foi um espaço conquistado. Eu me atrevo a dizer que não havia nem espaço para os neoconcretos. Eles são mais vistos hoje do que naquela época.
Sua geração teria então criado o circuito institucional?
Eu diria que a idade da inocência havia acabado. De certa maneira, nós éramos pessoas inseridas no mundo real. Ao contrário do que se acreditava, de que a arte fosse uma fuga do real, a arte era uma inserção radical e poderosa dentro do real.
A política dizia isso para nós: que não dava para participar do mundo com utopias, mas existia um mundo real a ser conquistado.
Isso trazia uma urgência de atitudes, que não dava para dizer que arte era contemplação, mas sim enfrentamento.
Tanto que você repara aqui, na exposição, que esse enfrentamento se dá a cada obra. É como se eu achasse que a arte fosse não um sistema de empatias, mas um sistema de enfrentamentos.
O curador da mostra disse conhecer seu trabalho há dez anos, mas que, quanto mais se aproxima dele, mais sua obra parece se afastar. É a esse enfrentamento que você se refere?
Eu sinto pelo meu trabalho a mesma coisa que ele. Veja bem, quando se começa, você tem algumas obras.
Dez, 15 anos depois, você tem outra situação, é preciso lutar contra você mesmo.
É preciso conversar com aquelas afirmações que você já fez e acrescentar novas questões, que às vezes duvidam das afirmações já feitas anteriormente.
Neste novo momento, passa-se a acreditar mais em um processo do que em um fim. Nesse sentido, para mim, arte é um processo de que não se sabe de onde vem nem onde vai dar. E, quanto mais ininterrupto for, melhor para o artista.
Arte pode mudar as pessoas?
Sim, porque a arte sempre oferecerá uma nova expectativa de desconhecido para cada um.
A arte seria uma forma de produzir desconhecimento e, por isso, ela é diferente da cultura. A cultura pode viver do que já conhece. A arte jamais.
RAIO X
WALTERCIO CALDAS
VIDA
Waltercio Caldas Junior nasceu no Rio, em 1946.
CARREIRA
Fez sua primeira exposição coletiva em 1967. Em 1971, participou pela primeira vez de um salão de arte, no MAM, no Rio de Janeiro. Dois anos depois, realizou sua primeira individual, também no Rio. Participou da 1ª Bienal de Havana, em 1984, da "Documenta 9", em Kassel, em 1992, da Bienal de Veneza, em 1997. Ganhou o grande prêmio da Bienal da Coreia do Sul em 2004.
Pinacoteca abre mostra com obras de Waltercio Caldas, Estado de S. Paulo
Pinacoteca abre mostra com obras de Waltercio Caldas
Matéria originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 5 de fevereiro de 2013
"Se o artista tem uma missão, acho que é a de melhorar a qualidade do desconhecido", diz o carioca Waltercio Caldas. Criador consagrado de uma produção erudita, mas, ao mesmo tempo, com senso de humor - de uma obra sofisticada, que se centra na relação do trabalho com o espectador e o espaço que o abriga -, Caldas está sempre a tratar de um campo complexo de reflexão: "as questões da linguagem", como afirma. Fios de lã, vidro, metais, livros, espelhos são tratados pelo artista como materiais - ou objetos - assim como a cor e o ar. A história da arte volta e outra também é indagada por ele em sua carreira. De fato, não é tão fácil entender de primeira toada o universo de sua obra - e esse foi um dos "atrativos" que engendraram a realização da mostra "Waltercio Caldas - O Ar Mais Próximo e Outras Matérias", que será inaugurada quinta-feira na Pinacoteca do Estado.
Não se trata de uma retrospectiva, mas de um "ensaio retrospectivo", como diz Gabriel Pérez-Barreiro, curador desta exposição que já foi apresentada na Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre, e que depois seguirá para o Blanton Museum of Art da Universidade do Texas, em Austin, nos EUA. A mostra reúne mais de 80 obras de Caldas, um conjunto que perpassa mais de 40 anos de sua trajetória.
"O trabalho dele escapa de uma lógica cronológica. Há poucos artistas em que o atrativo é o fato de não poder compreendê-los no sentido de que seus trabalhos colocam a arte no lugar privilegiado, além do seu discurso. Há uma dinâmica de aproximação e afastamento", diz Pérez-Barreiro, que assina a curadoria com Ursula Davila-Villa, do museu Blanton. Reunir um "corpo" de criações do carioca é uma forma de contextualizar sua produção, apresentá-la com peso nos EUA. "O trabalho de Caldas foi muito ignorado ou mal interpretado no mais ou menos recente boom e revisão da arte brasileira fora do Brasil", escreve o curador.
Waltercio Caldas cria imagens, no seu sentido mais puro, tridimensionais, em que não são desconsideradas a relação de sua obra com o espaço e questões como gravidade, transparência, opacidade, presença, ausência e estrutura. "Tudo isso para mim é muito real, objetivo", define. Há quem diga que sua arte é intelectualizada demais, mas o artista rebate essa ideia. "Acho absolutamente inadequado acreditar que exista apenas dois tipos de artistas - os que são sensíveis e os que são intelectuais. Para mim, numa obra de arte, tudo está em jogo. A emoção, o pensamento, o desejo, o intelecto, nada é desconsiderado. Pensar é uma sensação, um sentimento", afirma, considerando a dualidade estanque entre razão e emoção como algo do "século 18".
Artista de uma "geração sem slogan" e sem "ismos", como ele próprio diz, a da década de 1960, da qual fazem parte também Tunga, Cildo Meireles, José Resende e Antonio Dias, entre outros, cada um de caminho diferente, Waltercio Caldas propõe jogos e seus temas são "circunstanciais" - "a imagem realiza a autonomia da palavra". Sua instalação "O Ar Mais Próximo" (1991), que está no título da exposição, é feita apenas de fios de lã coloridos no espaço, por exemplo.
fevereiro 6, 2013
'É importante que São Paulo se assuma como parte do Brasil', diz Juca Ferreira por Matheus Magenta e Anna Virginia Balloussier, Folha de S. Paulo
'É importante que São Paulo se assuma como parte do Brasil', diz Juca Ferreira
Matéria de Matheus Magenta e Anna Virginia Balloussier originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 2 de fevereiro de 2013.
O baiano Juca Ferreira comemora triplo aniversário: fez 64 anos anteontem, um mês à frente da Secretaria da Cultura paulistana ontem e um ano de filiação ao PT hoje. "No dia de Iemanjá", diz.
O ex-ministro da Cultura (2008-2010) chega a São Paulo com a meta de garantir uma "identidade plural e complexa" à "cidade mais negra e nordestina do Brasil".
Cita coluna no site da Folha em que Gilberto Dimenstein discute a importação de "um baiano" para a pasta da Cultura. "Acho que foi brincadeira. A cidade já ultrapassou esse nível de provincianismo contra quem é de fora."
E defende uma abertura a novos segmentos culturais e à periferia. "Parte desta São Paulo do século 21 ou é proibida ou é criminalizada ou é invisível", explica.
Juca assume a pasta com um recorde negativo. Em 2013, terá menos de 1% do orçamento municipal de R$ 42 bilhões (cerca de R$ 370 milhões). A média histórica era de 1,3%.
Depois do MinC, Juca passou os últimos dois anos trabalhando na Espanha, com a mulher e o filho de dois anos, mas diz que já sentia ser a hora de voltar ao país.
Depois de um telefonema do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, ex-colega na Esplanada, topou chefiar a pasta da cidade que "tem importância de ministério".
Seu primeiro programa será o lançamento, na próxima terça-feira, do movimento #existedialogoemsp. "Vi que, em torno da música do Criolo ["Não Existe Amor em SP"], há todo um sentimento de atualização da cidade."
Leia abaixo a íntegra da entrevista.
Folha - Como o sr. avalia a cena cultural de São Paulo?
Juca Ferreira - A cidade já tem a maior noite do mundo e uma cultura contemporânea que não deve a nenhuma cidade no mundo. Mas é preciso incluir e integrar a periferia e segmentos culturais importantes que ainda não têm reconhecimento do poder público.
O que o sr. irá fazer como secretário para promover essa inclusão?
É preciso incluir toda a população da cidade, desenvolver em todo o território serviços culturais, fazer com que esses equipamentos funcionem plenamente, permitir que a gente tenha políticas públicas para a cultura. Por exemplo, nós temos 54 bibliotecas. A gente precisa de uma política de livre leitura, que em parte se realiza dentro das bibliotecas, em parte fora das bibliotecas. As bibliotecas não podem ficar esperando a pessoa chegar e pedir um livro. As bibliotecas têm que promover o hábito da leitura, promover o livro e a leitura. Então, temos que ter um plano municipal do livro e da leitura, a exemplo do plano nacional. Isso, inclusive, permitirá captar recursos, que existem recursos previstos para os municípios que têm plano municipal de livro e leitura. Precisamos ter políticas culturais, não basta ter os equipamentos. Então, para construir essas políticas culturais e para desenvolvê-las, para executá-las vai precisar de recursos. É uma demanda natural, é um processo natural e existe uma expectativa na medida em que fez parte do projeto apresentado na campanha pelo prefeito [Fernando] Haddad: o fortalecimento da cultura na cidade.
Um artigo do colunista da Folha Gilberto Dimenstein discutiu a necessidade de São Paulo importar um baiano como secretário da Cultura.
Aquele artigo teve uma importância para mim porque gerou solidariedade. A cidade já ultrapassou esse nível de provincianismo contra quem é de fora. Só que tem de haver uma atualização da autoimagem de São Paulo. Ela não é monotemática. Pela sua complexidade, inevitavelmente terá de ter uma identidade plural e complexa. Acho que posso contribuir para o sentimento de que São Paulo faz parte do Brasil.
É a maior cidade nordestina do país. Numericamente, São Paulo é a cidade mais negra e mais nordestina do Brasil. Isso é algo que não pode ficar invisível.
E acho que a Virada Cultural tem que ter forró também. Falei com o [ex-ministro da Cultura Gilberto] Gil sobre a importância de São Paulo se assumir como parte do país.
Como ministro da Cultura, o sr. criticava a concentração de recursos da Lei Rouanet em São Paulo e no Rio. Há um conflito agora em pleitear mais recursos para São Paulo?
Isso é um equívoco. Nos oito anos em que eu e Gil fomos ministros, São Paulo teve mais recursos. Pulamos de um orçamento de R$ 287 milhões para R$ 2,3 bilhões em 2010. Então, sem concentrar em São Paulo e no Rio, fomos mais capazes de atender às demandas de São Paulo do que o modelo anterior: mesquinho, restrito e ilegítimo. São Paulo tem que trabalhar por recursos não em detrimento do Brasil, mas junto.
O sr. defende uma fatia mínima do orçamento para Cultura?
Sim. Um percentual mínimo para a cultura garante que o orçamento não seja pequeno. Por coincidência, este ano tem o menor percentual em muitos anos, menos de 1%. A média histórica é 1,3%. Se já era pouco, ficou pior. O prefeito Haddad dá importância à cultura e participarei ativamente da discussão do orçamento para 2014. Acho que 2% seria um percentual bom.
Integrantes do PT criticam o modelo de gestão indireta, via organizações sociais, e a criação de uma fundação para gerir o Theatro Municipal.
Toda instituição pública que tem corpo estável -e o nosso Theatro Municipal tem vários- não pode funcionar no regime da administração direta; senão é inviável.
Sou favorável a fundações de direito público [como a proposta pelo ex-secretário Carlos Augusto Calil]. E, em certas situações, sou favorável à combinação de gestão pública com organizações sociais. Contanto que fique garantida a predominância da administração pública.
Seus antecessores pleiteavam maior participação na gestão do Masp. Qual vai ser a sua política em relação ao Masp?
Sou favorável que os equipamentos, principalmente os mais importantes, tenham um conselho que possibilita exatamente que os gestores de plantão recebam contribuições da sociedade, do setor empresarial, de diversos segmentos da sociedade, do governo, porque a gestão cultural não pode ser um ato isolado. Eu não acredito em política pública feita dentro de gabinete. Política pública de cultura exige necessariamente o diálogo, a participação de vários segmentos culturais e da sociedade na formulação, na execução e na avaliação dessas políticas.
Transições podem ser complicadas ou não. Vide o Gilberto Gil para o sr., vide o sr. para Ana de Holanda no Ministério da Cultura. A herança de seu antecessor Carlos Augusto Calil é bendita ou maldita?
Bendita. A grande diferença que encontro de quando nós chegamos no ministério é que o ministério era um deserto quando nós chegamos. As referências eram pequenas, a não ser referências históricas do Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], o momento em que a Funarte [Fundação Nacional de Artes], que já tinha sido a grande instituição de promoção da cultura brasileira no plano federal, que foi no período da redemocratização.E quando nós chegamos, esprememos o legado e era pouco, não podia nem ser maldito. Eu nunca usei essa expressão porque, na verdade, era deficiente, eu diria. Aqui, não. Certamente, eu implementarei tudo de bom que eu encontrar, manterei tudo de bom que eu encontrar e assumo a responsabilidade de continuar, avançar, inovar, criar e suprir as ausências também.
O que será da Virada Cultural?
Será criada uma curadoria. Como novidade, teremos uma política de eventos para São Paulo, algo articulado, que não exija que tudo aconteça dentro da Virada. Teremos a Virada e outros eventos grandes, médios e pequenos distribuídos ao longo do ano e no território da cidade.
O Vale Cultura perdeu seu poder de compra. O que dá pra fazer com R$ 50 em SP?
Os R$ 50 dão para dois CDs, para um livro ou para um espetáculo... São Paulo é cara. Até hoje estou morando em hotel porque não consegui encontrar um apartamento.
Exposição de William Kentridge é um dos destaques do ano em Porto Alegre por Francisco Dalcol, Zero Hora
Exposição de William Kentridge é um dos destaques do ano em Porto Alegre
Matéria de Francisco Dalcol originalmente publicada no jornal Zero Hora em 30 de janeiro de 2013.
Com obras que fundem artes visuais e cinema, primeira mostra individual do artista sul-africano no país chega à Fundação Iberê Camargo em março
Com carvão, papel e uma câmera de vídeo, o sul-africano William Kentridge tornou-se referência internacional e construiu uma carreira que inclui passagens pelas mostras mais importantes do mundo. E o principal: com trabalhos que borraram as fronteiras que um dia possam ter existido entre artes visuais e cinema.
Colecionando participações na Bienal de Veneza (Itália), na Documenta de Kassel (Alemanha) e na Bienal de São Paulo, o artista de 57 anos protagonizará uma das mais relevantes mostras do ano em Porto Alegre. William Kentridge: Fortuna revelará o perfil múltiplo do artista que trabalha com videoarte, desenho, escultura, gravura, instalação, teatro, ópera e cinema.
Seus desenhos filmados – ou filmes desenhados – são marcados por uma poética politizada que tem como inspiração as memórias evocadas pelo país do apartheid. Um dos destaques é o "flipbook" (livro animado) De Como não Fui Ministro d'Estado, criado especialmente para a mostra brasileira. O artista faz uma intervenção, desenhando sobre as páginas de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, o que resulta em um vídeo. A curadoria da mostra é de Lilian Tone, que trabalha no departamento de pintura e escultura do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA).
de como não fui ministro d'estado - william kentridge from drom fine art on Vimeo.
A primeira grande mostra individual de Kentridge no Brasil é fruto de uma parceria institucional. Está em cartaz no Instituto Moreira Salles, no Rio, chega à Fundação Iberê Camargo (FIC) em 7 de março e depois segue para a Pinacoteca do Estado de São Paulo.
–Em nosso projeto curatorial, até então havíamos trabalhado com exposições exclusivas para a Fundação. Algumas delas depois iam para outros espaços. Desta vez, a união das instituições foi fundamental para trazer uma mostra tão grande e importante como esta do Kentridge – diz Fábio Coutinho, superintendente cultural da FIC.
Também em março, a Fundação abre nova exposição de Iberê Camargo, desta vez com curadoria de um nome internacional, o anglo-brasileiro Michael Asbury, que atua em Londres e já organizou mostras na Tate Modern. A aposta em curadores referenciais no cenário brasileiro resultará ainda em exposições dos artistas Paulo Pasta e Elida Tessler, ambas em junho.
A primeira mostra de arte eletrônica da instituição, programada para setembro, reúne diversos artistas brasileiros. A curadoria é de Solange Farkas, criadora do Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil. Em dezembro, será a vez de a Fundação receber uma retrospectiva do emblemático grupo alemão ZERO, fundado nos anos 1950, em Düsseldorf, e voltado à arte cinética. A mostra é uma parceria com Instituto Goethe, Pinacoteca de São Paulo e Museu Oscar Niemeyer.
Outras mostras da Fundação Iberê Camargo
Iberê Camargo
> O anglo-brasileiro Michael Asbury organiza mostra com obras do acervo da FIC e de outras coleções. De 23 de março a 23 de março de 2014.
Paulo Pasta
> O curador Tadeu Chiarelli, atual diretor do MAC-USP, apresenta exposição do pintor, desenhista, ilustrador e professor Paulo Pasta. De 6 de junho a 25 de agosto.
Elida Tessler
> A curadora Glória Ferreira assina a mostra Gramática Intuitiva, com trabalhos da artista e professora gaúcha Elida Tessler. De 6 de junho a 25 de agosto.
Arte eletrônica brasileira
> Solange Farkas organiza a curadoria da primeira mostra coletiva de arte eletrônica no prédio da Fundação Iberê Camargo. De 5 de setembro a 24 de novembro.
Grupo Zero
> Retrospectiva do coletivo alemão ZERO. De 5 de dezembro a 2 de março de 2014.
Museu de Arte Contemporânea, Bienal do Mercosul, Margs e Santander Cultural apresentam projetos para 2013 por Francisco Dalcol, Zero Hora
Museu de Arte Contemporânea, Bienal do Mercosul, Margs e Santander Cultural apresentam projetos para 2013
Matéria de Francisco Dalcol originalmente publicada no jornal Zero Hora em 30 de janeiro de 2013.
Em novembro, o MAC-RS será transferido da Casa de Cultura para nova sede
Museu de Arte Contemporânea – MAC-RS
Uma programação de mostras mensais a partir de março, na Casa de Cultura Mario Quintana, antecipará um grande acontecimento para o Museu de Arte Contemporânea do Rio Grande do Sul (MAC-RS). Em 10 de novembro, a nova sede da instituição será inaugurada com a exposição MAC 21, que apresentará obras de 21 artistas brasileiros. Nomes de projeção internacional como Cildo Meireles, Nelson Leirner, Paulo Bruscky, Regina Silveira e Carlos Vergara são alguns dos que estarão na mostra.
Depois de 20 anos em busca de um espaço adequado para promover exposições, o MAC será transferido da Casa de Cultura para o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRS), no antigo prédio da Mesbla, no Centro da Capital, onde funciona o campus de Porto Alegre da instituição de ensino. O MAC pretende promover exposições temporárias no térreo e, no mezanino, mostras de acervo – cujas obras ainda permanecerão na reserva técnica da Casa de Cultura. A mostra MAC 21 apresentará mais de 20 trabalhos representativos da arte contemporânea brasileira dos anos 1960 até hoje. Financiada pelos R$ 300 mil do Prêmio Marcantonio Vilaça (edital Funarte/MinC), a aquisição das obras faz parte da política de ampliação do acervo da instituição. O professor, crítico e historiador Paulo Gomes foi encarregado da curadoria do projeto, tendo como objetivo selecionar obras de "representatividade dentro do contexto histórico de produção dos artistas".
Assim, foram compradas produções de artistas de diferentes gerações, incluindo ainda nomes como Elaine Tedesco, Lucia Koch, Gil Vicente, Rosângela Rennó, Maria Lucia Cattani, Alfredo Nicolaiewsky, Jorge Menna Barreto e Rômulo Conceição. Dos 21 artistas, foram adquiridos trabalhos em fotografia, instalação, vídeo, desenho, pintura, escultura, entre outras linguagens e suportes.
– Além de valorizar o acervo do museu, esse projeto possibilitará a ampliação da divulgação pública da arte contemporânea brasileira em nosso Estado – aposta André Venzon, diretor do MAC.
Outras exposições
Fazer e Desfazer a Paisagem
> Em parceria com o Instituto de Artes da UFRGS, a mostra apresentará trabalhos de nomes como Beatriz Rauscher, Bruno Borne, Celeste Wanner, Elaine Tedesco, Eliane Chiron, Lurdi Blauth, Ricardo Cristofaro, Sandra Rey e Shirley Paes Leme. De 2 de março a 7 de abril, na Casa de Cultura.
Joseph Koudelka
> Trabalhos do fotógrafo, que registrou a invasão de Praga em 1968, serão apresentados durante o FestFotoPoA. De 16 de abril a 19 de maio, na Casa de Cultura.
Vera chaves Barcellos
> A artista fará a curadoria de uma mostra que explora o acervo do MACRS. De 22 de agosto a 22 de setembro, na Casa de Cultura.
Jovens artistas
> A curadora Ana Zavadil percorrerá o interior do Estado para montar a mostra Entre – Curadoria de A a Z. De 1º de outubro a 1º de dezembro, na Casa de Cultura Mario Quintana.
Com as reformas previstas no Cais do Porto, a Bienal do Mercosul deixará de receber o público em seu tradicional endereço. Por isso, a aposta desta 9ª edição será explorar diferentes espaços, alguns conhecidos e outros um tanto inusitados. Prevista para começar em 13 de setembro, a mostra de arte contemporânea terá sua atividades distribuídas em espaços como Usina do Gasômetro, Santander Cultural, Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs), Fundação Iberê Camargo e Centro Cultural CEEE Erico Verissimo. Uma novidade é a ideia de levar o público à Ilha das Pedras Brancas, mais conhecida como Ilha do Presídio, onde será realizada parte da programação. Localizada no Guaíba, a 2,5 quilômetros de Porto Alegre, abriga ruínas de uma prisão desativada em 1983.
– A Bienal vai descobrir locais. Vamos pensar e explorar a ilha por meio da arte – diz Patrícia Fossati Druck, presidente da 9ª Bienal.
Inspirando-se nos aspectos históricos da relação entre homem e natureza, a curadora mexicana Sofía Hernandez Chong Cuy pretende articular questões envolvendo arte, ciência e tecnologia. A relação dos artistas convidados e a programação ainda serão divulgados.
Santander Cultural
Importantes nomes da arte moderna brasileira, como Ivan Serpa, Manabu Mabe, Tomie Ohtake e Iberê Camargo, serão reunidos na coletiva Narrativas Poéticas, em 21 de maio. A exposição apresentará um recorte da Coleção Santander Brasil, que conta com obras representativas do modernismo, do construtivismo e do abstracionismo brasileiros. Outro destaque será a continuidade do projeto RS Contemporâneo. A iniciativa continuará revelando a nova arte gaúcha. Neste ano, serão novamente três artistas: Nathalia García (em 26 de março, com curadoria de Marcio Pizarro Noronha), Marília Bianchini (em 14 de maio, com curadoria de Luiza Proença) e Túlio Pinto (em 2 de julho, com curadoria de Clarissa Diniz).
Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs)
Explorar o acervo com diferentes abordagens e temáticas continuará sendo o foco do projeto curatorial do Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs). O curador-chefe, José Francisco Alves, destaca como principal exposição a que irá abordar relações entre arte e medicina. Ainda sem título, a mostra será aberta em maio.
– A exposição percorrerá um arco histórico entre meados do século 19 e a contemporaneidade. Irá oferecer uma fascinante experiência sobre um tema recorrente na história da arte, passando pelas lições de anatomia, da abordagem da morte, dos estudos radiográficos da obra de arte, das mazelas da doença até a representação do corpo como um retrato da natureza material e espiritual do ser humano – diz.
Em março, o Margs pretende lançar o catálogo da instituição, resultado de um projeto de pesquisa voltado ao estudo das cerca de 2,7 mil obras do acervo. O patrocínio é da Caixa Econômica Federal. Para o decorrer do ano, o museu também busca meios de consertar o sistema de climatização, atualmente danificado tanto nos espaços de exposição quanto no acervo.
Confira a exposição de William Kentridge que a Fundação Iberê Camargo receberá em março
Retrospectiva de Márcia X marca doação do acervo da artista ao MAM por Audrey Furlaneto, O Globo
Retrospectiva de Márcia X marca doação do acervo da artista ao MAM
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no jornal O Globo em 1 de fevereiro de 2013.
Material vinha sendo preservado e catalogado desde a sua morte, em 2005
Público poderá levar peças para casa
RIO - Quando uma geração inteira se voltava para a pintura, Márcia X. correu o risco da performance. A carioca de classe média que estudou em colégio de freira e cresceu cabulando aula para ir ao Museu de Arte Moderna (MAM) não usou pincéis e tinta como seus pares dos anos 1980: atirou cédulas gigantes do alto de edifícios da Avenida Rio Branco, em 1983; invadiu o palco de um concerto de John Cage pilotando um infantil triciclo, em 1985; cobriu-se de leite condensado para falar de excessos, em 2001; deitou-se numa banheira de Coca-Cola, em 2003; e, em 2005, saiu de uma performance para o hospital onde morreria de câncer, aos 45 anos.
Meses depois, ainda sob o choque da morte da artista, seus amigos ajudaram a montar sua última individual no Rio, no Paço Imperial. Agora, oito anos depois, no mesmo MAM em que matava aulas, Márcia X. ganha uma retrospectiva com inauguração neste sábado, dia de sua morte e de Iemanjá, de quem era devota. Às 16h, o museu abre “Arquivo X”, mostra que marca a doação do acervo da artista à instituição.
Desde 2005, sua obra não era mostrada, não só pela dificuldade de se expor o trabalho de uma artista performática que sempre executou as próprias obras, mas também porque seu último marido, o artista Ricardo Ventura, cuidava da organização da grande quantidade de material deixado por ela.
Márcia documentava cada uma das obras: guardava seus registros em caprichados álbuns, etiquetados com informações sobre os trabalhos, e até criava livros-obras com colagens. Depois que venceram um edital para a catalogação do arquivo, Ventura e Beatriz Lemos, que de 2005 a 2007 trabalhou sozinha na organização do material deixado por Márcia, contrataram museólogos e restauradores para completar o trabalho e, enfim, entregar tudo ao MAM.
O corpo como obra
A jovem Beatriz, de 31 anos, agora assina a curadoria de “Arquivo X”. Fez fac-símiles dos livros de colagens da artista, que poderão ser manuseados pelo público. Decidiu, com Ventura, que se criaria uma réplica de um cantinho do colorido ateliê que Márcia teve por muitos anos no Catete. Também separou materiais que serão doados ao público (leia mais no texto ao lado).
“Arquivo X” faz jus ao título — é a exposição mais completa da artista, já que conta com seu arquivo completo e parte de textos em que ela dá pistas de como gostaria de ver a obra exposta. Márcia não usava atores e, embora fizesse projetos das ações, não escreveu instruções para que um outro as executasse. Suas performances ocorriam quase sempre dentro de instalações. No MAM, elas foram montadas ao lado dos vídeos antigos, em que Márcia atua nas performances.
A curadora decidiu não reencenar os trabalhos com atrizes após muito debate com Ricardo Ventura e também depois de ler uma entrevista, de 2001, em que Márcia deixa claro que as ações eram escritas para si mesma. No texto, ela dizia: “É forte a sensação física, interna, como motor da performance, até mesmo porque eu mesma faço as performances em vez de um outro fazer.”
Assim, a célebre “Ação de graças”, em que ela surgia deitada sobre grama com os pés enfiados em dois galos, é exposta no MAM como instalação. Estão lá a grama e os galos, enquanto um vídeo exibe a performance apresentada por ela em 2001, no Sérgio Porto.
Estão lá também registros de ações iniciais, como fotos de “Tricyclage”, a invasão do palco de John Cage, ou o néon vermelho de “Lavou a alma com Coca-Cola” que pairava sobre a banheira de refrigerante onde Márcia mergulhou. Estão lá os 500 terços que, com dedos, ela deu forma de falos em “Desenhando com terços”, de 2000. E estão lá os objetos da série “Fábrica Fallus”, que, nos anos 1990, projetaram a artista como uma das mais importantes de sua geração.
Há vibradores que se “abraçam”, um falo que sai da parede com correntinhas douradas penduradas e uma boneca que balança os quadris e pergunta, com a ironia típica da artista: “Vamos brincar de boneca?”
A exposição também contempla os desenhos de Márcia, pouco conhecidos ou inéditos, como uma série em que, com nanquim, ela desenha banquinhos que, na época, estavam no ateliê para um trabalho do marido, Ricardo Ventura. Eles foram casados por 12 anos e, como ocorreu no primeiro casamento dela, com Alex Hamburguer, criaram trabalhos em dupla.
Entre eles, está “Cadeira careca”, a performance da qual Márcia saiu para ir ao hospital e morrer em 2005. Nela, a artista está deitada, no Palácio Gustavo Capanema, sobre uma chaise longue criada por Le Corbusier. Ventura atua como um barbeiro e, lentamente, raspa a pele que cobre a cadeira em volta do corpo de Márcia. Os dois homenageavam então o arquiteto modernista.
Como criador do Orlândia, espaço numa casa de sua família, em Botafogo, que abrigou exposições, Ventura ofereceu espaço para a arte provocativa de Márcia, muitas vezes rejeitada pelas instituições.
— Ela apresentava projetos e, com frequência, recebia “não” como resposta. Quem a apoiava eram o Paço Imperial e o MAM — conta Ventura.
Entre as rejeições mais célebres da trajetória da artista está a ocorrida no Centro Cultural Banco do Brasil, que, um ano após a morte dela, selecionou uma imagem de “Desenhando com terços” para a coletiva “Erótica”. O trabalho de Márcia foi exposto em alguns dos centros culturais da rede, mas, no Rio, foi censurado.
— Ela não era ingênua. Quando fez o trabalho (com terços em forma de falos), perguntei: “Você tem coragem?” Ela seguiu em frente — lembra.
Prevendo polêmicas, o MAM instalará, nas entradas do museu e da sala da mostra, o seguinte aviso: “A exposição ‘Márcia X — Arquivo X’ não é aconselhável para menores de 18 anos, nem para pessoas que possam se ofender com a utilização de símbolos religiosos dentro de um contexto artístico bastante diverso do que estão acostumados”.
Público pode levar peças para casa
Se “Arquivo X” serve como marco da doação do acervo completo de Márcia X. ao MAM, também será a chance de o público levar para casa trabalhos, objetos e cópias de documentos que, um dia, estiveram no arquivo da artista performática.
Organizada e cuidadosa, ela conservou catálogos e livros de exposições de que participou, além de convites de mostras e postais. Também fez cópias de projetos e documentos, e guardou incontáveis objetos que costumava usar em seus trabalhos, caso das línguas de plástico que foram compradas em excesso por ela para a instalação “Baby beef”, de 1988, em que línguas vermelhas pareciam saltar de uma parede também vermelha.
Tudo isso estará à literalmente disposição do público no museu: amanhã, durante a abertura da mostra — que coincide com a data de morte da artista —, quem quiser poderá levar essa herança para casa.
Até mesmo o chamado “Anel X” criado por Márcia, que no lugar da “pedra preciosa” tinha um ímã redondo, está na lista. A curadora da exposição, Beatriz Lemos, mandou fazer réplicas do objeto, e, assim, o espectador poderá levar, como relíquia da mostra, um “Anel X” para chamar de seu.