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novembro 30, 2012
Paisagens pós-produzidas por Paula Alzugaray, Istoé
Paisagens pós-produzidas
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 23 de novembro de 2012
Em mostra de fotografia do CCSP, três fotógrafos reprogramam imagens pessoais ou apropriadas de outras fontes
Por trás do excelente trabalho pessoal dos três fotógrafos da II Mostra do Programa de Fotografia do Centro Cultural São Paulo há uma boa curadoria. A mostra foi retomada, este ano, em comemoração aos 30 anos da instituição, e projetada pelo atual curador de artes visuais, Marcio Harum, como um espaço para “pensar as particularidades e os limites da linguagem fotográfica”. Nos trabalhos atualmente em exposição, o território de reflexão é a construção da imagem.
O elo que aproxima as obras recentes de Dirnei Prates, Sofia Borges e Marcelo Tinoco é o trabalho com a paisagem. No entanto, nenhum dos fotógrafos tem como matéria-prima a paisagem natural. Seu tema de abordagem é sempre a paisagem cultural. Dirnei Prates tem a paisagem midiática como alvo. Na série “Paisagens Populares”, ele se apropria de imagens veiculadas em jornais. Sua estratégia, porém, é eliminar as figuras de destaque e mirar o terceiro plano da imagem, no qual os personagens se tornam pontos distantes, que se confundem com o grão estourado da impressão gráfica do jornal. O resultado é uma fotografia sem primeiro plano, em que o interesse está no pano de fundo.
Marcelo Tinoco também trabalha com a profundidade de campo, porém, diferentemente de Prates, valoriza por igual todos os planos da imagem. Desafiando as limitações técnicas da fotografia analógica, compõe complexas cenas em que fundo e figura têm o mesmo peso narrativo. Paradoxalmente, ao fazer uso de ferramentas de pós-produção fotográfica, Tinoco constrói imagens que remetem à composição pictórica renascentista ou a um certo “apego ao passado”, como aponta o crítico Mario Gioia, em texto de apresentação da exposição. Essa remissão ao passado – e esse ruído entre tempos tecnológicos – se faz tanto na composição como no tema: na paisagem bucólica do domingo no parque ou na citação da pintura antiga, como em “Para Canaletto” (2012), que reprograma fotografias tiradas pelo próprio Tinoco em Veneza.
A série “Tema”, de Sofia Borges, é composta por paisagens de terceira mão. Os trabalhos consistem em fotografias em preto e branco tiradas de detalhes de pinturas de dioramas do Museu de História Natural de Nova York. Se alguma dúvida surgir acerca da ficção dessa paisagem, ela logo se dissipa com a presença de uma segunda fotografia, em pequeno formato, do processo de construção desse cenário. Assim, como aponta a crítica Luiza Proença em seu texto de apresentação, o trabalho de Sofia Borges é tanto sobre a construção de cada imagem fotográfica quanto sobre a exposição dessas imagens. No modo como organiza essas fotografias nas paredes do espaço expositivo do CCSP, Sofia nos incita realmente a pensar os limites da linguagem, já que situa seu trabalho não simplesmente como fotógrafa, mas como editora de imagens.
novembro 29, 2012
Fundação Iberê Camargo reúne obras de Giorgio Morandi por Antonio Gonçalves Filho, O Estado de S. Paulo
Fundação Iberê Camargo reúne obras de Giorgio Morandi
Matéria de Antonio Gonçalves Filho originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 29 de novembro de 2012.
Mostra apresenta trabalhos que o pintor não pôde exibir na Bienal de 1957, em que foi premiado
Giorgio Morandi no Brasil, Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre, RS - 30/11/2012 a 17/02/2013
A persistência do superintendente cultural da Fundação Iberê Camargo, Fábio Coutinho, que trabalha no projeto há cinco anos, trouxe a Porto Alegre telas que o pintor italiano Giorgio Morandi (1890-1964) havia selecionado para sua sala especial na Bienal de São Paulo de 1957 e que, na época, não puderam vir ao Brasil. São três obras-primas que se juntam a sete outras telas expostas na mostra internacional, 30 pinturas que resumiam sua carreira e lhe garantiram o Grande Prêmio São Paulo, desbancando Chagall e Ben Nicholson. A exposição Giorgio Morandi no Brasil será aberta nesta quinta-feira, 29, para convidados, na Fundação Iberê Camargo, com 40 pinturas e 15 gravuras do pintor, desde os primeiros trabalhos, realizados na década de 1910, aos óleos da fase derradeira, dos anos 1960.
"O projeto inicial era o de reproduzir a sala especial dedicada a Morandi em 1957, mas ele acabou se expandindo e envolvendo cinco instituições italianas que têm obras suas no acervo", conta Fábio Coutinho, que passou os últimos cinco anos em viagens pela Itália para reunir as 55 obras da mostra, exatamente 55 anos depois da última participação de Morandi na Bienal de São Paulo. Ainda vivo, na ocasião, o pintor selecionou três telas, mas o empréstimo não foi possível. Presente desde a primeira edição da mostra internacional, em 1951, quando exibiu dez telas (de 1929 a 1951), Morandi recebeu ainda o prêmio de gravura na segunda (1953), mostrando 25 águas-fortes (dos anos 1910 aos 1930).
Morandi não veio para nenhuma delas. Não por esnobismo, mas por seu temperamento reservado. Embora homenageado com a sala especial na Bienal de 1957, organizada por Rodolfo Pallucchini, ele ditou condições precisas para autorizar a mostra: a de não concorrer a nenhum prêmio e escolher pessoalmente os quadros que seriam expostos. Entre eles estava uma natureza-morta de 1918 pertencente ao crítico e amigo Roberto Longhi. Ele foi um dos três colecionadores que não emprestaram suas telas. O motivo alegado: não poderia passar tanto tempo longe de uma pintura tão familiar. Vendo as obras-primas da exposição de Porto Alegre, que não serão exibidas fora do Rio Grande do Sul, é possível entender a decisão "egoísta" de Longhi. Mais um motivo para visitar a Fundação Iberê Camargo.
novembro 28, 2012
Permanência e Caos por Luisa Duarte, O Globo
Permanência e Caos
Crítica de Luisa Duarte originalmente publicada no Segundo Caderno no jornal O Globo em 26 de novembro de 2012.
A primeira reação é de arrebatamento. Mesmo para aquele que entra na Galeria Anita Schwartz já sabendo um pouco do que vai encontrar, o que se vê gera espanto. A escala, as coisas, a quantidade, a variedade, a natureza do que se encontra exposto, em um mesmo espaço, tudo nos pega em uma alta voltagem. Os sentidos se alargam. Há muito para ver, cheirar, escutar. O que são afinal estas coisas que exaltam nossa percepção? Dois globos da morte com uma moto desligada em cada um, tais globos estão ligados por cabos de aço a quatro imensas estantes que circundam a grande sala de cem metros quadrados e pé direito de mais de sete metros. Nas prateleiras, mais de 1.500 objetos.
Aqui começa a narrativa no espaço pelos artistas Nuno Ramos e Eduardo Climachauska para a mostra “O globo da morte de tudo”. A exposição é resultado de um projeto que vem sendo pensado há dois anos pela dupla a partir do ritual da dádiva, da oferenda, existente em sociedades primitivas. Os objetos ali expostos foram em parte doados por amigos e parentes dos artistas, ora comprados. Os mesmos estão agrupados em quatro categorias que possuem, cada uma, um líquido que as atravessa e simboliza. Cerveja, que contém objetos da vida mais imediata e cotidiana; nanquim, objetos associados à morte; porcelana, uma mistura de taco branco e água, para os objetos ligados ao luxo; e cerâmica e barro diluído, evocando as coisas arcaicas e ancestrais. Estes líquidos e estes objetos se encontram empilhados em prateleiras de vidros planos e finos, formando um frágil equilíbrio, em um forte contraste com a presença agressiva e imponente dos dois imensos globos. Os objetos fazem assim uma espécie de inventário das coisas que nos cercam.
A grandiloquência da instalação é característica da obra de Nuno Ramos, bem como a referência à literatura, ao samba e ao poder da matéria. O imenso repertório presente nas prateleiras mostra a cotidianidade das cervejas que se misturam aos instrumentos musicais, aos troféus e equipamento de esportes, entes que sublinham o poder da vida. Porcelanas, perfumes, colares, o pó branco ao lado de taças de champanhe e laptops trazem uma evocação do luxo. Nanquim, papéis queimados, arquivos de escritores e músicos mortos remetem a morte. Filtros de barro, abridores de lata, arame farpado, atabaques, batedeiras velhas nos levam para o arcaico e ancestral.
Trepidação calculada:
Todos estes mundos que habitam um só espaço, mas estão separados por estantes diferentes, vão, enfim, se misturar. Como na vida, a contaminação se fará imperativa. As pulsões de vida e morte competem a todo momento, precisamos do mais arcaico para sobreviver, desejamos o mais supérfluo para gozar. Em meados de dezembro, profissionais de circo acionarão as motocicletas dentro dos globos da morte. Em uma ação calculada com a ajuda de engenheiros, a dupla de artistas vai assistir ao ruído provocado pelos motores e a trepidação dos globos (que formam o desenho de um oito infinito), assim os objetos despencarão das prateleiras, rumo ao chão. A exposição terá assim dois momentos: o antes e o depois da performance das motos.
Se por um lado há um gesto aí que recai na dessacralização da criação artística, o que mais chama atenção nesta narrativa potente posta por Ramos e Climachauska é o da fusão. Quando as experiências mais intensas da vida ocorrem invariavelmente acontece uma troca. No sexo, no amor, na amizade, no nascimento. Talvez somente a morte interrompa este ciclo incessante. Mas aqui a morte é de outra natureza, vivemos várias pequenas e grandes mortes, em vida. Todo luto nos ensina isso. Em “O globo da morte de tudo” irá ocorrer a contaminação do arcaico, do luxo, da vida e da morte. Aqui se lida com a imprevisibilidade contida no ato de tudo desabar e se misturar, fazendo com que aquilo que está, até agora, separado, editado, catalogado, no seu lugar, se torne prolongamento. Deste caos que vibra surge a convicção de que estamos vivos. Resta a coragem de entrar no globo e revirar tudo, sabendo que deste gesto se desdobra a fusão.
Fusão esta que, no mesmo lance, destrói e constrói, nos lança na morte e nos anuncia novas e insuspeitadas vidas. Aguardemos os nascimentos latentes nos globos da morte de tudo.
novembro 27, 2012
´Quero uma cultura lucrativa’, diz novo secretário municipal por Cristina Tardáguila, O Globo
Quero uma cultura lucrativa’, diz novo secretário municipal
Matéria de Cristina Tardáguila originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 26 de novembro de 2012.
A menos de um mês de tomar posse na Secretaria, Sérgio Sá Leitão quer levar projetos lucrativos de cinema, TV, música e artes em geral para a RioFilme, que segue presidindo
RIO - A menos de um mês de tomar posse na Secretaria municipal de Cultura, o jornalista Sérgio Sá Leitão recebeu sinal verde do prefeito Eduardo Paes não só para continuar à frente da RioFilme, empresa municipal de distribuição, apoio e fomento ao cinema, subordinada à pasta, como também para transformá-la no mais poderoso ente público financiador de cultura da cidade. Vem aí a “RioFilme 2.0”.
Sá Leitão conta que a empresa que administra desde 2008 deixará de atuar exclusivamente em cinema para, já em 2013, se dedicar a projetos culturais voltados para a TV. A ideia de expansão, que inclui uma possível mudança de nome, ainda precisa passar pela Câmara de Vereadores, mas, se aprovada, dará à secretaria — por meio da RioFilme — a chance de abocanhar parte do filão que foi aberto em setembro com a aprovação da Nova Lei da TV Paga (aquela que hoje obriga canais por assinatura a exibir pelo menos 70 minutos de conteúdo nacional em horário nobre por semana).
Os planos de Sá Leitão vão além. O jornalista, que deve substituir o produtor gaúcho Emilio Kalil à frente da secretaria até meados de dezembro, adianta que, até 2016, a RioFilme terá ao menos outras oito “unidades de negócio”, incentivando projetos de artes cênicas, artes plásticas, música, literatura, games, design, moda e arquitetura. Cada uma terá uma “superintendência própria” na nova RioFilme.
— Na minha secretaria, vamos trabalhar na forma de dois “guichês” — explica, reproduzindo o sinal gráfico das aspas com as mãos. — Um funcionará na RioFilme e cuidará de projetos culturais, reembolsáveis, que visem ao lucro e estejam voltados a um número expressivo de espectadores (ainda a ser definido). O segundo guichê funcionará na própria secretaria de Cultura e ficará responsável por incentivar produções sem ambições comerciais, que tenham cunho exclusivamente artístico ou que sejam encampadas por produtores de primeira viagem.
E o orçamento inicial para fomento nos dois “guichês” será idêntico no ano que vem: R$ 50 milhões para cada um, adianta Sá Leitão.
— Com isso, a RioFilme sai do patamar dos R$ 30 milhões previstos neste ano, e a secretaria, dos R$ 25 milhões destinados a fomento em 2012. Ambas vão para R$ 50 milhões.
Mas, como exigirá dos projetos comerciais apoiados pela RioFilme uma contrapartida financeira (seja em participação na bilheteria ou na venda de anúncios comerciais, por exemplo), Sá Leitão sabe que, em pouco tempo, os valores movimentados pela empresa municipal serão mais robustos do que os da secretaria.
— Não há dúvidas disso — reconhece. — Com o tempo, a RioFilme terá um orçamento maior porque vai contar com a receita dos projetos incentivados. Mas a lógica é clara: é dinheiro da indústria cultural sendo revertido para ela, exatamente como já fazemos hoje com o cinema.
Ao defender o crescimento da RioFilme, que completa 20 anos em 2012, o futuro secretário lança mão de um discurso apoiado na necessidade de desburocratizar a máquina pública.
— Precisamos ganhar agilidade — diz. — Na secretaria, o trâmite para liberação de dinheiro é muito longo. Hoje, entre a hora em que alguém pede apoio e a hora em que efetivamente recebe o dinheiro passam-se de três a nove meses. É uma gestação! Quero uma cultura competitiva no Rio, e esse cenário não condiz com isso.
Vozes críticas a essa transferência de poderes lembram que, com investimentos geridos por uma empresa pública, os critérios de financiamento costumam ficar mais brandos, e os editais deixam de ter o mesmo nível de restrições imposto pelos orgãos tradicionais.
Sá Leitão rebate:
— Isso não procede. A diferença é que a empresa pública pode ter participação direta nas receitas dos projetos investidos. E pode reinvestir em novos projetos, criando um ciclo virtuoso. Na verdade, (nesse cenário) há mais controle. E mais transparência. A RioFilme obedece às mesmas normas e é fiscalizada pelos mesmos órgãos de controle da administração direta. Além disso, obedece também à Lei das Sociedades Anônimas. Tem Conselho de Administração e Conselho Fiscal. Faremos tudo por edital.
Outra mudança na futura gestão da secretaria é que só haverá comissão avaliadora de projetos dentro da própria secretaria. Os projetos que tramitarem pela RioFilme obedecerão a um único critério para obter incentivo: o do desempenho obtido no ano anterior.
— Não haverá mais critérios subjetivos para análise de projetos culturais comerciais. As comissões avaliadoras, compostas por especialistas externos, se restringirão aos projetos tramitados no “guichê” da secretaria — explica. — O apoio a projetos comerciais terá um fomento automático, com base no desempenho que o proponente obteve no ano anterior. Para mim, é o fim do dirigismo cultural, tão criticado. E o prefeito já reafirmou que temos total independência em relação à temática dos projetos.
Em troca de dar apoio financeiro — que pode chegar a 25% do valor do projeto —, a nova RioFilme exigirá que os projetos comerciais cumpram pelo menos dois requisitos. Eles deverão ter empresas cariocas como proponentes majoritários e precisarão investir na cidade duas vezes o valor apoiado.
— A ideia é estimular o mercado: do aluguel de equipamentos à formação de pessoal especializado. Só assim daremos corpo à indústria cultural carioca. Quero que ela seja competitiva como a francesa ou a argentina, por exemplo.
Para dar vazão ao que planeja, Sá Leitão fará lobby na Câmara — onde Paes tem ampla maioria. Quer ver aprovada ainda neste ano a Lei do ISS, que destina 1% do imposto para a cultura. Mas também diz que negociará na própria prefeitura, para onde encaminhou uma solicitação de aumento de pessoal na RioFilme. O futuro secretário alega que mais profissionais são indispensáveis para cumprir o que está previsto no Plano Estratégico do Rio entre 2013 e 2016.
— Com 30 funcionários, conseguimos tocar 116 projetos, mas obviamente a equipe está operando no limite. Agora é preciso crescer para dar conta dos desafios que temos pela frente. Devemos chegar ao patamar de 45 pessoas.
Museu 2.0: a arte de ouvir o público por Audrey Furlaneto, O Globo
Museu 2.0: a arte de ouvir o público
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 27 de novembro de 2012.
Para sobreviver no século XXI, instituições precisam aceitar opiniões, dizem estudiosos e curadores de todo o mundo em livro organizado por pesquisador carioca
RIO - No colo da dona, o gato se contorce de prazer com as cócegas no pelo acinzentado. Ela interrompe o carinho e solta um gritinho. E o bichano parece responder, exibindo as patinhas rosadas como se pedisse mais. São poucos segundos, mas são segundos hipnóticos. O Walker Art Center, em Minneapolis, nos Estados Unidos, entendeu o poder de um felino em cena. Organizou um festival em seu jardim só com vídeos de gatos no YouTube. Foi a maior audiência do museu: dez mil visitantes num dia.
Na pequena cidade de Santa Cruz, na Califórnia, um museu convidou o público a expor suas memórias em pequenos jarros de vidro. Lotou o primeiro andar com os potinhos de histórias. Também pediu aos visitantes que mostrassem lá suas próprias coleções — e nada da monotonia dos acervos que se levam a sério demais. A vizinhança do Santa Cruz Museum of Art and History coleciona de caveiras de animais e eletrodomésticos a bandeiras da guerra civil americana. Ao envolver o público na instituição, o museu viu a audiência passar de dez mil pessoas em 2011 para mais de 23 mil em 2012.
— O grande salto de um museu atualmente é saber olhar para o público — diz Luis Marcelo Mendes, há 20 anos pesquisador de cultura e branding, que acaba de organizar num livro pensamentos e relatos de experiências bem-sucedidas em museus mundo afora.
“Reprograme” reúne ensaios de filósofos como Alain de Botton, diretores de museus como Nina Simon (à frente da instituição de Santa Cruz, na Califórnia) e consultores como Robert Jones, tido como o “inventor” da marca Tate Modern, de Londres, e do New Museum, de Nova York. Em todos os textos do livro, que a Ímã Editorial lança no dia 11 de dezembro, é consenso: se quiserem sobreviver, no século XXI, os museus precisam aprender a ouvir o público. Ou, como diz Robert Jones em ensaio que integra o livro, um museu não pode ser pensado como uma catedral, mas como um “bazar de troca”.
Experimentação coletiva
O Internet Cat Video Festival, a mostra dos gatinhos no Walker Art Center, é um bom exemplo da nova forma de pensar (e dessacralizar) as instituições. A diretora do museu, Sarah Schultz, conta que o público podia enviar seus vídeos preferidos e que cerca de dez mil pessoas contribuíram com a “curadoria”.
— Os visitantes vinham de outras cidades, havia muitas famílias, gente vestida com fantasia de gato e milhares de pessoas que simplesmente estavam curiosas e não queriam perder a experiência — lembra Sarah, em entrevista ao GLOBO. — O evento nos mostrou o quanto as pessoas querem ficar juntas em tempo real. Isso é, na verdade, a lição mais importante de todo o nosso trabalho com o open field.
Open field é o jardim vizinho ao museu, há três anos usado para projetos colaborativos entre artistas e a comunidade. Lá, há de aulas de ioga a um clube de desenho, com oficinas semanais em parceria com um artista. O programa, diz a diretora do Walker Art Center, tem estrutura simples e custa pouco — o que confirma uma das teorias defendidas por Luis Marcelo Mendes: os problemas de orçamento não podem servir de esconderijo para diretores e curadores de museus. Em geral, ele diz, a saída está numa ideia simples e criativa, como o festival do YouTube ou os potes de memórias.
— As pessoas desejam experimentação coletiva. Inteligentes são os museus que percebem isso. Vá à fila do CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil) e você verá que as pessoas quase nunca estão sozinhas. Não se espera quatro horas numa fila sozinho — diz ele, lembrando que a autorização para fotografar pode ser crucial na atração do público. — O barato da mostra do Escher (a mais vista do mundo em 2011, com mais de nove mil pessoas por dia, no CCBB do Rio) era o fato de poder fotografar e compartilhar. Esse é um verbo crucial no museu do futuro.
Um dos consultores do Museu do Amanhã e do Museu de Arte do Rio (MAR), ambos em construção na Zona Portuária da cidade, Mendes lembra experiências como um flashmob no Museu d’Orsay, em Paris. Diante do impedimento de fotografar as obras, um grupo grande de pessoas decidiu fotografar mesmo assim — e todos sacaram seus celulares ao mesmo tempo, deixando a segurança em pânico.
— O museu precisa passar da ideia de autoridade para a ideia de compartilhamento. Ouvir o outro é fundamental — defende, e lança em seguida a questão: — Qual foi a última vez que você foi a um museu no Rio e foi perguntado: “Você gostou da exposição? O que acha que podemos fazer para melhorar?”
Todo o poder ao público
No Brasil, são raros os exemplos de sucesso. Mendes lembra o Museu do Futebol, em São Paulo, onde colecionadores de camisetas dos clubes se reúnem constantemente. “Inteligente", como ele define, o museu poderia simplesmente ignorar, mas “acolhe” as reuniões e ganha mais adesão do público. São de São Paulo também outras experiências positivas segundo ele, como a Pinacoteca e o Museu da Língua Portuguesa. No Rio, ele lamenta, os museus ainda engatinham no relacionamento com o público.
— A programação do MAM (Museu de Arte Moderna) é incrível, o trabalho de curadoria (de Luiz Camillo Osorio) tem sido espetacular, mas ir ao museu ainda é uma experiência ruim. Você precisa lidar com flanelinhas, moradores de rua, há lixo no entorno, o restaurante é caríssimo, o café nem sempre está aberto... — lista ele.
O sentido é um tanto oposto ao de marcas consagradas na cultura mundial, caso do MoMA, em Nova York. Valendo-se de seu próprio prestígio, o museu criou exposições como a “I went to MoMA and...” (“Eu fui ao MoMA e...”), em que o público era convidado a relatar suas experiências no museu. O material foi usado não só para cobrir as paredes internas da instituição, mas também como cartaz publicitário nas ruas da cidade. Menos barata, mas não menos atraente, foi a experiência de levar ao museu, em abril deste ano, o grupo alemão Kraftwerk, pioneiro da música eletrônica, para apresentar seus oito álbuns em sequência.
— Que outra instituição no mundo faz isso? Precisamos entender que há coisas que só o museu pode fazer. Por que 74 mil pessoas vão à ArtRio (em quatro dias) e não vão ao MAM? O que tem ali que não tem no MAM? — pergunta ele, para em seguida responder: — É um tipo de experimentação para o padrão das pessoas.
Outro exemplo de “compreensão do outro” na museologia se deu em Denver, no Colorado, estado americano que tem a criação de gado entre as principais fontes de renda. Seu museu de arte contemporânea percebeu que, para que o público abraçasse a instituição, era preciso “expor” o que o povo de Denver tem em comum: o gosto por carne. Estava criada a ideia da mostra “Art meets beast”, que levou vários “artistas” da carne (açougueiros, cozinheiros...) ao museu para exibir sua “arte” e conversar com o público.
— O museu precisa entender o que é valioso para o outro, e não para si mesmo. No museu do futuro, todo o poder emana do povo.
Artistas questionam gestão anunciada pelo novo secretário, Sérgio Sá Leitão por Luiz Felipe Reis, O Globo
Artistas questionam gestão anunciada pelo novo secretário, Sérgio Sá Leitão
Matéria de Luiz Felipe Reis originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 27 de novembro de 2012.
É delicado acumular funções tão distintas. Tenho medo de que a pasta se torne uma secretaria do cinema’, diz o presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio
RIO - Publicada nesta segunda-feira no Segundo Caderno, a reportagem em que o futuro secretário municipal de Cultura, Sérgio Sá Leitão, adianta seu modelo de gestão à frente da pasta gerou repercussão entre a classe artística. Representantes de diversos setores questionaram o “sinal verde” dado pelo prefeito Eduardo Paes para que Sá Leitão acumule a dupla função de presidente da RioFilme e secretário de Cultura. Em outra entrevista concedida ao GLOBO no começo do mês, Sá Leitão argumentava que “não seria uma novidade um secretário acumular funções”. Mas a naturalidade da justificativa não encontra eco.
— Me preocupa ver que o novo secretário é alguém dedicado a um único segmento, o cinema. E com uma visão estritamente mercadológica — diz Eduardo Barata, presidente da Associação dos Produtores de Teatro do Rio (APTR). — É delicado acumular funções tão distintas. Tenho medo de que a pasta se torne uma secretaria do cinema. Vejo que ele pretende colocar todas as outras vertentes artísticas como pequenos tentáculos da RioFilme. Fora isso, é assustador ver um olhar da iniciativa privada, com foco direto na lucratividade, dentro de um posto público. Pode ser um tiro no pé.
Sérgio Sá Leitão anunciou que a sua gestão será dividida em dois “guichês”, o primeiro organizado aos moldes da RioFilme — dedicado a projetos que “visem ao lucro” e estejam voltados a um “número expressivo de espectadores” — e o outro direcionado a manifestações de cunho “exclusivamente artístico” e “sem ambições comerciais”. O diretor teatral Enrique Diaz questiona:
— Quais critérios determinarão até onde um projeto tem ambições exclusivamente artísticas ou comerciais? É preciso ser claro e dialogar com a classe. Sou criador e produtor das minhas peças. Quero criar obras provocadoras e que sejam economicamente viáveis. Em qual guichê vou estar? Não quero ser excluído de nenhum.
Acerca da falta de clareza sobre os critérios, a produtora de cinema Mariza Leão acredita que “quem está inserido no mercado sabe enxergar isso”. Ela vê com bons olhos a divisão de “guichês”:
— O cinema precisa de filmes de todos os gêneros. Como a RioFilme é uma distribuidora, é natural que busque filmes com esperança de retorno. Mas é importante para o cinema ter filmes de reflexão. Ao dividir, isso fica bem resolvido.
Nelson Motta também acha “correto separar projetos que têm funções distintas”:
— A função dos projetos comerciais é gerar lucro. Mas é preciso ter espaço para os experimentais.
O artista plástico Roberto Cabot observa um “erro de conceito” no plano de Leitão:
— Não acredito em cultura lucrativa e não-lucrativa. É preciso entender o que queremos que a cultura seja, e qual o papel dela. É perigoso ter critérios econômicos ditando isso. Se você ficar só no que é rentável, a cultura acaba.
E o fundador do Grupo Tá Na Rua, Amir Haddad, concorda:
— Me dá frio na espinha ver um secretário que busca uma “cultura competitiva” — diz. — Parece que diminui a importância da cultura. É urgente pensar em políticas públicas voltadas para as artes que não são regidas pelas leis de mercado. A arte e a cultura sempre foram públicas, depois é que privatizaram. Um gestor precisa ter essa consciência. (Colaborou Catharina Wrede)
novembro 26, 2012
Marcius Galan vence o Prêmio Pipa por Audrey Furlaneto, O Globo
Marcius Galan vence o Prêmio Pipa
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 26 de novembro de 2012.
Artista questionou ‘contrato’ da arte em mostra no MAM
Um dos principais prêmios de arte do país, o Pipa (Prêmio Investidor Profissional de Arte) anuncia hoje o vencedor de sua terceira edição, Marcius Galan. O artista, cujas obras questionam limites físicos e imaginários, foi o escolhido num processo iniciado no início do ano e que atraiu 117 candidatos de todo o país. Pelo prêmio, ele receberá R$ 100 mil e uma residência artística em Londres.
Nascido em 1972, nos Estados Unidos, e trazido pelos pais para Bauru quando tinha 1 ano, Galan é um dos principais nomes de sua geração. Já participou da Bienal de São Paulo, expôs no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio e no de São Paulo e fez várias individuais em galerias mundo afora.
Na exposição dos quatro finalistas do Pipa no MAM (além dele, disputaram a final Thiago Rocha Pitta, Matheus Rocha Pitta e Rodrigo Braga), o artista mostrou “Obra de arte em cinco vias e um contrato”, trabalho que ironiza as próprias regras de participação do prêmio e a mercantilização do mundo da arte.
A obra consiste em cinco folhas impressas que reproduzem uma nota fiscal, em cores variadas, destinada a pessoas e instituições diferentes: o MAM, o patrocinador do prêmio, curadores, público e artista. Junto, um contrato lista cláusulas de uso e comercialização, segundo as quais as obras podem ser doadas separadamente, mas vendidas apenas em conjunto.
O trabalho, enfim, obriga os envolvidos a entrarem num acordo sobre seu fim. Ao GLOBO, o próprio artista definiu a obra como “extremamente burocrática, uma crítica à organização da arte”.
No mesmo MAM, Galan apresentou, em 2010, a exposição “Interseção”. Nela, fazia o som de um lápis sobre uma página tomar o ambiente do museu. Uma de suas obras, “Seção diagonal”, de 2008, pode ser vista em Inhotim, dentro da galeria Mata. Lá, dividiu o ambiente com placas de vidro, alterando, assim, a percepção do espaço que o espectador tem num canto da galeria.
Além do prêmio principal, o Pipa divulgou recentemente os vencedores das demais categorias. Rodrigo Braga venceu o Voto Popular, no qual só concorrem os finalistas, já que quem vota é o público da exposição em cartaz no MAM. Braga expõe atualmente na 30ª Bienal de São Paulo.
Na categoria Pipa Online, Berna Reale foi a vencedora, com 4.500 votos. A paraense costuma fazer performances, o que já lhe rendeu o apelido de “Marina Abramovic do Pará”. Berna, que também é perita criminal, receberá R$ 10 mil pelo Pipa Online.
Vale Cultura suscita perguntas sobre a sua aplicação por Maria Eugênia de Menezes, O Estado de S. Paulo
Vale Cultura suscita perguntas sobre a sua aplicação
Matéria de Maria Eugênia de Menezes originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de . Paulo em 26 de noembro de 2012.
Defendido como prioridade pela ministra Marta Suplicy, projeto foi aprovado na Câmara
Defendido pela ministra Marta Suplicy como prioridade de sua gestão, o projeto do Vale Cultura foi aprovado na quarta-feira, 21, no plenário da Câmara dos Deputados. De lá, a matéria segue agora para o Senado e aprovação da presidente Dilma Rousseff.
Lançado com alarde em 2009, ainda durante a gestão do ex-ministro Juca Ferreira, o Vale Cultura concede um benefício de R$ 50 por mês a trabalhadores com renda mensal de até cinco salários mínimos (R$ 3.110). O dinheiro poderá ser gasto na aquisição de bens culturais, tais como livros, filmes e espetáculos de dança, teatro e música.
Ouvidos pelo Estado, produtores culturais e personalidades da área artística foram unânimes em saudar a iniciativa. Foi defendida como meio de democratizar o acesso. E celebrada, por outros, como forma de impulsionar o mercado cultural no País. "Constitui um avanço importante ao colocar na mão do público o poder de escolher o que consumir", opinou Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural.
Não faltam, porém, dúvidas sobre como o mecanismo vai funcionar. "Ainda não está clara a regulamentação das coisas, como vai ser realmente", observou Ivo Mesquita, diretor técnico da Pinacoteca do Estado.
Outro ponto que permanece nebuloso é a maneira como o dinheiro será repassado para os prestadores de serviço. O presidente da Associação dos Produtores Teatrais do Rio, Eduardo Barata, declarou se preocupar com os meios e o prazo em que se dará a reversão para quem está na ponta da cadeia produtiva: "Tudo do Estado costuma envolver uma burocracia infernal. Se o produtor receber o vale e o dinheiro só chegar três ou quatro meses depois, complica".
Também falta definição sobre qual será a forma física do vale. Sabe-se que a intenção é que ele tenha formato de cartão magnético, a ser produzido por entidades credenciadas pelo MinC. As empresas também podem ou não conceder o benefício. E os gastos (até 1%) com o vale poderão ser deduzidos do Imposto de Renda.
Um dos aspectos mais polêmicos da iniciativa é o critério de escolha do consumidor. Em um cenário inflado de opções de entretenimento meramente comercial, blockbusters e fenômenos de cultura de massa, não há garantias sobre como cada beneficiário irá empregar os R$ 50. A princípio, títulos de autoajuda ou ingressos para shows de axé, por exemplo estariam liberados.
"É claro que há riscos", acredita Danilo Miranda, diretor geral do Sesc-SP. "Mas muito mais perigoso e complicado seria querer estabelecer critérios limitativos, definir um censor. Prefiro sempre apostar na liberdade, na perspectiva de que essas questões sejam discutidas abertamente", disse ele.
Uma das promessas da ministra da Cultura é que o vale "irá beneficiar tanto consumidores de cultura quanto seus produtores, que passarão a ter um público maior". Afinal, apesar de seu inegável impacto sobre a produção cultural no Brasil, as leis de incentivo fiscal não foram capazes de criar um mercado suficientemente forte. O que se vê é uma situação de generalizada dependência: tanto dos setores alternativos quanto daqueles que, em teoria, poderiam ser considerados viáveis comercialmente.
A esperança de parcela dos empresários do setor é que o projeto funcione de forma complementar aos mecanismos existentes. "Será um complemento fantástico às leis de incentivo. Há décadas, quando o cinema vivia outra situação política e econômica, grandes bilheterias se faziam exatamente nas áreas mais populares. Isso vai beneficiar muito a produção nacional", defende Mariza Leão, produtora de filmes como De Pernas Pro Ar 1 e 2 e Meu Nome Não É Johnny.
Saron é outro que acredita que a proposta terá impacto que ultrapassa os consumidores. "Acredito que muitas produções e atividades vão começar a surgir para dar conta dessa escala de consumidores."
Sobre o assunto, Juca Ferreira, ex-ministro da Cultura, falou ao Estado: "O Brasil, com a aprovação do Vale Cultura, dá um passo importante para garantir o acesso à cultura para milhões de pessoas e ampliar o público dos espetáculos de dança, livros, sessões de cinema, teatro. Estaremos, assim, fortalecendo a cultura do país e a economia cultural. O impacto positivo na vida social será imenso. Estamos dessa forma complementando o bom momento que o país vive, crescendo economicamente, fortalecendo nossa democracia e retirando milhões de pessoas da pobreza e permitindo que seja também, um momento de desenvolvimento cultural ao acesso de milhões de brasileiros. Os que contribuíram para este passo estão de parabéns!"/ COLABORARAM CAMILA MOLINA, FLAVIA GUERRA E ROBERTA PENNAFORT
Seminário repõe discussão sobre a produção de Pablo Picasso por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Seminário repõe discussão sobre a produção de Pablo Picasso
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 26 de novembro de 2012.
'Picasso: Outros Critérios' será realizado até quinta-feira, 29, no Teatro da Aliança Francesa
O quadro Les Demoiselles d'Avignon (1907), de Pablo Picasso (1881-1973), não é apenas considerado o "nascimento do cubismo", como também o marco de uma nova forma de relação entre a arte e a sexualidade "sem precedente na história da pintura". A afirmação da professora da Universidade de Ohio (EUA), Lisa Florman, refere-se ao impacto que foi, no início do século passado, a exibição, em Paris, de uma grande tela em que cinco mulheres do bordel da rua Avignon são retratadas frontalmente e por meio de um estilo provocador, em que se misturam figuras e traços de máscaras africanas e ancestrais.
Desde 1907 e até hoje, Les Demoiselles d'Avignon, que pertence ao acervo do Museu de Arte Moderna de Nova York, é arrebatadora porque "nenhuma outra pintura moderna nos envolve com imediatismo tão brutal", como escreveu o crítico Leo Steinberg em seu ensaio fundamental O Bordel Filosófico (1972), justamente sobre o quadro do artista espanhol. Não apenas a célebre tela, como outros temas da obra do também criador de Guernica (1937) serão revistos agora no seminário Picasso: Outros Critérios, que ocorrerá entre esta segunda-feira, 26, e quinta-feira, 29, no Teatro da Aliança Francesa.
O evento organizado pelo Departamento de Artes Plásticas da Escola de Comunicações e Artes da USP e o Centro Universitário Maria Antonia traz "uma geração renovada de críticos e historiadores da arte", como diz a professora Sônia Salzstein, para reexaminar Picasso e questões do modernismo. Especialistas estrangeiros e brasileiros trarão luz e novidade para temas diversos - e contemporâneos - sobre a produção do artista. A historiadora Lisa Florman, que falará na quinta-feira, 29, sobre a tradição e a inovação em Les Demoiselles d'Avignon no seminário, adianta algumas questões sobre Picasso e sua obra nos trechos da entrevista que concedeu ao Estado.
O teórico e professor Meyer Schapiro considera que "o fenômeno mais extraordinário em toda a história da arte nos últimos séculos" foi o fato de Picasso transitar por estilos, como o cubismo e o neoclassicismo, e resolver, simultaneamente, seus problemas como dois "aspectos de sua personalidade". A sra. concorda com essa ideia?
Lisa Florman - Sim, acredito que a heterogeneidade de Picasso é um dos aspectos mais importantes de sua arte, certamente, o mais influente. Quando Picasso começou a pintar, no fim do século 19 e entrou para o século 20, parecia que todos os artistas desenvolviam um estilo próprio (à la Van Gogh ou Gauguin). Picasso mudou essa ideia. Olhando hoje sua trajetória, há uma completa heterogeneidade de estilos e tipos de trabalhos produzidos a partir do legado de Picasso. A única objeção que faço à afirmação de Schapiro é a de que o artista personalizava seus assuntos. "Diferentes motivos inevitavelmente requerem diferentes modos de expressão", Picasso afirmou em 1923 a Marius de Zayas.
Les Demoiselles d'Avignon será o tema de sua palestra em São Paulo. À luz da análise de Leo Steinberg, quais as novas interpretações e teorias essa obra pode ainda provocar?
Lisa Florman - Penso que nenhuma interpretação vai substituir a de Steinberg. Muitos acadêmicos (incluindo Yve-Alain Bois, que vai falar amanhã) completaram a análise de Steinberg. Em minha fala, vou ressaltar a maneira como Les Demoiselles não foi produzida do nada, mas como uma forte interpretação das últimas banhistas pintadas por Cézanne. Acredito que Demoiselles tem muito de inédito a nos mostrar. É o que caracteriza sua importância, a de ainda gerar discussões. Acredito, ainda, que tem havido algumas interpretações terríveis sobre o quadro nos últimos 20 anos, como, por exemplo, a que imaginou que por Picasso ter usado máscaras africanas sobre os rostos das mulheres, elas teriam sido africanas (apesar de seus corpos rosas) e que isso atestava uma atitude sobre a questão racial na França no início do século passado.
A sra. considera Les Demoiselles d'Avignon a principal obra de Pablo Picasso?
Lisa Florman - Sim. Certamente, Guernica teve um tremendo impacto quando exibida, mas provavelmente mais por seu status político. Outros trabalhos (não pinturas) são extremamente influentes também, como Still Life with Chair Caning, sua primeira colagem, e a obra sobre papelão Guitarra, de 1912, que se apresentaram radicalmente diferentes, com uma aproximação construtiva e escultórica. É preciso ressaltar que Picasso trabalhou muitos meios.
É possível traçar algum paralelo entre a revolução que Picasso desencadeou com Les Demoiselles d'Avignon e a atual arte contemporânea? Acredita ser possível ser revolucionário hoje em dia? Vivemos um momento de transição histórica?
Lisa Florman - É uma boa pergunta, penso que só o tempo dirá. Precisamente, por a arte contemporânea ser tão mais heterogênea e o mundo da arte tão maior do que em 1907, penso que é difícil encontrar uma "revolução" comparável. Não consigo imaginar outro feito. É um pouco mais fácil pensar que a invenção de novos meios terão um impacto de longa-duração na produção artística (como foi a invenção da colagem por Picasso).
Uma das palestras vai traçar um paralelo entre a obra de Picasso e do artista contemporâneo Bruce Nauman a partir do tema o corpo e o grotesco. É possível relacionar outro contemporâneo com o artista moderno?
Lisa Florman - Além dessa rica questão sobre o corpo e o grotesco, outros temas podem também ser explorados, como o interesse contemporâneo pela relação física com a obra de arte (o que é um paralelo específico com Demoiselles); o impacto da colagem, incluindo o uso de materiais banais (até os trabalhos de Lygia Clark e Hélio Oiticica podem ser considerados a partir da perspectiva picassiana). Nossa habilidade de ver ecos de seus trabalhos em criadores recentes é uma das medidas de sua importância no presente. Mas alguns historiadores acreditam que Duchamp tenha sido o maior artista moderno e não posso discordar.
Poderia comentar como se deu sua primeira aproximação com a obra de Pablo Picasso?
Lisa Florman - É um pouco constrangedor dizer que não me lembro como se deu meu primeiro encontro com Picasso. Minha mãe se interessava por arte e sempre me levava aos museus. Minha memória mais viva de um "encontro" com o artista data do meu primeiro ano de graduação, quando li o ensaio de Leo Steinberg intitulado The Algerian Women and Picasso at Large, que está em sua coletânea Other Criteria. Qualquer dúvida que tive sobre ser historiadora de arte desapareceu nesse momento: o texto também me ajudou a sedimentar minha convicção de que queria estudar o século 20 e a obra de Picasso acima de tudo.
novembro 23, 2012
A psicologia da arquitetura por Nina Gazire, Istoé
A psicologia da arquitetura
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na revista Istoé em 14 de novembro de 2012.
A alemã Candida Höfer, fotógrafa dos grandes espaços desabitados, mostra em São Paulo seus retratos de prédios históricos e contemporâneos
Candida Höfer - Luz, Linhas, Lugares, Galeria Leme, São Paulo, SP - 22/11/2012 a 22/12/2012
A artista alemã Candida Höfer esteve no Brasil pela primeira vez em 2005, a convite do Instituto Goethe. Conhecida por fotografar estruturas arquitetônicas, naquele ano ela realizou uma série de imagens de edifícios do período colonial do Rio de Janeiro e de Salvador, além de fotografar a modernista Brasília. O resultado do trabalho foi a publicação “Brazil Series”, que apresentava imagens relativas aos edifícios históricos do Rio e da Bahia, entre eles a Igreja de São Francisco de Assis, na capital baiana, e o Teatro Municipal do Rio.
Após sete anos da realização desse trabalho, Candida Höfer reúne, em um recorte curatorial inédito, imagens realizadas no País e em outros locais do mundo, na mostra “Luz, Linhas e Lugares”, em cartaz na Galeria Leme a partir de quinta-feira 22, em São Paulo. A exposição apresenta 11 trabalhos, quatro deles de grandes dimensões com cerca de 1,80 m de altura. Em ambientes desprovidos da presença humana, é possível perceber o rigor formal atingido pela fotógrafa, caso por exemplo da foto do Cuvilliés Theater, em Munique, Alemanha. De característica Rococó, o teatro tem sua estrutura rebuscada organizada pelo geometrismo com que Höfer trabalha.
Aluna de Bernd Becher, o maior nome da fotografia conceitual alemã, na Academia de Artes de Düsseldorf, Candida Höfer é, ao lado de Andreas Gursky, Thomas Ruff e Thomas Struth, uma das maiores representantes da nova objetividade, escola da fotografia contemporânea alemã. De sua formação, guardou uma pesquisa estética que busca apresentar uma psicologia social da arquitetura.
A artista começou sua carreira nos anos 1980, fotografando cenas cotidianas, mas na década seguinte passou a se dedicar aos grandes espaços desabitados. A luz, afirma ela, é sempre a primeira coisa que a atrai em um espaço. A luz tropical, em incidência nos amplos espaços da arquitetura brasileira, predomina nas seis fotografias que realizou em Brasília. As fotos mostram o interior do Congresso Nacional, do Palácio do Planalto e do Palácio do Itamaraty. Neste último, em vez de destacar a perspectiva curvilínea, que costuma predominar nos olhares dedicados à arquitetura modernista de Niemeyer, a ênfase é colocada na iluminação natural do edifício. Já foto do palco e da plateia do Teatro Nacional atenta para o rigor de suas linhas de fuga e simetrias. Apesar da monumentalidade dessas construções, a fotógrafa decidiu representá-las em pequeno formato. “Esse formato foi deliberadamente escolhido por causa do conteúdo das imagens, que para mim enfatizam uma intimidade imprevisível em um lugar como Brasília”, diz Candida Höfer para ISTOÉ.
Bate-papo
Confira abaixo a entrevista realizada com uma das mais importantes fotógrafas da atualidade, a alemã Candida Höfer:
Istoé-Qual foi o critério curatorial usado para escolher os trabalhos da mostra Luz, Linhas e Lugares? Por que você decidiu mostrar junto ambientes tão diferenciados como o Teatro de Munique e a igreja de São Francisco na Bahia?
Candida Höfer: Para mim, montar uma exposição é como escrever um livro, exceto que o que mostro não é uma seqüência de imagens separada por páginas. A diferença é que no caso de uma mostra, os visitantes terão uma visão compreensiva e abstrata de muitas imagens diferentes colocadas em um mesmo espaço. O importante então é criar a impressão de que as imagens estão relacionadas entre si de alguma maneira. Essa sensação é de extrema importância para mim por que ela provoca no observador uma curiosidade sobre os detalhes da imagem.
Istoé-Em 2005, você veio ao Brasil, convidada pelo Goethe Institut, para fazer uma série de imagens da arquitetura colonial brasileira. Geralmente suas fotos mostram as linhas perspectivas de um ambiente, mas nesse caso você teve que lidar com ambientes mais rebuscados como o é da arquitetura barroca de Salvador. Qual foi o seu desafio para realizar as fotografias das igrejas coloniais brasileiras?
Höfer-Essa é uma observação interessante. Sim, eu fiquei surpreendida porque, geralmente, minha abordagem mais purista da linearidade é diferente do padrão barroco brasileiro. Eu já tinha fotografado em lugares parecidos, como Portugal, mas mesmo assim não enfrentei essa tensão da mesma maneira quando vim fotografar no Brasil. O que me atraiu ao país foram as transformações que arquitetura enfrentou por aqui. Depois acabei fazendo uma série sobre Brasília que é algo completamente diferente.
Istoé-Certa vez você afirmou acreditar que a interpretação para o seu trabalho está no olhar do observador. Apesar disso, quais qualidades um lugar deve ter para ser transformado por você em um registro fotográfico?
Höfer- Essa não é uma pergunta fácil de responder. Descobrir os atrativos de um lugar que me façam querer fotografá-lo também é parte do meu trabalho e realmente não pertence ao observador. É difícil precisar o que torna um lugar atraente, porque para mim o ato de fotografar possui dois estágios. O primeiro é a fazer a fotografia do espaço. O segundo é produzir a imagem no meu estúdio. Existe uma diferença de tempo entre esses dois passos. Há também uma diferença no envolvimento emocional também. Voltar ao momento onde a imagem estava sendo fotografada: escolher o lugar guiado pelos meus interesses culturais. Mas para escolher o exato lugar de onde vou fazer a foto é algo que faço seguindo minha intuição.
Istoé-Como foi a experiência de fotografar Brasilia? Por que você escolheu fazer essas imagens em uma escala de tamanho menor do que você geralmente costuma fazer?
Höfer- Como todo mundo que quer visitar o Brasil, eu sempre tive curiosidade de visitar a capital. Escolhi mostrar em um formato menor do que costumo porque os conteúdos das imagens enfatizam a intimidade dos ambientes que fotografei em Brasília, mas eu também fiz algumas imagens em tamanho maior e que não estão na mostra. Para a mostra eu escolhi as imagens menores porque eu queria mostrar esse aspecto da intimidade aos visitantes da exposição.
Marta Suplicy defende "viriada cultural" para museus de todo o país por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Marta Suplicy defende "virada cultural" para museus de todo o país
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de novembro de 2012.
Em sua passagem pela quinta edição do Fórum Nacional de Museus em Petrópolis (RJ), nesta quinta (22), a ministra da Cultura, Marta Suplicy, defendeu a criação de uma "virada cultural" para museus do país, em que instituições ficariam abertas, com entrada gratuita, toda a madrugada de uma semana ou fim de semana.
Segundo a ministra, seria algo inspirado nos eventos que o Centro Cultural Banco do Brasil realizou em São Paulo e no Rio durante a mostra "Impressionismo: Paris e a Modernidade", que recebeu visitantes madrugada adentro. "É uma coisa que veio à mente agora, mas a ideia é fazer quem nunca teve coragem de entrar num museu entrar pela primeira vez", disse Marta. "Todo o Ministério da Cultura terá essa linha de inclusão social agora."
Marta, que anunciou um aporte de verbas de R$ 53 milhões aos museus federais no ano que vem, prevê uma "propaganda forte" para o evento noturno, embora ainda estude os detalhes do projeto com José do Nascimento Júnior, presidente do Instituto Brasileiro de Museus, órgão ligado ao MinC, responsável pelo fórum que vai até esta sexta (23) na cidade fluminense.
Em sua passagem por Petrópolis, a ministra também comentou a tributação sobre obras de arte que entram no país, um dos maiores entraves no mercado nacional de arte e problema na política de aquisições de museus que tentam incorporar obras do exterior a seus acervos ou repatriar peças de artistas brasileiros que estão fora do país. Enquanto países como os Estados Unidos ou membros da União Europeia taxam obras que passam por suas alfândegas em até 5%, esse valor pode chegar a 50% no Brasil.
"Isso não pode continuar assim, porque é muito importante para o país ter essa sinergia", disse Marta. "Sou a favor da desoneração dessa área, porque isso só acrescenta. Com certeza apareceriam coleções interessantes com essa reforma."
Marta se refere a peças que entraram no país de forma irregular e poderiam, com uma "anistia", ser exibidas ao público. Esse é outro ponto das negociações já em andamento há oito meses com a Receita Federal. A ministra adiantou que terá uma reunião com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, até o fim do ano para discutir esses pontos.
novembro 22, 2012
Câmara aprova Vale Cultura por Denise Madueño, Folha de S. Paulo
Câmara aprova Vale Cultura
Matéria de Denise Madueño originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 22 de novembro de 2012.
O plenário da Câmara aprovou projeto que cria o Vale Cultura, excluindo o benefício a aposentados. O vale de R$ 50 por mês é destinado ao trabalhador que ganha até 5 salários mínimos. A proposta permite que empregados acima dessa faixa salarial também sejam beneficiados, mas apenas após todos os trabalhadores da faixa salarial mais baixa receberem o vale.
O trabalhador na faixa de até 5 salários mínimos poderá ter descontado de sua remuneração até 10% do valor do vale. Os que recebem acima de 5 mínimos poderão ter descontados porcentuais de 20% a 90% do valor do vale, de acordo com a faixa salarial.
Alterado pelos deputados, o projeto terá de voltar ao Senado. O Vale Cultura está em discussão desde 2009 no Congresso e a inclusão dos aposentados entre os beneficiados, durante as votações, provocou impasse no governo, que não concordava com essa extensão.
Proposta da nova Lei Rouanet pode dobrar gastos com a cultura por Matheus Magenta, Folha de S. Paulo
Proposta da nova Lei Rouanet pode dobrar gastos com a cultura
Matéria de Matheus Magenta originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de novembro de 2012.
O deputado federal Pedro Eugênio (PT-PE) apresentou seu parecer sobre a reforma da Lei Rouanet, principal mecanismo de fomento à cultura do país. O texto prevê mudanças que, se aprovadas, dobrariam o valor investido hoje (cerca de R$ 1,6 bilhão).
A análise foi enviada à Comissão de Finanças e Tributação no último dia 14, quase dois anos após Pedro Eugênio ter sido designado relator. Durante esse tempo, o deputado diz ter colhido sugestões de setores interessados na reforma da lei.
Em relação ao texto que tramita na Câmara desde 2007, as principais mudanças sugeridas são: contrapartidas claras, aumento do limite de renúncia fiscal e fortalecimento de um fundo gerido pelo governo federal.
Quanto à primeira, ele sugere um sistema de pontuação pelo qual a renúncia fiscal concedida a incentivadores cresce na medida em que o projeto prevê ingressos gratuitos e ações educativas.
O relator propõe também que o teto do imposto destinado pelas empresas a projetos culturais passe dos atuais 4% do IR devido para 6%.
Essa proposta teria dois efeitos imediatos: o robustecimento do Fundo Nacional de Cultura e o crescimento do investimento anual no setor, que chegaria a R$ 3,2 bilhões (segundo projeção do Ministério da Fazenda para 2014). Os recursos do fundo, cujos beneficiários são escolhidos pelo governo (e não por empresas), passariam de R$ 256 milhões para R$ 800 milhões.
Se aprovado na comissão, o projeto irá à Comissão de Constituição e Justiça antes de seguir para o Senado --o que deve ocorrer até o final deste ano.
novembro 21, 2012
Siga o fluxo por Nina Gazire, Revista Select
Siga o fluxo
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na seção da hora da Revista Select em 13 de novembro de 2012.
Mostra traz 45 trabalhos que marcaram a história da videoarte
Fluxus – Festival Internacional de Cinema na Internet celebra 50 anos do movimento Fluxus com mostra antológica em Belo Horizonte
O Fluxus – Festival Internacional de Cinema na Internet é um espaço dedicado à arte do audiovisual e acontece anualmente desde 2000. A próxima edição do festival será realizada em Belo Horizonte, durante o período de 21 de novembro a 16 de dezembro, em ritmo de comemoração. Além de celebrar os 12 anos do festival, a mostra promove a exposição Fluxfilm Anthology que marca os 50 anos de criação do Fluxus _ movimento artístico cujo nome do festival foi inspirado.
A exposição apresenta 36 filmes feitos no período de 1962 a 1970, compilados pelo fundador do Fluxus, George Maciunas. O Fluxfilm Anthology traz o registro audiovisual de happenings e performances realizados no contexto da arte experimental produzida em Nova Iorque, marcada por vários artistas que celebram o humor característico do movimento. Na exposição o público poderá conferir trabalhos em vídeo de artistas como Nam June Paik, Wolf Vostell, Yoko Ono, Ben Vautier, Paul Sharits.
A exposição Fluxfilm Anthology, é parte integrante da curadoria inédita de vídeos denominada Fluxus - Black & White que traz a seleção de 45 trabalhos pioneiros do filme experimental e da vídeoarte, realizados nos anos 1960 e 1970, todos em preto e branco. A exposição Fluxus | Black&White propositalmente sugere uma dicotomia entre as imagens preto & branco e posturas de gênero feminino & masculino. De um lado estão as artistas mulheres, com sua força contestadora, expondo sua expressividade; e de outro, os homens que reafirmam seus domínios no amplo e eclético espaço das artes. Artistas seminais para compreender o desenvolvimento do audiovisual como uma forma de arte.
Dentro dessa proposta serão mostradas oito obras, realizadas nos anos 1970, dos artistas americanos Joan Jonas (Vertical Roll, 1972), Dennis Oppenheim (2 Stage Transfer Drawing- Retreating to a Past State, 1972), Martha Rosler (Semiotics of the Kitchen, 1975), do checo Woody Vasulka (Reminiscence, 1974), dos brasileiros Letícia Parente (Preparação 1, 1975) e Ivens Machado (Versus, 1974), do coreano Nam June Paik e Jud Yalkut, (Co-dirigiram Cinéma Metaphysique: Nos. 2, 3 and 4, 1967-72) e da japonesa Mako Idemitsu (What a Woman Made, 1973).
Serviço
Fluxus | Black&White
Oi Futuro - Belo Horizonte
de 21/11 a 16/12
Horários: Terça a Sábado de 11h às 21h e Domingo de 11 às 19h.
Entrada Franca
'Há obras que viraram hoje itens da Oscar Freire', reflete o crítico Tadeu Chiarelli por Silas Martí, Folha de S. Paulo
'Há obras que viraram hoje itens da Oscar Freire', reflete o crítico Tadeu Chiarelli
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 20 de novembro de 2012.
Dois dos críticos de arte mais influentes do país, Lorenzo Mammì e Tadeu Chiarelli, lançam ao mesmo tempo coletâneas de textos que analisam o estado atual das artes visuais no Brasil e no mundo. Em seus argumentos, ambos parecem concordar que as artes plásticas chegaram a uma espécie de vale-tudo, um momento de experimentalismo exacerbado que veio depois do fim das grandes escolas e vanguardas.
'As grandes narrativas foram por água abaixo', diz o crítico Lorenzo Mammì
"Não há mais movimentos de transformação da linguagem artística", sentencia Mammì, que lança "O Que Resta", pela Companhia das Letras. "O que a gente conhece como arte contemporânea poderia ter se encerrado nos anos 1990." Segundo o crítico e professor da USP, o que restou para a arte hoje é a "função fundamental" de "criar estranhezas".
Também professor da USP e diretor do Museu de Arte Contemporânea da universidade, Tadeu Chiarelli vê um momento de "incerteza e tensão" nas artes visuais. "É o fim de um determinado relato, de uma compreensão do que deveria ser arte."
Para ele, esse estado de ruptura vem desde a Semana de 1922. Em "Um Modernismo que Veio Depois", que sai pela editora Alameda, Chiarelli defende que os modernistas brasileiros estavam mais alinhados a um projeto conservador do que a ideais vanguardistas. Também faz críticas ao mercado e argumenta que a crítica de arte sumiu da imprensa e hoje se restringe ao meio acadêmico.
Leia abaixo trechos da entrevista com Tadeu Chiarelli.
Folha - O sr. acredita que acabaram os grandes movimentos na história da arte?
Tadeu Chiarelli - O que acabou foi uma certa narrativa do que era arte. É o fim de um relato, uma compreensão do que deveria ser arte; daí essa tensão e incerteza. Havia uma submissão da arte à história. Isso acabou, e essa foi uma contribuição dos artistas.
Como vê a produção atual?
Hoje fica mais difícil para a crítica determinar uma única linha, é mais visível uma pluralidade. É muito difícil forjar uma narrativa, já que não há mais uma única vertente. Todos os agrupamentos de artistas hoje são muito voláteis.
O que temos agora são formulações apontando para vários lugares. Daí a dificuldade da crítica em produzir critérios para a avaliação dessa arte. Cada produção elege os critérios que servirão para seu julgamento crítico.
A crítica de arte perdeu força?
Houve um certo confinamento do debate crítico para a universidade. A crítica deixou de interessar aos órgãos de comunicação e foi se afastando. Hoje, o crítico só é convidado para escrever em catálogos; então, se ele não gosta do artista, não vai aceitar escrever ou vai assumir certos discursos só porque precisa disso para viver.
Na universidade, mesmo com todos os problemas, pelo menos há um diálogo. A universidade está criando um espaço de resistência para o debate crítico. É um lugar menos confortável para o artista, já que não o abraça sem grandes questionamentos.
A força do mercado prejudica os discursos artísticos?
Há uma produção subserviente ao mercado. Surgiu um universo equivocado, de artistas produzindo obras desconectadas, seguindo ideias já superadas. Há obras que viraram espécies de itens da Oscar Freire da arte, tipo Prada ou Yves Saint-Laurent.
UM MODERNISMO QUE VEIO DEPOIS
AUTOR Tadeu Chiarelli
EDITORA Alameda
QUANTO R$ 69 (296 págs.)
'As grandes narrativas foram por água abaixo', diz o crítico Lorenzo Mammì por Silas Martí, Folha de S. Paulo
'As grandes narrativas foram por água abaixo', diz o crítico Lorenzo Mammì
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 20 de novembro de 2012
Dois dos críticos de arte mais influentes do país, Lorenzo Mammì e Tadeu Chiarelli, lançam ao mesmo tempo coletâneas de textos que analisam o estado atual das artes visuais no Brasil e no mundo. Em seus argumentos, ambos parecem concordar que as artes plásticas chegaram a uma espécie de vale-tudo, um momento de experimentalismo exacerbado que veio depois do fim das grandes escolas e vanguardas.
'Há obras que viraram hoje itens da Oscar Freire', reflete o crítico Tadeu Chiarelli
"Não há mais movimentos de transformação da linguagem artística", sentencia Mammì, que lança "O Que Resta", pela Companhia das Letras. "O que a gente conhece como arte contemporânea poderia ter se encerrado nos anos 1990." Segundo o crítico e professor da USP, o que restou para a arte hoje é a "função fundamental" de "criar estranhezas".
Também professor da USP e diretor do Museu de Arte Contemporânea da universidade, Tadeu Chiarelli vê um momento de "incerteza e tensão" nas artes visuais. "É o fim de um determinado relato, de uma compreensão do que deveria ser arte."
Para ele, esse estado de ruptura vem desde a Semana de 1922. Em "Um Modernismo que Veio Depois", que sai pela editora Alameda, Chiarelli defende que os modernistas brasileiros estavam mais alinhados a um projeto conservador do que a ideais vanguardistas. Também faz críticas ao mercado e argumenta que a crítica de arte sumiu da imprensa e hoje se restringe ao meio acadêmico.
Leia abaixo trechos da entrevista com Lorenzo Mammì.
Folha - Depois das vanguardas do século 20, como o sr. vê o estado atual das artes visuais?
Lorenzo Mammì - Não há mais grandes movimentos de transformação da linguagem artística. Hoje, artistas usam vários meios para encontrar espaços, nichos de experiência estética que ainda são possíveis. O que não há mais na arte contemporânea é a utopia de transformação que havia até os anos 1970.
Eu diria que a arte povera e a arte conceitual foram os últimos grandes movimentos. O que a gente chama de arte contemporânea poderia ter se encerrado nos anos 1990.
Qual seria então a característica marcante da arte feita hoje?
O que me parece mais forte agora é a busca de um embate pessoal com o mundo. Os artistas não estão preocupados com a história da arte. Uma característica dos últimos anos é essa busca de experiência real mais do que uma relação com a história. É o que sobrou, é um risco pessoal nas relações com o mundo.
Como não temos mais uma perspectiva de transformação radical, não temos um problema a ser superado.
Arte hoje ainda é relevante?
Ela é mais necessária hoje do que em outros momentos. Vivemos num fluxo puro de informações. Então, o que resta nesse momento em que as grandes narrativas foram por água abaixo é essa função da arte de criar estranhezas, o que já é uma função fundamental nesses tempos de discursos homogeneizados.
Que tipo de estranheza é essa?
Artistas como o William Kentridge, difíceis de classificar. Não é autobiográfico nem intimista, mas busca uma experiência pessoal.
Em alguns casos, é algo espalhafatoso como Anish Kapoor ou Olafur Eliasson, que criou um sol no meio da Tate Modern, algo com impacto sensível muito forte. Não precisa de uma narrativa. É uma arte que é pura evidência.
O QUE RESTA
AUTOR Lorenzo Mammì
EDITORA Companhia das Letras
QUANTO R$ 59,50 (416 págs.)
novembro 13, 2012
Nuno Ramos constrói globos da morte em galeria do Rio por Audrey Furlaneto, noticias.yahoo.com
Nuno Ramos constrói globos da morte em galeria do Rio
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no noticias.yahoo.com em 12 de novembro de 2012
RIO - Moldes de gesso de arcadas dentárias, copos com nanquim, as cinzas de um exemplar incinerado de "As pupilas do senhor reitor", o passaporte da artista plástica Tatiana Blass, 500 exemplares de "Memórias póstumas de Brás Cubas", veneno de rato, um retrato (comprado na rua) de Paulo Coelho, alguns troféus. No centro de tudo, dois globos da morte de sete metros de altura - e o autor de todo o excesso, Nuno Ramos.
Em sua nova (e outra vez grandiosa) instalação - a exposição "O globo da morte de tudo", que a galeria Anita Schwartz abre hoje, às 19h, para convidados -, o artista ocupa quase que completamente, com poucos espaços para respiro e para o espectador, cerca de 100 metros quadrados da galeria na Gávea. Para tal, ele convocou a parceria do artista e amigo Eduardo Climachauska. Juntos e durante mais de um ano, os dois coletaram os 1.500 objetos que estão distribuídos em quatro prateleiras conectadas aos globos da morte.
Trata-se de uma espécie de inventário da cultura, ora solar, ora obscura, que está prestes a desabar: na segunda quinzena de dezembro, num evento fechado para o público, Nuno e Clima (como é conhecido) verão girar, dentro dos globos, dois motoqueiros e, enfim, vão assistir à destruição daquele grandioso invento.
Revendo os 25 anos de carreira, Nuno diz que não se lembra de ter feito uma exposição pequena.
- Tenho um certo horror ao vazio, sou um artista do cheio - diz. - Ao contrário da Mira (Schendel), do Waltercio (Caldas), de muitos poetas em que você sente o peso de uma coisa sem corpo, eu vou enchendo de corpo. Acredito só no corpo.
'Quebrou, pagou'
Copos clássicos de botequim (com cerveja), instrumentos musicais, bolas de bilhar, um jogo de xadrez com peças de vidro, um aquário, a lanterna de um fusca, um aviso de "Quebrou, pagou", o diploma de faculdade de Clima e o prêmio Portugal Telecom de 2009 que Nuno ganhou com "Ó", um dos cinco livros que ele já publicou.
- Venho da palavra, tenho uma verbalização solta, escrevo muito, acredito ingenuamente na potência da linguagem. Mas, como a linguagem não é muito verdadeira, a matéria garante a verdade. É o que sempre digo: mil quilos de matéria, antes de mentir, caem.
As prateleiras de "O globo da morte de tudo" parecem contar a história do artista que se formou em Filosofia na USP e montou, nos anos 1980, o ateliê Casa 7 com outros colegas de profissão. Logo ganhou projeção, participou de quatro edições da Bienal de São Paulo (em 1985, 1989, 1994 e 2010, quando levou polêmicos urubus ao Pavilhão da exposição), da 46ª Bienal de Veneza (em 1995) e de um sem número de individuais.
Foi na mesma Anita Schwartz, em 2009, que ele apresentou "Mar Morto" - construiu uma fábrica de sabão na galeria e, lá dentro, moldou barcos que ocuparam, imponentes, o térreo do espaço. Para "Fruto estranho", mostra de 2010 no Museu de Arte Moderna (MAM) do Rio, "construiu" dois aviões dentro do museu. Em Belo Horizonte, em setembro passado, inaugurou "ai, pareciam eternas! (3 lamas)", para a qual escavou o chão da galeria Celma Albuquerque a fim de enterrar na lama réplicas de três casas, criando um memorial imaginário dos endereços que habitou ao longo da vida.
- Acredito demais em arte. É uma coisa até infantil - afirma. - Em todas as exposições, seja no espaço institucional ou não, tento ir atrás de algo que está me incomodando, me cutucando. Se você me perguntar por que a escala é essa, não sei responder. Vem com um desejo talvez de trazer o espectador para uma região onde ele se defenda menos, onde eu possa dispor de um espaço maior da percepção dele.
A arte da parceria
Dois grandes cães de porcelana, um vestido de noiva, taças com cal e água, duas caras garrafas de vinho, um bolo de casamento, vídeos com tutoriais de "como lustrar a pata de um cavalo" ou "como chutar em teste de múltipla escolha", uma luz negra evocando a canção de Nelson Cavaquinho e Amâncio Cardoso que já foi mote de uma parceria antiga entre Nuno e Clima, em 2002.
- Há muito tempo a arte brasileira não faz parcerias - avalia Nuno. - Aqui, um invade o outro, as coisas ficam menos puras, mais sujas. A arte brasileira está dividida em capitanias hereditárias. A arte do Pará é assim, a arte de Pernambuco é assado, aí vem uma chancela internacional e pronto. No fundo, a arte contemporânea sofre de um dirigismo danado.
Nuno tenta escapar do dirigismo não só pela parceria. Destruir a exposição com os motoqueiros girando pelos globos da morte é uma forma de dessacralizar a criação. Ele diz que foi justamente a proximidade do fim, a consciência do desastre, que "desinibiu" a produção de "O globo da morte de tudo".
- Fomos regidos pelo signo da instabilidade. A desmesura de potência do globo da morte e desses pequenos objetos nas prateleiras nos permitiu fazer nossa cafonice em paz - diz.
novembro 9, 2012
'Pharmacia Deluxe' expõe obras de dois artistas em galeria no Recife, globo.com
'Pharmacia Deluxe' expõe obras de dois artistas em galeria no Recife
Matéria originalmente publicada no caderno G1 PE do jornal globo.com em 8 de novembro de 2012
As fragilidades humanas, traduzidas em palavras, texturas, cores e traços. Assim são algumas das obras que compõem a exposição “Pharmacia Deluxe”, que abre para o público na sexta-feira (9), na Galeria Amparo 60, em Boa Viagem.
As obras seguem no espaço até 10 de dezembro, com visitações gratuitas às terças e sextas, das 10h às 13h e das 14h às 19h; e aos sábados, das 10h às 14h.
A mostra faz parte do projeto Cumplicidade, em que um artista ligado à galeria convida um colega para montar uma exposição coletiva. Nesta edição, o mineiro Célio Braga chamou o goiano Marcelo Solá, pensando em um diálogo que ressalte não só as semelhanças, mas também as diferenças entre suas obras, principalmente no uso das palavras, uma característica do trabalho dos dois.
A diferença principal está talvez no modo como as palavras estão expostas. Nas séries “Doloridos Coloridos” e “Ladainhas”, Braga explora a utilização de linhas coloridas e brancas, e cobre com bulas de remédios e fitas do Senhor do Bonfim, apresentando uma leitura aparentemente minimalista. O truque para observar atentamente esses trabalhos é aproximar-se cada vez mais dos quadros: olhando atentamente, o público descobre cada vez mais detalhes.
Por sua vez, Marcelo Solá traz cerca de 12 desenhos para a “Pharmacia Deluxe”, onde as palavras estão expostas em cores fortes, nas obras feitas em grafite, óleo, esmalte sintético e spray. Para o artista, escrever e desenhar são artes que caminham juntas, e as palavras e frases soltas somam-se aos traços relacionados com o caos das metrópoles.
A dupla acredita ainda que suas obras convergem na representação da obsessão relacionada ao corpo, seus desejos e fragilidades. Através de metáforas, abordam a hipocondria moderna. Por conta disso, a palavra “Deluxe” soma-se ao título da mostra, como uma forma de ironizar o consumismo e a comercialização dos desejos, dores e doenças.
Marta Suplicy, ministra da Cultura, prega política contra segregação, globo.com
Marta Suplicy, ministra da Cultura, prega política contra segregação
Matéria originalmente publicada no caderno Cultura do jornal globo.com em 9 de novembro de 2012
Para ela, MinC deve ter uma distribuição mais equilibrada de recursos e fiscalizar o Ecad
Prestes a completar dois meses no cargo, no próximo dia 13, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, 67 anos, afirmou ontem que trabalhará para a criação de um órgão fiscalizador independente para acompanhar a atuação do Ecad, escritório responsável pela arrecadação dos direitos autorais no Brasil.
— Vou seguir a recomendação da CPI do Senado. Não é nada demais ter fiscalização externa em um órgão que detém o monopólio. Só no Brasil é assim — disse Marta ao GLOBO em seu gabinete no Ministério da Cultura, em Brasília.
A ministra contou que pretende dar uma marca de “inclusão social” à sua gestão no ministério, com programas como o Vale Cultura (que prevê R$ 50 para gastos em cultura para quem ganha até cinco salários mínimos), a construção de 360 CEUs das Artes — centros de produção cultural dotados, por exemplo, de biblioteca somente com livros artísticos — e a aplicação de projetos e editais de incentivo à produção da cultura negra.
— Eles sofrem preconceito, sim. Têm menos meios de acesso, de formulação de projetos. E, quando conseguem, ninguém patrocina. Querem que o Brasil chegue ao ponto dos Estados Unidos? Você viu a imagem que colocaram de uma corda enforcando aquela cadeira que o Clint Eastwood entrevistou na propaganda do Romney contra Obama? — questionou a ministra, que anunciou ainda editais para a revelação de escritores jovens negros, que serão convidados a participar de caravanas pelo país, a coedição de livros, prêmios e incentivos à arte negra por meio do prêmio Grande Otelo, da Funarte.
Marta afirmou que pretende permanecer no cargo de ministra da Cultura até o final do mandato da presidente Dilma Rousseff:
— Não sou candidata ao governo de São Paulo. Pode escrever. Estou no projeto de reeleição da presidente Dilma.
Muito gripada, com a voz rouca e tomando um produto natural à base de limão e sal para a garganta, Marta ainda aconselhou o fotógrafo do GLOBO, no momento em que este transmitia fotos para o jornal de seu computador:
— Esta foto está bonita. A outra não. O queixo levantado me deixa muito arrogante.
A senhora acha que conseguiu pacificar a cultura, após a polêmica gestão anterior?
Fiquei satisfeita com o acolhimento do povo da cultura. As coisas começaram a andar: Vale Cultura, nova lei Rouanet, nova lei do direito autoral. Fui convidada para destravar e dar uma marca do governo Dilma à Cultura. Só tenho dois anos para isso. Há também os 360 CEUs das Artes, já licitados. Vamos dar chances a milhares de talentos terem onde se expressar. Os talentos não nascem necessariamente nos locais mais privilegiados. É o Bolsa Família da alma.
No Vale Cultura, já há um acordo para retirar aposentados e servidores públicos dos beneficiários, o que, para o governo, torna o projeto que está no Congresso insustentável?
Você acha que estou fazendo o que aqui? Foi retirado tudo. Conversei com o presidente da Câmara, Marco Maia. Disse que com aposentado e servidor não havia possibilidade de a presidente aceitar. Ele sugeriu que fosse enviada uma medida provisória. Eu contrapropus que fosse enviado um projeto da frente parlamentar de cultura para restituir a ideia original. O projeto já tem mais de cem assinaturas. Vai ter muita força e será votado até o final do ano.
Que entraves a senhora enfrenta no Procultura, a lei que substituirá a Rouanet?
O Ministério da Fazenda entregou ontem ao deputado Pedro Eugenio (PT), relator na Câmara, o estudo dos impactos das isenções previstas. Ele está sendo muito habilidoso e deve entregar seu relatório na semana que vem. Conversamos sobre algumas arestas. Áreas que tiravam nossa autonomia, o que achávamos inaceitável. Mas ele foi muito flexível na conversa, muito determinado em alguns pontos. Mas tenho que respeitar a autonomia do deputado.
Um estudo do Ipea mostrou que até 1995 a maior parte do dinheiro da área da cultura vinha do ministério. Já em 2010 o perfil havia mudado. Mais de 90% era dinheiro incentivado, sem pagar imposto. como a senhora analisa esses números?
Incomoda bastante. Acredito que a cultura não é tratada como instrumento de desenvolvimento econômico. Em muitos países é subsidiado para ter uma política de Estado. Em virtude da pouca importância que se tem dado à cultura por todos os governos é que foi desenvolvido um método bastante engenhoso, que funciona, mas tira das mãos do ministério a possibilidade de fazer uma política de Estado mais forte. Temos certos controles sobre a lei Rouanet. Vamos fazer agora, por exemplo, 30 Pontos da Cultura Negra. Vamos descobrir novos autores negros, que serão incluídos num projeto da Biblioteca Nacional de Caravana de Escritores. Você já pensou, um jovem autor negro de 17, 18 anos, viajando pelo país ao lado de escritores consagrados para divulgar sua obra?
A senhora não teme críticas à chamada racialização da cultura em razão de medidas como essa?
Pessoas que dizem isso não têm os números da realidade. Os números das desigualdades regionais se aplicam também aos negros. Dos projetos da lei Rouanet para análise, 71 são do Norte e 5.374 do Sudeste. É um absurdo. Na distribuição de valores o Norte recebe 1,6% e o Sudeste, 67%. Com os negros ocorre algo semelhante. Porque eles têm menor condição de acesso a meios para elaborar e depois, quando são aprovados pela lei Rouanet, não conseguem captar. É mais ou menos como a região Norte. Ninguém quer patrocinar. É péssimo falar isso. Mas o que vamos fazer? Cruzar os braços? Ver chegar numa situação como a dos Estados Unidos, onde a coisa ficou tão acirrada? Você viu na TV uma mulher que colocou uma cadeira na televisão e a enforcou? Isso remete à Ku Klux Klan. Não temos isso aqui, mas corremos riscos quando o (pastor Silas) Malafaia sai fazendo campanha do jeito que fez. Isso é o que temos de evitar. Não a possibilidade de os negros terem uma vida melhor e oportunidades iguais. São projetos de inclusão social na cultura que queremos no governo Dilma. Estamos agora no patamar de incluir o alimento da alma.
A senhora disse que pretende interferir na política de patrocínio das estatais. Como pretende fazer isso?
Foi uma incumbência que a presidente me deu. Não veio da minha cabeça. Ela falou: interfira na política das estatais, porque quero uma política de Estado. É uma oportunidade boa. Mas na premência de que estou tendo de conversar com uma quantidade enorme de atores ainda não me debrucei sobre isso. Mas o farei. Vou analisar estatal por estatal. vou conversar porque as presidências dessas estatais são ocupadas por companheiros. Não teremos nenhum problema em uma ação conjunta. Não virá tudo para mim. O ministério era inoperante nesse sentido. Agora está empoderado para ter essa conversa.
Sobre a nova lei dos direitos autorais, como anda a negociação?
Estamos caminhando para o máximo de liberdade com o mínimo de apropriação indevida na obra do autor. São linhas finas. Estou estudando. Sobre Ecad, já tenho o que falar. Conversei com muitos grupos. O Ecad é um órgão importante, tem que ser mantido, tem que ser independente. Não há queixas por parte dos músicos mais famosos. Existe um mar de queixas dos músicos menos conhecidos. O Ecad tem razão quando diz que muitos músicos estão decadentes, tocam menos, e não aceitam isso. E me fizeram ver que não conseguem ter acesso a tudo, já que o Brasil é enorme, não dá para se apropriar de todas as informações sobre onde as músicas são tocadas. Eles acreditam que têm transparência absoluta. não foi o que escutei dos outros lados. Em nenhum país do mundo um órgão que tem o monopólio não é fiscalizado. Só no Brasil. Minha posição é ir de acordo com a CPI do Senado e defender um órgão externo de fiscalização. A decisão de ter um órgão externo já tomei. Acredito que será bom para todos. A composição será decidida. Não vamos estar fazendo nada de excepcional.
A senhora apoia a nova lei das biografias que está em debate no Congresso?
Estou de acordo. Não é preciso autorização do biografado, mas ele entra na Justiça caso queira reparação.
A senhora havia resistido à indicação do ex-presidente Lula de Fernando Haddad como candidato a prefeito de São Paulo. Como viu a vitória dele?
Eu era contra porque eu teria uma vitória mais fácil. Mas o Lula acertou. O momento era de impor uma pessoa diferente. Ele renovou o partido. Mas eu tive uma participação importante. Quando o bilhete único entrou em debate no primeiro turno, usei minha credibilidade no setor de transportes para ajudar Haddad. Foi ali que Russomanno escorregou.
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Meu objetivo aqui é criar uma política de Estado para a cultura por Fernanda Mena e Matheus Magenta, Folha de S. Paulo
Meu objetivo aqui é criar uma política de Estado para a cultura
Matéria de Fernanda Mena e Matheus Magenta originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 9 de novembro de 2012
Ministra aponta como prioridades de sua administração a revisão dos mecanismos de incentivo fiscal e da lei de direito autoral
Ao longo de uma hora de entrevista concedida à Folha, a ministra da Cultura, Marta Suplicy, se posicionou pela primeira vez sobre alguns de seus principais desafios à frente da pasta.
Ela afirmou que avalia a possibilidade de criar um órgão de fiscalização para o Ecad (escritório que arrecada e distribui direitos autorais) e de retirar da alçada da Fundação Biblioteca Nacional as políticas públicas de livro e leitura -mudança feita na gestão de sua antecessora, Ana de Hollanda.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista.
Folha - Quais serão as prioridades de sua gestão?
Marta Suplicy - Eu não tenho que marcar a minha gestão, mas sim a do governo Dilma. Eu vim para a pasta com o objetivo de criar uma política de Estado. Entre as prioridades estão aprovar as novas leis de incentivo fiscal [ProCultura] e de direitos autorais [no Congresso], além de aumentar a inclusão social via cultura.
A sra. está satisfeita com o orçamento da pasta de R$ 2,9 bilhões, motivo de reclamação de sua antecessora? É preciso aumentar recursos?
Nenhum gestor nunca pode estar satisfeito com o que ele tem para trabalhar. Você sempre quer mais. Houve um aumento de 63% do orçamento, mas é dinheiro carimbado [para a Ancine (Agência Nacional do Cinema) e para o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). Então, dizer que teve um aumento de orçamento que vai viabilizar muita coisa nova é difícil.
O prefeito eleito de São Paulo, Fernando Haddad (PT), propõe a vinculação de verbas para a pasta da Cultura em São Paulo. Qual é a sua opinião sobre esse tipo de mecanismo?
A tendência sempre é você engessar porque, para o gestor de um ministério, tornar obrigatório o investimento dá a certeza de que haverá recursos. A postura de quem está com a gestão total é de não engessar. Não serei eu a proponente disso à presidenta Dilma [Rousseff]. Acharia ótimo que fosse engessado, mas preciso fazer esse ministério acontecer com o dinheiro que tenho.
O Fundo Social criado em 2010 para ser abastecido com recursos oriundos da exploração do pré-sal no país é alvo de disputa por diversas pastas do governo, como o Ministério da Educação. A Cultura está perdendo essa briga?
Há tantas questões aqui para resolver... já estou até dando aula em algumas áreas, mas não tive tempo ainda de ver todas as questões do Congresso. Ainda não tem um ponto final. A Cultura ainda não se manifestou sobre essa briga.
Seus antecessores, Gilberto Gil e Juca Ferreira, eram contra a manutenção de 100% de renúncia fiscal na reforma da Lei Rouanet. Queriam forçar as empresas a tirar dinheiro do bolso para os projetos. O que a sra. pensa sobre isso?
Eu penso como eles. Por isso acredito que a solução à qual o Pedro Eugênio [deputado federal do PT-PE e um dos relatores da reforma da Lei Rouanet, em tramitação na Câmara] chegou foi a mais habilidosa. Ele está propondo que, para atingir os 100%, será preciso cumprir uma série de contrapartidas. Sempre preferiria o limite de 80%, mas não tenho a caneta na mão. Não dá para ter tudo no mundo.
Com a reforma da Lei Rouanet, a sra. teme a migração de recursos para outras áreas, como o Esporte?
Não tenho nenhum temor disso. Quem quer fazer uma marca com a cultura tem um perfil diferente de quem quer fazer isso com o esporte.
Uma das primeiras medidas da sua gestão foi anunciar editais para criadores e produtores afrodescendentes. Cotas raciais, e não sociais, não promovem a discriminação?
Não, de jeito nenhum. Sou absolutamente a favor das cotas raciais. Quando dizem que é racismo, não me incomoda e nem nunca me incomodou quando eu lutava pelos direitos das mulheres e dos gays.
O relatório da CPI do Ecad no Senado, concluída neste ano, propôs a criação de um órgão federal para fiscalizar a atuação da instituição que arrecada e distribui direitos autorais. A sua antecessora era contra essa fiscalização. Qual é sua posição?
Conversei com muitos setores da sociedade. A minha percepção é a de que o Ecad é um órgão que precisa existir e que tem uma autonomia que precisa ser preservada. Eles dizem que têm absoluta transparência. Ouvi o outro lado, que não está satisfeito com essa transparência. Então, estamos analisando a possibilidade de tornar o órgão mais transparente.
Sem a necessidade de um órgão externo de fiscalização?
Não, [a solução] pode ser [incrementar] a transparência com um órgão externo. Isso existe em todos os países do mundo e não muda absolutamente nada em relação à autonomia e à independência do órgão -e ainda responde ao clamor da sociedade.
A Fundação Biblioteca Nacional concentrou, nos últimos anos, as políticas públicas de livro e leitura, ao mesmo tempo em que enfrentou problemas como vazamentos e deterioração do prédio da instituição, no Rio. Seria ela a instância adequada para a política do livro e da leitura?
Não acho que seja. Estou estudando porque foi feito desse jeito e como ficaria se eu trouxesse a política do livro para Brasília. Ainda não tomei uma decisão sobre isso.
Por que motivo Ana Paula Santana foi demitida da chefia da Secretaria do Audiovisual do ministério?
Não tenho nada contra ela, mas eu queria um outro perfil para a secretaria. Ainda não decidi quem irá substitui-la.
Diante da sua força política, a senhora cogita concorrer ao governo de São Paulo em 2014?
Eu não sou candidata.
A marca de Marta por Fernanda Mena e Matheus Magenta, Folha de S. Paulo
A marca de Marta
Matéria de Fernanda Mena e Matheus Magenta originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 9 de novembro de 2012
Em sua primeira entrevista oficial, ministra fala à Folha sobre sua gestão, que pode dobrar impacto da renúncia fiscal sobre o orçamento
Após pouco mais de 50 dias à frente do MinC, durante os quais a frase "estou estudando este assunto" foi resposta padrão para questões sobre temas espinhosos da pasta, Marta Suplicy mudou o discurso: "Já estou dando aula em algumas áreas por aqui".
Apesar de dizer que não pretende deixar uma marca sua no MinC -"Fui chamada pela presidenta Dilma para criar uma política de Estado"-, Marta articulou uma agenda positiva que, nos últimos dois meses, movimentou o setor mais que sua antecessora em um ano inteiro.
Propôs editais exclusivos para afrodescentes, acelerou a tramitação do Vale Cultura e promoveu a aprovação do Sistema Nacional de Cultura.
Contradizendo o discurso antipersonalista, uma de suas primeiras medidas foi readequar o projeto das Praças dos Esportes e da Cultura para o conceito dos CEUs (Centros Educacionais Unificados), grife de sua gestão na Prefeitura de São Paulo.
Com 360 unidades já licitadas no país, as Praças, parte do PAC 2 (Programa de Aceleração do Crescimento), se chamarão CEUs das Artes. "Achei que o enfoque deveria ser outro. Serão grandes espaços em que pessoas de teatro, artes plásticas e música trabalharão juntas."
Em sua primeira entrevista oficial como ministra, Marta levou respostas prontas para eventuais questionamentos sobre Kassab, mensalão e Ecad. E enumerou suas prioridades: "Passar as novas leis de incentivo fiscal [ProCultura] e de direitos autorais, aprovar o Vale Cultura e aumentar a inclusão social pela via cultural".
Segundo a ministra, a proposta de reformulação da Lei Rouanet, que tramita na Câmara há mais de um ano, deve ser apresentada neste mês pelo deputado Pedro Eugênio (PT-PE), relator do projeto na Comissão de Finanças e Tributação da Casa. "Fiquei com ele ontem até tarde discutindo o impacto [financeiro] do projeto, mas acho indelicado falar sobre isso sem ele aqui."
A Folha apurou que, se aprovada, a nova lei praticamente dobraria o impacto orçamentário atual, chegando a R$ 3 bilhões. O valor, segundo especialistas, não sofreria resistência na Fazenda. Com isso, o incremento de recursos destinados ao Fundo Nacional de Cultura aumentaria de R$ 256 milhões para R$ 800 milhões.
novembro 7, 2012
Feira 'Artigo Rio' traz obras de jovens artistas por Pedro Rocha, Jornal do Brasil
Feira 'Artigo Rio' traz obras de jovens artistas
Matéria de Pedro Rocha originalmente publicada no Caderno Cultura do Jornal do Brasil em 6 de novembro de 2012.
Mostra acontece de 8 a 11 de novembro, na Cidade Nova
De quinta (8) a domingo (11) acontece a primeira edição da Artigo Rio, feira de arte contemporânea com obras a preços acessíveis. A mostra reúne cerca de 30 galerias e coletivos artísticos nacionais e internacionais, no Centro de Convenções Sulamérica, na Cidade Nova. Das 12 às 22h, com ingressos a R$ 10.
Com curadoria do artista plástico Alexandre Murucci, a Artigo Rio se propõe a oferecer obras de artistas jovens, a um valor de R$ 500 e R$ 3 mil, e teto de R$ 17 mil para o trabalho mais caro. Obras de mentes jovens com muito a mostrar.
“Há um nicho pouco explorado no Brasil, impulsionado pela expansão do circuito de arte e sua popularização para a classe média, mas que é tendência de mercado na Europa e nos EUA, onde já acontecem, com frequência, diversas feiras similares. E a Artigo vem para preencher esse espaço”, argumenta Murucci.
As obras estão divididas em galerias, e cada uma delas traz informações sobre os artistas e preços dos trabalhos expostos. Todos os participantes têm como comprometimento expor 70% das obras à venda com preço médio entre R$ 500,00 e R$ 3 mil.
“Apesar do boom das artes no país, o brasileiro ainda vê a obra de arte como um objeto caro, inacessível. Por isso nossa proposta é oferecer obras com valores acessíveis e uma dinâmica de maior clareza nas informações e preços, pois a pessoa que vier à nossa feira tem de ter a certeza de que não há preços flutuantes – é tudo como numa vitrine de shopping. Queremos que o público vá à Artigo para comprar de fato, e não apenas olhar, como num museu”, comenta o idealizador Alexandre Murucci.
Estão na mostra as galerias cariocas Artur Fildago, Öko Arte Contemporânea, Cosmocopa, Sergio Gonçalves Galeria, a mineira Minas Contemporânea, a estrangeira AVA Gallery, de Helsinki (Finlândia), e o projeto virtual FaceArte, entre outras.
Eventos paralelos à feira estão na programação. Entre os dias 8 e 11 de novembro, o Fórum Artigo traz uma série de debates e palestras que abordarão o mercado de arte, do colecionismo aos jovens artistas, entre outros temas.
Também ocorrerá a entrega do Prêmio Artigo de Arte Contemporânea, para galerias e artistas em três categorias: Artista Revelação, para artistas iniciantes; Projeto Trajetória, com artistas em meio de carreira; e Melhor Obra, para a galeria que trouxer a obra com melhor custo benefício e de maior impacto junto ao público (prêmio por votação popular).
SP-Arte/Foto traz o que há de mais novo na produção visual por Simonetta Persichetti, Estadão
SP-Arte/Foto traz o que há de mais novo na produção visual
Matéria de Simonetta Persichetti originalmente publicada no Caderno Cultura do jornal Estadão em 7 de novembro de 2012.
A programação da sexta edição do evento reúne 23 galerias, lançamentos de livros e debates
Nas duas últimas décadas, a fotografia explodiu nas mais variadas práticas artísticas e documentais, quebrando fronteiras e colocando-se como polo de discussão da nova - ou mais certo seria dizer - atual forma de visualidade. Uma fotografia que, como afirma a filósofa francesa Dominique Baque, "não se pretende mais heroica, mas uma imagem que brinca com a banalidade". É assim que encontramos possibilidades múltiplas para o fazer fotográfico, hoje em dia: desde experimentações tecnológicas até situações familiares.
Esse parece ser o fio condutor que acompanha toda a produção contemporânea: o ordinário, banal, familiar, uma ancoragem no cotidiano. Ao mesmo tempo, lembra-nos ainda a filósofa, numa tentativa de nos ajudar a compreender a produção atual, que desde os anos 80 estamos procurando "cenografar" a cultura, a teatralização do gesto. "A citação de quadros, a busca de uma ambição teórica na produção das imagens - do banal à fotografia erudita, passando pela intimidade do sujeito -, o campo da fotografia contemporânea é, muitas vezes, visto como um campo de tensão." O discurso, a fala torna-se, com frequência, mais importante do que a própria construção visual.
Parte desse arsenal imagético poderá ser visto a partir de amanhã na sexta edição do SP-Arte/Foto, uma reunião de 23 galerias que nos dão um panorama da fotografia nacional e internacional. Depois de cinco anos, o evento muda de endereço e passa a ocupar dois andares do Shopping JK Iguatemi, tornando-se uma das mais importantes feiras fotográficas da América Latina. Além da exposição fotográfica, também está programado um evento para discutir a imagem. A Zum, revista de fotografia editada pelo Instituto Moreira Salles, organizou um ciclo de encontros entre fotógrafos, além de lançamento de livros.
SP-ARTE/FOTO 2012
Shopping JK Iguatemi. Av. Juscelino Kubitschek, 2.041, Vila Olímpia.
Amanhã e 6ª, 16 h/ 22 h; sáb. e dom., 14 h/ 20 h. Grátis – www.sp-arte.com
novembro 6, 2012
Obras de Bruno Munari participam da 30ª Bienal por Camila Molina, O Estado de S.Paulo
Obras de Bruno Munari participam da 30ª Bienal
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno Cultura do jornal Camila Molina em 6 de novembro de 2012.
Exposição reúne mais de 80 peças criadas pelo artista italiano desde a década de 1930
Designer, artista, escritor, ilustrador, educador, o italiano Bruno Munari (1907-1998) criou uma obra de várias vertentes, entretanto, pouco conhecida no Brasil. "Seu trabalho tem uma pluralidade e uma inquietação a ponto de ele ser um resumo de tudo o que temos na 30.ª Bienal de São Paulo", diz André Severo, curador associado da edição do evento, em cartaz até 9 de dezembro. Desde o início da concepção do projeto curatorial da mostra, com curadoria geral do venezuelano Luis Pérez-Oramas, Munari esteve incluído entre os participantes. Com o intuito de realizar uma exposição mais abrangente do italiano no País, a exibição de suas obras, mais de 80 peças, vai ser apresentada fora do Pavilhão da Bienal, tendo o Instituto Tomie Ohtake como morada.
Não se trata da uma retrospectiva, mas a mostra Bruno Munari. Arte, Desenho, Design, que será inaugurada amanhã para convidados e na quinta-feira, 08, para o público no Instituto Tomie Ohtake, ocupa quatro salas da instituição apresentando peças, objetos, livros, mobiliário e jogos educativos criados pelo multidisciplinar italiano desde os anos 1930. "A 30.ª Bienal aposta na busca de uma linguagem e Munari passou por tudo com um interesse genuíno no processo criativo, acreditando no poder transformador da arte", diz Severo.
No catálogo da Bienal, está descrito que Bruno Munari foi "celebrado" pelo crítico e historiador Giulio Carlo Argan como "um dos maiores expoentes da cultura artística italiana". A primeira aproximação que a mostra faz do artista com o Brasil acontece já na abertura da mostra, quando se apresenta na sala inicial Côncavo Convexo (1947-48), obra destaque da trajetória do italiano, colocada em diálogo com a escultura Unidade Tripartida (1948-49), de Max Bill, pertencente ao acervo do MAC-USP, e um dos trabalhos da série Trepantes, de Lygia Clark. Faz-se uma relação formal entre as peças - a de Munari, pendurada no teto, faz girar duas formas leves e quase redondas; a de Max Bill, premiada na 1.ª Bienal de São Paulo, em 1951, foi uma referência para o movimento concreto brasileiro; e a de Lygia Clark já é o movimento de uma forma espiralada de metal escorregando para o chão. "Esta sala é a assinatura do Luis (Pérez-Oramas), que tem toda uma fantasia sobre a relação dos três artistas", diz Severo - vale dizer que o curador-geral da 30.ª Bienal está preparando a retrospectiva de Lygia Clark que será exibida no MoMA de Nova York em 2014.
A partir dessas "boas-vindas", a obra de Bruno Munari é exibida em toda a sua pluralidade - e até certo humor -, obedecendo, de certa maneira, a um percurso cronológico para que se entenda a passagem do artista de uma pesquisa a outra. Quando tinha 19 anos, Munari integrou o movimento futurista italiano, tanto que em 1930 descreveu essa sua fase como intrínseca às "máquinas inúteis", que inclusive lhe despertaram o interesse pela infância. Em 1945, Munari já iniciou a criação de "livros ilegíveis" para crianças - com os quais ganhou, em 1947, o Prêmio Hans Christian Andersen - e adiante concebeu de uma forma intensa desenhos, fotomontagens, móbiles, obras gráficas, pinturas - principalmente, as da série Negativo-Positivo (dos anos 1950) -, luminárias e outras objetos e até o Habitáculo para os quartos infantis. "Existe uma utopia de transformação em sua obra com a crença de que a arte possa ser incorporada ao mundo", diz Severo.
Segundo o curador, não foi fácil realizar a produção da mostra, que reúne peças de diversos acervos particulares e estava prevista, inicialmente, para ser aberta no dia 2 de outubro.
Traço delicado reflete memória violenta por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Traço delicado reflete memória violenta
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 6 de novembro de 2012.
Mercado em alta na Colômbia favorece produção de artistas que fizeram do desenho uma linguagem expressiva
Curadores e críticos atribuem foco no desenho à reclusão de artistas acuados pela luta ao narcotráfico
Militares com metralhadoras e cães farejadores na porta das casas e manchetes sobre um processo de paz que se arrasta há anos sem sucesso não deixam esquecer a guerra ao narcotráfico que sublinha a vida na Colômbia.
Mas, em contraponto à realidade agressiva, a arte que desponta no país segue outra rota. São desenhos sutis -lápis sobre papel, preto no branco, de um traço delicado- que parecem dominar a produção contemporânea em Bogotá, alçada agora ao posto de uma das novas capitais da arte latino-americana.
Enquanto curadores colombianos conquistam postos de relevância no circuito global, como José Roca, curador na Tate Modern, de Londres, e Juan Gaitán, à frente da próxima Bienal de Berlim, o mercado e a cena do país se aquecem com a feira ArtBO, realizada no mês passado.
Na Bienal de São Paulo agora em cartaz, artistas como Bernardo Ortiz e Nicolás París representam esse levante do desenho, uma fragilidade contraposta aos anos de conflito armado que dilaceram a sociedade colombiana.
"Esses trabalhos intimistas são consequência direta do conflito", diz o curador colombiano Jaime Cerón. "São tentativas de revisar o espaço cotidiano. É olhar para dentro como sintoma de estar preso, confinado em casa com a impossibilidade de sair e ocupar as zonas de risco."
O prédio de uma antiga tecelagem no centro de Bogotá foi transformado em um quartel general de ateliês. É ali que artistas põem no papel a memória do conflito.
"Vivemos 50 anos de guerra neste país. A população ou é vítima ou está entre os algozes, sendo que uma parte é indiferente ao que acontece", diz Lina Espinosa, em seu ateliê no edifício Las Nieves. "Quero chamar a atenção dos indiferentes, criando uma memória da dor."
Fernando Arias, que faz uma obra de forte cunho político sem se restringir ao desenho, enxerga nesses traços um ato subversivo -a tradução de uma realidade atroz.
"É violento e sutil ao mesmo tempo", afirma. "Isso confronta as pessoas que vivem todo dia essa violência."
Não é de hoje que o desenho é a escola por excelência da arte colombiana. Nos anos 70, artistas como José Antonio Suárez já usavam a técnica como linguagem central.
Mas, nos anos 90, com a derrocada de um sistema de arte ainda frágil e sustentado pela lavagem de dinheiro de narcotraficantes, o desenho voltou ao centro das atenções como um meio simples e econômico de produção, algo que estava ao alcance de artistas que ainda não sonhavam com a inserção do país no mercado de arte global.
Bernardo Ortiz trabalha nessa escala diminuta, de folhas que se amontoam no ateliê em "arquivos orgânicos".
"Essas obras estão no limite entre o cínico e o comovente", diz o artista em seu ateliê no centro da cidade. "É uma arte que não é quase nada, está entre a verdade e a mentira, como se fossem folhas arrancadas de um livro."
Enquanto o livro de Ortiz tem espaço para frases soltas, memórias ambíguas e desenhos aleatórios, Lucas Ospina, outro artista dessa geração nascida nos anos 70 e 80, parece focar em personagens solitários. Seus desenhos são vazios com figuras perdidas numa imensidão branca.
"Meu traço é imediato, entre o passado e o presente", diz Ospina. "Tento definir pessoas com um só gesto."
O jornalista SILAS MARTÍ viajou a convite da feira ArtBO.
novembro 5, 2012
(Des)encontros com o real por Paula Alzugaray, Isto é
(Des)encontros com o real
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de Artes Visuais da Revista Istoé em 05 de novembro de 2012
Estante
Deriva para a fotografia
Paisagem Zero/ Fabio Miguez/ Martins Fontes Editora/ 216 págs./ R$ 72
“Em 1993, sentado de frente para o mar, em Ubatuba, vi aquilo que já tinha visto inúmeras vezes: o tempo fechar e a chuva e a neblina apagarem lentamente a paisagem ampla e profunda.” Assim Fabio Miguez começou a série fotográfica “As Derivas”, em processo até este ano, com imagens realizadas durante a exposição individual do artista no Centro Maria Antônia, em São Paulo.
As primeiras fotografias documentam um nevoeiro que avança progressivamente, do horizonte, no fundo do quadro, até ganhar toda a cena. Registram também a espuma branca do mar que bate nas pedras e inunda a imagem. É verdade que as fotografias de Fabio Miguez evocam uma reflexão sobre os limites da visualidade. Daí o ímpeto do crítico Lorenzo Mammi, que assina o texto do livro “Paisagem Zero”, em associar os procedimentos de Miguez como fotógrafo às suas estratégias como pintor, surgido nos anos 1980, interessado no expressionismo abstrato americano.
Porém, depois que a neblina toma o quadro e anula a figura, aparece um barco para navegar esse campo abstrato e confirmar os vínculos que a fotografia tem com a representação do mundo e das formas discerníveis. Vale, portanto, olhar para essas imagens como uma deriva, da pintura para a fotografia.
Poesia do concreto
Alexandre da Cunha/ Editora Cobogó/ 136 págs./ R$ 120
Alexandre da Cunha não fotografa, mas se relaciona intimamente com o real. O artista brasileiro, residente em Londres há dez anos, não faz a representação da vida cotidiana, mas promove a sua transformação. Sua escultura se faz a partir de ações de manipulação da produção cultural e da vida urbana. Com esculturas em exibição na 30ª Bienal de São Paulo até dezembro, o artista “re-fabrica” o mundo com materiais tão banais como escovões, toalhas de praia e chapéus de palha. Com isso, não está fazendo uma arte ecologicamente correta nem uma ode à reciclagem. Ele também nega estar simplesmente transformando o mundano em precioso.
Em um percurso consistente, que hoje está bem representado em monografia lançada pela Cobogó, Da Cunha afirma sua habilidade de extrair poesia do mundo concreto. Como Zöe Gray afirma no texto do livro, “Da Cunha é fascinado pela nossa experiência diária com os objetos, transformando ou manipulando objetos soltos ou industrializados de modo a romper os sistemas tradicionais de classificação”. Assim, em gesto similar à transformação de um urinol em fonte, por Duchamp, em 1917, aqui garrafas de plástico são convertidas em taças de vinho.
Cidade-arquivo
Repaisagem São Paulo/ Marcelo Zocchio/ Editora Porto de Cultura/ 100 págs./ R$ 60
Há sete anos, o curador Marcio Doctors concebeu para a Fundação Eva Klabin o “Projeto Respiração”. “Pensei em arejar o ambiente. Era preciso insuflar um novo ar capaz de fornecer o oxigênio necessário para interessar os antigos frequentadores e atrair um novo público”, escreve Doctors no livro que reúne as 14 intervenções artísticas que deram novos ares à coleção Eva Klabin, até 2011. Ocuparam a casa projetos vigorosos de Brígida Baltar, Carlito Carvalhosa e Ernesto Neto, entre muitos. Com o lançamento desse livro, um 15º projeto criativo vem à tona: é o texto do curador, que realiza uma reflexão filosófica de fôlego sobre a ação não cronológica do tempo na subjetividade humana e na história da arte. Imperdível.
Livro fala sobre como é possível aproximar crianças de obras artísticas por Maria Fernanda Rodrigues, estadão.com.br
Livro fala sobre como é possível aproximar crianças de obras artísticas
Matéria de Maria Fernanda Rodrigues originalmente publicada no Caderno Culturaa do jornal estadão.com.br em 2 de novembro de 2012.
Françoise Barbe-Gall, que trabalhou no Louvre, lança publicação sobre o tema no Brasil
Tão fácil quanto despertar o interesse de uma criança por arte é destruir o prazer dessa descoberta. Para que pais, avós e professores não percam seus rebanhos pelo caminho, a francesa Françoise Barbe-Gall lança agora no Brasil, pela WMF Martins Fontes, Como Falar de Arte com as Crianças. Uma das lições iniciais, e mais importante, é: não caia na tentação de achar que um dia chuvoso é perfeito para visitar um museu.
"É uma noção que precisa ser derrubada: ela supõe que nos resignamos a entrar nesse tipo de lugar quando todas as outras possibilidades de ‘passar o tempo’ tiverem sido esgotadas", escreve a autora a partir de suas obervações diárias no Museu do Louvre, em Paris, onde foi professora até este ano. Hoje ela se dedica à sua associação Coreta (Comment Regarder Un Tableau), a palestras para professores e à produção de outros guias deste tipo, para todas as idades. Entre os que já publicou estão ainda Como Ver os Impressionistas, Como Falar com Crianças Sobre Arte Moderna e Como Entender Uma Pintura.
O volume que chega agora ao País é destinado a adultos que querem falar sobre pintura com as crianças e traz informações práticas sobre obras, artistas e sobre como abordar determinadas questões com crianças entre 5 e 13 anos - ela as divide em três grupos. Conta, por exemplo, que as que têm entre 5 e 7 anos criam suas próprias histórias para o que veem na tela e se divertem imitando os personagens. Já as de 8 a 10 se encantam com as diferentes civilizações e aqueles entre 11 e 13 querem saber sobre a vida dos artistas. A autora mostra como tirar proveito dessa curiosidade.
Françoise escolheu a idade de 5 anos para começar porque é quando o vocabulário se amplia. Porém, não é preciso esperar até lá. "Antes dessa idade, é importante cultivar a familiaridade com as imagens. Se os pais acostumarem as crianças a verem reproduções de obras no ambiente familiar, a arte se tornará uma coisa normal", conta a autora ao Sabático.
Mas a arte não está em todas as casas e Françoise não vê como problema que pais deleguem a educação artística de seus filhos às escolas. Na verdade, acha até melhor. "Se não gostam, não deveriam abordar o tema. O tédio é contagiante", brinca. Eles terão outras oportunidades de serem sensibilizados, mesmo que achem, como grande parte das crianças acha, chato visitar um museu.
O espaço é enorme, mas não se pode correr lá. Tem de falar baixo, não pode encostar em nada, não pode comer. As visitas são longas e por todo o tempo eles têm de se comportar. Dependendo do museu, haverá muita imagem religiosa, ou então, muita escultura. E se a criança já demonstra antipatia por determinado tipo de obra, fica tudo mais difícil - mas não impossível, garante a autora.
A teoria na prática. Já na entrada da primeira sala do Museu de Arte de São Paulo, Julio Charleaux diz que aquele museu é um lugar chato. Ele, no entanto, não fala isso porque preferia estar jogando bola ou videogame. Aos 9 anos, já conhece suas preferências: "Não gosto muito de pintura de pincel, só de lápis grafite." Ele vai se desarmando durante a visita e, bom desenhista, começa a copiar a tela A Canoa Sobre o Epte (1890), de Claude Monet. Depois, dá uma volta e logo se encanta com As Tentações de Santo Antão, de Hieronymus Bosch, datada de cerca de 1500. Percebendo que o quadro tinha mais ou menos a idade do Brasil, se assombra: "E está vivo até agora? Como?" É nesse momento que aprende lições de conservação e ouve que é para que o quadro permaneça vivo por muitos outros séculos que é proibido fotografá-lo usando flash.
Julio costuma ir a museus por influência dos pais. Em Santiago, no Chile, gostou muito do Interativo Mirador - pudera, lá as crianças aprendem na prática o que veem na escola. Por outro lado, recentemente ele foi à exposição do cartunista Angeli, no Itaú Cultural, e saiu frustrado porque não o deixaram entrar em determinada sala, proibida para menores de 16 anos. "Não deixaram porque tinha desenho de mulher pelada, mas eu sempre vejo isso em quadro. Olha, tem mulher pelada ali", esbraveja apontando para Banhista Enxugando o Braço Direito (1912), de Renoir.
A questão da nudez é abordada no livro, e a autora conta que ela causará constrangimento em meninos e meninas nos seus 11, 12 e 13 anos. Para ela, evitar o tema é um absurdo e a sugestão para deixá-los mais confortáveis é que se apresentem os sentidos da obra - a relação simbólica com a verdade, as pesquisas de anatomia, etc. Françoise antecipa, também, questões e comentários que os três grupos de idade escolhidos por ela podem fazer. No fim da obra, há reproduções de 30 quadros com esses comentários e as possíveis respostas (veja dois exemplos abaixo). Para ilustrar a seção, escolheu artistas de períodos e nacionalidades diversas: Bosch, Ticiano, Botticelli, Vermeer, Goya, Caravaggio, Van Gogh, Monet, Chagall, Mondrian...
Algumas das telas selecionadas são famosas - Mona Lisa está lá, claro -, mas o critério da autora foi mostrar quadros ricos que pudessem abrir o caminho para outras imagens. Assim, quem não pode ir ao MoMA, de Nova York, ver a tela O Aniversário, de Chagall, que está no livro, tem a chance de conhecer o trabalho do artista no Masp, onde está exposto O Vendedor de Gado. Além disso, as respostas e abordagens sugeridas pela autora são também facilmente transportadas para outras pinturas, de outros autores.
Há ainda informações sobre temas frequentes na arte, como mitologia, religião, alegoria, história e paisagem - com indicações de livros sobre tais assuntos. E muitas dicas práticas. Por exemplo, uma vez no museu, faça a visita no ritmo da criança e não force um tour completo. Se a fila para entrar estiver longa, passe na cafeteria antes de começar o passeio para quebrar o tédio da espera. Esqueça frases do tipo "Você vai ver, o quadro é muito bonito". Transforme a ida ao museu num programa e na saída, passe numa lanchonete. Deixe que a criança descubra os quadros sozinha, se encante por eles. Segundo a autora, é possível que ela eleja o seu "queridinho" e queira sempre voltar a vê-lo. Não tem problema. A cada vez que o quadro for visto, um novo detalhe chamará a atenção. E mais: uma hora a fixação por ele será transferida para outra obra.
Na volta para casa, o ideal é manter o assunto vivo, mostrando, em livros, outros trabalhos daqueles artistas, contando a história deles, ouvindo músicas da época da pintura. Para quem não tem museu à mão, os livros de arte ajudam. "O único inconveniente é que podem dar a impressão de que a arte está reservada apenas a pessoas dotadas de grande conhecimento", explica.
Visita com os pais ou com a escola a museus, livros de arte espalhados pela casa. Apesar de todo o esforço, pode ser que a criança não goste mesmo de pintura e para a autora isso é ok. "Todas as pessoas podem ser tocadas pela arte; a questão é encontrar a que consegue tocá-las. Algumas são sensíveis à imagem, outras à música, ao teatro... Isso não acontece sempre na mesma idade para todos. É por esse motivo que é essencial abrir as portas e mostrar que não se trata de obrigação, e sim de prazer."
Tunga é maior destaque dos novos pavilhões de Inhotim por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Tunga é maior destaque dos novos pavilhões de Inhotim
Crítica de Fabio Cypriano originalmente publicada no Caderno Ilustrada do jornal Folha S. Paulo em 5 de novembro de 2012.
Das novas inaugurações em Inhotim, realizadas em setembro passado, o pavilhão de Tunga é o destaque. Não só pelo tamanho -com 2.600 metros quadrados, é o maior do local-, mas pelas mais de 15 obras, que percorrem toda a carreira do artista.
O pavilhão foi desenhado pelo escritório Rizoma Arquitetura e lembra a Nova Galeria Nacional, em Berlim, de Mies van der Rohe (1886-1969), marcada pela transparência e pelo imenso pé-direito. Em Inhotim, o pavilhão recebe desde a instalação "Ão" (1980), na qual um percurso dentro de um túnel que nunca termina é projetado em "looping", até as obras mais recentes do artista.
Na abertura, mais de cem pessoas refizeram icônicas "instaurações" -é assim que Tunga denomina suas performances. Entre elas, "Xifópagas Capilares entre Nós", com jovens irmãs gêmeas unidas pelos longos cabelos, ou "Teresa", na qual dezenas de jardineiros de Inhotim construíam tranças com tecidos, como aquelas feitas para se escapar das prisões.
A trajetória de Tunga é singular na arte brasileira. Se, por um lado, ele dá continuidade às propostas de Lygia Clark e Hélio Oiticica, valorizando a presença do espectador e o questionamento ao suporte, por outro, ele reúne elementos surrealistas, que imprimem certo mistério ao seu trabalho.
Seu pavilhão dá conta de tudo isso de forma orgânica e em sintonia com a natureza. Dessa forma, Inhotim consolida-se como espaço único no cenário nacional, onde se pode conhecer de fato a obra de artistas essenciais como Cildo Meireles e Hélio Oiticica -e agora Tunga.
Já "Ttéia 1C", de Lygia Pape (1927 - 2004), instalada em outro pavilhão, é uma obra-prima que faz ótimo diálogo com a nova configuração da Galeria da Mata. Lá estão obras de oito artistas que abordam a poética construtiva, como em trabalhos de João José Costa e Edward Krasinski.
Nas novas inaugurações, destoa apenas a obra da artista espanhola Cristina Iglesias, que criou uma instalação no meio do mato, sem o tom contemporâneo das demais obras do local.
O jornalista FABIO CYPRIANO viajou a convite de Inhotim
novembro 4, 2012
Sem ousadia, pelo conforto por Sheila Leirner, O Estado de S. Paulo
Sem ousadia, pelo conforto
Crítica de Sheila Leirner originalmente publicada no Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo em 4 de novembro de 2012.
Exposição erra ao apostar em noções antigas e corriqueiras
Paradoxalmente, a boa vontade com que a 30ª Bienal de São Paulo foi recebida pelos brasileiros poderia ser explicada pelas mesmas reservas do crítico do jornal Le Monde e dos artistas Gilbert e George: "A exposição é trivial, a sua visita causa uma sensação de familiaridade(...) temos a impressão de que nada mudou nos últimos 30 anos". De fato, ao contrário da estimulante Documenta (13) e da formidável Trienal de Paris deste ano, esta é uma mostra confortável, lisa e sem choque, com a sustentável leveza do déjà vu e sem a fricção que a descoberta provoca. Só pode agradar.
A repercussão nacional parece nascer de um "consenso" construído mais por uma vontade do que pela realidade. Contudo, o crítico francês deixa claro que a bienal é "tristemente" trivial, que a sensação de familiaridade é "menos reconfortante do que decepcionante"; e os artistas ingleses acrescentam que "é uma perda de tempo, todos estão apenas revivendo o passado; se fosse uma exposição de 1971 seria muito boa".
A outra razão para a boa acolhida deste conjunto "passadista e corriqueiro" e de seu programa e estrutura conceitual pretensiosos mas sem grande imaginação, talvez seja a condescendência com que se costuma julgar um empreendimento miraculado, são e salvo da derrocada financeira que quase o impediu de se realizar. Sobretudo num País onde a cultura não é um bem inato, precisa ser defendido e adquirido com enorme esforço. Dá para entender, porém... adeus objetividade!
O "conforto" tem um preço alto e aqui ele é proporcional à falta de cumprimento da vocação primordial da Bienal, que é ser o verdadeiro barômetro, geralmente desconfortável, da situação artística internacional. O papel desta "antifeira" tem a obrigação de ser revelado não apenas a partir da reflexão sobre os caminhos artísticos, mas sobretudo da prática mesma de torná-los compreensíveis para o público.
Público que, diga-se de passagem, no sábado e domingo seguintes à inauguração, já estava reduzido a algumas dezenas de "gatos pingados". É possível que os que começavam a visita pelo terceiro andar, vissem o seu entusiasmo cair proporcionalmente ao declive das rampas vazias. Por mais que estivessem dispostos a compreender o que contemplavam e que percebessem as óbvias relações entre as obras e algumas analogias de linguagem interessantes, a sua curiosidade provavelmente era neutralizada pelo caráter descritivo e desapaixonado do percurso. Como se a sua trajetória tivesse sido formada pela acumulação de um "especialista", mais com o objetivo de narrar ou classificar exemplos do que de provocar vivências.
A pobre e exangue expografia acentua o olhar "científico" do organizador. Sem energia, impacto e interpelação, não há compreensão para o leigo, apenas absorção de informações. Com exceção de algumas poéticas que justificam o título da mostra, simbolizadas pelo núcleo Arthur Bispo do Rosario. Mas este não tem nenhuma relação - como quer o curador - com o formalismo e a elegância enganosa do "estilo" Sheila Hicks de tapeçaria. Teria muito mais a ver com a experiência genuína de uma Eva Hesse. A mostra Bispo do Rosário, ademais, não possui o espaço que merece. Está espremida, num local exíguo, onde não se consegue distância ou voltear as peças extraordinárias sem esbarrar em alguém.
Diante deste e de outros exemplos - como o desequilíbrio na maciça (e excessiva) presença fotográfica, o peso dado aos artistas mortos e/ou históricos (entre os quais Waldemar Cordeiro, com obras pouco representativas), a falta de consistência da maior parte dos artistas contemporâneos -, a hierarquia dos espaços, a distribuição e o número aleatório de obras para cada artista ficam ainda mais absurdos. Artistas manifestamente medíocres com "minirretrospectivas" como se fossem "salas especiais", artistas maiores jogados em áreas abertas e vice-versa. É quase um feito: a primeira vez que se vê uma graduação e uma ordem distributivas sem sentido e sem leitura. Ao contrário do que se afirmou, fora das relações analógicas que saltam à vista, não se percebe "autor e pensamento por trás".
Centro. O grande equívoco da 30ª Bienal, no entanto, é ter medo da complexidade, não se colocar dentro dos paradoxos do contemporâneo, não aceitar os rastos da ambiguidade e desconhecer totalmente o fascínio que pode exercer. Pode-se dizer que Luís Perez Oramas é o extremo oposto de Okwui Enwezor ou de Carolyn Cristov-Bakargiev. O erro desta Bienal é não tomar em conta a evolução do mundo da arte de um ângulo além da própria criação, aquele que é simplesmente lógico do ponto de vista da geopolítica e da geografia dos poderes e das trocas.
A noção de centro na arte, que durante muito tempo foi essencial, está morta. Quem vem de onde? Não são mais as obras que assinalam isto, nem os materiais, nem as técnicas, e muito menos as poéticas. Não há mais tendências plásticas, estilos que estejam na moda em Nova York ou Berlim. Existe um assunto de reflexão coletiva, a circulação permanente de referências, imagens, ideias e interrogações em todos os continentes.
É inútil ir procurar signos de especificidades locais e ocupar 50% da bienal com artistas latino-americanos. Hoje é até mesmo desnecessário inscrever a produção em passados históricos particulares, pois ela participa do mesmo e generalizado presente. No campo artístico - tanto quanto o econômico, político ou religioso - em 2012 passa-se finalmente ao regime da mundialização, como já foi previsto nas últimas décadas. É o fim do centro e das periferias. E é o fim das bienais renitentes que, como a 30ª Bienal de São Paulo, não mudam de modelo e, portanto, não conseguem mais espelhar a sua época.
SHEILA LEIRNER É CRÍTICA DE ARTE, FOI CURADORA DAS BIENAIS DE SÃO PAULO DE 1985 E 1987