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fevereiro 29, 2012
Arqueologia social por Paula Alzugaray, Istoé
Arqueologia social
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 24 de fevereiro de 2012.
Passado e presente se unem e reforçam caráter alegórico da arte contemporânea indiana, em exposição, em São Paulo
ÍNDIA! – LADO A LADO/ Sesc Belenzinho, SP/ 25/2 a 29/4
Em um Centro Cultural Banco do Brasil, imerso sob a aura de um museu de arqueologia, a exposição “Índia!” apresenta a cultura milenar indiana, com peças que chegam a datar desde 200 a.C. Mas, no Sesc Belenzinho, que recebe, a partir de sábado 25, o segmento contemporâneo da exposição, dedicado à atual cena do país, a história da arte e da cultura indianas é virada de ponta-cabeça. A imagem que melhor representa essa ideia é a obra “Vishnu Vilas”, do artista Manjunath Kamath, em que um busto do deus protetor contra as calamidades é tombado sobre objetos que se esparramam pelo chão. “Vishnu é representado em uma postura de perdedor, vencido, destruído”, afirma a curadora brasileira Tereza Arruda. “A partir daí, abre-se um amplo leque de questionamentos referentes à tradição, história e cultura”, completa ela. Assim como Kamath, os 17 artistas da mostra “Índia! – Lado a Lado” produzem releituras da história – sempre confrontada à atualidade de um país que divide hoje com Brasil, China e Rússia, toda a atenção mundial.
Há diversas realidades confrontadas na exposição. Em “Sonhos de Habitação”, o fotógrafo Vivek Vilasini documenta os estilos híbridos que brotam do boom imobiliário de pequenos vilarejos. Já o PIX Collective, coletivo de jovens fotógrafos que compõem o corpo editorial de uma revista trimestral, apresenta um mosaico de visões sobre o contexto social indiano. Há ainda esculturas, pinturas, vídeos e instalações.
Na maioria dos casos, o recorte da curadora Tereza Arruda apresenta artistas contemporâneos que se comportam como arqueólogos do espaço social urbano.
Desses exercícios de arqueologia social, surgem alegorias de vários aspectos da sociedade indiana: da condição feminina à religiosidade, passando pela organização em castas e o passado colonial. Entre os trabalhos, há reflexões muito agudas, como a videoanimação “C for Cutter” (C de cortador), de Vishal K. Dar, que usa uma nota de 500 rúpias, com a imagem de Gandhi, para pensar a respeito da sobreposição de valores que se sucederam no último século. Nessa obra, o artista projeta sobre a imagem de Gandhi uma série de ícones relativos a um certo culto à violência, em contraposição aos ideais pacifistas divulgados pelo líder político.
Mas, entre a diversidade de expressões apresentadas na mostra, surgem, por vezes, alegorias menos complexas. Como a instalação “Colostro”, de Reena Kallat, que, em sua crítica ao recente passado colonial, produz um discurso demasiadamente literal. A instalação é composta por elementos suntuosos – como uma coroa, um espartilho e um sapato de salto alto (em alusão ao sapato de cristal da Cinderela, talvez?) –, justapostos a pinturas em vermelho que remetem a cenas de agressão.
Saiba mais sobre a exposição na agenda de eventos.
fevereiro 28, 2012
Coleção Pirelli/Masp completa 21 anos com retrospectiva por Simonetta Persichetti, O Estado de S. Paulo
Coleção Pirelli/Masp completa 21 anos com retrospectiva
Matéria de Simonetta Persichetti originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 28 de fevereiro de 2012.
Exposição percorre trajetória do projeto que nasceu para valorizar produção fotográfica do País
A Coleção Pirelli/Masp completa este ano a sua maioridade. Chega aos 21 anos e podemos dizer que é o acervo mais longevo do Brasil, no que diz respeito à parceria entre um museu e uma empresa patrocinadora. Para comemorar, o conselho de consultores resolveu fazer um retrospectiva que se inaugura hoje para convidados e começa amanhã no Masp.
Uma maneira de pensar e de alguma maneira revisitar todo a coleção que conta com 300 artistas e quase 1.100 imagens: "O resultado foi, então, fazer uma espécie de arqueologia de nós mesmos e, ao olhar para a própria coleção, decidimos romper com a tradição e assumir indistintamente os dez artistas que foram influentes e decisivos na criação das tendências que nortearam a fotografia moderna e contemporânea brasileira", escreve no texto de apresentação Rubens Fernandes Junior, pesquisador e integrante do conselho curador da Pirelli/Masp.
E é assim que encontramos as fotos de rua, de cotidiano de Alécio de Andrade, os retratos de Otto Stupakoff, as imagens intrigantes de Miguel Rio Branco e o incrível trabalho de Claudia Andujar, as fotografias documentais de Pierre Verger e Marcel Gautherot, o jornalismo do pioneiro do fotojornalismo no Brasil, José Medeiros, a ruptura do pictorialismo para a modernidade de Geraldo de Barros, os experimentalismos de Rosangela Rennó, ela mais artista plástica do que fotógrafa, a excelência de Mario Cravo Neto. São 100 imagens, 30 inéditas e 70 que já faziam parte do acervo.
Se não é fácil manter uma coleção desse porte com a obrigatoriedade de a cada ano apresentar novos profissionais com escolhas nem sempre felizes ou significativas, esta pausa de reflexão é ótima oportunidade para repensar o eixo curatorial. Como diz Fernandes Junior: "Neste momento nos colocamos uma série de perguntas para avaliar erros e acertos". Momento também de perdas para o conselho, com a morte de Luiz Hossaka e Thomaz Farkas, que desde o início ajudaram na formação estética da coleção.
O projeto teve início em 1990 sob a coordenação de Fernando Magalhães, na época conservador chefe do Museu de Arte de São Paulo; e Piero della Serra, diretor superintendente da Pirelli no Brasil, mas somente em 1991 foi apresentada a primeira mostra. A ideia era percorrer o País e formar uma coleção da produção brasileira. Fernandes Junior, no texto de apresentação desta edição, nos lembra que Boris Kossoy, ao apresentar a primeira edição destacava no catálogo que a iniciativa é "um passo importante para que se possa, aos poucos, obter um mosaico coerente da fotografia contemporânea. (...) O mais importante ainda está por conta do futuro, a esperança de que o projeto tenha a sua devida continuidade, pois só ao longo do tempo a coleção irá amadurecendo e tomando forma, estabelecendo, enfim, uma identidade própria. Assim nasce uma coleção representativa e digna. Valorizar e reunir criteriosa e sistematicamente a obra dos autores de reconhecido mérito, como também daqueles que ainda devemos descobrir, é a meta a ser alcançada".
Parece que tem dado certo. Só nos resta esperar agora um nova leva de jovens profissionais que, cada vez mais, tem ajudado a repensar a fotografia brasileira e, a partir dos destaques apresentados agora, superem os mestres e nos apresentem novos olhares, novas possibilidades imagéticas.
COLEÇÃO PIRELLI / MASP DE FOTOGRAFIA
MASP. Av. Paulista, 1.578, telefone 3251-5644. De 3ª a dom., 11h/ 18h. 5ª,11h/20h. R$ 15 (3ª grátis). Até 6/5. Abertura amanhã.
Gerhard Richter faz 80 anos com três mostras por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Gerhard Richter faz 80 anos com três mostras
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 28 de fevereiro de 2012.
Em richter, a junção entre forma e conteúdo deve ser vista como uma das chaves de seu sucesso
A festa de aniversário dos 80 anos do artista alemão Gerhard Richter foi comemorada em grande estilo, dividindo-se em três espaços expositivos da capital alemã: a Nova Galeria Nacional e a Antiga Galeria Nacional (www.smb.museum), além do ME Collectors Room (www.me-berlin.com).
De todas essas mostras, inauguradas no último dia 12, a mais importante acontece na Nova Galeria, que recebe "Panorama", uma retrospectiva com 140 pinturas e cinco esculturas. A exposição já foi vista na Tate Modern, em Londres, e, depois de Berlim, segue em junho para o Centro Pompidou, de Paris.
Com praticamente todas as séries criadas em seus mais de 50 anos de carreira, a retrospectiva na grande sala projetada pelo arquiteto Mies van der Rohe (1886-1969) ajuda a entender por que Richter se tornou, hoje, uma unanimidade no mercado, entre críticos e entre artistas.
Suas obras transitam pelo primor da pintura, como se observa em "Betty", de 1988 -tela que inaugurou um estilo de produzir retratos simulando fotografias-, até trabalhos de arte conceitual, como "4 Glasscheiben" (4 painéis de vidro), de 1967.
Nesse último, o artista alinha quatro pedaços de vidro em distintos ângulos, fazendo com que eles reflitam seu entorno de forma distinta.
Pois é justamente essa preocupação com o contexto o que torna Richter tão particular. Suas obras, mesmo quando são abstratas, não estão falando apenas da pintura.
O exemplo mais conhecido dessa estratégia está exposto na Antiga Galeria Nacional, com a série de 15 pinturas chamada "Outubro 18, 1977", mais conhecida como a série do Baader-Meinhof (grupo terrorista alemão de esquerda criado nos anos 70).
Exposta no suntuoso edifício de 1876, monumento à fundação do império germânico, a série que retrata os terroristas mortos pelo Estado alemão tem ali reforçado o caráter denunciatório proposto pelo trabalho. Mas também é formalmente inovadora.
Em Richter, a junção entre forma e conteúdo deve ser vista como uma das chaves de seu sucesso.
fevereiro 25, 2012
Abaixo-assinado: Queremos a realização da Bienal de Arte de São Paulo em 2012 e sempre!
Presidenta do Brasil: Queremos a realização da Bienal de Arte de São Paulo em 2012 e sempre!
A alarmante matéria publicada no O Globo Online ontem (24/02/2012) provocou esta petição endereçada a Presidenta Dilma.
A matéria afirma que "Se até lá (15 de março) as contas da Fundação Bienal continuarem bloqueadas por inadimplência, a instituição começará a desmobilizar a equipe convidada a realizar sua 30 edição, prevista para setembro, dispensando curadores e artistas." Mas o estrago pode ir além:
"O relatório apresentado pela CGU ao ministério aponta irregularidades em 13 prestações de contas ocorridas entre 1999 e 2006, somando quase R$ 33 milhões. A CGU pode levar de dez a 15 anos para concluir se houve ou não desvios de verba. Se a Bienal continuar a ser considerada inadimplente durante as investigações, ela será impedida de captar novos recursos ou fazer convênios com o governo."
Queremos encontrar uma maneira de evitar a interrupção da Bienal Internacional de Arte de São Paulo por longos anos, o que certamente decretaria a sua extinção, ao mesmo tempo em que prossigam as investigações sobre as possíveis irregularidades cometidas nas prestações de contas em questão.
Leia, assine e compartilhe a petição publicada no Change.Org.
Leia e comente as matérias do Dossiê sobre a crise da Bienal de São Paulo.
Dossiê sobre a crise da Bienal de São Paulo
Dossiê sobre a crise da Bienal de São Paulo
Matérias publicadas sobre a longa crise da Bienal de Arte de São Paulo entre 2006 e 2012.
Bienal de São Paulo ainda espera por uma salvação por Márcia Abos, O Globo
Nota: Conselho confirma realização da Bienal, Folha de S. Paulo
Bienal faz exigências ao MinC por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Abaixo-assinado Presidenta do Brasil: Queremos a realização da Bienal de Arte de São Paulo em 2012 e sempre!
Leia o documento e faça a sua adesão online no Change.Org.
A Bienal precisa acontecer por Rubens Barbosa, O Estado de S. Paulo, 06/03/2012
Condenada por inadimplência, a Bienal de Arte pode ser cancelada, O Globo Online, 24/02/2012
Justiça nega pedido de liminar da Fundação Bienal por Márcia Abos, O Globo, 08/02/2012
Ministério tenta evitar adiamento da 30ª Bienal por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo, 28/01/2012
Cultura ignora pedido da CGU para investigar Bienal por Alana Rizzo e Fábio Fabrini, Estado de S. Paulo, 28/01/2012
Bienal tem contas bloqueadas por inadimplência por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo, 27/01/2012
30ª Bienal quer relembrar esquecidos por Silas Martí, Folha de S. Paulo, 21/12/2011
Bienal levanta fundos com estrelas e jantar por Sílas Martí, Folha de S. Paulo, 20/09/2011
Bienal sob nova luz por Paula Alzugaray, Istoé, 29/09/2010
Hora da virada por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo, 21/09/2010
MinC investiga repasse de R$ 32 mi à Bienal por Fabio Cypriano, Folha S. Paulo, 27/06/2009
A Bienal tem salvação? por Silas Martí, Folha S. Paulo, 28/05/2009
Candidato promete "agenda positiva" para Bienal por Fabio Cypriano, Folha S. Paulo, 26/05/2009
Os rumos da Bienal em 15 páginas por Camila Molina, O Estado de S. Paulo, 10/04/2009
"Há um problema de gestão na Bienal", entrevista de Ivo Mesquista, Folha de São Paulo, 22/10/2008
Pedido de corte ameaça 28ª Bienal, por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo, 26/09/2008
28ª Bienal de São Paulo em brasa, série de reportagens sobre a organização e a curadoria, 2007
Fundação Bienal exclui banqueiro Edemar Cid Ferreira, do Folha Online, 26/07/2006
Condenada por inadimplência, a Bienal de Arte pode ser cancelada, O Globo Online
Condenada por inadimplência, a Bienal de Arte pode ser cancelada
Matéria originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Globo Online, em 24 de fevereiro de 2012.
Principal mostra do país precisa fazer acordo com o governo em 20 dias
SÃO PAULO - Numa corrida contra o tempo, o destino da Bienal Internacional de Arte de São Paulo será definido em 15 de março. Se até lá as contas da Fundação Bienal continuarem bloqueadas por inadimplência, a instituição começará a desmobilizar a equipe convidada a realizar sua 30 edição, prevista para setembro, dispensando curadores e artistas. Ontem haveria uma reunião em Brasília entre a Advocacia Geral da União (AGU) e representantes da Bienal para tentar encontrar uma solução ao impasse que desde janeiro ameaça uma das mais importantes mostras de arte contemporânea do mundo, ao lado da Documenta de Kassel e da Bienal de Veneza.
— Se a Bienal não se realizar, será um atentado à imagem da arte brasileira. Como um país que vai organizar uma Copa do Mundo e as Olimpíadas não consegue sequer realizar uma Bienal? — questiona José Roberto Teixeira Coelho, crítico de arte e curador do Masp.
Após a crise institucional que resultou na "Bienal do vazio", em 2008, uma nova gestão, liderada pelo consultor Heitor Martins, assumiu a Fundação Bienal à beira da falência, com um discurso de transparência e restauração. A próxima edição, com um orçamento de R$ 30 milhões aprovado pelo MinC, começou a ser planejada há dois anos, quando o curador venezuelano Luis Pérez-Oramas foi escolhido e começou a trabalhar com sua equipe curatorial, formada por Andre Severo, Tobi Maier e Isabela Villanueva.
150 colaboradores dispensados
O bloqueio realizado pelo Ministério da Cultura em 2 de janeiro, por recomendação da Controladoria Geral da União (CGU), incide sobre R$ 12 milhões captados via lei Rouanet para a realização da mostra deste ano. Também impede que a fundação capte outros R$ 8 milhões já comprometidos por empresas, também via incentivo fiscal. Outros R$ 5 milhões captados sem lei Rouanet estão livres, mas o valor é insuficiente para a realização da Bienal, que custa no mínimo R$ 18 milhões. A equipe de 150 pessoas contratada pelo programa educativo da Bienal já foi dispensada. O grupo trabalha na formação de monitores e professores, que são capacitados a preparar estudantes antes da visita à mostra e realizar debates depois.
A decisão do MinC de acatar a recomendação da CGU de listar a Bienal como inadimplente causa polêmica entre artistas, curadores, galeristas e gestores culturais, pois ameaça não só a realização desta edição da exposição — a que comemoraria seus 60 anos — mas sua existência. O relatório apresentado pela CGU ao ministério aponta irregularidades em 13 prestações de contas ocorridas entre 1999 e 2006, somando quase R$ 33 milhões. A CGU pode levar de dez a 15 anos para concluir se houve ou não desvios de verba. Se a Bienal continuar a ser considerada inadimplente durante as investigações, ela será impedida de captar novos recursos ou fazer convênios com o governo.
— A Bienal é um jogo ganho, mas o Brasil é um país autodestrutivo. Tem a capacidade de desfazer o que já conquistou — lamenta o artista plástico Nuno Ramos. — Neste momento de restauração de uma dinâmica digna, vem essa bomba relativa a dívidas de gestões anteriores. É trágico e fere um esforço louvável.
O bloqueio das contas pegou a equipe da Bienal de surpresa. A fundação vinha apresentando à CGU documentos e esclarecimentos, conforme solicitados pela auditoria, e mantendo diálogo constante com o MinC. A instituição já havia assinado em 2011 um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) e devolveu ao ministério R$ 700 mil usados para consertar parte do teto do prédio. A obra foi considerada irregular pelo CGU, pois foi feita sem licitação.
Após ser listada como inadimplente, a Bienal entrou na Justiça contra a decisão do MinC, pedindo o desbloqueio urgente das contas para evitar o adiamento da mostra. O pedido de liminar foi negado pela Justiça Federal. Novo recurso está sendo analisado pelo Tribunal Regional Federal de São Paulo, mas é pouco provável que a fundação consiga a liberação dos recursos pela via judicial. A saída para que a mostra seja realizada na data prevista depende de uma negociação entre Bienal, MinC, CGU, Tribunal de Contas da União (TCU) e os ministérios públicos federal e estadual. Representantes de cada uma destas partes precisam chegar a um acordo e assinar um novo Termo de Ajuste de Conduta (TAC). A reunião de ontem em Brasília discutiria os termos iniciais deste documento. Caso as negociações se prolonguem, repassar os recursos já captados pela Bienal para outra instituição que esteja adimplente frente ao MinC seria uma solução temporária capaz de viabilizar sua realização.
— Tanto a realização da Bienal quanto a prestação de contas são de interesse público. Caberia ao ministério encontrar uma solução negociada, capaz de evitar o fim da Bienal e de recuperar dinheiro, se forem comprovados desvios — defende Nuno Ramos.
Procurado, o MinC não quis se pronunciar, alegando que o processo, transformado em Tomada de Contas Especial (TCE), é responsabilidade do TCU.
Num momento em que a arte brasileira ganha reconhecimento internacional, a 30 Bienal de São Paulo é um evento que está na agenda de curadores, colecionadores e galeristas de todo o mundo. Além de ser uma vitrine importante para o Brasil e para a produção latino-americana, a exposição aproxima a vanguarda das artes visuais do grande público e gera reflexões e debates que movimentam a cena contemporânea.
— Trata-se de uma instituição com um capital de realização poderoso. Poucas instituições brasileiras têm a mesma força, o mesmo espaço expositivo e a mesma marca histórica — avalia Teixeira Coelho, curador do Masp e crítico de arte.
Para o diretor artístico da galeria Vermelho, Eduardo Brandão, a importância da Bienal é o que a faz superar as crises e continuar a ser realizada.
— Esta não é a primeira Bienal que tem problemas. O cancelamento da mostra é uma hipótese muito remota, não só pela importância mas pela capacidade da gestão atual, que conseguiu sair de uma quase falência, levantou recursos e realizou uma excelente exposição em 2010 — lembra Brandão.
Não é a primeira vez que a Bienal vê sua existência ameaçada. Desde 1991, a instituição passa por altos e baixos, alternando momentos de crise institucional com o debate sobre seu papel na atualidade.
— A Bienal é um marco na arte brasileira contemporânea, que deve a ela muito de seu processo de internacionalização. Mas hoje nos perguntamos qual a diferença de uma Bienal e uma grande feira de arte — questiona a historiadora e crítica de arte Aracy Amaral.
Para o artista plástico Nuno Ramos, a importância da Bienal é indiscutível.
— A Bienal é o momento no qual as artes plásticas brasileiras se tornam públicas e artistas de ponta alcançam uma dimensão de público mais ampla. É uma dessas coisas que nos dá orgulho, que mobiliza forças culturais — acredita o artista, que em 2010 expôs na 29 Bienal a instalação "Bandeira branca", que continha dois urubus vivos que foram apreendidos, causando polêmica e atraindo a atenção do público.
Bienal adiada em 1993 e 2000
O risco de a Bienal terminar existe, acredita Ramos, discordando do diretor artístico da galeria Vermelho.
— É notável nossa incapacidade de criar ou manter algo contínuo e duradouro — afirma, lembrando que a Bienal foi adiada em 1993 e em 2000.
Críticos e curadores que sugerem que a Bienal repense seu papel acreditam que a instituição ganharia mais estabilidade ao investir na formação de artistas, oferecendo bolsas-residência. Também defendem o uso do prédio de Oscar Niemeyer com maior frequência para exposições intermediárias, como a mostra de 2011 "Em nome dos artistas", e o investimento na formação de um acervo formado pelas obras inéditas criadas por artistas convidados.
— A Bienal de Veneza existe basicamente nos mesmos moldes da de São Paulo e não vejo muitas cobranças para que ela se reinvente. Quem pede transformações à Bienal de São Paulo está, na verdade, cobrando uma redefinição de todo o sistema da arte no Brasil, que está em frangalhos. A maior parte dos museus e instituições culturais brasileiros vive à beira da falência todo mês — rebate Teixeira Coelho. — Quando um banco está à beira da falência ou sob suspeita, o poder público se mobiliza para salvá-lo. Da mesma forma, o problema da Bienal é um problema do Brasil e cabe a todos, poder público, iniciativa privada e sociedade civil, encontrar uma solução negociada para este impasse.
fevereiro 23, 2012
As Urgências da Geração 2000 por Juliana Monachesi, Revista Select
As Urgências da Geração 2000
Matéria de Juliana Monachesi originalmente publicada na seção da hora / audiovisual da Revista Select em 21 de fevereiro de 2012.
Segunda edição da trienal do New Museum, em Nova York, apresenta obras de 50 artistas e coletivos
Jonathas de Andrade e Cinthia Marcelle participam da trienal do New Museum
Sob o título The Ungovernables (Os Ingovernáveis), a segunda edição da trienal do New Museum, em Nova York, dedicada a investigar a produção de artistas emergentes, apresenta obras de 50 artistas e coletivos, sendo nove latino-americanos, entre eles Nicolás Paris, Amalia Pica, Gabriel Sierra e os brasileiros Jonathas de Andrade e Cinthia Marcelle. Uma geração que cresceu em um contexto caracterizado por instabilidade política e econômica, disseminação do capitalismo global e eclosão do fundamentalismo, os artistas selecionados pela curadora Eungie Joo “demonstram resiliência, pragmatismo, flexibilidade e esperança notáveis”, afirma ela. Até o fim de abril, visitantes do New Museum poderão conferir obras que exploram a impermanência e um engajamento com o presente e o futuro, como as esculturas monumentais do argentino Adrián Villar Rojas, que, feitas de argila crua, estão fadadas a quebrar e se desfazer, ou as performances fotografadas da finlandesa Pilvi Takala, que se infiltra em ambientes corporativos e finge trabalhar durante dias (e até semanas), até ser expulsa do local.
*Publicado originalmente na edição impressa #4.
fevereiro 22, 2012
Artistas plásticos do Rio lançam museu virtual de cartões-postais por Agência Brasil, Jornal do Commercio
Artistas plásticos do Rio lançam museu virtual de cartões-postais
Matéria da Agência Brasil originalmente publicada no caderno Cultura do Jornal do Commercio em 22 de fevereiro de 2012.
Museu de Arte Postal (MAP), lançado este mês, tem como proposta fazer a arte postal circular pela rede e difundir o colecionismo
BRASÍLIA - A iniciativa de um grupo de artistas plásticos do Rio de Janeiro revive, em plena era virtual, uma forma de difundir a arte que remete às primeiras décadas do século 20: os cartões-postais. Artistas ligados aos movimentos futurista e dadaísta foram os precursores dessa experiência estética. Mais tarde, ela foi a saída encontrada para a arte em países sob regimes ditatoriais, em que as galerias e os espaços culturais eram fechados aos artistas dissidentes.
O Museu de Arte Postal, lançado este mês na internet (www.museudeartepostal.com.br), tem como proposta básica fazer a arte circular na rede mundial de computadores, e, ao mesmo tempo, difundir o colecionismo em público que não tem poder aquisitivo para comprar obras no mercado de arte. Cada edição com quatro postais, numerados e assinados, pode ser adquirida por R$ 20.
“O preço não objetiva o lucro, apenas cobre os gastos com a impressão”, afirma o artista plástico Marco Antonio Portela, criador do projeto. “Pretendemos estimular o colecionismo, mas nosso intuito básico é fazer a arte circular, seja fisicamente, por quem adquirir as obras, ou virtualmente, na rede mundial de computadores”, acrescenta.
Para Portela, a iniciativa também representa um resgate do cartão-postal como forma de comunicação entre as pessoas, “em uma época, como a atual, em que a virtualidade acabou sufocando a correspondência tradicional, pelo correio”. Ele considera uma obra de arte impressa em cartão-postal tão válida como as produzidas em suportes tradicionais, em telas, por exemplo. “Estamos na pós-modernidade. Qualquer coisa hoje é o suporte. Não existe mais essa obrigatoriedade da tinta, da prata. Se o artista aceita sua obra impressa em gráfica sob a forma de postal e assina, isso é o que vale”, defende.
O Museu de Arte Postal está na rede com obras de quatro artistas: Rogério Reis, Carolina Valansi, Suzana Queiroga e Gustavo Speridião. A cada dois meses, o acervo virtual será enriquecido com obras de mais quatro artistas. Os próximos, em abril, serão Bob N, Vicente de Mello, Luiz Ernesto e Julia Debasse.
Grande retrospectiva mostra potência cromática de Chagall por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Grande retrospectiva mostra potência cromática de Chagall
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 21 de fevereiro de 2012.
Com 150 obras em dois museus de Madri, mostra foca artista que não se enquadrou em nenhuma vanguarda
Judeu russo que se radicou em Paris, Chagall pintou seres fantásticos e teve pleno domínio das cores
Em intervalos curtos de tempo, na virada para a década de 1920, Marc Chagall pintou uma casa cinza e depois uma azul. Três décadas depois, mergulhou o mundo em tons azulados e, mais tarde, em vermelho sanguíneo.
Toda a potência cromática do artista russo, que morreu aos 97 anos em 1985, aparece com força na primeira retrospectiva dedicada a ele na Espanha. A mostra está dividida entre os espaços Thyssen-Bornemisza e a Fundação Caja Madrid.
Nas 150 obras espalhadas pelos dois museus, fica claro como Chagall arquitetou um universo paralelo em sua trajetória e teve pleno domínio da cor. Sobrevivente das duas grandes guerras do século 20, o judeu russo que se radicou em Paris não se enquadrou em nenhuma vanguarda e expurgou em telas oníricas os horrores do qual foi testemunha.
Já no começo da carreira, anos antes da Revolução Russa - que levou, por tabela, à renovação do pensamento plástico naquele país -, Chagall rompeu com o construtivismo de Kazimir Malevitch (1878-1935) e flertou com proposições impressionistas e expressionistas, distante da tradição judaica que não permitia a figuração.
VACAS E AMANTES
Logo suas vacas e amantes, temas constantes em sua obra, passam a flutuar em planos surreais. Vilas como Vitebsk, onde nasceu, foram reconfiguradas em cores vibrantes, rotas incertas e escala distorcida, como se as dimensões de tudo o que retratava dependessem de uma espécie de hierarquia afetiva.
Desse jeito, uma vaca enorme pode guardar um casal de amantes no flanco; a figura de um anjo, plasmada a partir das telhas vermelhas das casas de uma vila, pode se debruçar sobre uma cidade.
São seres fantásticos que desfilam por alegorias de cor intensa. Azul e vermelho dominam muitas de suas composições. Há o contraste entre o sono profundo de casais apaixonados, que parecem se perder nas nuvens, e paixões faiscantes em terra, com flores, sol de raios rubros e mulheres que aparecem cavalgando galos gigantescos.
UNIVERSO PARALELO
Chagall nunca explicou as repetições em seus quadros de galos, peixes, vacas, violinistas, poetas e amantes. Mas suas feras fantásticas habitam sem conflitos esse vasto universo paralelo, livre dos horrores da guerra e mais próximo do sonhos.
Talvez por isso tenha feito tantas composições semelhantes em tons distintos, como se reavaliasse sua visão de mundo de acordo com um filtro cromático do momento. Algo entre a paz e possíveis pesadelos.
Prova de artista por Marcio Aquiles, Folha de S. Paulo
Prova de artista
Matéria de Marcio Aquiles originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 21 de fevereiro de 2012.
Vida e obra do gravurista pernambucano Gilvan Samico, um dos principais nomes do Movimento Armorial, são registradas em livro
A vida e a obra do artista Gilvan Samico, 83, um dos gravuristas mais importantes da história da arte contemporânea brasileira, podem ser conferidas pela primeira vez em livro, em uma edição de luxo publicada pela editora Bem-Te-Vi.
Autor de peças expostas no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) e na Pinacoteca do Estado, em São Paulo, o pernambucano vive hoje afastado das badalações e fatuidades dos grandes centros urbanos.
Ao lado de sua mulher, Célida, a quem o livro é dedicado, mora e trabalha em um casarão do século 17, na cidade de Olinda (PE).
Samico foi o principal expoente do Movimento Armorial nas artes plásticas.
No prefácio do livro, Ariano Suassuna classifica o trabalho dele como decisivo no estabelecimento da poética do projeto, enfatizando o engrandecimento do grupo com sua presença.
A adesão à cena deu-se por meio de um convite feito por Ariano Suassuna, em 1971, ano em que Samico voltava de uma temporada de dois anos na Europa.
"Eu nem sabia que havia um movimento que tinha sido deflagrado pelo Ariano", diz o artista. "Ele [Suassuna] me disse: 'Eu inaugurei o Movimento Armorial e você faz parte dele'. Eu respondi: 'Então você me explica o que é, para eu saber do que eu faço parte'.", afirma.
IMAGÉTICA
No início da década de 1960, após ter sido aluno de grandes mestres como Lívio Abramo e Oswaldo Goeldi, Samico procurou Ariano Suassuna em busca de uma opinião sobre aspectos visuais de seu trabalho.
"Minha gravura era muito noturna, com influência do expressionismo. Mas era um expressionismo lírico, sem o pessimismo que essa escola de arte utilizava", explica.
Por sugestão de Suassuna, começou então a usar elementos do romanceiro popular nordestino. Os profetas, pássaros de fogo, dragões, serpentes e outros animais encantados oriundos do cordel e dos folhetins passaram a permear amiúde a sua obra.
"Fiz o que podia para dar uma roupagem erudita a essa linguagem popular. O mito me interessa mais do que a possível realidade de uma lenda", diz Samico.
Se certo minimalismo gráfico salta aos olhos num primeiro contato com sua obra, uma segunda contemplação mais apurada revela complexas camadas de significação.
O crítico de arte Weydson Barros Leal, autor do texto e curador do livro, destaca as sutilezas do artista.
"Samico desenvolveu uma arquitetura que extrapola a cena pictórica, por meio da criação de planos justapostos que são áreas de tempo narrativos, e não apenas divisões plásticas", afirma.
Outra referência imagética importante em seu trabalho é a trilogia "Memória do Fogo", do escritor uruguaio Eduardo Galeano, utilizada pelo artista como fonte de símbolos e personagens.
Barros Leal destaca as transformações no processo criativo do gravurista.
"A gravura dele começa goeldiana, bastante escura, e vai clareando até encontrar sua própria linguagem. O mais impressionante é que o apuro e a exatidão de seu traço permanecem intactos."
ENGENHOSIDADE
Buscando aperfeiçoar questões técnicas, Samico também desenvolveu inovadores engenhos e ferramentas, como a goiva, instrumento que não permite que o fio da madeira enrole e cubra o desenho, enquanto a superfície da placa é cortada.
"Gosto de dedicar um tempo desenvolvendo novas ferramentas e técnicas que irão servir ao meu trabalho", conta Samico.
Segundo Barros Leal, essas ferramentas são importantes para o alto grau de precisão exigido por sua arte.
"Sua inteligência prática para desenhar ferramentas é universal. Ele é um exímio desenhista industrial com qualidades 'davincianas'[em referência ao pintor Leonardo da Vinci], dono de uma genialidade múltipla singular."
SAMICO
AUTOR Weydson Barros Leal
EDITORA Editora Bem-Te-Vi
QUANTO R$ 190 (196 págs.)
Entenda o Movimento Armorial
Deflagrado pelo dramaturgo e escritor Ariano Suassuna em 1970, o Movimento Armorial tinha como principal meta desenvolver uma arte de caráter erudito, mas que fosse permeada por elementos típicos da cultura popular.
A literatura de cordel, a moda de viola e a xilogravura foram revalorizadas pelo grupo e ganharam novas abordagens.
Além de Suassuna e Samico, o projeto contou com artistas como Antonio Nóbrega, Antonio José Madureira, Capiba, Jarbas Maciel e Guerra-Peixe.
Gilvan Samico
Vida
Gilvan José Meira Lins Samico nasceu no dia 15 de junho de 1928 em Recife. Começou a desenhar na adolescência, usando artistas das revistas de cinema como modelos.
Premiações
Foi premiado no Salão de Pintura do Museu do Estado de Pernambuco em 1957, 1958 e 1960. Em 1968, foi contemplado com o prêmio de viagem ao exterior do 17º Salão de Arte Moderna do MAM do Rio.
Obra
Já participou de bienais e exposições no Carreau du Temple, em Paris, no Art Center de Dronninglund, no Museu Charlottenborg, em Copenhague, e no Konsthall de Estocolmo.
fevereiro 17, 2012
Arte em Madri pot Nina Gazire, Revista Select
Arte em Madri
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na seção da hora da Revista Select em 14 de fevereiro de 2012.
Edição da Arco 2012 tem como país homenageado a Holanda
Começa essa semana a ARCOmadrid 2012, que abre o calendário de feiras de artes deste ano
A ARCOmadrid é uma das mais tradicionais feiras do circuito das artes e uma das primeiras a inaugurar o calendário de eventos anuais dedicados às feiras de arte. A edição de 2012 acontece entre os dias 15 e 19 de fevereiro e será dedicada à Holanda, país convidado de honra do evento.
A feira, inaugurada dia 15 para o público especializado (colecionadores, diretores de museus, críticos de arte) e para o público em geral de 17 a 19 de fevereiro, apresenta obras de 150 galerias no Programa Geral, que é a seleção de galerias nacionais e internacionais. Desde sua última edição, a ARCOmadrid 2012 adotou novas iniciativas que irão reforçar o seu caráter de plataforma para a descoberta e investigação sobre artistas. Os dois novos projetos são: Artista em Destaque, que visa assinalar um artista por stand e para o qual será publicado um novo catálogo; e uma seção localizada em diversas áreas da feira, chamada Objetos, com obras selecionadas pelos curadores que colaboram com a ARCOmadrid.
Dentro deste escopo encontra-se também o Solo Projects, que por meio da Agência Espanhola de Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (AECI), procura trazer para a feira os resultados de pesquisas e mapeamentos sobre a arte na América Latina. Este ano os curadores responsáveis pelo projeto são Cauê Alves (Brasil), Sonia Becce (Argentina), Patrick Charpenel (México), Alexia Dumani (Costa Rica), Manuela Moscoso (Colômbia / Equador) e José Ignacio Roca, (Colômbia). Dentre as galerias brasileiras selecionadas para participar da seção Solo Projects estão a Galeria Luciana Brito, Galeria Vermelho e Transversal, as três de São Paulo. Participa também a paulistana Dan Galeria, no Programa Geral da ARCOmadrid.
A presença da Holanda como o país convidado de honra na ARCOmadrid 2012 é outra grande atração. Em colaboração com a Fundação Mondriaan e a Embaixada da Holanda na Espanha, a ARCOmadrid 2012 vai apresentar 14 galerias selecionadas pelo curador holandês Xander Karskens, responsável pela coleção de arte contemporânea internacional e um programa no Museu De Hallen Haarlem. A presença holandesa em Madri será reforçada através de exposições em vários museus e instituições culturais da cidade.
No MoMA, a arte impressa no mundo globalizado por Fernanda Godoy, Yahoo notícias
No MoMA, a arte impressa no mundo globalizado
Matéria de Fernanda Godoy originalmente publicada no Yahoo notícias em 16 e fevereiro de 2012.
NOVA YORK - Examinar o papel da arte impressa no mundo globalizado é o objetivo da exposição "Print/Out", que o MoMA (Museum of Modern Art) inaugura no próximo domingo, oferecendo ao visitante um apanhado de mais de 40 artistas e grupos. Trabalhos de nomes consagrados, como Robert Rauschenberg e Ai Weiwei, são expostos junto a criações coletivas do grupo dinamarquês Superflex, numa mostra que tem a apropriação de imagens e bens culturais como questão central.
- Os principais assuntos que afetam o mundo da impressão são os mesmos que encontramos em outras formas de expressão artística, como escultura ou pintura. O interessante é captar o que mudou nestes últimos 20 anos, em que a arte se tornou tão global - diz o curador Christophe Cherix.
Em alguns momentos, os objetos são impressões à la Gutenberg. Os livros de Ai Weiwei que estão expostos, por exemplo, são volumes sobre arte contemporânea disseminados clandestinamente no mundo underground >res
Em outros, as técnicas se mesclam e fica difícil estabelecer fronteiras. Para o diretor do MoMA, Glenn D. Lowry, a mostra tem também a função de fazer o visitante pensar sobre o papel dos impressos na cultura.
- Não estamos preocupados em definir o que é um objeto impresso. O importante é que, desde o Renascimento, impressões são usadas para disseminar ideias, criar heranças culturais. A apropriação é fundamental, como vemos em Martin Kippenberger, com a destruição e a reapropriação - completa Cherix.
A exposição começa com obras de Kippenberger, o artista alemão que produziu uma vasta coleção de múltiplos, em colaboração, ao longo de sua carreira. A série exposta no MoMA começou em 1989, quando Kippenberger pediu ao assistente que copiasse suas pinturas. Classificando as cópias de "boas demais", Kippenberger decidiu destruí-las, mas isso provou ser apenas o início do trabalho. Muitas novas obras, inclusive esculturas para conter as pinturas destruídas, e fotografias dessas esculturas, foram elaboradas e deram vida à série "Inhalt auf Reisen".
Outro destaque, este no encerramento, é "The lotus series", do americano Robert Rauschenberg. As obras são baseadas em pequenas e desbotadas fotos de viagens do artista à China, entre 1982 e 1985, mais tarde ampliadas e modificadas com o uso de >ita
Um workshop do Superflex promete ser mais um chamariz da mostra. Usando computadores e outras ferramentas, o visitante poderá criar um lustre com base em imagens de objetos clássicos. E as criações serão incorporadas à instalação.
- Eles (os artistas do Superflex) pegam imagens com copyright pesado, ícones da nossa cultura, e pedem que você os reivente, transgredindo, de maneira sutil, a questão do direito autoral - diz o curador.
Para Cherix, a especificidade do meio de expressão artística tornou-se menos relevante nos últimos 20 anos. A última grande mostra do MoMA sobre arte impressa foi em 1996.
- Dá para observar como ficam borradas as fronteiras entre, por exemplo, fotografia e impressão. O importante, para nós, é capturar como essa tecnologia se tornou central neste mundo em que as imagens estão constantemente se movendo de um meio para outro - diz Cherix.
Mergulho na coleção do museu
Em paralelo a "Print/Out", o museu abre também a exposição "Printin'", co-organizada pela artista plástica Ellen Gallagher e pela curadora Sarah Suzuki. Para a seleção dos objetos, Ellen examinou todas as 55 mil peças impressas da coleção do MoMA.
"Printin'" foi definida por sua curadora como uma constelação que abrange fotografias, vídeos, desenhos, livros, quadrinhos e até esculturas.
- Foi a partir do que despertou o interesse e a imaginação dela que começamos a construir a exposição, que virou uma constelação de trabalhos muitos distintos - diz Sarah Suzuki.
Foi um tour de force para selecionar obras de 50 artistas de múltiplas disciplinas, com uma cronologia que recuou no tempo até o século XVII.
- Ninguém me contou que eu seria a primeira pessoa a ver toda a coleção. Foi uma experiência incrível, como uma pós-graduação - conta Ellen.
Brasil além-mar por Nina Gazire, Istoé
Brasil além-mar
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 16 de fevereiro de 2012.
Fundação em Lisboa expõe individuais de Beatriz Milhazes e Rosângela Rennó, dois dos maiores nomes da arte contemporânea brasileira
Enquanto diferentes instituições brasileiras realizam atividades para celebrar o ano da Itália no Brasil, o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian, de Lisboa, antecipa as comemorações do ano de Portugal no Brasil – que tem início no mês de setembro deste ano – com exposições de dois dos maiores nomes da arte brasileira na atualidade. Beatriz Milhazes e Rosângela Rennó ocupam o espaço sob a curadoria da crítica de arte Isabel Carlos, diretora do Centro de Arte Moderna desde 2009.
“Quatro Estações” é o nome da mostra com trabalhos recentes de Beatriz Milhazes, que também estiveram em exposição na Fundação Beyeler, em Basel, Suíça. Conhecida por suas pinturas em acrílico (que chegam a atingir US$ 1 milhão no mercado de arte internacional), a artista leva a Portugal obras que experimentam outros suportes. São colagens com materiais do cotidiano e móbiles que transferem para o plano tridimensional seus célebres florais geométricos e coloridos. “Esta é uma artista multifacetada, que construiu uma linguagem muito própria, capaz de trabalhar com diferentes suportes e materiais”, define a curadora Isabel Carlos, que também selecionou uma série de quatro pinturas que dão título à exposição.
A grande expectativa sobre o novo campo de atuação de Beatriz Milhazes recai sobre a instalação de grandes dimensões em vinil, denominada “Jardim Verde”, que ocupará os vitrais da nave central do Centro de Arte Moderna. Esse tipo de trabalho foi provado em 2008 pela artista, quando ela utilizou material translúcido para estampar as grandes janelas da Estação Pinacoteca de São Paulo.
“Frutos Estranhos”, a individual de Rosângela Rennó, é uma série de vídeos em loop, realizados a partir da edição e animação digital de imagens fotográficas. O estranhamento está no fato de que as imagens, ao contrário do ritmo convulsivo típico das obras de videoarte, possuem movimentos ínfimos e imperceptíveis. Esse aspecto inusitado inspira o título da série porque, segundo Rosângela Rennó, as 40 obras selecionadas, produzidas ao longo da última década, provocam o deslocamento do olhar diante de uma imagem mediada. “Esse trabalho evoca e repensa o que eu denomino ‘formas de mostrar’: a máquina fotográfica, o aparelho de DVD e os demais modos de visualização da imagem”, comenta a artista, que também apresenta em Portugal sua mais nova série de vídeos, “Turista Transcendental”, filmada em diferentes lugares do mundo, no último ano.
O lançamento de um livro, previsto para meados de 2012, também está na agenda de Rosângela. A obra “Menos Valia”, cuja primeira versão de 2005 está presente na exposição, será transformada em uma publicação com a reprodução de todos os objetos realizados pela artista que foram leiloados em uma performance durante a 29a Bienal de São Paulo. “Além do registro e catalogação dos objetos leiloados, a publicação trará um DVD com o vídeo do leilão realizado em 2011”, diz a artista. Já Beatriz Milhazes terá monografia publicada pela editora alemã Hatje Cantz.
Saiba mais sobre as exposições na agenda de eventos: Beatriz Milhazes; Rosângela Rennó
América Latina avança com força no mercado de arte, Diariodepernambuco.com.br
América Latina avança com força no mercado de arte
Matéria originalmente publicada no Diariodepernambuco.com.br em 17 de fevereiro de 2012.
Em um mercado que luta para esquecer a crise, a América Latina oferece à arte compradores dispostos a investir e uma indústria criativa cada vez mais conhecida na Europa, como mostra a presença de artistas hispano-americanos na Feira de Arte Contemporânea de Madri.
Com o programa "Solo Projects: Focus Latinoamérica", a ARCOmadrid 2012 volta suas atenções para a cena artística latino-americana. A feira começou na terça-feira e, até o domingo, apresenta obras de mais de três mil artistas vindos de 29 países.
Em termos de arte, o Brasil é um aluno excepcional, constata Rochelle Costi, artista de São Paulo. "As coisas mudaram muito nos últimos dez anos, é um momento muito melhor. O Brasil tem muita visibilidade agora".
"O interesse pela arte latino-americana está crescendo" na Espanha, explica Eloisa Góngora, que vende obras de artistas espanhóis na Colômbia na galeria El Museo e de artistas da América Latina na Espanha, pela galeria Fernando Pradilla.
Esse maior interesse, segundo Góngora, pode ser justificado por se tratar de "uma proposta diferente".
"Muitas vezes, a arte latino-americana tem menos filtros", tem "uma marca que representa o que eles realmente querem expressar", enquanto a "Europa é mais fria", diferencia.
Para a argentina Sonia Becce, uma das desenvolvedoras do "Solo Projects: Focus Latinoamérica", o objetivo da ARCO foi dar "ênfase à quantidade e representatividade do que ocorre hoje na América Latina".
O que une a obra desses artistas "não tem a ver com o mundo da arte, que segue sendo muito eurocentrista, tem a ver com as sociedades de onde viemos" e as transformações que estão vivendo, considera o hondurenho Adán Valdecillo.
Valdecillo, que em seus cinco anos vivendo de arte sempre expôs em ambos os lados do Atlântico, apresenta na ARCO uma enorme pintura feita de pneus velhos que viajaram centenas de quilômetros pelas ruas de Tegucigalpa.
No entanto, a América Latina não é reconhecida apenas porque sua arte está aparecendo na Europa, mas também porque a riqueza de suas economias faz dos seus mercados um destino atraente para as vendas de obras de arte.
O desenvolvimento da economia deve acarretar um aumento do número de feiras e exposições, cada vez mais frequentes na América Latina.
Eduardo Brandão, co-proprietário da galeria Vermelho, com sede em São Paulo, que representa principalmente jovens artistas brasileiros de vanguarda, conhece essa realidade de perto.
"O sistema brasileiro de museus e galerias é mais forte e, para os colecionadores, isso é muito importante, ajuda a vender no exterior", explica.
Isso é algo que Mirta Demare observa na galeria Bergsingel, em Roterdã, na Holanda, onde percebe uma "diferença sideral" entre colecionadores latino-americanos e holandeses, que compram menos pelo medo que a crise econômica e financeira provoca na região.
O mercado de arte está crescendo na América Latina porque é "o único lugar em que há dinheiro nesse momento", disse a galerista, que apresenta na ARCO uma instalação da artista argentina Alicia Herrero, que analisa o mercado de arte.
Por meio de diagramas que misturam as linguagens financeira e artística, Herrero questiona para o espectador a "dicotomia entre o valor real como obra e o preço das obras".
Valdecillo convida a aproveitar a boa fase do mercado de arte na América Latina: "é importante que nós, artistas latino-americanos, tenhamos mais consciência de fortalecer os vínculos regionais, porque é um mercado em desenvolvimento".
fevereiro 16, 2012
A arte que sai das ruas (e das paredes da galeria) por Adriana Martins, Diário do Nordeste
A arte que sai das ruas (e das paredes da galeria)
Matéria de Adriana Martins originalmente publicada no caderno 3 do jornal Diário do Nordeste em 16 de fevereiro de 2012.
Nova exposição do Coletivo Monstra traz quadros com temas polêmicos e propõe reflexão sobre a arte
Em uma galeria de arte, determinado quadro lhe chama atenção. Você paga por ele, pega a obra, põe debaixo do braço e leva para casa. No dia seguinte, precisa explicar às visitas o que a imagem de uma mulher devorando baratas faz na sua parede.
Certamente, essa cena passou pela cabeça dos integrantes do Coletivo Monstra, que organizaram a exposição "13 obras que você não colocaria na sala da sua casa". A abertura acontece hoje, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB). Com título autoexplicativo, a mostra reúne uma série de quadros com motivos polêmicos - além do inseto que virou almoço, tem criança com lábio leporino, frases desestimulantes e outros elementos peculiares.
Simultaneamente, o evento também ganha as ruas, em uma intervenção iniciada há duas semanas. Nessa etapa, em torno de 100 quadros são alocados em casas abandonadas ou demolidas, terrenos baldios e outros pontos chamados "cegos" ou "invisíveis" pelos artistas do Monstra. As obras ficam à disposição de quem enxergá-las. Passou, viu, levou.
A intenção do grupo é discutir o tipo de produção artística considerada "aceitável", assimilada e aprovada pela população, e fazer com que o cidadão repense seus conceitos sobre a imagem ao ter a opção de adquiro-la no suporte de um quadro - objeto instituído universalmente como obra de arte.
"O próprio título diz, não são coisas que normalmente se pendura na parede. E o sentido é justamente esse, questionar até que ponto a arte é assimilada como conteúdo de reflexão ou apenas decorativo", avalia Weaver Lima, integrante do Monstra. O coletivo é formado ainda por Franklin Stein, Ise Araújo, Jabson Rodrigues, Everton Silva, Mychel TC, Lui Duarte e Saulo Tiago.
Retornos
"13 obras" chega em Fortaleza depois de passar por Juazeiro do Norte (CE) e Teresina (PI), no segundo semestre de 2011. "A ideia surgiu em 2010, quando pensamos em criar uma exposição que mexesse com o espaço da rua. Pensamos e chegamos a esse formato, porque ele brinca com tudo, desde a lógica de aquisição de obras até o que exatamente é considerado arte", ressalta Weaver.
Nas temporadas de Juazeiro e Teresina, os quadros da exposição foram colocados em praças, pontos de ônibus e outros espaços de passagem. Em Fortaleza, os alvos foram locais abandonados. "A exposição já chegou conhecida em Fortaleza, as pessoas comentam pelas redes sociais. Então decidimos mudar os espaços nas ruas, para dificultar um pouco a localização das obras", esclarece Weaver Lima.
"Também é uma maneira de chamar atenção para esses espaços ´invisíveis´ na cidade, pelos quais muitas vezes passamos sem atenção. Em resquícios de casas demolidas, por exemplo, penduramos os quadros onde era a parede da sala", complementa.
O descobrimento das obras é monitorado pelos integrantes do Coletivo. "Registramos em vídeo o momento em que deixamos elas e, depois, vemos quais foram levadas pelo público. Atrás de cada quadro colocamos um aviso para a pessoa entrar em contato ou dizer onde mora, para sabermos onde a obra está", conta Weaver.
Na página do Monstra no Facebook (facebook.com/coletivomonstra) há um mapa do Googlemaps com a localização das obras. "Até agora, espalhamos entre 20 e 30 obras pela cidade. O objetivo é chegar até 100", revela o artista.
Segunda fase
O mesmo número deverá ser alcançado na segunda etapa, durante a exposição dos quadros no CCBNB. Nesse caso, os visitantes também podem levar obras para casa.
Segundo Weaver, a abordagem das pessoas que escolherem peças nem sempre será feita. "Pensamos em entrevistar algumas no dia da abertura, quando o fluxo de visitantes é maior. Mas apenas para perguntar porque escolheram determinado quadro. Vamos juntar esse registro em vídeo aos de outras etapas do processo. Por enquanto, faremos isso apenas com o objetivo de documentar, como material para o Coletivo", explica.
Assim como nas ruas, as obras serão repostas gradativamente no espaço do CCBNB, até se esgotarem ou até o fim da exposição. "Não vamos fazer isso em horários fixos, mas variados", avisa Weaver.
Ao todo, serão cerca de 200 quadros para as duas etapas do projeto em Fortaleza - 13 pinturas diferentes e suas respectivas reproduções. "Mesmo havendo quadros com o mesmo desenho, cada um é único, pois foi produzido manualmente, por meio de pintura, serigrafia, estêncil e até aplicações de bordado. Cada artista escolhe a técnica que preferir", esclarece Weaver.
Para produzir todas as obra, foram necessários em torno de dois meses. "Mas, por incrível que pareça, o que demora mesmo é decidir quais temas pintar e chegar a uma série de 13. Cada integrante do Coletivo vai para casa e elabora propostas, que são discutidas em reuniões. A partir daí fazemos as réplicas", conta Weaver.
Cada cidade ganhou um conjunto de imagens diferentes. "Vale ressaltar que não usamos imagens explícitas, apenas com o intuito de chocar. A ideia não é essa. Seria bobo", adverte Weaver. "Preferimos brincar com as possibilidades de estranhamento, as razões pelas quais determinadas imagens causam isso".
No caso da mulher comendo uma barata, o artista explica que os índios têm costume de comer insetos, assim como algumas populações orientais. "O que fazemos é trazer essa imagem para a cultura Ocidental. Ela causa nojo mais por conta das nossas convenções culturais", avalia.
Em outro quadro há uma criança com a deformação chamada lábio leporino. "É uma criança bonita, mas, como tem esse defeito, é como se deixasse de ser. Entre outros aspectos, aborda nossos preconceitos", comenta Weaver.
"Já o trabalho de Franklin Stein, por exemplo, é composto por imagens formadas por frases. A princípio, de longe, o conteúdo das frases não é percebido e as pessoas acham o jogo de composição interessante. Mas depois que veem escrito ´Desista de seus sonhos´ e ´Tudo lhe faltará´, muitas devolvem o quadro", brinca.
Influenciado pela estética da pop arte, o Monstra vem se destacando como um dos coletivos mais ativos do cenário artístico de Fortaleza. Entre os eventos que realizou estão a "Monstra Comix", no Sobrado Dr. José Lourenço, mostra internacional que reuniu mais de 40 artistas de histórias em quadrinhos independentes do mundo; a feira de arte "Monstra Feiramassa"; trabalhos na Casa Cor Ceará de 2009 e 2010; e "Purgatório Paraíso Inferno", também no Sobrado.
fevereiro 15, 2012
Obra de Zamproni na Funarte faz contraposição entre o leve e o pesado por Nahima Maciel, Correio Braziliense
Obra de Zamproni na Funarte faz contraposição entre o leve e o pesado
Matéria de Nahima Maciel originalmente publicada no caderno diversão e arte do jornal Correio Braziliense em 15 de fevereiro de 2012.
A obra de Zamproni, que chama a atenção pelo aspecto lúdico, também pode ser vista no Museu Nacional da República
Um primeiro olhar engana. A marquise da Funarte parece estar sustentada por uma sucessão de almofadas vermelhas. Os pilares sumiram e as imensas estruturas de 36m² e 2,30m de altura seguram o teto do abrigo de um dos mais importantes complexos artísticos da cidade. A obra é do paranaense Geraldo Zamproni e vai mudar a paisagem da Funarte até março, como um dos projetos vencedores do Prêmio Atos Visuais de 2011. Zamproni cultiva um prazer lúdico em subverter estruturas pesadas. A possibilidade da contraposição entre materiais leves e cargas faz o artista se divertir quando se depara com elementos arquitetônicos passíveis de se submeterem à brincadeira. Ele também levou as almofadas coloridas para a rampa do Museu Nacional de República, como parte da exposição Diálogos da resistência.
Formado em arquitetura e há muito tempo afastado das pranchetas, Zamproni deixou para trás a confecção de estruturas e trocou a seriedade do projeto pela brincadeira com a arte. Não que a seriedade esteja dissociada do fazer artístico — há algo de muito sério em propor a reflexão por meio do lúdico, é preciso quebrar amarras para conseguir entrar na proposta — mas a arte pode se dar ao luxo de levar o jogo para o espaço do austero. “Basicamente, é o aspecto lúdico da intervenção que chama a atenção: uma estrutura tão rígida como a arquitetura substituída por algo tão frágil. E são elementos do cotidiano, só muda a escala”, explica o artista.
Batizada de Estrutura volátil, a instalação também resgata uma intimidade do cotidiano como estratégia para fisgar o visitante. “Almofada é algo do íntimo e do cotidiano”, lembra Zamproni. “Algo tão corriqueiro do dia a dia que pode ser inserido em algo maior. Acho que isso ajuda a tirar um pouco de seriedade das coisas, o peso que tem a arquitetura, e dar certa leveza à vida, ao olhar, ao perfil de uma cidade, que é sempre tão rígida.”
fevereiro 13, 2012
Bebe-me por Paula Alzugaray, Istoé
Bebe-me
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de artes visuais em 10 de fevreiro de 2012.
VOAR - BRIGIDA BALTAR/ Galeria Nara Roesler, SP/ até 3/3
Ao pisar na galeria Nara Roesler, o visitante se depara com uma coleção de teatros e carrosséis em miniatura. No palco daquele microteatro, um balanço solitário oscila entre uma plateia vazia e uma cortina estampada com um céu. A criança e a plateia estão ausentes e o visitante de pronto se dá conta de que é ele o único espectador daquele teatro. Como se tivesse encontrado o mesmo frasco com o rótulo “Bebe-me”, que fez Alice crescer no País das Maravilhas, o visitante assume a proporção de um espectador gigante. Crescer, voar, cair e experimentar diferentes escalas são algumas das sensações proporcionadas pela exposição “Voar”, de Brigida Baltar.
A passagem de Alice é lembrada, mas a maior referência para a artista foi mesmo a teatralidade dramática do cineasta Ingmar Bergman. O teatro é o cenário escolhido para o voo de Brigida Baltar, talvez pelo protagonismo que a ficção tem assumido na trajetória da artista. “Acredito que meu trabalho partiu de uma linha existencial e caminha para a fábula”, diz Brigida. Nessa fábula, ela alça voo sobre o Rio de Janeiro antigo, a estatuária art nouveau e a música clássica. Na sala principal da galeria, cria-se um ambiente em que o visitante retoma sua condição ínfima de fragilidade e impotência física diante de trabalhos monumentais. Entre eles, o filme “Voar”, em que uma maestrina rege coro invisível em 16 vozes.
Montada originalmente em 2011 no Oi Futuro, no Rio, a exposição é inteira composta de representações simbólicas de quedas, voos e pousos. Começou a ser concebida quando Brigida e seu irmão Claudio, diretor de engenharia circense, decidiram desenhar juntos uma máquina de voar. O projeto se materializou em uma aquarela, que não chegou a sair do papel, mas se metamorfoseou em uma coleção de esculturas que hoje é apresentado na vitrine da galeria: “A Vertigem do Pavão ou Máquina para Voar”, “Claridade e Brilho” e “Teatro”.
Bússola da arte por Paula Alzugaray, Istoé
Bússola da arte
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 12 de fevereiro de 2012.
Programa de mapeamento Rumos Artes Visuais chega à sua quinta edição em exposição que acentua diferenças entre obras e regiões
O Rumos Artes Visuais é uma bússola das artes visuais no País. Ativo e contínuo desde 1997, já criou tradição de revelar artistas emergentes do Norte, Sul, Leste e Oeste. O mapeamento que produz periodicamente funciona como referência para o mercado e instituições de arte trabalharem nos próximos três anos. Nesta quinta edição do programa, nada de tendências ou linhas conceituais para definir o resultado de um ano de pesquisas. A curadoria de “Convite à Viagem” mostra-se muito mais interessada em salientar as singularidades e diferenças do que as proximidades entre as obras. “A dinâmica da exposição se faz entre rimas e choques”, afirma Paulo Miyada, que integra o grupo curatorial coordenado por Agnaldo Farias.
Mais do que temas, fala-se aqui em “territórios” ou “regiões”, para aproveitar o vocabulário próprio dos viajantes. Identificam-se vários deles ao longo do percurso da exposição, sem que a curadoria indique-os por meio de textos ou sinalizações. Rimas acontecem, por exemplo, entre a obra de Thiago Honório, que investiga ações de edição e montagem no mundo das artes, e outros artistas que trabalham com deslocamentos fotográficos, como a carioca Maria Laet, que faz intervenções sobre películas de Polaroid; a paraibana Iris Helena, que trabalha com pequenas máquinas digitais e impressoras domésticas para imprimir em suportes inusitados como o “post it”; ou o capixaba Vinícius Guimarães, que realiza imagens com uma máquina de xerox, levando-a aos limites da ampliação. Mas a fotografia é apenas uma “região” da exposição. Outros terrenos habitados nesse Rumos são as cidades, as paisagens, a ecologia ou as fabulações.
A pintura é outro campo ocupado. Discutem os deslocamentos da pintura o carioca Rodrigo Torres, o indiano Vijai Patchineelam, radicado no Rio de Janeiro, ou o acreano Welington Santana, que faz uma pintura iconográfica e figurativa similar ao estilo geométrico indígena, mas
é deslocada de seu lugar-comum, fazendo da tela um elemento de intervenção na paisagem amazônica. A quinta edição do Rumos expõe mais de 100 obras realizadas pelos 45 artistas mapeados. Depois de São Paulo, o projeto tem itinerância em outras quatro cidades, em novos arranjos.
Tramando mundos por Mônica Lucas, Diário do Nordeste
Tramando mundos
Matéria de Mônica Lucas originalmente publicada no Caderno 3 do jornal Diário do Nordeste em 13 de fevereiro de 2012.
Mostra na Unifor revisa 30 anos de carreira de Luiz Hermano, artista plástico cearense radicado em SP
Brinquedos de plástico, contas de resina, pedaços de madeira, fios de arame. Objetos corriqueiros, que normalmente passam despercebidos aos nossos olhos e que teriam como destino algum lixão, se transformam em obras de arte nas mãos do artista plástico Luiz Hermano. Cerca de 30 anos de carreira desse cearense radicado em São Paulo ganham uma generosa revisão na mostra Tramando Mundos, em cartaz no Espaço Cultural Unifor Anexo.
Luiz Hermano expôs pouco em Fortaleza e se diz feliz com a possibilidade de apresentar seu trabalho no Estado onde nasceu. A mostra, aberta à visitação a partir de quarta-feira, reúne 28 de suas obras mais emblemáticas, entre aquarelas, esculturas e uma grande instalação. O fio condutor que as une é a reflexão que provocam sobre a formação de mundos e a matemática do universo. "Fizemos um recorte a partir da ideia das tramas, do ato de tramar para a construção de universos", explica Paula Braga, curadora da mostra.
O ponto central é a obra Encantados, de 2004, uma instalação feita em plástico, aço, lâmpadas e gazes, que remete às metamorfoses da natureza. Em torno dela, ficam dispostas doze aquarelas, feitas no início da carreira de Luiz Hermano, ainda na década de 80. "Elas retratam minha visão de histórias da humanidade", explica o artista, que pintou fábulas e cenas do imaginário infantil - ou seja, os universos construídos por meio das brincadeiras.
Ao redor dessa estrutura, obras mais relacionadas ao raciocínio matemático, com suas tramas intuitivas de metal. O artista propõe, porém, um movimento a essas estruturas, como nos cubos movediços de alumínio que iniciou nos anos 90. Completam a mostra, peças da recente série Rio das Contas, em que contas de resina, pedaços de madeira e capacitores eletrônicos são unidas e articuladas por fios de arame em belos emaranhados, relevos curiosos e movimentos iminentes.
Nas tramas que constroem universos reais e simbólicos, pelo menos, quatro fases do artista são representadas. Paula Braga explica que, em uma obra tão prolífera, optou por selecionar peças que trouxessem a ideia de trama e abordassem a construção de diferentes mundos. "A exposição não traz todas as fases, mas as peças mais instigantes que abordam essa questão".
Luiz Hermano se apropria de elementos de vários mundos para seu trabalho. Em suas visitas à Tailândia, Índia e China, encontrou estátuas de budas em construções milenares erguidas segundo a geometria sagrada e se encantou com mandalas que esquematizam o universo. O artista passeou também por ruas de comércio de quinquilharias de plástico, brinquedos piratas e computadores de procedência duvidosa. Ao tramar o sagrado com o profano, Luiz Hermano aborda a compreensão da origem e as possibilidades de conexão com o universo. Isso sem afastar-se do cotidiano, mas, pelo contrário, achando nele mesmo a transcendência. Enquanto faz suas obras, o artista medita, ao mesmo tempo em que sincroniza o movimento de suas mãos com a frequência de suas ondas cerebrais.
Paula Braga é só elogios ao artista: "Tem todo o conceito filosófico que permeia suas obras, mas há ao mesmo tempo uma ligação com o ornamento e com a beleza, que é uma preocupação que não vemos muito na arte contemporânea". A curadora lembra ainda que Hermano estabelece uma ponte entre o popular e o erudito, ao incorporar ao seu trabalho vários materiais cotidianos industrializados e o fazer artesanal.
Palestra
Para falar sobre sua trajetória e trabalho, Luiz Hermano ministra palestra hoje, no auditório A3 da Unifor, às 15h30, com a participação da curadora da exposição, Paula Braga. Luiz Hermano, agraciado com o Troféu Sereia de Ouro, em 2011, outorgado pelo Sistema Verdes Mares, expôs em vários museus ao redor do mundo e tem obras na Biblioteca Nacional de Paris e em coleções particulares como a de Patrícia Cisneiro, na Venezuela.
Nascido em 1954, Luiz Hermano viu despertar o interesse pelas artes plásticas ainda na infância, em Preaoca, pequeno povoado do município de Cascavel. "Eu estava sempre pintando, desenhando, copiando algum jornal ou revista", conta. Do interior do Ceará para a Capital e então para o mundo. O artista já morou em Londres, Paris, Nova York e não perde uma oportunidade de viajar e conhecer novos lugares e costumes.
Hermano, que sempre viveu de arte - "nunca fiz outra coisa na vida", diz - tem residência fixa em São Paulo há 30 anos. Foi na capital paulista que sua carreira deslanchou, em 1980, com a exposição coletiva Desenho Jovem, no Museu de Arte Contemporânea da USP (Universidade de São Paulo). No ano seguinte, estava com a individual Desenhos (Drawings), no Museu de Arte de São Paulo (Masp).
Nos últimos 30 anos, o artista teve seus trabalhos exibidos em várias outras das principais instituições de arte do Brasil: a Pinacoteca do Estado de São Paulo, Instituto Tomie Ohtake, Centro Dragão do Mar, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, além de ter participado da Bienal de São Paulo entre 1987 e 1991. No exterior, expôs em Buenos Aires, Santiago, Washington, Paris, Madri e Berlim, e outras cidades da América Latina, Europa e Estados Unidos. Em 2008, quando realizou a exposição individual Tempo do Corpo, na Pinacoteca de São Paulo, lançou um livro sobre sua obra, com 256 páginas.
FIQUE POR DENTRO
Empreendedores serão tema de outra exposição
Na quarta-feira, o Espaço Cultural Unifor recebe outra exposição. Pioneiros & Empreendedores: A Saga do Desenvolvimento no Brasil é uma exposição que reflete as preocupações que embasaram mais de dez anos de pesquisas realizadas na Universidade de São Paulo, sob a coordenação do professor e pesquisador Jacques Marcovitch, referentes aos empreendedores que foram pioneiros em diferentes campos profissionais e influenciaram de forma decisiva a história do Brasil. A publicação de uma trilogia que aborda a trajetória de 24 empresários descortina um cenário que desvela rotas e percursos labirínticos e entrelaça os mais distintos empreendimentos, cujo legado é perceptível nos dias de hoje, apontando para uma pedagogia empreendedora, que articula trabalho, percepção de contexto, busca de inovação e aventura. Entre os empresários biografados, estão Roberto Medina, Francisco Matarazzo, Roberto Simonsen, José Ermírio de Moraes e o cearense Edson Queiroz.
Mais informações:
Tramando Mundos - Mostra individual do artista plástico Luiz Hermano. De 15 de fevereiro a 13 de maio de 2012, no Espaço Cultural Unifor Anexo. Entrada e estacionamento gratuitos. Palestra com Luiz Hermano e Paula Braga. Hoje, às 15h, no auditório A3.
Contato: (85) 3477.3319
Sesc Belenzinho recebe arte contemporânea indiana, O Estado de S. Paulo
Sesc Belenzinho recebe arte contemporânea indiana
Matéria originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 13 de fevereiro de 2012.
Como o prédio do CCBB de São Paulo não tinha espaço para abrigar o segmento contemporâneo de arte indiana, a mostra "Índia! - Lado a Lado, que reúne um apanhado da produção artística atual do país, teve de ser apresentada em outro espaço da cidade, o Sesc Belenzinho. A abertura da exposição ocorrerá no próximo dia 25. O curador Pieter Tjabbes convidou a curadora Tereza de Arruda, que vive em Berlim, para preparar a mostra, já exibida no Rio.
São criações de 17 artistas, alguns deles de renome internacional, como Shilpa Gupta, que cria instalações, vídeos e arte interativa, em que predominam questões como "desejo, religião e a insegurança da vida contemporânea". Seus trabalhos são "normalmente respaldados por uma grande sutileza narrativa, construída através de poucos recursos", afirma Tereza. Na mostra, a artista estará representada pela obra "Estrelas Cegas Cegas Estrelas", de 2008, com palavras escritas em luzes.
Em 2010, o Sesc Pompeia exibiu uma mostra de arte contemporânea indiana, na qual também integravam alguns dos artistas de "Índia! - Lado a Lado". O interesse pela produção atual do país emergente está em entender como as transformações socioeconômicas e uma vontade de união entre os ideais do Oriente e do Ocidente, de desde os anos 90, se refletem na prática artística da Índia. A recorrência de visões irônicas sobre a tradição do país e de temas de caráter social, é uma característica.
A exposição no Sesc Belenzinho, que ficará em cartaz até 29 de abril, apresenta esculturas, fotografias, pinturas, vídeos e instalações. Entre outros destaques, os trabalhos escultóricos de Ravinder Reddy, que cria grandes cabeças azuis femininas para tratar do "hibridismo cultural num contexto urbano e rural". "Ele é um precursor da disseminação do aspecto popular da cultura indiana", afirma a curadora. Na mostra, ainda, obras de Shelba Chhachhi e do coletivo Raqs Media. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Colecionadores brasileiros investem em museus próprios por Audrey Furlaneto, O Globo
Colecionadores brasileiros investem em museus próprios
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Globo em 13 de fevereiro de 2012.
Na esteira de Inhotim, cresce no país o número de espaços para abrigar acervos particulares e exibi-los ao público
Depois da iniciativa do empresário Bernardo Paz, que construiu Inhotim, o maior centro de arte contemporânea do Brasil, outros colecionadores brasileiros apostam em abrir seus acervos ao público. São cada vez mais frequentes as coleções particulares acessíveis a visitantes ou até mesmo transformadas em institutos. Em São Paulo, já existem pelo menos dois acervos privados que podem ser vistos por quem se interessar. Há ainda iniciativas semelhantes no Rio Grande do Sul e no Espírito Santo. São, digamos, museus particulares para crítico nenhum botar defeito.
Como Bernardo Paz, que, num primeiro momento de seu instituto, recebia visitantes com hora marcada, o colecionador Oswaldo Corrêa da Costa criou um espaço para sua coleção, que pode ser vista em Pinheiros, em São Paulo, com agendamento prévio. Aos 53 anos, o economista aposentado diz que não lhe agradava o fato de seu acervo, que completa 40 anos em 2013, ser "um tanto estéril". Custeou (sem o uso de leis de incentivo) a reforma do espaço de 130 metros quadrados de área expositiva e outros 130 de subsolo e reserva técnica. Organiza no local, batizado de Coleção Particular, exposições trimestrais, que são, como afirma, "tentativas de compreender a própria coleção".
— Morei a maior parte da vida nos Estados Unidos, no Canadá e em países da Europa, onde há sempre coleções particulares abertas ao público. Estranhava que isso não existisse no Brasil. O exemplo de Inhotim foi fantástico, pena que é fora de mão — avalia o colecionador.
O modelo que impera no país, segundo ele, é o de coleções valiosas fechadas nos grandes apartamentos dos colecionadores, que recebem visitas restritas aos interesses do mercado das artes plásticas. Durante a Bienal de São Paulo, por exemplo, são frequentes os jantares e encontros para marchands internacionais nas "casas das coleções". Dono de obras de Hélio Oiticica, Mira Schendel, Leda Catunda, Leonilson e Antonio Dias, entre outros (são mais de 500 obras), Costa diz que, embora abra sua coleção, são raras as "pessoas comuns" interessadas em vê-la.
— Recebi até hoje 200 pessoas, algo como cinco por semana. Acho que os brasileiros ainda não estão acostumados — diz ele, que abre as portas da Coleção Particular apenas de quarta a sexta-feira. — Gostaria de ter mais tempo, mas, se fosse abrir direto, teria de contratar recepcionista, segurança. Evito ter muitos gastos, porque faço tudo sozinho.
Há colecionadores que se inspiram no modelo atual de Inhotim, institucionalizado e aberto como um museu. Nada, é claro, tem as dimensões do empreendimento de Bernardo Paz, que, recentemente, em entrevista ao GLOBO, disse que pretendia transformar seu centro cultural (com dois milhões de metros quadrados e estimado em US$ 200 milhões) numa espécie de "Disney das artes plásticas". Em Ribeirão Preto, o economista João Carlos de Figueiredo Ferraz, de 60 anos, inaugurou no final de 2011 um instituto que leva seu sobrenome — e guarda a coleção, de quase mil obras, formada por ele e por sua mulher, a arquiteta Dulce de Figueiredo Ferraz. Paulistano, ele escolheu a cidade do interior do estado para viver e construir sua usina de açúcar nos anos 1980, década em que iniciou sua coleção de obras de arte. Nos últimos anos, vinha tentando enviar seu acervo por comodato para instituições da capital e, sem sucesso, decidiu construir seu próprio instituto.
Inaugurado no fim do ano, o Instituto Figueiredo Ferraz é uma das maiores iniciativas recentes para expor uma coleção particular. São 2.500 metros quadrados de área construída e quatro salas de exposição, divididas em dois andares. Há ainda uma reserva técnica, um auditório para 60 pessoas, biblioteca, jardim, escritório e bar para os dias de eventos. Questionado sobre os custos da construção, patrocínios ou uso de leis de incentivo fiscal, o instituto informou que não comenta tais temas.
O Figueiredo Ferraz possui obras de artistas como Tunga, Vik Muniz, Tatiana Blass, Antonio Dias, Adriana Varejão e Nuno Ramos. Na inauguração, o instituto convidou Agnaldo Farias, curador da última Bienal de São Paulo, para selecionar as obras da primeira exposição, "O colecionador de sonhos".
— A ideia de abrir ao público foi uma consequência da abertura do espaço. Não fazia o menor sentido mantê-lo fechado sendo que essas obras fazem parte do patrimônio cultural da Humanidade e portanto devem ser vistas — diz Ferraz. — Inhotim é um exemplo extraordinário e deve ser aplaudido, mas acredito que nossa história seja um pouco diferente: enquanto eles compraram obras para ocupar um espaço, nós tivemos que achar um espaço para receber uma coleção que se formou nos últimos 30 anos.
Agnaldo Farias vê a iniciativa de mostrar uma coleção privada ao público como "algo naturalmente muito generoso e que dá visibilidade a uma obra que acabaria fora da vista do público". Farias acompanhou a formação da coleção de Ferraz, que, na década de 1990, "já se mostrava consistente". Para o curador, porém, o modelo ainda "engatinha" no mercado brasileiro.
— O próprio colecionismo no país ainda está se constituindo. É preciso se profissionalizar, porque há muita compra errada, muita volúpia de compra, que não configura uma coleção — diz Farias.
Colecionadora desde os anos 1960, a artista plástica Vera Chaves Barcellos, de 74 anos, diz que se cansou de ver as obras de seu acervo pessoal "em casa ou mal depositadas". Ela e o marido, o também artista e colecionador Patrício Farias, decidiram construir uma reserva técnica em 2005. A coleção seguiu crescendo e, em 2010, o casal criou um espaço em Viamão, a cerca de 20 quilômetros de Porto Alegre (RS). Hoje, estão prestes a inaugurar a segunda reserva, e seu espaço expositivo, de 400 metros quadrados, recebe a quarta exposição do acervo do casal.
— Ganhamos agora um edital do Ministério da Cultura para contratar um especialista em arte que vai atender as escolas que nos visitam — conta Vera, que, em parceria com o governo local, já recebe alunos de escolas da região.
Em São Mateus, no Espírito Santo, o escritor Maciel de Aguiar, de 60 anos, custeou a construção de dois prédios nos últimos 30 anos para abrigar sua coleção, composta principalmente de peças da cultura afro-brasileira. O Museu África Brasil deverá ter mais cinco prédios. Num deles, Aguiar vai exibir pinturas de Heitor dos Prazeres e objetos do período da escravidão, como troncos e algemas.
— A ideia não é minha, é do Darcy Ribeiro. Ele dizia que o país deveria ter um museu para reunir tudo sobre a escravidão. É o que pretendo. Sei que é um projeto grandioso e gostaria de ter parceiros — diz Aguiar, que banca a coleção e as construções com a venda de livros que escreveu sobre Pelé e Oscar Niemeyer.
O recente crescimento de coleções abertas ao público é acompanhado pela empresária Regina Pinho de Almeida, de 50 anos. Colecionadora desde os 25, ela se voltou na última década para a arte contemporânea brasileira e tem convidado outros colecionadores para reunir seus acervos num mesmo lugar.
— Todos se entusiasmam com a ideia, mas ninguém fecha — resigna-se Regina.
"A vaidade existe", completa a colecionadora, mas um dos motivos que espantariam os colegas é a necessidade de "regularização das obras, muitas vezes adquiridas em compras internas", ou seja, sem recibo.
— Muitos têm medo da questão legal, porque, até pouco tempo atrás, não se comprava com nota fiscal. Hoje, só compro com nota. Mas, para expor uma coleção, todas as obras teriam que ser regularizadas. A questão tributária é outro problema. Para uma pessoa física não é fácil conseguir incentivo e bancar todo o processo.
Fenômeno deve continuar
Para o colecionador Mariano Marcondes Ferraz, de 46 anos, que vive na Suíça e tem seu acervo nas casas da Europa e do Rio, a abertura ao público de coleções particulares é "um fenômeno que deve ocorrer no Brasil nos próximos dez anos, assim como ocorreu a profissionalização das galerias brasileiras nos últimos tempos".
— Hoje, existe um interesse maior em colecionar arte. Temos mais galerias e mais colecionadores, um reflexo do que está acontecendo no Brasil, de mercado aquecido. Além disso, a qualidade dos artistas brasileiros é excepcional, o que propicia a procura de visitas a coleções privadas — avalia ele. — Ter um espaço dedicado à sua coleção e torná-la acessível a mais pessoas é um sonho que todo colecionador tem.
Documentário acompanha um ano na vida de Marina Abramovic por André Miranda, O Globo
Documentário acompanha um ano na vida de Marina Abramovic
Matéria de André Miranda originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 13 de fevereiro de 2012.
Aos 65 anos, artista sérvia segue testando os limites de seu corpo
BERLIM - Marina Abramovic já ficou nua; riscou um pentagrama em volta de seu umbigo com uma faca; permitiu que as pessoas usassem objetos como bem entendessem em seu corpo durante seis horas; ficou nua de novo, dessa vez deitada com um esqueleto; andou por 2.500 quilômetros da Muralha da China para dar fim a um relacionamento; passou três meses indo a um museu para simplesmente se sentar numa cadeira durante todo o dia e observar quem se sentasse em frente a ela; e se despiu por três, quatro, cinco, quantas vezes fosse preciso para sua obra.
Todos os trabalhos que a tornaram reconhecida no mundo como a "avó das performances" foram realizados em nome da arte, a mesma arte performática cujo encontro com o cinema a trouxe para a 62 edição do Festival de Berlim.
A artista, nascida em 1946 em Belgrado, na Sérvia (à época, parte da Iugoslávia), está na Berlinale para as sessões do documentário "Marina Abramovic — The artist is present" ("A artista está presente"), de Mathew Akers, incluído na mostra Panorama.
O filme revela detalhes da rotina e das motivações de seu trabalho, tendo como ponto de partida a famosa exposição "The artist is present", que Marina apresentou no Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York em 2010. Foi quando se sentou na cadeira para se comunicar sem palavras com os espectadores, além de reunir outros artistas para recriar algumas de suas apresentações mais famosas, como a "Imponderabilia", de 1977, em que ela e seu então namorado, o artista alemão Ulay, ficavam nus numa porta, para que as pessoas passassem por entre eles.
Anteontem, num restaurante de Berlim, Marina conversou com O GLOBO sobre o filme, Ulay, a verdadeira performance e as dúzias de viagens que faz ao Brasil desde o fim dos anos 1980.
O GLOBO: A senhora estava no Brasil há pouco tempo, não?
MARINA ABROMOVIĆ: Na verdade, eu vim do Brasil para cá, cheguei ontem (quinta-feira).E estou com um problema sério porque não tenho roupas para este frio que está fazendo em Berlim. No Brasil a temperatura era quarenta graus. Agora mal consigo sair na rua (risos).
- E o que a senhora fazia no Brasil?
Eu tenho uma longa história com o Brasil. Depois de terminar a performance em que andei na Muralha da China, em 1987, eu passei a me interessar pelas relações emocionais e físicas das pedras, da terra em que eu caminhei. O cobre, o ferro, os minerais, tudo isso traz uma sensação diferente. E eu queria que o público compreendesse esse tipo de experiência, mas havia um problema: na Muralha da China, foi a primeira vez que minha performance não foi visível para as pessoas. Então eu criei um novo corpo de trabalho que envolvia objetos transitórios. Aí, em 1989, fui ao Brasil para visitar suas minas. Fui para Serra Pelada, Minas Gerais, Santa Catarina, Marabá, a Amazônia, vários lugares, atrás de pedras que me permitiriam criar objetos de interação com o público. De 1989 a 1995, eu fui muitas vezes ao Brasil.
- Desta vez a senhora foi novamente atrás das pedras?
Sim. Depois da retrospectiva no MoMA (o Museu de Arte Moderna de Nova York), eu quis voltar àqueles minerais. Acho que hoje entendo mais e mais a energia que vem deles. Então reuni 35 caixas de pedras e as enviei para um museu em Milão. Elas farão parte de uma nova performance em que estou trabalhando. A ideia é que parte do público faça uma performance e a outra parte veja a performance dos outros. É uma proposta educativa para que as pessoas compreendam o que a arte performática realmente significa. Eu estou construindo objetos para as três posições básicas do ser humano: sentado, deitado e de pé. Já construímos, por exemplo, cadeiras bem altas em que os pés não tocam o chão, para dar um sensação diferente da gravidade, e que vão ficar por cima de pedras preciosas diversas. Cada pedra vai gerar um campo energético e oferecer um significado para quem estiver ali.
- Mas, apesar de ter ido tantas vezes ao Brasil, a senhora nunca se apresentou lá.
Não, é verdade. Mas ouvi dizer que a peça que eu fiz com Robert Wilson (dramaturgo americano que lançou em julho do ano passado, num festival de Manchester, o espetáculo “The life and death of Marina Abramović”, com participação da própria) vai ao Rio no próximo ano, talvez também para São Paulo. Mas não sei muitos detalhes sobre isso.
- A senhora sempre pareceu muito empenhada em mostrar às pessoas o significado da performance. É esta também a ideia do documentário que está sendo exibido em Berlim?
Este filme foi muito importante para mim. E eu radicalizei. Aceitei ter um microfone atrás de mim durante um ano inteiro. Eu não tinha privacidade, e é muito difícil você se expor completamente desta maneira. O sujeito da câmera tinha a chave do meu apartamento, aparecia às 6h e esperava eu acordar com a câmera no meu rosto. O ponto era mostrar para os espectadores como é séria e difícil a preparação para uma performance. Não é um entretenimento de merda como aquelas pequenas exibições em museus para as quais você é convidado o tempo todo. Performance é um negócio muito sério. Por isso, espero que o filme ajude as pessoas a entender o significado da performance, não apenas do meu trabalho.
- É por isso também que, diferentemente de outros artistas, a senhora aceita que suas performances sejam reproduzidas?
A performance é um arte temporal. Então, se não houver a reporformance, ela vai morrer. Vai virar uma foto morta num livro. É melhor que alguém repita uma performance do que não haja performance alguma. Mas meus colegas pensam diferente. Eles dizem que a performance é uma obra original que não pode ser reproduzida. Eles nunca dão os direitos para que outros façam. No meu caso, eu abro meu trabalho para jovens artistas performáticos, acho isso muito importante. Mas abro apenas os trabalhos que não tragam algum risco físico, porque não tenho como controlar as possibilidades de cada um.
- Qual a importância do público para sua performance? Sua presença de alguma forma transmite força para sua arte?
O público é tudo para mim. Mesmo se eu estiver numa palestra e perceber que alguém se levantou para ir no banheiro, eu fico prestando atenção até ele voltar. Se ele não voltar, para mim quer dizer que eu falhei. Cada uma das pessoas na plateia cria um diálogo de energia comigo. Eu pego a energia que vem do público, a transformo e a devolvo. É assim meu trabalho.
- No filme, há uma cena em que uma moça tenta ficar nua antes de se sentar na sua frente no MoMA, mas é impedida e removida pelos seguranças. O que você pensou naquele momento?
Foi tudo muito rápido, eu mal pude ver o que aconteceu. A questão é que as regras para aquela performance eram bem rígidas. Você não tinha permissão para fazer sua própria performance. Deveria apenas se sentar na minha frente pelo tempo que quisesse e interagir com os olhos. Era esta a ideia. Aconteceu de muitos artistas, não apenas aquela moça, tentarem ser percebidos ali no MoMA. É difícil conseguir exposição no mundo das artes, então qualquer oportunidade deve ser utilizada para mostrar seu trabalho. Eu entendo essa necessidade, mas naquele caso havia regras, e essas deveriam ser seguidas. Teve um cara que se vestiu igual a mim e propôs casamento. Foi meio louco, para muitos aquele momento era como se estivessem num palco.
- Hoje, há uma ideia de que qualquer um pode fazer uma arte performática. Isso aparece muito no teatro, por exemplo.
Antes, a performance e o teatro eram duas artes bem diferentes. Mas, hoje, os diretores de teatro levam tantas performances sérias para os palcos que pode-se dizer que há uma mistura. Se você pensar, por exemplo, em Pina Bausch e outros artistas incríveis, o trabalho deles em utilizar performances no palco é bastante interessante. A boa performance tem muita força para estar em qualquer lugar, no teatro, na dança, na moda ou cinema.
- Mas é mais do que no teatro. Há pessoas protestando nas ruas que tratam o que fazem como performance. Há gente nas redes sociais que age como se aquilo fosse uma arte performática. É a mesma coisa?
Não. Tudo depende do contexto. As redes sociais ou as performances nas ruas têm contextos diferentes da arte. Às vezes é político, às vezes é pessoal. Se um cara faz um pão, por mais que ele faça o melhor pão do mundo, ainda assim ele não será um artista. Será um bom padeiro. Mas se você faz um pão num galeria, aí sim você estará fazendo arte. O contexto muda tudo. Nos anos 1970, todo mundo dizia que fazia performance, mas era na verdade um monte de merda. Assistir à verdadeira boa performance é uma experiência que vai mudar sua vida.
- No documentário, Ulay, seu namorado e parceiro de performances por quase uma década, fala em entrevista sobre o fim do relacionamento de vocês, de como ele engravidou a tradutora que os ajudava nas negociações para a performance na Muralha da China. Como a senhora lidou com o fato na época?
A tradutora acabou se tornando esposa dele, mas eles já se separaram. Aquela não foi a única vez que Ulay fez aquilo. Nós ficamos nove anos juntos, e os últimos três anos foram bastante ruins. Eu o convidei para a retrospectiva no MoMA porque muito daqueles trabalhos nós havíamos criados juntos. Mas não somos amigos. Temos uma relação apenas ok. E Ulay não está bem, está com câncer. Ela está em Berlim e fiquei muito chocada com sua aparência ao vê-lo hoje mais cedo.
- A senhora, por sua vez, está com 65 anos, continua fazendo performances que exigem muito da parte física e aparenta ter pelos menos 15 anos a menos. De onde vem toda essa energia?
Uma das minhas avós morreu com 103, a outra com 116 anos. Eu sou uma espécie de soldada. Eu não bebo, nunca fumo, não uso drogas. Só faço exercícios, trabalho e vivo.
- Talvez isso tenha vindo da disciplina imposta por seus pais, ambos heróis de guerra na antiga Iugoslávia. Como pessoas como eles lidavam quando você começou a se apresentar?
Meus pais ouviam críticas nas reuniões do Partido Comunista, sobre que tipo de educação eles tinham me dado. E eles deram uma educação muito rígida mesmo, uma disciplina militar. Minha mãe ficava bastante irritada com as performances. Quando minha mãe morreu, eu lembro de ter ido a seu apartamento olhar suas coisas e ter achado um livro sobre meu trabalho em que ela tinha rasgado todas as páginas em que eu aparecia nua. Ela editou o livro para mostrar para os vizinhos, tirou umas 20 páginas.
- A senhora se imagina velhinha, com mais de 100 anos como suas avós, ainda fazendo performances?
Eu nunca vou parar. Só vou parar quando morrer. Eu quero muito descobrir os limites do meu corpo, quero saber o que vai acontecer. O Merce Cunningham (coreógrafo de dança americano, morto em 2009, aos 90 anos) sofria de uma artrite terrível e ainda se apresentava com as mãos e os joelhos. Quero isso para minha vida.
Mostra no CCBB reúne 85 obras de Tarsila do Amaral por Audrey Furlaneto, O Globo
Mostra no CCBB reúne 85 obras de Tarsila do Amaral
Matéria de Audrey Furlaneto originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 13 de fevereiro de 2012.
RIO - Foi no Rio de Janeiro que, em 1929, Tarsila do Amaral fez sua primeira mostra individual no Brasil. Depois, expôs na cidade em 1933 e em 1969. Desde então, a artista modernista que talvez seja a mais frequente no imaginário popular nunca mais teve uma exposição na cidade. O CCBB vai quebrar o jejum de 43 anos com "Tarsila do Amaral — Percurso Afetivo", reunião de 85 obras da artista que será inaugurada hoje, às 19h, para convidados, e amanhã para o público. Há, no entanto, uma falta que será rapidamente identificada: "Abaporu" (1928), sua pintura mais famosa, não integra a exposição. Segundo o curador Antônio Carlos Abdalla, o colecionador Eduardo Costantini, dono da tela que é o carro-chefe de seu museu, o Malba, em Buenos Aires, não se mostrou muito "disposto" a um novo empréstimo da tela, que veio ao Brasil em 2008, para uma retrospectiva na Pinacoteca de São Paulo, e em 2011, para uma mostra em Brasília — na ocasião, aliás, a presidente Dilma Rousseff posou ao lado da pintura.
— Se tivesse sido muito fácil, teria vindo. Nunca fui muito a favor de trazer "Abaporu", porque a gente corre o risco de fazer a exposição do "Abaporu", e não da Tarsila do Amaral. Estava consciente disso — afirma o curador. — Também não temos o original de "A Negra" (1923), porque o MAC (Museu de Arte Contemporânea) de São Paulo está em reinauguração e não podia emprestar. A solução foi trazer "Antropofagia" (1929).
Em "Antropofagia" (1929), para o curador da exposição no Rio, estão reunidos os personagens das telas "Abaporu" e "A negra" — esta última, conta ele, foi criada pela artista a partir de uma foto de sua babá. O retrato dela foi encontrado pela família de Tarsila num de seus diários e será parte da montagem carioca. Outro dos diários, o de viagens que ela fez quando casada com Oswald de Andrade, foi usado como fio condutor da exposição.
— Tarsila pega notas de restaurantes, bilhetes de viagens de trem, fotografias, pouquíssimas coisas escritas e cria um diário visual da viagem. Não é textual. Isso tem uma forma um pouco caótica. Não se tem domínio absoluto de uma recordação. As memórias surgem no momento e vão sendo coladas no papel de uma maneira um tanto aleatória — conta o curador.
Inspirado pelo diário visual da modernista, ele optou por não organizar as obras no CCBB a partir de classificações acadêmicas. "Tarsila do Amaral — Percurso afetivo" é, como define, "uma mostra de colagens de obras da artista".
A proposta livre permitiu a Abdalla, por exemplo, agrupar três telas em que Tarsila retrata o Rio no que chama de "trilogia carioca". Assim, o público verá na sequência "Morro da favela", "Estrada de ferro Central do Brasil" e "Carnaval em Madureira", telas que são da fase conhecida como "Pau brasil", todas de 1924, ano em que ela chegou à capital fluminense.
Do Rio, Tarsila e os modernistas partiram para Minas Gerais, onde, conta Abdalla, fazem "a redescoberta do Brasil, em que se valoriza o barroco mineiro".
Dois anos depois da chegada ao Rio, Tarsila abre sua primeira individual em Paris, com crítica bastante favorável. No mesmo ano, ela se casa com Oswald de Andrade, e os dois viajam pela Europa e pelo Oriente Médio.
— Conta a lenda que a beleza estonteante de Tarsila parava pessoas nas ruas de Paris. Ela sempre teve essa coisa de mito da mulher deslumbrante, bonita, elegante, com dinheiro e talento. Mas não gosto de deixar de lembrar que, ao mesmo tempo, ela teve a vida muito marcada pela tragédia — defende.
Dor e esplendor
Tarsila perdeu a única filha, Dulce, e, mais tarde, a única neta, Beatriz, que pintou em vários retratos. Sua família, bastante rica, perdeu recursos na Crise de 1929.
Ainda assim, o esplendor de Tarsila é presença marcante na exposição seja pela exuberância de cores nas telas ou pelos objetos pessoais. Uma estola e um bracelete criados para ela por Paul Poiret, o estilista da alta sociedade francesa na década de 1920, foram cedidos pela família para a montagem.
A responsável pela obra de Tarsila entre os descendentes da modernista é sua sobrinha-neta, que carrega seu nome — e ganhou o apelido carinhoso de Tarsilinha, para se diferenciar da célebre tia-avó. Ela ainda cedeu para a mostra no CCBB pincéis, espátulas e um Moleskine com desenhos e anotações.
— É sempre um conjunto tão bonito de ser exibido reunido — diz Tarsilinha, 47 anos, que tinha oito quando a artista morreu, em decorrência de complicações após uma operação na vesícula, em 1973. — Era uma tia muito próxima, eu era a queridinha. Me lembro tanto dela, dos corredores da casa na (rua) Albuquerque Lins (em Higienópolis, São Paulo), da sala, dos quadros, de nós duas na casa.
Tarsilinha, que organizou o catálogo raisonné da artista, diz que conseguir 85 obras de Tarsila é "uma tarefa árdua". O curador concorda. Para ele, os colecionadores têm uma relação afetiva com a obra da artista.
— Todos são muito ciosos de suas telas — afirma.
Além da exposição aberta agora, a artista ganhará em março mais uma reunião de suas obras — no livro "Tarsila — Os melhores anos" (M10 Editora), que trará imagens de seus trabalhos e sua história contada pela crítica Maria Alice Milliet.
Tarsila do Amaral é alvo de grande retrospectiva no Rio por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Tarsila do Amaral é alvo de grande retrospectiva no Rio
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 13 de fevereiro de 2012.
Mais de 80 obras, entre pinturas, desenhos, gravuras e parte do diário da artista estão expostos no CCBB
Também integram a mostra obras-primas, como 'Antropofagia' e versão inacabada da tela 'A Negra'
Mais de 30 anos depois de pintar "A Negra", de 1923, retrato de uma antiga ama de leite que virou um ícone do modernismo brasileiro, Tarsila do Amaral tentou fazer uma segunda versão da tela.
Não conseguiu ou não quis, deixando enormes faixas cinzentas atravessando a tela no lugar das cores da original. É essa obra incompleta que norteia a mostra da artista, morta aos 86 em 1973, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio.
Enquanto discursos surrados sobre a artista tendem a ganhar mais força no marco dos 90 anos da Semana de Arte Moderna de 1922, sua "Negra" inacabada aponta para outra direção -Tarsila foi mais volúvel e errática do que a musa moderna que virou depois uma espécie de mito.
Seu quadro inacabado data de um momento conturbado na vida da artista. Em crise financeira e amargando a morte da neta Beatriz, que morreu afogada em 1949, esse retorno tardio à fase áurea da carreira, a década de 1920 em que vivia em Paris, até hoje intriga seus estudiosos.
"Todos os grandes artistas deixam algo inacabado", diz Antônio Carlos Abdalla, curador da mostra. "Reproduzir uma obra anterior numa época em que estava frágil pode ter sido uma espécie de freio."
DIÁRIO
Pelas ausências, como a "Negra" original, consagrada como obra-prima, e o "Abaporu", hoje numa coleção argentina, a mostra no Rio constrói um retrato afetivo da artista, calcado no diário de suas viagens pela Europa, África e Oriente Médio com o marido Oswald de Andrade.
Nesse mesmo diário, Tarsila colou uma fotografia da negra, uma ex-escrava de sua fazenda no interior paulista, que deu origem à tela.
Suas impressões sobre o corpo, o fascínio pela vida urbana, a flora tropical e mais tarde suas telas de cunho social aparecem em trabalhos pontuais. De um nu acadêmico, com discreta influência impressionista, para os corpos geometrizados que fez no ateliê de Fernand Léger, em Paris, Tarsila mostra como absorveu a vanguarda.
Outras telas pontuam a transição da infância numa fazenda cafeeira para a metrópole. Também há uma série da fase surrealista, provável influência de André Breton, mentor do movimento, que frequentava as feijoadas na casa de Tarsila em Paris.
Notícias de Paris por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Notícias de Paris
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 13 de fevereiro de 2012.
Livro reúne cartas trocadas entre o escultor Victor Brecheret e o escritor Mário de Andrade, ícones do modernismo brasileiro
De Paris, Victor Brecheret escreveu a Mário de Andrade elogiando os versos da "Pauliceia Desvairada" que o amigo enviara por correio, reclamando da penúria em que vivia, contando como uma de suas obras rachou no frio do inverno e ainda extasiado com o "turbilhão" daquele "pandemônio de cidade".
Era a década de 1920, os anos loucos da capital francesa, epicentro da produção artística global, e Brecheret era o bolsista do governo paulista que tentava modernizar seu traço convivendo com artistas como Brancusi e Léger e o arquiteto Le Corbusier.
Essa correspondência breve e ao mesmo tempo intensa entre duas figuras centrais do modernismo brasileiro está agora num livro editado no marco dos 90 anos da Semana de Arte Moderna de 1922.
Em "Victor Brecheret e a Escola de Paris", Daisy Peccinini narra o triunfo que o escultor -nascido em Farnese, na Itália, e morto aos 61 em São Paulo, em 1955- atingiu na capital francesa.
Ali, Brecheret foi parar num ateliê perto do cemitério de Montparnasse, então uma zona pobre e periférica de Paris. Um crítico que visitou o jovem artista chamou de "tétrico" o endereço onde ele se trancava. "Sem repouso", como frisou em carta a Mário de Andrade, para fazer suas esculturas.
VITÓRIA
Num português sofrível, Brecheret contava ao escritor que andava "sempre trabalhando". "Estou classificado aqui em Paris em primeira linha, tendo tido visitas de muitas pessoas notáveis", escreveu o artista em 1924.
Isso foi depois da carta eufórica que mandou um ano antes, começando com "vitória! vitória!", ao narrar o prêmio que venceu no Salão de Outono de 1923 com a obra "O Sepultamento de Cristo".
"Era um grupo de mulheres em pé e a Virgem sentada, segurando sobre as pernas a cabeça e parte do tronco de Jesus", descreve Peccinini. "Ele instalou essa obra numa mureta da escadaria do Grand Palais, numa adequação da escultura à arquitetura, uma síntese das artes."
Nesse ponto, por mais que a bolsa em Paris tivesse como foco um aprimoramento acadêmico do artista, era inevitável que os brasileiros que se aventuravam por Paris sofressem influência das vanguardas, como o "esprit nouveau", propalado por Le Corbusier e que está por trás de vasta produção de Brecheret.
Foi em Paris que o escultor suavizou o traço, chegando às formas límpidas que aparecem no monumento às Bandeiras e outras de suas obras clássicas. No lugar da anatomia real e de uma organicidade às vezes grotesca, Brecheret preferiu formas depuradas, prontas para um embate plástico com a luz.
Brancusi, que o artista conheceu em Paris, é influência clara nessa simplicidade da forma. Mas Brecheret também teve como motor certa aversão ao corpo de verdade.
CADÁVERES
Em Roma, onde estudou ainda adolescente, ele se horrorizava com as práticas sanguinárias do mestre Arturo Dazzi, que chegou a matar e dissecar um cavalo puro-sangue, presente do rei da Itália, para estudar como desenhar veias, artérias e músculos.
Brecheret, que também ajudava o artista a encontrar cadáveres de indigentes para dissecar, parece ter se traumatizado com a experiência.
"Ele vai geometrizando cada vez mais suas esculturas, em círculos, espirais, parábolas", analisa Peccinini. "Esse despojamento das formas, a limpidez do traço, vinha do grupo de Le Corbusier, que Brecheret frequentava."
Fernand Léger, mentor de Tarsila do Amaral, que então também vivia na capital francesa, tinha um ateliê perto do de Brecheret e foi influência decisiva em sua obra.
Talvez depois de ver as mulheres-engrenagem do artista francês, Brecheret também enveredou por "nus mecanicistas", nas palavras de Peccinini, peças como "Portadora de Perfume", de 1924, que serviram de embrião para o monumento às Bandeiras, que ele construiu no Ibirapuera entre os anos 30 e 50.
VICTOR BRECHERET E A ESCOLA DE PARIS
AUTOR Daisy Peccinini
EDITORA FM Editorial
QUANTO R$ 180 (228 págs.)
Pensionato esteve na gênese da Semana de 22
Na chamada Belle Époque paulistana, começo do século 20, o Pensionato Artístico de São Paulo estava na gênese do projeto modernista.
Liderado de forma paternalista pelo deputado, poeta e mecenas José de Freitas Valle, esse era um programa de concessão de bolsas de estudo na Europa para músicos e artistas -entre eles Victor Brecheret e Anita Malfatti, que foram estudar em Paris.
Essa história está documentada no livro de Marcia Camargos, "Entre a Vanguarda e a Tradição", que descerra os bastidores do projeto de modernização da produção plástica paulistana.
Ela narra a rotina nada luxuosa de Brecheret e Malfatti em Paris, que só comiam bem quando algum mecenas aportava na capital francesa.
Mesmo que Freitas Valle tenha aproveitado sua influência para lotar sua casa de obras desses artistas, o regulamento do pensionato fez com que muitas peças modernas entrassem para acervos públicos no país -entre elas, 12 esculturas de Brecheret que foram expostas na Semana de Arte Moderna de 1922.
"Mesmo que a intenção fosse enquadrar esses jovens em parâmetros acadêmicos, era impossível que eles não bebessem das novas inquietações estéticas em Paris."
Enquanto Brecheret sofria ao tentar digerir as vanguardas, Malfatti tentava retornar à ordem depois de ser devastada pela crítica de Monteiro Lobato a obras de sua primeira fase moderna.
Mas mesmo sua obra mais conservadora ganhava contornos vanguardistas na ebulição da capital francesa. "Havia esse convívio enriquecedor. Tem cartas do Mário para a Anita que perguntam o que ela estava vendo, quais eram as novas exposições", diz a autora. (SM)
ENTRE A VANGUARDA E A TRADIÇÃO
AUTOR Marcia Camargos
EDITORA Alameda
QUANTO R$ 65 (462 págs.)
Ecos de 22 em 2012 dividem especialistas por Morris Kachani, Folha de S. Paulo
Ecos de 22 em 2012 dividem especialistas
Matéria de Morris Kachani originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 11 de fevereiro de 2012.
Para que serve o modernismo? Ou melhor, o modernismo acabou? Como visualizar os ecos da Semana de 22 nos dias de hoje?
Para o professor Eduardo Jardim, da PUC do Rio, organizador da coleção Modernismo +90, que consiste em 11 novos títulos editados pela Casa da Palavra, "o modernismo começa nas duas últimas décadas do século 19 e termina nos anos 1970, com o cinema novo, com o Teatro Oficina -que recuperou Oswald de Andrade-, com Caetano e a Tropicália, com Hélio Oiticica. São cem anos".
Marcos Augusto Gonçalves enxerga na antropofagia a chave da questão. "Mário e Oswald foram os fundadores de um novo momento. É a partir de 22 que nasce a ideia central de uma cultura brasileira transcendente, que resultaria no 'Manifesto Antropofágico', em 1928. A antropofagia está viva entre nós até os dias de hoje".
Para Sevcenko, é só no período entre os anos 50 e 70 que a arte moderna revolucionária encontra ressonância no Brasil. O engajamento dos neoconcretos é o melhor exemplo. Mais do que na Semana de 22, estes bebem na fonte da vanguarda europeia encabeçada por artistas como Picasso e Duchamp.
"A revolução ocorrida na Europa no começo do século passado ainda é o nosso horizonte cultural. Ela nunca foi ultrapassada, e sim sufocada. Nos tempos atuais, o que predomina é o conservadorismo", avalia.
UFANISMO TOLO
"Abaporu", de Tarsila do Amaral, foi vendida por US$ 1,25 milhão em 1995, e teve seu seguro renovado recentemente por US$ 40 milhões. Por "Antropofagia", também de Tarsila, já se ofereceu US$ 35 milhões.
O alto valor monetário atingido pelas obras sugere uma escalada da arte modernista brasileira. Mas sem ilusões: "Deixemos de ufanismo tolo. O Brasil celebra sua Semana. Porém, a meu ver, ela é para nós um marco, um símbolo", afirma Aracy Amaral, professora da Faculdade de arquitetura da USP e autora de "Artes Plásticas na Semana de 22" (editora 34).
"O que é significativo são as obras dos artistas modernistas que se criam nos anos que se seguem", acrescenta.
"Mas cogitar que esse marco tivesse tido repercussão na América Latina ou fosse precursor de movimentos em outros países é sonhar com algo inexistente. Nosso vizinho Uruguai, por exemplo, teve três modernistas muito mais marcantes como exportação de talentos: Figari (1861-1938), Barradas (1890-1929) e Torres Garcia (1874-1949) ostentam uma tríade invejável", conclui.
Mostra destaca transgressões da obra de Flávio de Carvalho por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Mostra destaca transgressões da obra de Flávio de Carvalho
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 11 de fevereiro de 2012.
A importância de Flávio de Carvalho (1899-1973) como um dos modernistas mais arrojados é conhecida, especialmente por ser o precursor da performance arte no Brasil, por andar de saia por São Paulo, ou por criar projetos arquitetônicos inovadores.
"Flávio de Carvalho - A Revolução Modernista no Brasil", em Brasília, lança foco sobre outra atividade do artista: sua reflexão sobre a relação entre arte e loucura.
A mostra, com curadoria de Luzia Portinari, apresenta 60 obras do artista, entre desenhos, pinturas e gravuras, ao lado de cerca de 40 trabalhos de internos do Hospital Psiquiátrico do Juqueri.
Trata-se, a princípio, de uma relação forçada, mas o ponto de partida é legítimo. O artista organizou, no Clube dos Artistas Modernos (CAM), espaço que fundou em 1933, o "Mês das Crianças e dos Loucos" junto a Osório Cesar, psiquiatra do Juqueri.
Ao apresentar a obra de internos junto a trabalhos de Carvalho, a curadora ousa uma aproximação, que salienta o caráter transgressor da obra do artista. Um bom exemplo é o conjunto "New Look para Futebol", composto por desenhos que o artista fez para uniformes de futebol.
Assim como em seu famoso "New Look de Verão", usado pelo artista em 1956 e que escandalizou São Paulo por andar de saias, Carvalho também previu que, no futebol, todo o time usasse saias. Na exposição em Brasília, estão expostos não só os desenhos dos uniformes: eles foram confeccionados e dispostos em manequins.
Flávio de Carvalho é um dos artistas mais inovadores e, por isso mesmo, difíceis de se expor de forma convencional. Ao se atrever a olhar sua obra de forma livre, mesmo que um tanto desmazelada na apresentação, a curadoria ajuda a elucidar sua obra.
fevereiro 10, 2012
Cinco vezes América Latina por Paula Alzugaray, Istoé
Cinco vezes América Latina
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 2 de fevereiro de 2012.
PROJETO 5x5/ ULTRAMAR SUR/ COPA AMÉRICA: VIDEOARTE LATINO-AMERICANA CONTEMPORÂNEA/ Paço das Artes, SP/ até 1º/4
Há pelo menos três destinos especuláveis para os tesouros nazistas escondidos na Segunda Guerra Mundial. O Lago Töplitz, nos Alpes austríacos, o município de Deutschneudorf, na Alemanha, e uma série de tratores da marca Heinrich Lanz e submarinos U-Boot, enviados para a América Latina na época. O mito de que o “ouro nazista” teria sido escondido em peças automotivas levou o artista chileno Patrick Hamilton a uma pesquisa que culminou em três trabalhos. O “Proyecto Lanz” (2009), o “Proyecto U-Boot” (2010) e o vídeo “U-Boot” (2010) estão expostos hoje no Paço das Artes no “Projeto 5x5”, a primeira de uma série de cinco exposições sobre a América Latina, concebida por Priscila Arantes e Adriano Casanova.
O projeto partiu da vontade de ambos os curadores de realizar um mapeamento da arte latino-americana. Mas em vez de centralizarem as pesquisas para desenhar tal mapa, decidiram democratizar o processo, definido por eles como “uma rede de pesquisa descentralizada”. Essa rede tem regras iniciais bem definidas: os curadores escolhem um artista para uma exposição individual, e ele, por sua vez, deve convidar outros cinco para uma mostra coletiva simultânea.
“Ultramar Sur”, a individual de Patrick Hamilton que abre a série de exposições, tem a colonização como questão central. No vídeo, a intrigante imagem de um submarino que emerge e desaparece das águas remete ao mecanismo do trabalho do artista chileno, que revela e obstrui fragmentos de uma história que fica entre o real e o fictício. Hamilton, por sua vez, é o responsável pela coletiva “Copa América”, com Alberto Baraya (Colômbia), Alexander Apóstol (Venezuela), Jota Castro (Peru), Teresa Margolles (México) e Wilfredo Prieto (Cuba). “Esse é um modelo de mapeamento em que os artistas se comunicam”, diz Adriano Casanova. Nas outras quatro edições do “Projeto 5x5”, serão selecionados para as mostras individuais um brasileiro, um argentino, um colombiano e um mexicano.
O interesse na América Latina se explica: Adriano Casanova é diretor artístico da Galeria Baró, que concentra 70% de seu time de artistas na região. E a pesquisadora Priscila Arantes, também diretora do Paço das Artes, está interessada em sistemas de reescritura da história. “Há hoje um deslocamento do discurso eurocêntrico. Daí, a importância de o historiador se empenhar em outras escrituras”, diz ela.
Em um momento em que a economia latino-americana renasce aos olhos do mundo, é a hora de rever nossa história. Esse projeto, que no final contará com ampla documentação em livro de cinco tomos e filmes documentais, será um belo capítulo dessa história.
fevereiro 9, 2012
Justiça nega pedido de liminar da Fundação Bienal por Márcia Abos, O Globo
Justiça nega pedido de liminar da Fundação Bienal
Matéria de Márcia Abos originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Globo em 8 de fevereiro de 2012.
Contas continuam bloqueadas. Exposição prevista para setembro pode ser adiada
SÃO PAULO - A Justiça Federal negou o pedido de liminar feito pela Fundação Bienal para desbloquear suas contas. Desde 2 de janeiro, quando o Ministério da Cultura colocou a instituição na lista de inadimplentes, a maior parte do dinheiro captado pela Bienal para a realização da exposição deste ano está bloqueado. A Bienal vai recorrer da decisão no Tribunal Regional Federal de São Paulo com um novo pedido de liminar. Sem recursos suficientes, a 30ª edição da Bienal Internacional de Arte de São Paulo, prevista para ser aberta ao público em 7 de setembro deste ano, pode ser adiada. Ações do departamento educativo da fundação relacionadas à mostra já foram paralisadas.
— Se essa situação não for resolvida a Bienal deste ano será cancelada. Trata-se de uma mostra que completa 60 anos em 2012. Lamento que seja comprometida por eventos do passado — disse o presidente da Bienal, Heitor Martins, em entrevista ao GLOBO na semana passada.
Segundo Martins, os R$ 11 milhões captados via Lei Rouanet para a realização da Bienal deste ano estão bloqueados. Outros R$ 8 milhões já comprometidos por empresas via incentivo fiscal também não poderão ser captados. Com um orçamento estimado em R$ 25 milhões, o presidente da Bienal diz ser impossível encontrar outra maneira de custear a exposição a seis meses da abertura ao público.
O bloqueio foi feito após uma auditoria da Controladoria Geral da União (CGU) encontrar irregularidades em 13 prestações de contas entre 1999 e 2006, nas gestões de Carlos Bratke e Manoel Francisco Pires da Costa, no valor total de R$ 32 milhões. Brakte e Pires da Costa antecederam Martins, que assumiu a presidência da Bienal em 2009, numa gestão comprometida a solucionar a grave crise institucional que resultou na realização da "Bienal do vazio" em 2008. A Bienal de São Paulo é considerada uma das três maiores mostras de artes do mundo, ao lado da Bienal de Veneza e da Documenta de Kassel.
O diretor jurídico da Fundação Bienal, Salo Kibrit, disse que todas os esclarecimentos pedidos pela CGU foram prestados. Segundo Kibrit, a CGU pode levar de 10 a 15 anos para concluir se houve ou não desvio de verba nas gestões anteriores, o que pode causar o fim da Bienal de São Paulo.
— Não só a exposição pode deixar de existir, como a própria fundação, se durante todo este período a Bienal for mantida como inadimplente pelo MinC. A menos que encontremos outras formas para financiar a mostra, sem recursos captados via Lei Rouanet ou qualquer outro convênio com o ministério — teme Kibrit.
Nan Goldin fala da polêmica exposição que chega ao MAM, O Globo
Nan Goldin fala da polêmica exposição que chega ao MAM
Matéria originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Globo em 7 de fevereiro de 2012.
RIO - Em meio a uma polêmica que se arrasta desde novembro, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio) inaugura amanhã para convidados e na quinta-feira para o público a maior retrospectiva já feita no país da fotógrafa americana Nan Goldin — classificada pelo jornal "The New York Times" como "a mais influente dos últimos 20 anos" depois de ter forjado um novo gênero fotográfico. Entre as décadas de 1970 e 2000, quando circulava pelos submundos de Nova York e Boston, Nan flagrou, entre outras, imagens de nudez (tanto adulta quanto infantil), sexo explícito, uso de drogas e homossexualidade. A obra, que o Oi Futuro exibiria em janeiro mas desistiu, alegando não ser condizente com seu perfil educativo, foi acolhida pelo MAM, mas inspira cuidados: para derrubar eventuais liminares, o museu mobilizou uma equipe jurídica que ficará de plantão durante os próximos dias.Com curadoria de Ligia Canongia e Adon Peres, a exposição vem sendo costurada há mais de um ano. Mas, no fim de 2011, quando o Oi Futuro — que deu R$ 341 mil ao evento como patrocínio — tomou conhecimento do conteúdo das fotos de Nan, abriu mão de sediá-la e solicitou que seu logotipo ficasse de fora de todo o material de divulgação.
A exposição "Heartbeat", que mobilizou uma equipe multinacional e demorou uma semana para ser totalmente instalada no segundo andar do MAM carioca, reúne um total de 1.195 fotos. São 15 imagens impressas da série "Landscapes" (1979-2008) — que Nan não costuma exibir — e três slideshows de cerca de 50 minutos cada um que abrigam o conteúdo que causou polêmica: "The ballad of sexual dependency" (1981-2008) — considerada sua obra-prima —, "The other side" (1972-1990) e "Heartbeat" (1999), que dá nome à mostra.
Para Nan, seu conjunto de snapshots — que muitos acreditam que fere o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em vigor no Brasil desde 1990 — fala de "afeto e relacionamento humano".
— Há uma discrepância entre o ruído em torno do trabalho da Nan e a realidade das imagens — diz Luiz Camillo Osório, curador do MAM-Rio. — Para encerrar essa polêmica, fizemos dois encontros multidisciplinares sobre o assunto no museu, vimos as imagens juntos e não achamos que estamos infringindo o estatuto. A Nan expõe no mundo todo e, por mais que haja discussão em torno das imagens, elas são vistas e debatidas. Isso é saudável e democrático.
Apesar dessa conclusão e da vontade de separar a mostra da polêmica anterior, o corpo jurídico do museu, liderado pelo advogado Álvaro Piquet, já preparou uma estratégia para, se necessário, defender "Heartbeat" na Justiça. Contra possíveis liminares, guarda na manga uma vasta pesquisa sobre a legislação em vigor e promete fazer uma espécie de vigília no Judiciário.
Quem visitar o segundo andar do MAM até o dia 8 de abril verá que o cuidado foi redobrado. Cada slideshow ocupa, sozinho, uma sala escura especialmente construída para abrigá-lo. Trata-se de um ambiente sombrio, com um telão quadrado, que tem, logo na porta, um cartaz que informa que o conteúdo em exibição não é "recomendado para menores de idade".
Na noite de domingo, Nan Goldin anunciou que não viria à inauguração de "Heartbeat", mas conversou com O GLOBO por telefone por mais de uma hora e insistiu em dizer que sua ausência não tem qualquer relação com a polêmica.
— Minha mãe está muito perto do fim da vida. Tem 96 anos e sofre de Alzheimer. Meu pai tem 98 e está lúcido, sofrendo muito. Eles foram casados e moraram juntos por 72 anos. Então é hora de ficar com eles — justificou.
Nan, no entanto, promete vir à cidade em abril. Quer promover um finissage no encerramento da mostra brasileira.
— Ainda quero encontrar os artistas que me defenderam ante o Oi Futuro e também aprofundar minha pesquisa sobre as crianças brasileiras. Desde que vi "Pixote — A lei do mais fraco" (de Hector Babenco, de 1981), me interesso por isso. Ainda quero incluir um capítulo sobre as crianças do Brasil no slideshow em que estou trabalhando atualmente, o "Fire leap".
"Fire leap", aliás, foi, segundo Nan, cogitado pelos curadores para ser exibido no Rio, mas como reúne, ao longo de 15 minutos, cerca de 200 fotos só de crianças, ficou de fora. Seria cutucar a onça com vara curta.
Mas Nan está de bom humor e comemora a inauguração:
— "The ballad of sexual dependency" é o trabalho da minha vida. Uma carta de amor para meus eternos amigos.
Nan Goldin vai contando, à distância, o que o visitante verá no MAM:
— As 15 fotos de "Landscape" (que estarão numa parede pintada de fúcsia acinzentada a pedido da artista) mostram meu amor pelo deserto, pelo oceano e pelo céu, essas coisas gigantescas. É uma pequena mostra de um trabalho que tem centenas de imagens e lembra como somos pequenos no universo.
Em seguida, Nan comenta os três slideshows:
— "Heartbeat" surgiu de uma parceria com a Björk. Ela canta, eu ilustro. E ganhou uma nova versão na semana passada. Terá 160 fotos, metade do que costuma ter, espalhadas por 50 minutos, num ritmo mais lento do que o normal.
Segundo Nan, "Heartbeat" fala sobre a dificuldade do relacionamento a dois. Dividido em cinco capítulos, ele é um registro muito próximo da vida de cinco casais amigos dela.
— É quase como se eu fosse parte do casal. Fotografei-os muito de perto mesmo, mas nunca transei com eles — diz.
Um trabalho de 30 anos
Já "The other side", que ocupa a segunda sala da exposição, trata da vida do grupo de transexuais, travestis e drag queens do qual Nan se aproximou nos anos 1970, quando ainda era adolescente, em Boston:
— Convivi com eles por três anos, e vi como eram completamente alijados da sociedade. As pessoas os odiavam.
Por conta desse slideshow, que também tem 50 minutos, Nan conta já ter recebido diversas cartas de agradecimento.
— Muitas pessoas me escreveram dizendo que ele as ajudou a sair do armário, a se assumir e, sobretudo, a não se sentir tão sozinhas no mundo — ela diz. — Talvez seja pelo fato de eu nunca ter encarado aquelas pessoas como homens ou mulheres, mas como um terceiro sexo. Isso muito antes de escreverem sobre isso por aí.
"The ballad of sexual dependency" está, de propósito, no fim da mostra. Com 42 minutos de duração e 720 slides, é a obra-prima de Nan, um trabalho que demorou quase 30 anos para ficar pronto.
— Comecei em 1981, em Nova York, e fui mexendo nele até 2008. É a história de uma vida, de uma comunidade que não existe mais graças à Aids. Assisto à "Balada" com frequência e já perdi a conta de quantos ali morreram. Era um grupo que decidiu ficar politicamente, esteticamente e ideologicamente afastado da cultura dominante.
A trilha sonora de "The ballad" conta com mais de 40 músicas e foi cuidadosamente montada por Nan. Há Maria Callas cantando a ópera "Norma", Lou Reed e Velvet Underground, entre outros.
— Em 1989, quando abandonei as drogas, passei a fotografar durante o dia, usando a luz natural, e isso também está lá, marcando uma mudança radical no meu trabalho.
Na coleção de snapshots de "The ballad", diverte-se aquele que tenta localizar famosos entre os anônimos clicados por Nan. Estão lá o cineasta John Waters e os artistas plásticos Jean-Michel Basquiat e Andy Warhol, entre outros.
O trabalho de Nan Goldin faz parte dos principais acervos artísticos do mundo. Está presente, por exemplo, no Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova York, na Tate Gallery, em Londres, e no Georges Pompidou, em Paris.
Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/cultura/nan-goldin-fala-da-polemica-exposicao-que-chega-ao-mam-3897043#ixzz1lumC9nVp
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Obras modernistas estão no exterior ou em coleções privadas por Márcia Abos, Yahoo notícias
Obras modernistas estão no exterior ou em coleções privadas
Matéria de Márcia Abos originalmente publicada no Yahoo notícias em 4 de fevereiro de 2012.
RIO - Mesmo sem ter sido exposto na Semana de Arte Moderna, "Abaporu", óleo sobre tela feito em 1928 por Tarsila do Amaral para presentear Oswald de Andrade, tornou-se a imagem referência do modernismo nacional. A tela, no entanto, está perto do coração, mas longe dos olhos dos brasileiros. Vendida em 1995 pelo galerista e investidor brasileiro Raul Forbes por US$ 1,25 milhão, "Abaporu" é uma das joias do acervo do Museu de Arte Latino-americana de Buenos Aires, o Malba, criado pelo empresário argentino Eduardo Costantini para abrigar sua preciosa coleção.
- De modo geral, grande parte da arte brasileira está em coleções particulares. E muita coisa está no exterior - confirma Tadeu Chiarelli, diretor do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, que abriga o principal acervo público de arte moderna brasileira, que inclui obras como "A boba", de Anita Malfatti, "Figura", de Ismael Nery e "A negra", de Tarsila do Amaral.
A dispersão das obras modernistas começou junto com o nascimento do mercado profissional de arte no Brasil. A partir da década de 1960, surgiram os primeiros leilões, alguns deles para arrecadar fundos para a construção do hospital Albert Einstein. Muitos colecionadores viram a oportunidade de investir num movimento cujas obras ainda tinham preços acessíveis.
- Tirando o MAC, a Pinacoteca do Estado de São Paulo, que optou por investir mais em pré-modernismo, e o Masp, os museus não foram à luta - completa Chiarelli, lembrando que José e Paulina Nemirovsky são um casal de colecionadores privados que optou por comprar obras que contam, de forma sintética, a história do modernismo brasileiro. - Eles merecem toda a consideração e respeito por terem tornado pública esta coleção. Vamos torcer para que no futuro outros colecionadores façam o mesmo.
"Falta uma política de formação de acervos"
Transformada em fundação para evitar que a coleção fosse vendida e desmembrada após a morte de seus criadores, e com um contrato de comodato com o governo do Estado de São Paulo, as obras da Coleção Nemirovsky ficam expostas em São Paulo, na Estação Pinacoteca. Entre elas está "Antropofagia", de 1929, também de Tarsila do Amaral.
- Costantini enviou uma carta à Fundação Nemirovsky oferecendo US$ 35 milhões por "Antropofagia". Claro que a oferta foi recusada, pois o estatuto impede a venda de qualquer obra da coleção. Mas se a proposta fosse aceita, Tarsila estaria entre os dez artistas mais valorizados do mundo - lembra Fernando Mauro Barrueco, diretor executivo da Fundação Nemirovsky.
O seguro de "Abaporu", por exemplo, foi renovado recentemente por US$ 40 milhões.
- Não houve na época, nem há hoje um esforço para evitar que obras importantes saiam do Brasil. Falta uma política de formação de acervos - diz Roberto Bertani, que, antes de assumir a curadoria artística da Fundação Nemirovsky, auxiliava colecionadores de arte brasileiros a organizar suas coleções.
A polêmica venda da coleção de arte construtivista de Adolpho Leirner para o Museu de Belas Artes de Houston, em 2007, serviu de alerta. Desde então, as instituições têm se preocupado em manter no Brasil obras ou coleções consideradas fundamentais. Antes de serem vendidas no exterior, elas são avaliadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
- Mercado e interesse público são forças que competem. É difícil conciliar esses dois vetores. Ainda mais quando falamos de obras modernistas, um investimento seguro. Di Cavalcanti não vai triplicar de valor, isso já aconteceu. Mas vai continuar a se valorizar. E obras como "Abaporu" e "Antropofagia" não têm preço. São as joias da coroa - avalia Fernando Barrueco.
Parcerias entre setor privado e público podem ser o caminho para evitar ou recuperar obras expatriadas. Mas ainda é impossível mapear onde estão as obras modernistas. O catálogo raisonné da maioria dos artistas do movimento ainda não foi feito, com exceção de Tarsila do Amaral e Candido Portinari, que só recentemente tiveram toda sua produção inventariada.
fevereiro 8, 2012
Mostra traz obras de Flávio de Carvalho, um dos principais artistas do país por Nahima Maciel, Correio Braziliense
Mostra traz obras de Flávio de Carvalho, um dos principais artistas do país
Matéria de Nahima Maciel originalmente publicada no caderno Diversão e Arte do jornal Correio Braziliense em 7 de fevereiro de 2012.
Impossível resumir Flávio de Carvalho. Nem o próprio artista conseguia tal proeza. É certo que também não se interessava muito por encaixar-se em definições. Esse tipo de prática gera amarras, engessa, prende, enquadra, tudo que Flávio de Carvalho não queria. Formado em engenharia, herdeiro de família paulista rica, pintor apegado ao expressionismo e performático subversivo, juntou tudo sob a alcunha de artista e fez São Paulo arregalar os olhos nas décadas de 1930 e 1940.
O que se vê espalhado pelas duas galerias do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) a partir de hoje é fruto da multitude de inquietações plantadas na mente do artista. Com curadoria de Luzia Portinari, sobrinha de Cândido Portinari e especialista em modernismo brasileiro, Flavio de Carvalho — A revolução modernista no Brasil sobrevoa todos os caminhos que fizeram do artista um marco na história da arte paulistana.
Flávio de Carvalho acalentava vários discursos, mas tinha um especial ao qual era fiel e dedicado. Quando Mario de Andrade e Lasar Segall fundaram a Sociedade Pró-Arte Moderna, em 1932, Flávio tratou de criar dissidência e fez nascer o Clube dos Artistas Modernos (CAM). Era uma provocação, mas também uma maneira de assentar terreno para ideias artísticas intrigantes. O clube se tornaria referência no cenário artístico paulistano, sede física de palestras e debates inflamados protagonizados por gente como Tarsila do Amaral e Caio Prado Jr., palco para a música moderna de Camargo Guarnieri e abrigo para as criações do próprio Flávio. Luzia tentou recriar o CAM em uma das salas da exposição e vale partir desse canto para compreender o universo que movia o artista.
[SAIBAMAIS]
Flávio repelia ligação entre a elite e a arte. Apesar de rico e sofisticado —, saiu do Brasil aos 11 anos e voltou engenheiro, aos 22 — não gostava nem um pouco da separação entre arte e povo. Por isso idealizava performances nas quais promovia o encontro entre a rua e a arte de ateliê. Provocava alvoroço ao vestir roupas de criação própria, pinçadas em um guarda-roupa exótico batizado de New Look e concebido para instigar as pessoas. De saias, Flávio de Carvalho saía em procissão pelas ruas de São Paulo. “O que a Semana de 1922 fez entre quatro paredes, ele levou para a praça pública, para as experiências. Ele é o artista que consolidou a arte moderna anunciada pela semana”, acredita Luzia.
Além de originais do New Look e da instalação Provador — uma projeção na qual o público pode experimentar os figurinos —, atores vão circular pela exposição em experiências performáticas que reproduzem as ações do artista. Na pintura, Flávio desconstruía à maneira expressionista. Violento nas cores, desenhava diretamente na tela com as pinceladas e gostava especialmente de retratos. Mesmo nas paisagens em que a abstração se insinua, reina a figuração. A engenharia foi fonte de renda, mas raramente de satisfação. Flávio de Carvalho trabalhou como projetista para grandes construtoras e ficava frustrado de não conseguir imprimir as ideias modernistas nos projetos da época. A linha reta e limpa da arquitetura moderna ainda perdia espaço para simbolismos e outras tendências.
A revolução modernista no Brasil
Curadoria de Luzia Portinari. Visitação até 29 de abril, de terça a domingo, das 9h às 21h, no Centro Cultural Banco do Brasil (SCES Trecho 2, Lote 22).
MAM do Rio abre mostra cancelada de Nan Goldin por Silas Martí, Folha de S. Paulo
MAM do Rio abre mostra cancelada de Nan Goldin
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 8 de fevereiro de 2012.
Imagens polêmicas de crianças nuas fizeram Oi Futuro desistir de fazer exposição em sua sede no Flamengo
Versão no MAM terá séries na íntegra: três grupos de slides e fotos de paisagens feitas pela artista norte-americana
No final de uma série de imagens de casais em cenas de amor e sexo, uma frase aparece projetada na tela dizendo que só um deles segue junto. Nan Goldin agradece aos amantes por deixar o amor entre eles ser flagrado.
Sua obra, agora em exposição no Museu de Arte Moderna do Rio, tenta estabelecer uma empatia por esses personagens anônimos ao escancarar sua intimidade -sexo explícito, uso de drogas e consequências da violência.
Isso tudo pesou na decisão do Oi Futuro de cancelar a mostra no ano passado, faltando pouco mais de um mês para a sua abertura, prevista para janeiro. Foi então que o MAM ofereceu encaixar a primeira individual da artista norte-americana no Rio na programação deste ano.
"Essas imagens são pautadas pelo afeto, não são apelativas, agressivas, nem infringem nenhum código", diz Luiz Camillo Osorio, curador do MAM. "É o mesmo olhar do Degas para as bailarinas no século 19. Ele não estava explorando o corpo delas."
Goldin, no caso, foi acusada de explorar a imagem de crianças nuas ou próximas a situações eróticas entre adultos. Dirigentes do Oi Futuro, que ainda patrocina a mostra, disseram que as imagens feriam seu projeto educativo e cancelaram o evento, desencadeando toda a controvérsia em torno da exposição.
Mas muitas dessas imagens -que integram a série mais célebre da artista, "Balada da Dependência Sexual"- foram expostas na Bienal de São Paulo há dois anos, sem causar problemas.
Em sua "Balada", Goldin retrata a si mesma e a seus amigos em festas épicas, de saltos pisando carpetes encardidos, roxos nos olhos, cabelos ensebados, injeções de heroína e sexo explícito, tendo até um ato de autofelação.
Mas ela não o faz para chocar. Sua trilha sonora -que vai de uma missa entoada por Björk aos berros de James Brown em "It's a Man's Man's World"- conduz o olhar por cenas de seu cotidiano desregrado. Goldin não glamouriza o submundo de drogas e sexo de Nova York.
Ela constrói uma espécie de antropologia afetiva com cenas chocantes diluídas num retrato que pende mais para a dor. Homens e mulheres espancados por seus amantes, o êxtase já erodido das drogas e imagens de fim de festa parecem gritar mais alto que os raros momentos de hedonismo que retrata.
"É diferente do olhar de um repórter", diz Lígia Canongia, curadora da mostra. "Não é um olhar observador, é um olhar envolvido, de cúmplice, como se a câmera pudesse tocar naquelas pessoas."
Mesmo na série em que retrata os travestis de Nova York, mais marcada pela teatralidade do que por aspectos documentais, Goldin estabelece essa cumplicidade com o retratado. Mostra a construção desses personagens, de perucas, seios fajutos, maquiagem pesada.
E também registra suas aparições nas boates da época, a metamorfose completa.
Cultura ruim de bilheteria: o que fazer? por Paulo Pélico, Folha de S. Paulo
Cultura ruim de bilheteria: o que fazer?
Matéria de Paulo Pélico originalmente publicada na coluna Opinião do jornal Folha de S. Paulo em 7 de fevereiro de 2012.
Descarte os argumentos chatos sobre o valor intrínseco da cultura: ela traz muito dinheiro ao país; além disso, só 1% dos incentivos fiscais vão para a área
A notícia rendeu muitas manchetes, mas pouca reflexão. No final do ano passado, a turnê de João Gilberto entrou em colapso pelo baixo desempenho da sua bilheteria.
Não faltou interesse do público. Sem patrocinadores para cobrir os principais custos da excursão, os produtores não acharam uma equação capaz de oferecer preços acessíveis ao vasto público do genial precursor da bossa nova.
Resultado: cancelamentos e frustração de milhares de fãs.
O caso deixa nítida a gradual decadência da bilheteria na sustentação econômica dos eventos artístico e culturais. É extensa a lista de grandes nomes da MPB que não conseguem mais pagar as contas de seus shows apenas com a venda de ingressos. Se é assim com superstars, imagine entre novos talentos.
No teatro, a impotência da bilheteria é um dado antigo. Há décadas as peças não cobrem os gastos de uma companhia profissional, mesmo com a casa cheia.
Na chamada alta cultura, a situação só piora. Os números da Osesp mostram que a venda de ingressos e de assinaturas corresponde a cerca de 8% dos gastos totais da orquestra. No Masp, a receita proveniente da visitação pública talvez não pague a conta de água.
Em todos esses casos, o socorro vem do dinheiro público, por meio de dotações diretas ou dos mecanismos de renúncia fiscal.
O que fazer? Dissolver as nossas sinfônicas e fechar os nossos museus? Reduzir o teatro brasileiro ao "stand-up comedy", com os seus custos otimizados?
Isso certamente pouparia grandes somas ao erário. Mas seria mesmo economicamente vantajoso?
Não há cinismo nessa pergunta. Proponho examinar a hipótese sem preconceitos, descartando aqueles chatíssimos argumentos sobre a importância intrínseca da cultura.
Vejamos a maior festa popular do planeta, o Carnaval carioca. Mesmo com a lotação do sambódromo esgotada, a arrecadação de bilheteria não cobriria nem sequer 20% das somas consumidas nos barracões.
E essa conta nem sequer inclui custos operacionais como policiamento, energia elétrica e manutenção do espaço, todos a cargo do poder público.
Devemos então concluir que o Carnaval dá prejuízo? De modo algum. Segundo a Riotur, em 2011 o Rio faturou R$ 1,3 bilhão nos dias de folia.
Mais de 5 milhões de pessoas circularam pela cidade maravilhosa gastando, gerando impostos, criando empregos. A lotação dos hotéis bateu a incrível marca de 96%, e cerca de 3.000 jornalistas de todos os países espalharam pelo mundo a exuberância do espetáculo.
Nesse caso, para qual parte dessa planilha devemos olhar? Para o superávit da cidade ou para o déficit dos barracões?
O problema no debate sobre financiamento da produção cultural é a ambivalência. A engenhosa noção capitalista que faz sucesso na Marques de Sapucaí e nos mais adiantados centros mundiais não vale quando quando o assunto é a aquisição de acervos, o salario dos músicos ou a locação de câmeras. Nesses casos, prevalece a lógica da contabilidade de padaria.
Em 2012, a previsão de gastos no Brasil com incentivo fiscal é de R$ 146 bilhões. Destes, ao redor de 1% será reservado à cultura.
Nas raras oportunidades em que a mídia dá destaque aos incentivos de outros setores, aparecem enunciados do tipo "ação de desenvolvimento dirigido", "programa de inovação tecnológica", expressões com as quais todos concordamos.
Em contraponto, há quase uma década os benefícios fiscais da área artística são tratados rotineiramente como desperdício de dinheiro público. Ao lado do habitual zelo da imprensa com a coisa pública, não há como ignorar a parcela de preconceito contra a cultura latejando sob essa ambiguidade.
PAULO PÉLICO, 55, é produtor de cinema e teatro. Coproduziu o espetáculo "Liberdade, Liberdade", de Flávio Rangel e Millor Fernandes, e é diretor do documentário "Fora do Figurino", sobre o jeitinho brasileiro, que estreia em abril
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
O mecenas estatal por Rodrigo Constantino, Folha de S. Paulo
O mecenas estatal
Matéria de Rodrigo Constantino originalmente publicada na coluna Opinião do jornal Folha de S. Paulo em 7 de fevereiro de 2012.
Se o Estado banca o artista, ele perde a independência: o cão não morde quem dá comida; quando o produto é bom, cotas e subsídios se tornam inúteis
As obras de arte, a literatura, os filmes e a música -tudo aquilo que procura dar um sentido mais elevado à nossa existência, enfim- merecem especial atenção de quem estiver preocupado em evitar que a vida seja uma simples rotina pela sobrevivência material. Os homens têm (ou deveriam ter) sede por cultura, o alimento da alma. Mas surge logo a questão: qual tipo de cultura?
Muitas pessoas bem-intencionadas defendem que o Estado deve se imiscuir nessa tarefa e estimular a cultura nacional.
Sua premissa costuma ser a de que o povo consome lixo porque os grandes veículos de comunicação empurram goela abaixo dos consumidores somente porcaria. Mas, como já disse o George Stigler, vencedor do Prêmio Nobel de Economia, "o mercado reage aos gostos dos consumidores com bens e serviços vendáveis, sejam os gostos refinados ou grosseiros".
O mercado é eficiente no atendimento da demanda. A qualidade não é responsabilidade da TV, da editora, da rádio ou do estúdio de cinema. Quem culpa os produtores erra o alvo. O YouTube, por exemplo, oferece vídeos para todos os gostos. É possível encontrar excelentes concertos e documentários, e também há muita besteira. Se os vídeos idiotas recebem mais atenção, não é culpa do YouTube.
A postura de quem deseja mais intervenção estatal na cultura parece um tanto arrogante. Acredita-se que as escolhas dos consumidores deveriam ser "melhores". Mas quem vai decidir?
Os defensores de "reservas de mercado" para produtos nacionais gostariam que o povo escolhesse filmes brasileiros em vez de "enlatados" de Hollywood. Mas os próprios consumidores querem os filmes americanos. Ninguém é obrigado a vê-los.
Os estúdios americanos são ricos justamente porque priorizam os seus consumidores. Já os filmes franceses, feitos para agradar aos próprios produtores subsidiados pelo governo, são adorados pelos intelectuais, mas desfrutam de baixa receptividade popular.
Aplaudir este modelo é acreditar que o povo, por meio de seus impostos, deve ser forçado a sustentar as preferências da elite. Isso é incompatível com a liberdade de escolha.
Além disso, há o claro risco de proselitismo nas artes. Quando os príncipes católicos eram os únicos mecenas na praça, toda a arte era voltada para satisfazer as suas crenças religiosas. Não se pode negar que obras maravilhosas nasceram assim. Tampouco se deve ignorar que a abrangência de temas foi ainda maior com o avanço da burguesia.
Em sua biografia sobre Mozart, Norbert Elias mostra como esse gênio "burguês" foi capaz de romper com a dependência exclusiva da aristocracia da corte, e como isso foi fundamental para sua obra.
A independência do artista é crucial para sua criação. O cão não morde a mão que alimenta. Quando o artista depende das verbas estatais para sobreviver, ele terá que atender a demanda de burocratas poderosos que decidem o seu futuro com uma canetada.
Quem alega que os artistas nacionais precisam da mão estatal ignoram que é justamente a livre concorrência que obriga a busca constante pela melhoria. Quando o produto é bom, as cotas e subsídios são inúteis. Basta ver o sucesso de alguns filmes brasileiros recentes. Nada como a concorrência para aprimorar a qualidade.
A cultura é algo extremamente valioso. Justamente por isso, o governo não deve interferir no assunto. A cultura não deve ser imposta de cima para baixo, mesmo que as elites condenem a preferência vulgar do povo. Deve-se preservar a liberdade de escolha. Quanto a tais escolhas, deve-se lembrar que gosto não se discute, só se lamenta.
RODRIGO CONSTANTINO, 35, é economista com MBA em finanças pelo IBMEC
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
fevereiro 6, 2012
Missão cumprida por Nina Gazire, Istoé
Missão cumprida
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 3 de fevereiro de 2012.
A galeria Thomas Cohn encerra 30 anos de atividades que fizeram história na arte contemporânea brasileira
Foi no ano de 1962 que o casal Myriam e Thomas Cohn emigrou do Uruguai para o Rio de Janeiro, quando Cohn foi transferido para a cidade pela empresa em que trabalhava. A paixão pelas artes – que ainda os mantém unidos mesmo depois do fim do casamento – fez com que começassem a frequentar os circuitos expositivos brasileiros, formando uma coleção que já teria 21 anos quando o casal decidiu abrir a Thomas Cohn Arte Contemporânea, em 1983. “Fui introduzido à arte brasileira pelos artistas e amigos que fiz na época em que cheguei ao Brasil: Rubens Gerchman, Antonio Dias, Roberto Magalhães. Para você ter uma ideia, fui o primeiro a comprar uma obra do Antonio Dias, que na época tinha 19 anos”, relembra Thomas Cohn, que manteve com Myriam a sociedade da galeria. Hoje, 29 anos depois, eles anunciam o fim de suas atividades.
O empreendimento de Cohn e Myriam foi o primeiro do Brasil a participar ativamente de feiras de arte internacionais, além de trazer para o País exposições importantes como a da fotógrafa americana Diane Arbus. Em 1997, a Thomas Cohn Arte Contemporânea mudou seu nome para Galeria Thomas Cohn, quando trocou a cidade do Rio Janeiro por São Paulo; nunca, porém, se afastou de sua proposta inicial. “Desde o início, nossa missão foi manter uma galeria que funciona como um centro cultural, fomentando a produção e a descoberta de novos artistas”, diz o galerista, responsável pela revelação de nomes hoje consagrados, como Adriana Varejão e Leonilson, na década de 1980, e novos expoentes como o gaúcho Luciano Sherer. Então por que “retirar o time de campo”, em um momento de pleno aquecimento do mercado de arte nacional e ascensão de artistas brasileiros no circuito internacional? “Hoje existe um grande número de galerias fazendo o mesmo que nós fizemos durante esses quase 30 anos. Quando começamos, não havia quase ninguém que quisesse descobrir novos artistas no Brasil, nossa missão está cumprida”, diz Cohn, que na quinta-feira 9 realiza a exposição “Contraproposta”, quando todo o acervo da galeria estará disponível para venda.
São Paulo abre circuito de exposições de painéis Guerra e Paz, de Portinari, Correio Braziliense
São Paulo abre circuito de exposições de painéis Guerra e Paz, de Portinari
Matéria originalmente publicada no caderno Diversão e Arte do jornal Correio Braziliense em 5 de fevereiro de 2012.
Rio de Janeiro - O público paulista terá a oportunidade de apreciar, a partir desta semana, os painéis Guerra e Paz, pintados por Candido Portinari entre 1952 e 1956, que durante mais de 50 anos ficaram na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), em Nova York. A obra foi doada à ONU pelo governo brasileiro.
A exposição ficará aberta até o dia 21, no Memorial da América Latina, em São Paulo, com patrocínio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Os painéis foram trazidos ao Brasil em 2010 pela Associação Cultural Candido Portinari, também apoiada pelo banco, para serem restaurados. A ação envolveu o governo brasileiro, por meio do Itamaraty.
Segundo a assessoria de imprensa do BNDES, a mostra em São Paulo será a primeira depois da restauração completa da obra, feita no Rio de Janeiro, no ano passado. Após serem expostos durante 12 dias, em dezembro de 2010, no Theatro Municipal do Rio, para cerca de 40 mil pessoas, os painéis foram restaurados em um ateliê aberto ao público, no Palácio Gustavo Capanema, atraindo cerca de 6 mil visitantes durante os quatro meses do trabalho.
A exposição poderá ser vista também em Brasília, Paris (França), Hiroshima (Japão), Genebra (Suíça) e Oslo (Noruega). Os painéis voltarão ao Rio de Janeiro antes de serem devolvidos à ONU. Está prevista ainda uma mostra no Museu de Arte Moderna de Nova York.
Bienal de Veneza anuncia novo curador, Folha de S. Paulo
Bienal de Veneza anuncia novo curador
Nota originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 4 de fevereiro de 2012.
DE SÃO PAULO - Com apenas 38 anos de idade, o italiano Massimiliano Gioni foi escolhido curador da 55ª edição da Bienal de Veneza, que acontece em 2013 na cidade italiana.
Após ser editor da revista 'Flash Art', em Nova York, Gioni foi curador da mostra 'La Zona', na Bienal de Veneza de 2003, e da Manifesta 5, na Espanha, em 2004. Em 2006, foi co-curador da Bienal de Berlim e desde 2007 trabalha também como curador associado do New Museum, em Nova York.
Para Paolo Baratta, presidente da Bienal de Veneza, a escolha do novo curador representa a busca do evento por "pluralidade e continuidade" em sua próxima edição.
Nan Goldin cancela vinda ao Brasil, O Globo.com
Nan Goldin cancela vinda ao Brasil
Matéria originalmente publicada no caderno de cultura do O Globo.com em 6 de fevereiro de 2012.
Produção de exposição que a fotógrafa inauguraria na quarta-feira no MAM diz, no entanto, que evento está mantido
RIO - A fotógrafa americana Nan Goldin, considerada pelo jornal "The New York Times" como "a mais influente dos últimos vinte anos", cancelou sua vinda ao Rio de Janeiro na noite deste domingo. Nan, que inauguraria a exposição "Heartbeat" no Museu de Arte Moderna (MAM-Rio) na quarta-feira e que planejava fazer algumas fotos pela cidade, informou ao GLOBO que ficará em Boston, nos Estados Unidos, para cuidar de sua mãe, que "está doente".
Apesar do cancelamento da fotógrafa, a organização da exposição "Heartbeat", que tem curadoria de Ligia Canongia e Adon Peres, garante que a mostra continua de pé. A partir das 19h de quarta, no segundo andar do MAM-Rio, ela reunirá 15 fotografias de paisagens impressas em formato médio e os três principais slideshows da artista: "A balada da dependência sexual', "The other side" e "Heartbeat".
Em novembro, o Oi Futuro Flamengo, que patrocina o evento, desistiu de sediar a exposição de Nan por conta do conteúdo de suas fotos. Em seus slideshows, que reúnem fotos feitas entre as décadas de 1970 e 2000, Nan mostra, entre muitas outras cenas, nudez, sexo, drogas e o dia a dia de homossexuais.
fevereiro 2, 2012
Exposição "Instável" no Paço das Artes em SP, Metrópolis
Exposição "Instável" no Paço das Artes em SP
Matéria originalmente publicada na seção do programa Metrópolis da TV Uol em 31 de janeiro de 2012.
Museu de Arte Contemporânea é reaberto no parque do Ibirapuera por Augusto Gomes, portal iG São Paulo
Museu de Arte Contemporânea é reaberto no parque do Ibirapuera
Matéria de Augusto Gomes originalmente publicada no caderno de cultura do portal IG São Paulo em 28 de janeiro de 2012.
Térreo do antigo Detran recebe exposição com 18 esculturas; até outubro, restante do prédio será ocupado
O Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo (MAC) inaugura neste sábado (dia 28) sua nova sede. O edifício fica em frente ao parque do Ibirapuera e, até 2009, era ocupado pelo Departamento de Trânsito do Estado (Detran).
Por enquanto, apenas o piso térreo estará aberto à visitação. O espaço receberá a exposição "O Tridimensional no Acervo do MAC: Uma Antologia", que reúne 18 esculturas produzidas entre 1947 e 1997.
Ao longo do ano, o restante do edifício será ocupado. "Devemos inaugurar mais três mostras no final de abril ou começo de maio. Depois, mais três em julho, duas em agosto e duas em outubro", explica ao iG o diretor do MAC, Tadeu Chiarelli.
Até então, o museu se dividia em duas sedes: um espaço no terceiro andar do prédio da Bienal, no parque do Ibirapuera, e um edifício no campus da Universidade de São Paulo (USP), no Butantã.
Segundo Chiarelli, a área no prédio da Bienal será desocupada. "Esperamos transferir algumas das obras para a USP e para cá até o final desse ano ou começo do ano que vem", diz.
A área será então devolvido à Prefeitura de São Paulo, que é a proprietária do prédio e cede o espaço ao MAC e à Fundação Bienal. "Acredito que a Bienal ocupe aquele espaço", afirma Chiarelli.
Depois, será a vez de a sede na USP passar por uma reforma, prevista para 2013 ou 2014. "O MAC é um museu universitário. Ou seja, os curadores são docentes também. Por isso, estamos chamando o prédio da USP de MAC acadêmico", explica.
"Na Cidade Universitária ficarão arquivo, biblioteca e salas de aula para as atividades acadêmicas", diz. "Aqui no Ibirapuera vamos concentrar acervo, exposições, debates, os cursos voltados para a população mais ampla."
Segundo o governo de São Paulo, a reforma do prédio custou R$ 76 milhões. O custo foi bancado pela Secretaria de Estado da Cultura. Mas, a partir da inauguração, a responsabilidade ficará a cargo da Universidade de São Paulo.
Por ser a primeira mostra da nova sede, "O Tridimensional no Acervo do MAC" funciona como uma introdução ao acervo do museu. "Nós temos uma coleção importante de arte moderna, mas somos um museu de arte contemporânea", ressalta.
"Existe um preconceito em relação à arte contemporânea. Esse discurso de 'isso eu não entendo'", afirma. "Então a ideia é fazer uma exposição em que as questões que definem arte contemporânea sejam apresentadas por meio de poucas obras."
"Não queremos que o museu seja simplesmente um espaço de lazer. Essa exposição não é qualquer exposição", diz. "Ela tem uma lógica interna, que tentamos traduzir de uma maneira que as pessoas possam entender."
"Agora, o exercício de compreensão da arte é também um esforço do espectador. Não é de mão beijada", afirma Chiarelli. "Se você quer aprender matemática, tem que estudar, não é? Se quer entender um fenômeno cultural, também tem que ter disposição."
Raridade
Entre as obras desta primeira exposição, Chiarelli destaca algumas "pela raridade". É o caso de "Figura Reclinada em Duas Peças: Pontos", do britânico Henry Moore.
Ele conta que o MAC conseguiu a obra por meio de uma troca com a Tate Gallery, de Londres. "Eles eram loucos por uma escultura do artista italiano Umberto Boccioni que nós temos", conta.
O MAC tem não apenas um exemplar em bronze da obra, como também a matriz em gesso que permite a produção de cópias. A Tate, em compensação, tinha a matriz da escultura de Moore.
"Foi um escambo. O MAC permitiu que fosse feito um exemplar do Umberto Boccioni para eles e eles fizeram um exemplar do Henry Moore para a gente", revela Chiarelli.
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Espírito do tempo por Nina Gazire, Istoé
Espírito do tempo
Nomadismos tecnológicos - Jorge La Ferla e Giselle Beiguelman (org.)/ Editora Senac / R$ 59
Em Buenos Aires, no ano de 2009, artistas e teóricos se reuniram em um simpósio, realizado pela Fundación Telefónica e pelo Instituto Sergio Motta de São Paulo, para discutir a presença das mídias móveis nos mais diversos setores da sociedade. Agora, os resultados dos debates podem ser conhecidos com a leitura do livro “Nomadismos Tecnológicos”. Organizada pelo curador e professor titular da Universidade de Buenos Aires Jorge La Ferla e pela artista e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Giselle Beiguelman, a publicação reúne artigos de estudiosos e artistas ligados a importantes universidades e instituições de diferentes partes do mundo. Os textos abordam as mudanças do conceito de mobilidade através dos tempos, o impacto da chegada das mídias móveis sobre a sociabilidade e, principalmente, o uso das tecnologias móveis como suporte artístico. Nesse contexto, destaca-se o artigo do artista Lucas Bambozzi, que realiza uma abordagem crítica sobre a constante apropriação de novas tecnologias por artistas, argumentando que em geral eles a fazem sem a reflexão e o aprofundamento necessários. Já Wolfgang Schäffer, importante pesquisador sobre a história da ciência da Universidade de Humboldt, em Berlim, afirma que ao mesmo tempo que as tecnologias se tornaram massificadas e padronizadas, sua popularização resulta em novos paradigmas, principalmente no que diz respeito ao campo das imagens. Para Schäffer, a explosão do consumo de celulares com câmeras implicou no surgimento de um novo modo de produção audiovisual que se tornou referência para a produção de imagens na atualidade.
Um artista da fome por Paula Alzugaray, Istoé
Um artista da fome
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na seção de artes visuais da Istoé em 27 de janeiro de 2012.
Inspirado em conto de Franz Kafka, artista belga monta castelo de alimentos industrializados e junk food em galeria paulistana
Enquanto o Carnaval não chega e o ano não começa de verdade no Brasil, a Galeria Luisa Strina aproveita o recesso prolongado com um projeto bastante original. Desde 16 de janeiro, o artista belga Trudo Engels ocupa a galeria montando a instalação “Le Chatêau”, em processo aberto ao público. “A instalação é de fato uma performance, na qual participam nove artistas, que na realidade são ele mesmo”, explica a curadora Catherine Bompuis. Em uma espécie de exposição coletiva com vários artistas, Engels trabalha na montagem de um castelo fictício, cuja mobília é composta por balas, salgadinhos, refrigerantes e alimentos com altos índices de gordura transgênica. “Uso só alimentos mortais”, declara Engels.
O artista conta que sua ideia original era alugar um apartamento em São Paulo, passar seis semanas comprando comida em casas de alimentação baratas e, no entanto, ficar sem comer nada. “Depois, achei que seria mais forte deslocar a exposição para dentro de uma galeria comercial”, conta Engels, que manteve o projeto de jejuar durante um mês. Com isso, ele pretende colocar em questão “a relação entre o sistema comercial da arte e a fome”.
O projeto é inspirado no conto “Um Artista da Fome”, de Franz Kafka, que aborda a perda de interesse público em vítimas de greves de fome. Um tema bastante oportuno, a considerar a morte recente do preso político cubano Wilman Villar Mendoza, em 19 de janeiro, após uma greve de fome que durou 56 dias.
Até 16 de fevereiro, quando “Le Chatêau” ganhará um vernissage para oficializar sua abertura, Engels manterá o jejum. “O estado de abstinência enfraquece o corpo, mas reforça mentalmente sua ação. Essa é uma forma de purificar o trabalho”, afirma. Até a abertura oficial, Engels e seus nove colaboradores representados por ele mesmo (os “vários artistas” citados no título da mostra) recebem o público todas as quintas-feiras para uma série de workshops e discussões sobre a indústria de produtos de consumo.
fevereiro 1, 2012
Questões burocráticas ameaçam a 30.ª edição da Bienal de São Paulo por Maria Eugênia de Menezes, O Estado de S. Paulo
Questões burocráticas ameaçam a 30.ª edição da Bienal de São Paulo
Matéria de Maria Eugênia de Menezes originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Pauo em 1 de fevereiro de 2012.
Em 2008, mostra deixou segundo andar vazio como protesto contra o mercado das artes
Problemas na prestação de contas de 1999 a 2006 colocam em risco a realização da 30ª edição da Bienal de São Paulo, marcada para setembro. Desde o início do mês, a Fundação Bienal foi incluída na lista de inadimplentes do Ministério da Cultura. A inclusão significa que todo o dinheiro que a entidade tinha em caixa, cerca de R$ 12 milhões, fica congelado - assim como os recursos incentivados, via Lei Rouanet, que ainda estavam em fase de captação. "Se a situação não for resolvida dentro de no máximo um mês não teremos como manter a data da Bienal", observa o presidente da Fundação, Heitor Martins. "Por conta do passado, eles estão inviabilizando o presente da instituição."
Na segunda, o nome de Martins como pessoa física, e também de todos os outros seis diretores da instituição, foram incluídos no Cadin, cadastro federal de inadimplentes, órgão ligado ao Banco Central. Para resolver a situação e tentar viabilizar a mostra, a Bienal entrou na justiça: pede arbítrio jurídico para a questão e solicita que não seja considerada inadimplente enquanto a prestação de contas está sob análise. A expectativa é de que o judiciário se manifeste até a próxima semana.
"Todas as vezes em que foi solicitada uma informação ou uma defesa nós atendemos. Não temos nada contra o processo de prestação de contas. Queremos prestar contas. Mas não podemos fechar a Fundação enquanto eles analisam tudo", diz Martins. "É preciso achar um caminho para a instituição seguir funcionando enquanto essas coisas estão sendo discutidas." Em nota, divulgada na sexta-feira, o Minc limita-se a dizer que busca um entendimento com a Bienal. "A direção do MinC tem mantido contato aberto para que não haja prejuízo à realização do evento." Informalmente, a ministra Ana de Hollanda tem dito que não há perseguição por parte do ministério à Bienal.
É constante e estreita a relação da instituição com o governo federal. A Bienal sempre dependeu de vínculos com o MinC para viabilizar seus eventos: seja por meio de convênios seja por meio de Lei Rouanet. Nos últimos 12 anos foram cerca de 30 instrumentos dessa natureza. O alvo de questionamento pela CGU (Controladoria Geral da União) é um grupo específico de 13 convênios, celebrados entre 1999 e 2006. São repasses que totalizam R$ 32 milhões e foram utilizados para realizar diversas atividades: as bienais que ocorreram no período, reformas do prédio e as participações brasileiras nas bienais de Veneza. Segundo a CGU, "parte dos gastos realizados com o projeto não estão suportados por documentação comprobatória hábil ou não tem pertinência com o objeto estabelecido no termo de convênio".
Diálogo entrecortado. Após cada um desses convênios é necessário que se faça uma prestação de contas. Dos 13 convênios que são agora questionados, cinco já haviam sido aprovados. Os outros ficaram em análise. Pedidos de informações complementares, diz Martins, foram atendidos.
Heitor Martins assumiu em maio de 2009 e foi reeleito em dezembro de 2010. "Assim que tomei posse, recebemos 13 pedidos de informações relacionadas a esses projetos. Inclusive dos já aprovados, que foram reabertos", observa. Em um relatório de mais de 200 páginas, a CGU questionava os convênios e apontava uma série de irregularidades, como, por exemplo, despesas feitas fora do período de contrato e falta de licitação. "Todos os esclarecimentos solicitados foram enviados dentro do prazo. Depois, não tivemos notícias. Até outubro do ano passado." Foi então que a Fundação descobriu que havia sido incluída no cadastro de inadimplentes. De acordo com o diretor, não houve nenhuma notificação anterior, nenhum pedido de informação que não tivesse sido atendido.
É difícil entender como esses questionamentos foram encaminhados dentro do Ministério da Cultura; segundo revelou o Estadão.com.br em matéria do dia 28 de janeiro, embora alertada há pelo menos quatro anos pela CGU sobre as contas da Fundação Bienal, a pasta adiou a abertura de investigações contra a entidade - ao menos desde 2007, o órgão de auditoria do governo vem emitindo notas técnicas sobre supostas irregularidades. Parecer de setembro de 2011, da Diretoria de Gestão Interna, vinculada à Secretaria Executiva do MinC, sugeria ao secretário Vitor Ortiz a investigação de um prejuízo de R$ 7 milhões, pretensamente causado na execução do convênio 167/2003, para pré-produzir a 26ª Bienal.
Os recursos da Fundação já haviam sido bloqueados no final de 2011, em meio à exposição Em Nome dos Artistas, que comemorava os 60 anos da Bienal de São Paulo. "Era uma exposição com obras que valiam centenas de milhares de dólares e ficamos sem dinheiro até para enviar as obras de volta", conta Martins. Naquele momento, o processo específico responsável pelo status de inadimplente da fundação datava de 1999 e se referia aos recursos destinados pelo Ministério da Cultura para a reforma do telhado do prédio, que ruiu durante a realização da 24ª Bienal.
Para ter suas contas desbloqueadas, a Fundação concordou em devolver todo o dinheiro recebido à época - com juros, correção monetária e multa. "Poderíamos contestar na justiça. Todo o dinheiro foi, de fato, gasto na reforma do telhado. Não houve prejuízo do Estado", diz Martins. "Só que na hora que somos colocados na inadimplência, eles matam a gente. É quase uma coação: ou vocês pagam ou ficam sem dinheiro nenhum. A gente perde a chance de debater."
Regularizada essa situação, a entidade foi retirada da situação de inadimplente. Na sequência, porém, apareceram outros 12 processos semelhantes. E, em 2 de janeiro, a Bienal voltou a ser incluída na listagem de devedores do governo federal. "Foi por isso que agora entramos com a ação. Não poderíamos aceitar o mesmo tipo de acordo para todos os convênios. Vamos à justiça para nos defender", argumenta Salo Kibrit, um dos diretores da fundação.
Outro ponto questionado pela Bienal é o prazo dado pelo MinC para que os novos questionamentos sobre os antigos convênios sejam respondidos. A partir da primeira semana de novembro, começaram a chegar os pedidos de esclarecimentos. O último deles é de 23 de dezembro. Toda a documentação requisitada, contudo, deveria ser entregue até o dia 31 de dezembro. Sem direito a prorrogação de prazo. "É um emaranhado de prestação de contas super complexo. Precisamos de um prazo maior. Esses pedidos geram um fluxo que paralisa a instituição inteira", diz Martins.
CRONOLOGIA
Teto do prédio da Bienal desaba em 1999, durante a 24ª edição da mostra
Em 2000, evento é adiado por duas vezes. O curador Ivo Mesquita é demitido. O empresário Manoel Francisco Pires da Costa é eleito presidente da Fundação.
Em 2007, Pires da Costa é reeleito presidente pela terceira vez e se torna alvo de investigações do Ministério Público, que questiona o fato de ele ter contratado sua própria empresa como prestadora de serviços. O Conselho Fiscal da entidade reprova as contas; o então presidente faz um acordo com o MP e renuncia ao recebimento de R$ 840 mil.
A crise provoca o adiamento da Bienal de 2008. Em seu lugar, Ivo Mesquita, de volta ao posto de curador, propõe uma "reflexão sobre o vazio".
Em 2009, eleito presidente, Heitor Martins é chamado a dar esclarecimentos ao MP mesmo antes de tomar posse. Marcada para 4 de setembro, a próxima Bienal (30ª) tem curadoria do venezuelano Luis Pérez-Oramas, curador licenciado do MoMA/NY
Mostra enfoca ressurgimento do MAM com doação de acervo por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Mostra enfoca ressurgimento do MAM com doação de acervo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Foha de S. Paulo em 1 de fevereiro de 2012.
A primeira obra diz tudo: "Tempo Suspenso de um Estado Provisório" (2011), de Marcelo Cidade, é uma réplica de um dos cavaletes de Lina Bo Bardi (1914-1992) -criados para exibir o acervo do Masp, mas guardados na reserva do museu-, que no trabalho do artista está marcada por tiros de revólver.
Sarcasmo e trauma são facetas do trabalho de Cidade, que fala não só da violência urbana mas da violação que a obra de Bo Bardi sofre na atual disposição do Masp.
Pois é da violência e do trauma na história do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) que trata a mostra "O Retorno da Coleção Tamagni", cuja visitação se abre com a obra de Cidade.
A história é conhecida:
Ciccillo Matarazzo criou o MAM (1948) e depois a Bienal de São Paulo (1950), mas desistiu do primeiro e entregou sua coleção para a USP, que criou o MAC (1963), deixando o MAM sem acervo.
Pois a Coleção Tamagni é responsável pelo "ressurgimento" do MAM como museu, já que esse acervo foi recebido após a morte de Carlo Tamagni (1900-1966), colecionador e também conselheiro do espaço, e exibida na íntegra em 1968.
Os curadores Felipe Chaimovich e Fernando Oliva enfrentaram um grande desafio: mostrar uma coleção sem grande importância (ela está longe, por exemplo, das obras-primas da Coleção Nemirovsky, em comodato na Pinacoteca), apesar de contar com nomes significativos como Di Cavalcanti e Tarsila do Amaral.
O grande valor do acervo está no gesto da doação, que deu nova vida ao MAM.
De certa forma, é justamente isso que diz "O Retorno da Coleção Tamagni" ao apresentar documentos e correspondências do período como se eles também fossem obras e ao exibir trabalhos contemporâneos, como o de Cidade, para criar novas leituras.
E, finalmente, é inteligente o uso de "Máquina Curatorial", de Nicolás Guagnini, composta por paredes que se movem e permitem combinações distintas entre as obras.
Apesar de ser um tanto apelativa, já que se trata de um jogo de cartas marcadas, no qual a real participação do espectador é limitada a empurrar paredes, é em sua perversidade que a "Máquina Curatorial" ajuda a entender o que diz a exposição: o que está na parede não importa muito desde que alguém esteja passando por ali.
Agenda de Eventos
O retorno da Coleção Tamagni: até as estrelas por caminhos difíceis, Museu de Arte Moderna de São Paulo - MAM SP, São Paulo - SP, 13/01/2012 a 11/03/2012
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Delírio tropical por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Delírio tropical
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 31 de janeiro de 2012.
Novo documentário resgata gravações de áudio e imagens perdidas do artista Hélio Oiticica
"Março de 1974. Augusto de Campos, aqui fala Hélio Oiticica, em Nova York, 1h45 da madrugada. Estou fazendo um 'tape', esse 'tape' eu queria dedicar a você, porque a maioria do 'tape' é Jimi Hendrix. Sempre que eu ouço Jimi Hendrix eu me lembro de você. A plateia dele era diferente, a relação das pessoas com o corpo mudou muito e a relação também dos espectadores com o performer. Ao mesmo tempo em que ele era aclamado, era repudiado."
Nos anos em que viveu em Nova York, de 1970 a 1978, Hélio Oiticica, um dos fundadores do movimento neoconcreto, gravou divagações como essas em fitas cassete que mandou para amigos no Brasil, como Augusto e Haroldo de Campos, o cineasta Júlio Bressane e os artistas Carlos Vergara e Antônio Dias.
São conversas em tom confessional, reflexões sobre arte, música e proposições estéticas. Agora elas servem como espécie de trilha sonora para "Delirium Ambulatorium", documentário sobre o artista, morto aos 42 em 1980, que seu sobrinho, César Oiticica Filho, tenta terminar.
"É um filme contado em primeira pessoa, por ele mesmo", conta Oiticica Filho, sobre seu filme ainda sem previsão de estreia. "São suas visões da sociedade, é como ele analisa as coisas."
Numa produtora em Ipanema, no Rio, o diretor mostrou à Folha cenas do primeiro corte do filme. E também um vasto acervo de imagens ressurgidas agora, depois de três anos de buscas intensas.
"Essa pesquisa vai além do filme, nunca vamos conseguir mostrar tudo isso", diz Oiticica Filho. "Estamos num ponto crítico do documentário, que é conseguir todas as autorizações de imagens."
ACHADOS E PERDIDOS
A voz de Oiticica em entrevistas, conversas com amigos e nas "Heliotapes", como Haroldo de Campos batizou as fitas gravadas, sublinha imagens raras -muitas delas estavam perdidas até hoje.
Suas reflexões sobre Jimi Hendrix, por exemplo, e a ideia de que o músico transformou música em experiência, "uma coisa antropofágica mesmo", nas palavras do artista, vão de encontro à sua descrição da exposição que realizou na galeria Whitechapel, de Londres, em 1969.
"Essa foi sua experiência mais forte", diz Oiticica Filho. "Isso é a maior coisa que a gente queria encontrar."
Antônio Venâncio, pesquisador de imagens do documentário, conta que tentou de todas as formas, sem êxito, ter acesso a um vídeo da rede britânica BBC, que na época fez uma reportagem sobre a mostra londrina.
"Fora do Brasil, as coisas também se perdem", conta Venâncio. "A Tate Modern tentou encontrar essas imagens e não conseguiu."
Mas chama atenção o que foi encontrado. Há imagens da intervenção "Devolver a Terra à Terra", de 1979, dele vestindo passistas da Mangueira com suas capas "Parangolé", e da performance coletiva "Apocalipopótese", que levou vários artistas ao aterro do Flamengo em 1969.
Essas últimas imagens não eram vistas desde os anos 90, quando os registros rumaram para uma mostra de Oiticica em Paris e nunca foram devolvidos pela curadoria.
Oiticica também aparece no primeiro registro filmado de que se tem notícia do
happening "Mitos Vadios", que o artista Ivald Granato fez na rua Augusta, em São Paulo, no fim dos anos 70. Nas imagens, ele surge de sunga e óculos de aviador na cabeça dançando e cantando.
Numa entrevista pouco antes de sua morte, em 1980, Oiticica fala sobre a origem e os desdobramentos de sua instalação "Tropicália", de 1967.
"Era uma espécie de ambiente", diz Oiticica, enquanto monta uma maquete de uma de suas obras. "Caetano Veloso gostou do nome e fez a música, daí nasceu o tropicalismo, que é uma posição estética sobre as coisas."
Na mesma conversa, ele sustenta que o tropicalismo vingou na música, mas ataca a forma como o movimento repercutiu nas artes visuais -uma "papagaiada do pop americano abrasileirado".
De certa forma, o novo filme dá maior lastro às declarações polêmicas do artista. Enquanto "HO", curta de Ivan Cardoso filmado em 1979, mostra o artista com sua obra, "Delirium Ambulatorium" casa as criações dele com sua fala, construindo uma espécie de diário visual.
Aquilo que sobrou do filme de Cardoso, aliás, é reaproveitado no filme de Oiticica Filho. "É a ideia de passar a experiência de como essa obra começa e por que ela vai tão longe", diz Oiticica Filho.
Houston conduz pesquisa sobre obra do artista
Num laboratório do departamento de restauro do Museu de Belas Artes de Houston estão latas de tinta encontradas no ateliê de Hélio Oiticica com anotações nos rótulos sobre seus processos de criação.
De certa forma, quase toda a obra de Oiticica já passou pelas mãos de Wynne Phelan, chefe de conservação do museu.
"Somos os nerds da arte", conta Phelan à Folha. "É preciso ser cientista e conhecer arte para acessar informações históricas presas em restos de tinta."
Quando Houston fez a primeira retrospectiva internacional do artista, há seis anos, Phelan foi escalada para restaurar as peças da exposição, como a "Série Branca", que depois pegaria fogo no incêndio que consumiu o espólio do artista no Rio em 2009.
Duas obras dele ainda estão em Houston, um "Metaesquema" e um "Relevo Espacial" comprados há cinco anos no pacote completo da coleção de Adolpho Leirner, um dos maiores acervos do concretismo brasileiro, pelo museu norte-americano.
Agora, Phelan e sua equipe estudam a fundo os materiais usados por Oiticica em seus quadros, na tentativa de reverter o impacto de intervenções equivocadas e saber como proceder caso reparos sejam necessários no futuro.
Usam radiografias e uma máquina capaz de identificar os elementos químicos na composição.
"Ele usava muito o vermelho, é por isso que há grandes quantidades de mercúrio em seus quadros", afirma Phelan. "Hélio construía tudo em camadas; mesmo as coisas mais simples são, na verdade, complexas."