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março 31, 2011
Sob o olhar turbulento da história por Luiz Zanin Oricchio, Estadao.com.br
Sob o olhar turbulento da história
Matéria de Luiz Zanin Oricchio originalmente publicada no caderno de cultura do Estadão.com.br em 31 de março de 2011.
Qual a relação de um filme com a realidade? A pergunta está sempre presente a cada vez que imagens em movimento são projetadas sobre uma tela. E a questão se torna mais urgente, em particular, se essa obra se intitula um "documentário". Queremos sempre saber se, em que medida, essas imagens dizem a "verdade" sobre o "real". Por isso o tema estará em discussão ao longo desse que é o mais importante festival de documentários do País, o É Tudo Verdade, criado e dirigido pelo jornalista Amir Labaki, que começa hoje.
O festival, em sua 16.ª edição, tem seu título inspirado no filme incompleto realizado por Orson Welles no Brasil. Na abertura, a exibição de The Black Power Mixtape, de Göran Hugo Olsson, sobre o movimento ativista negro nos Estados Unidos, no fim da década de 1960, começo dos 70. Início estupendo, sem dúvida, mas apenas um aperitivo para o cardápio completo, que terá um total de 92 documentários vindos de 29 países diferentes. Entre eles, 18 brasileiros inéditos, prova de que o gênero se encontra em grande fase no País.
Como não se perder em meio à maratona? Amir acha que é melhor não opinar nem eleger favoritos: "Todos esses títulos selecionados representam apenas 5% dos que se inscreveram; é um universo muito amplo, de modo que dar dicas seria um pouco como fazer a escolha de Sofia".
Para quem não se lembra do filme A Escolha de Sofia, de Alan Pakula, nele a personagem de Meryl Streep se vê obrigada a escolher entre dois filhos queridos, para salvar um e sacrificar o outro. Um dilema terrível, como o que acomete o diretor de um festival quando convidado a optar entre filmes selecionados.
Se Amir, compreensivelmente, prefere não citar títulos favoritos, não se nega a discutir uma espécie de linha geral que passa entre os filmes que serão apresentados este ano: "A novíssima safra me parece marcada por essa ênfase em captar sob a ótica privada as principais questões públicas, como o movimento pela democratização no Irã (A Onda Verde) e o fortalecimento do engajamento religioso (Posição Entre as Estrelas), para ficar em apenas dois exemplos. É como se houvesse agora uma síntese dialética entre a tendência intimista que era marcante na década de 1990 e a retomada social e política que se seguiu ao 11 de setembro".
Quer dizer: os cineastas voltaram a ter consciência de que não adianta as pessoas não se interessarem pela política, porque a política sempre se interessa por elas. Não é pouca coisa.
Angela Davis, Stokely Carmichael, Malcolm X e Martin Luther King - os expoentes da luta dos negros norte-americanos pelos direitos civis estão presentes no filme de Göran Hugo Olsson, que abre o imenso painel documental proposto pelo É Tudo Verdade de 2011. Com imagens em preto e branco e um ritmo trepidante de apresentação, The Black Power Mixtape traz à memória o calor político dos anos 60 e 70, quando todas as soluções pareciam ao alcance de mãos que, muitas vezes, escolhiam a via da violência para alcançá-las. É interessante notar justamente a oposição entre o pacifismo de Martin Luther King e as propostas de luta armada de outras facções, como a dos Panteras Negras.
Essa sensação de captar os momentos em que a História parece fazer-se diante dos olhos do espectador se repete em diversos filmes dessa mostra. Com a sucessão de revoltas no mundo árabe, ganham grande atualidade filmes como Uma Odisseia Iraniana, A Queda de Um Xá e Onda Verde. Se o Irã de Ahmadinejad não deixa de causar preocupações no Ocidente, talvez esse conjunto de filmes traga um pouco de racionalidade à nossa percepção sobre o país. Neles temos, na sequência, o governo nacionalista de Mossadegh, a ascensão e a queda do xá Rheza Pahlevi e as eleições presidenciais de 2009 - esta captada em depoimentos, mas também em postagens em blogs, no Twitter e no Facebook. Um grande arco histórico que coloca o país ora em sintonia ora em dissonância com os países dominantes, em especial com os Estados Unidos. Na contraluz, o fato inescapável de ser o Irã uma das maiores reservas de petróleo do mundo.
Igualmente tenso e participante é o trabalho da russa Marina Goldovskaya, que ganha retrospectiva e é uma das convidadas do evento. Em seus filmes, Marina acompanha de perto o esfacelamento do império soviético e o nascimento de uma nova ordem, com Boris Yeltsin, o que não se dá sem grandes turbulências. Em seu O Gosto Amargo da Liberdade, Marina traça um retrato tanto intimista quanto político de sua amiga, a jornalista Anna Politkovskaya, assassinada em 2006. Na época, Putin declarou que o crime seria solucionado e os culpados punidos, apesar de Anna ser notória inimiga do regime. Até hoje o assassinato não foi esclarecido. Anna pagou caro ao denunciar as violações de direitos humanos cometidos por seu país na guerra da Chechênia.
"Na obra de Marina, o público vai encontrar um documentarismo quente, que registra o impacto sobre as pessoas comuns dos grandes movimentos da História (o fim da URSS, os primeiros passos da nova Rússia, de Yeltsin, Putin e Medvedev). Trata-se da primeira retrospectiva internacional mais ampla da obra de Marina, celebrando seu 70.º aniversário", diz Amir Labaki.
Como de certa forma o País passou ao largo das grandes turbulências mundiais, o documentário brasileiro oferece um panorama diverso. "É um momento de renovação no Brasil, estilística, geracional e temática. A hegemonia da tradição dos grandes temas histórico-culturais e das grandes personalidades não é mais tão marcante. A permeabilidade maior às outras artes, não como tema, mas como estratégias de linguagem, se apresenta com nova força também na produção nacional", explica Labaki.
Daí a presença de um filme como Assim É se Lhe Parece, em que Carla Gallo esmiúça o universo estético do artista plástico Nelson Leirner. Ou Aterro do Flamengo, em que Alessandra Bergamaschi monta sua câmera fixa na observação de um terrível fato do cotidiano e na reação das pessoas diante dele.
Circunstâncias políticas e históricas entram um tanto de viés num filme como Dois Tempos, em que Dorrit Harazim e Arthur Fontes revisitam a família do bairro da Brasilândia cujo cotidiano haviam registrado dez anos antes. É testemunho da ascensão do que se convencionou chamar de "nova classe média", um fenômeno econômico dos anos Lula. Contingências histórico-sociais entram de maneira mais clara ainda no tocante Vocacional, Uma Experiência Humana, em que Toni Venturi relembra seu tempo de aluno em um dos Colégios Vocacionais, experiência pedagógica libertária liquidada pela ditadura.
Se no âmbito dos brasileiros a temperatura parece um tanto morna, ela deve ferver no debate de lançamento dos DVDs de dois filmes de Newton Cannito, Jesus no Mundo Maravilha e Violência S.A. (este em parceria com Eduardo Benaim e Jorge Saad). A começar pelo título da mesa, A Verdade É uma Farsa (dia 5/4, às 19h30, na Livraria Cultura do Shopping Villa-Lobos), da qual participam o diretor, o pesquisador Jean-Claude Bernardet e o apresentador Marcelo Tas.
A ideia dos documentários é apresentar assuntos dolorosos (no caso a violência urbana) sob o formato humorístico. Os filmes fascinaram estudiosos como Bernardet, mas também causaram repulsa em outras pessoas. Ao propor o tratamento paródico de uma situação que envolve ex-policiais adeptos da pena de morte, um palhaço e uma mãe que teve seu filho morto pela polícia, o documentarista expõe-se opiniões controvertidas. Como a do cineasta Eduardo Escorel, que classifica a posição do cineasta, neste caso, como de "abuso de poder". E a de Bernardet, que considera Jesus no Mundo Maravilha inovador ao introduzir a ironia no domínio do documental e aceitar que vivemos de modo inevitável na sociedade do espetáculo.
Discussões polêmicas, que envolvem a ética do diretor em relação aos personagens e prometem muito calor ao debate - e, com sorte, alguma luz também.
As principais apostas
Academia de Boxe
Um dos mestres do documentário mundial, Frederick Wiseman observa o cotidiano de um ginásio de boxe no Texas. Filme cheio de ritmo, envolvente, apresenta a academia como uma democracia racial e de classes.
Uma Odisseia Iraniana
Maziar Bahari mostra a luta do primeiro ministro Mohammad Mossadegh pela nacionalização do petróleo iraniano. Terminou derrubado por um golpe de estado executado pela CIA.
Um Gosto de Liberdade
Em filme de 1991, Marina Goldovskaya apresenta os anos de esperança da perestroika, vistos pelos olhos de uma família russa: o jornalista de TV Sasha Politikovsky, sua mulher Anna e os filhos do casal. Anos depois, Anna seria assassinada, aparentemente por suas denúncias de abusos na guerra da Chechênia.
Brasileiros elegem temas diversificados
Se os temas políticos e ligados a grandes vultos já não dão as cartas nos documentários brasileiros, o fato é que eles não estão totalmente ausentes. Prova é um dos filmes mais aguardados, Tancredo, a Travessia, de Silvio Tendler, um dos mais conhecidos documentaristas brasileiros. Desta vez, Tendler traça o perfil de Tancredo Neves, da sua ligação com Getúlio Vargas ao episódio da doença que o impediu de se tornar o primeiro presidente civil após o período militar. Mas a hora está mais para filmes como Dois Tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes. Os cineastas conseguem tal empatia com a família Braz, que levam os espectadores a participar de suas experiências, alegrias e frustrações. Ou Assim É se Lhe Parece, trabalho sensível e bem humorado de Carla Gallo sobre o artista plástico Nelson Leirner.
A Colômbia logo ali por Júlia Lopes, O Povo
A Colômbia logo ali
Matéria de Júlia Lopes originalmente publicada no caderno Vida & Arte do jornal O Povo em 31 de março de 2011.
Novo espaço na Cidade, Dança no Andar de Cima abre hoje com lançamento da exposição Mirador. Nela, vídeos de artistas contemporâneos da Colômbia, trazendo temas como violência e guerrilha, família e memória
Não deixe que a violência se torne banal: não se acostume. Nem Aquela que acontece no nosso espaço, nem a qualquer outra. “Todos os trabalhos têm a urgência de se apresentar, de mostrar um pedaço do realizador, aproximar a realidade colombiana. Ser sempre uma possibilidade de você tomar um susto”, descreve a artista visual cearense Simone Barreto sobre a exposição Mirador, que tem lançamento marcado para hoje, às 19 horas, e está sob sua curadoria. Nela, vídeos de artistas colombianos ocupam uma das salas do (também novo) espaço cultural que chama Dança no Andar de Cima.
Simone fez uma residência de três meses na Colômbia no ano passado, quando conheceu esses artistas em três cidades diferentes: Cali, Bogotá e Medellín. Foram eles as primeiras escolhas, as obras vieram depois: “Muitos dos vídeos ainda estavam em processo quando conheci e decidi pelos artistas”. Agora, com todos os trabalhos finalizados, Simone identificou alguns temas recorrentes, como a dita violência, muito presente na realidade colombiana – drogas e guerrilhas, aliás, também configuram nos trabalhos. “Com esses trabalhos, eles tiram uma poeirinha da frente, deixam claro o que está no cotidiano deles”, detalha Simone.
Dentre eles, Edwin Sanchez. Funcionário da Polícia de Bogotá durante um ano, Edwin fez espalhar pela selva, do alto de um helicóptero, cédulas de peso, produzidas por ele, com fotos de procurados. Por sobre os supostos acampamentos, essas notas voavam e esperavam encontrar seu destino. Edwin também fez imagens e se apropriou de algumas delas que a Polícia produziu. “Foi um processo delicado, que levou um ano de negociação para a realização”, conta a curadora. No vídeo Desapariciones, desenhos de homens que foram presos e estão em processo de readaptação (a partir de um programa de Governo) revelam assassinatos, execuções, terrorismo e mutilação de corpos.
Edwin estará em Fortaleza, dia primeiro, falando sobre seu processo de criação (às 19 horas). Além dele, Daniel Santiago Salguero, Lina Rodriguez, David Escobar, Jim Fannkugen Salas, Guillermo Marin Rico e Wilson Diaz participam da mostra. Entre os vídeos, o de Salguero, em que gestos mínimos, suaves, como os dedos entre os cabelos, uma canção de amor, um sorriso de bebê. Ou o de Lina Rodriguez e Davi Escobar, um processo inacabado, talvez frustrado, de um vídeo com Victor, garçom que queria ser ator. Lina e Davi propuseram a Victor um projeto em que ele seria o diretor. Não deu certo, e o vídeo apresentado é uma mostra da “impossibilidade de juntar os intempestivos desejos de Victor com todo o método e técnica de Davi e Lina”.
No andar de cima
A casa de um pavimento só, numa faixa delicada – perto da Via Expressa, no começo da Aldeota – se propõe a ir além da exposição Mirador. Nela, outros amigos ocupam um dos seis quartos do Dança no Andar de Cima. “Cada cômodo vai ser ocupado por um artista ou uma dupla, no nosso cotidiano. Tem um estúdio de música, de design e um ateliê propriamente dito”, explica Simone.
SERVIÇO
EXPOSIÇÃO MIRADOR
Onde: Dança no Andar de Cima (rua Desembargador Leite Albuquerque, 1523A - Aldeota)
Quando: Hoje, às 19h. Visitação gratuita de 1º a 14 de abril, no período de 14h às 20h. A programação inclui ainda palestras e debates.
SAIBA MAIS
Um ônibus vai sair do Centro Cultural Banco do Nordeste (rua Floriano Peixoto, 941 - Centro) para levar o público até o endereço da mostra. Para mais informações: 3464 3108.
Dia 2, sábado, acontece a exibição do 7º Festival de Performance de Cali . Na segunda-feira, dia 4, acontece o debate sobre Imagem em Questão, na terça, 5, é a vez de Apresentação e Representação e na quarta, 6, conversa sobre Participação e Poética. De 2 a 6 de abril, a partir das 19 horas, a programação tem início com a exibição da série documental Lo URGENTE!.
IMPRESSÕES
Cali é como qualquer cidade média de um país do terceiro mundo. Seus achaques são quase os mesmos de Fortaleza que está no Brasil, mas Cali está na Colômbia e é a terceira maior cidade. A primeira é Bogotá: um bloco cinza, alto, no centro do país, incrustada na cordilheira oriental. A segunda é Medellín que até os anos novena viveu com Cali um violento embate: a sangrenta disputa entre o Cartel de Cali e o Cartel de Medellín. Toda a violência em nome de cultivos, mercado consumidor de drogas, terra, ideologias e dinheiro. A cidade como qualquer outra tem rotas proibidas. Partes do desenho do mapa são inacessíveis, não se pode percorrer, pois são ocupados por alguns grupos específicos.
Fonte: Texto de Simone Barreto
março 30, 2011
Exposição do pernambucano Carlos Melo inaugura nova galeria de arte em São Paulo, diariodepernambuco.com.br
Exposição do pernambucano Carlos Melo inaugura nova galeria de arte em São Paulo
Matéria originalmente publicada no caderno Viver do jornal Diario de Pernambuco em 28 de março de 2011.
A Galeria Mariana Moura (Recife) e a Galeria Laura Marsiaj (Rio de Janeiro) inauguram, nesta segunda-feira, um novo espaço para a arte contemporânea em São Paulo: a Galeria Moura Marsiaj. A exposição de abertura reúne trabalhos do artista pernambucano Carlos Melo, com curadoria de Cristiana Tejo (também de Pernambuco).
A Moura Marsiaj trabalhará com artistas que já são representados pelas duas galerias em suas cidades, mas que ainda não possuíam um espaço para mostrar suas obras permanentemente em São Paulo. Alguns artistas que trabalham com a Mariana Moura no Recife, como Marcelo Silveira e Gil Vicente, ficarão de fora do novo empreendimento, pois já estavam ligados a alguma outra galeria paulista. A proposta, portanto, é lançar novo nomes no mercado de arte paulistano.
Veja a lista de artistas representados em São Paulo pela nova Galeria Moura Marsiaj:
1. Alice Vinagre (PB Brasil)
2. Amanda Melo (PE Brasil)
3. Ana Elisa (SP Brasil)
4. Ana Miguel (RJ Brasil)
5. Arnaldo Antunes (SP Brasil)
6. Barbara Wagner (PE Brasil)
7. Bruno Vilela (PE Brasil)
8. Carlos Melo (PE Brasil)
9. Celina Yamauchi (SP Brasil)
10. Cristian Silva Avaria (Chile)
11. Daniel Murgel (RJ Brasil)
12. Edgar Martins (Macau)
13. Eduardo Kac (RJ Brasil)
14. Eudes Mota (PE Brasil)
15. Fabio Baroli (MG Brasil)
16. Gabriela Machado (RJ Brasil)
17. Jeanine Toledo (AL Brasil)
18. Kilian Glasner (PE Brasil)
19. Lucia Laguna (RJ Brasil)
20. Marta Chilindron (Argentina)
21. Paulo Vivacqua (ES Brasil)
22. Renata de Bonis (SP Brasil)
23. Waleria Américo (CE Brasil)
24. Walmor Correa (SC Brasil)
Leia texto da curadora Cristiana Tejo sobre a exposição de Carlos Melo:
O Corpo Barroco
"Sempre se pretende que a imaginação seja a faculdade de formar imagens. Ela é antes a faculdade de deformar as imagens fornecidas pela percepção, é sobretudo a faculdade de nos liberar das imagens primeiras, de mudar as imagens." Bachelard
O Corpo Barroco não nomeia esta exposição, titula apenas um dos trabalhos presentes, mas por sua capacidade singular de sintetizar as questões encarnadas em cada obra, ele é a via de entrada deste texto e da mostra individual de Carlos Mélo. Por sua vez, o todo da mostra é uma espécie de cume de um trajeto, um sumário amadurecido das discussões que movem esse artista. A pista mais óbvia é a própria forma eleita, o anagrama, que já evidencia um enxugamento das palavras que constantemente ocorriam em suas obras do início da década de 2000, por meio dos diagramas.
Palavras e imagem emparelhavam-se formando dípticos para mapear sentimentos e irradiar sentidos, e não para canalizar interpretações. A inversão das palavras, engendrada pelo recurso do anagrama, gera composições que vão enriquecendo a potência de sua proposição, estratégia indubitavelmente mais sofisticada. E esses enunciados estão por si, não se sustentam em nenhuma imagem nem dão sustentação a qualquer imagem.
Agradam-me sobremaneira a expectativa que essas palavras de ordem suscitam nos visitantes e seu consequente desmanche com o confronto com o que se apresenta. Não há referências explícitas ao Barroco histórico. Nem exuberância, nem rebuscamento, nem dramaticidade pungente e muito menos cromofilia. Todavia, subjazem alusões transversais a essa forma de sentir o mundo. Podemos entender, a partir do trabalho de Carlos Mélo, o Barroco como retomada de consciência do corpo em várias dimensões e tudo o que isso acarreta no embate com uma moralidade opressiva. A fricção de contrários que expressa desassossego e o enfrentamento da finitude e da imperfeição.
Sim, as tensões dos antagonismos sublinham os trabalhos e por vezes sentimos uma sensação de familiaridade (até mesmo de déjà-vu) e, ao mesmo tempo, de estranhamento com as imagens construídas, mas o resultado é ambiguidade, e não oposição. A limpeza e a mudez sugeridas nas fotos são uma aparente contradição com o que o Barroco representava. Não se trata de entulhamento de detalhes ou ornamentos, mas justamente abarrotamento de significados e densidade dos simbolismos.
Porém, lembremos que estamos diante de um anagrama, e Barroco pode se transformar em barro oco. O Corpo Barroco pode também ser corpo oco barro. Tanto o barro quanto o oco carregam matizes de voltagens semânticas. Podemos seguir por uma via universalista e rememorar que o barro tem uma conotação religiosa muito forte (como é notório o dito bíblico que afirma que o homem veio do barro) e que sua utilização para se construir artefatos é milenar e comum a muitas civilizações. Outro caminho nos leva a identificar o lugar de pertença de Carlos Mélo: a cidade de Riacho das Almas, nas cercanias de Caruaru, cidade bastião de marca identitária nordestina muito significativa, em que o barro é matéria de expressão concretizada em bonecos e esculturas. O mesmo procedimento de universalização e de localização pode ser adotado com a palavra oco. No dicionário significa vazio por dentro (poderia ser uma citação indireta ao conceito de corpo sem órgãos de Gilles Deleuze e Félix Guattari?) e também fim do mundo (novamente uma menção ao sentimento de deslocamento e de desterritorialização após o ato migratório do artista para a capital de Pernambuco). O famoso painel de Cícero Dias Eu Vi o Mundo... Ele Começava no Recife não nos deixa esquecer que enxergamos a existência e o mundo a partir de nosso local de origem e formação. Entretanto, o mundo não se encerra no local de origem, já que nossa perspectiva vai se adensando e se desdobrando com a incorporação de novos repertórios, novas paisagens e experiências no avançar da vida.
Esta mostra parece ainda apontar para um reencontro de questões que estavam sutilmente encobertas na produção de Carlos Mélo nos últimos anos: a espessura catártica de seu corpo. Tendo escolhido a performance como eixo de investigação principal sobre o corpo, o artista dedicou-se ultimamente a explorar as múltiplas formas dessa linguagem, em especial a transferência do fazer performance para atores ou pessoas dirigidas por ele. Essa vertente de experimentação está presente neste apanhado, mas impera sua presença física. Dessa maneira, fica ainda mais patente o desejo de performance, encontrado até mesmo nos desenhos. Importante salientar que a performance parece ser compreendida por Mélo como mecanismo ritual, uma forma de expurgar o que o desassossega, de materializar imagens internas e sentimentos, por vezes selvagens, por outras enformados na cultura do contemporâneo. Performance como vestígio. O tom ritualístico é enaltecido na sugestão de oferenda de um cão e da comida no dia da abertura e numa sequência de imagens que insinua um diálogo com a morte. Não é demais lembrar que oferenda também significa oferecer, inspirar um sentimento e agenciar. Por sua vez, oferecer pode ser desmembrado como apresentar sem proteção. Eu apenas acrescentaria apresentar-se sem proteção. Não é exatamente isso o que Carlos Mélo faz com este conjunto de trabalhos? Desnudar-se em todos os sentidos? Expor cruamente quais são suas intencionalidades artísticas? Nesse caso, o vídeo Nova Arte Moderna, feito em 2004, é exemplar tanto em oferecer um contraponto no tempo a esse rol de discussões como em evidenciar sua ética perante o corpo e a imagem. A tentativa de gerar formas com seu corpo no enquadramento precário do vídeo transparece uma singeleza de meios e uma complexidade de resultados que contrasta fortemente com a normalização e o consequente esvaziamento do uso do corpo e das tecnologias em boa parcela da produção artística atual. Observando o entorno, nota-se que a jornada informacional e tecnológica dos últimos anos tem desembocado numa horizontalização de questões que superficializa a produção. Voltando a observar Carlos Mélo, fica evidente que seu percurso tem firmado um lugar dissonante na Arte Contemporânea recente do Brasil.
Cristiana Tejo
Recife, março de 2011
Masp recebe nesta semana coleção com 2.000 peças de arte asiática por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Masp recebe nesta semana coleção com 2.000 peças de arte asiática
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 30 de março de 2011.
DE SÃO PAULO - Uma coleção de arte asiática, com cerca de 2.000 peças, será doada nesta semana ao Masp. São obras acumuladas nas últimas três décadas pelo diplomata brasileiro Fausto Godoy.
Garimpadas na Índia, na China, no Paquistão e no Japão, algumas dessas peças datam de 3.000 a.C..
Um contrato de comodato será firmado amanhã entre Godoy e o Masp, garantindo a permanência da coleção no museu pelos próximos 50 anos e a doação definitiva depois da morte de Godoy.
No museu, a ideia é que a coleção asiática tenha uma ala própria a partir de 2012. É mais provável que as obras ocupem o espaço no subsolo onde hoje funciona o restaurante.
Godoy começou a juntar as peças quando serviu na embaixada brasileira em Nova Déli, em 1984. Desde então, viveu em cidades como Tóquio, Islamabad e Pequim.
O Masp já avançou em negociações para incorporar ao acervo uma coleção de arte africana que seria doada por um colecionador paulistano.
Fronteiras do Pensamento terá oito palestrantes por Roberto Kaz, Folha de S. Paulo
Fronteiras do Pensamento terá oito palestrantes
Matéria de Roberto Kaz originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 30 de março de 2011.
Lista de conferencistas, que se apresentarão na Sala São Paulo, terá a presença do turco Orhan Pamuk
Projeto de conferências de intelectuais, criado em Porto Alegre, incluirá São Paulo em sua sexta edição
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman, autor de "Amor Líquido", e o filósofo francês Luc Ferry, que escreveu o best-seller "Aprender a Viver", estão entre os conferencistas da sexta edição do projeto Fronteiras do Pensamento.
O ciclo de palestras, que ocorrerá de maio a dezembro em São Paulo e Porto Alegre, teve a a parte paulistana da programação anunciada ontem, na Casa do Saber (ainda resta definir as datas para a capital gaúcha).
No total, serão oito conferências de uma hora e meia, espaçadas ao longo de oito meses, sempre às 20h30, na Sala São Paulo.
A lista de palestrantes ainda conta com o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis, referência mundial no estudo de neuropróteses, e o ensaísta suíço Alain de Botton, autor de "A Arquitetura da Felicidade", famoso por popularizar a filosofia em programas de televisão.
Todas as palestras serão mediadas por jornalistas (ver lista completa abaixo).
O professor Fernando Schüler, curador do seminário, comemorou o fato de trazer antigos sonhos de consumo, como o sociólogo Zygmunt Bauman: "Já fazia tempos que tentávamos contar com a presença dele, que finalmente concordou, aos 86 anos. Temos, a nosso favor, o fato de os intelectuais hoje serem mais ativos por mais tempo".
Schüler também destacou a presença de Alain de Botton ("Um filósofo quase da geração Y, que prefere falar de nosso tempo hiperconectado a citar cânones como a Escola de Frankfurt."), e de Luc Ferry que, quando Ministro da Educação da França, entre 2002 e 2004, proibiu o uso de véus e outros símbolos religiosos em escolas públicas do país.
"Além disso, contaremos com a presença de três prêmios Nobel", destacou o curador, referindo-se ao ex-presidente polonês Lech Walesa, à juíza iraniana Shirin Ebadi -ambos laureados com o Nobel da Paz- e ao escritor turco Orhan Pamuk, vencedor do prêmio em Literatura.
"Mas a participação dos palestrantes não se resume aos seminários. Queremos que eles gerem pautas culturais para o ano inteiro", acrescentou.
PASSAPORTE
Criado em 2006, em Porto Alegre, o Fronteiras contou, em edições passadas, com mais de 80 palestras de intelectuais variados, como o jornalista Tom Wolfe, o compositor Philip Glass e o cineasta David Lynch.
No ano passado, o projeto -então dividido entre Porto Alegre e Salvador- recebeu o lendário líder estudantil de Maio de 1968, Daniel Cohn-Bendit, e o prêmio Nobel de literatura, Mario Vargas Llosa. Em 2011, pela primeira vez, as palestras ocorrerão também em São Paulo.
O passaporte para todas as palestras pode ser adquirido no site Ingresso Rápido, por valores que variam de R$ 1.640,00 (mezanino) a R$ 1.960,00 (plateia). (Schüler diz que, à diferença do que ocorre na Flip, a Festa Literária de Paraty, os participantes do Fronteiras são remunerados, o que encarece os bilhetes.)
Não é possível comprar para conferências individuais.
março 29, 2011
Bienal do Mercosul deve reunir obras de 100 artistas, Estadão.com.br
Bienal do Mercosul deve reunir obras de 100 artistas
Matéria originalmente publicada no caderno de cultura do Estadão.com.br em 29 de março de 2011.
Uma Bienal não é um cineclube, uma enciclopédia, um arquivo, uma feira de arte, um museu. Essas são algumas das afirmativas - e críticas - do colombiano José Roca levadas em conta para conceber o projeto geral da 8.ª Bienal do Mercosul, da qual é o curador-geral. A mostra, a ser inaugurada em 9 de setembro e que se estenderá até 15 de novembro, em Porto Alegre, terá a participação de cerca de 100 artistas, "70% deles, da América Latina", diz Roca - e nessa equação o Brasil vai prevalecer. Os criadores convidados serão anunciados apenas em maio, mas os curadores da 8.ª edição já fecharam mostras e atividades.
Orçada em cerca de R$ 18 milhões, a 8.ª Bienal do Mercosul, sob o título Ensaios de Geopoética, tem como tema a questão do território, sobre a ideia de Estado e Nação, informa Roca. "Um tema é uma estratégia, é um jeito de atuar em um território", afirma o curador colombiano.
Esta edição vai homenagear o chileno Eugenio Dittborn (com mostra no Santander Cultural e itinerâncias) e ainda contará com as seções Cadernos de Viagem (em que artistas vão criar seus trabalhos inspirados em experiências em cidades gaúchas como Pelotas e Caxias do Sul, por exemplo, e apresentar também suas obras em instituições desses locais); Cidade Não Vista (uma proposta diferente de arte pública, com criações de caráter sensorial em nove prédios de Porto Alegre); Continentes (de residências artísticas no RS); Além Fronteiras (mostra de caráter histórico, com curadoria de Aracy Amaral); Geopoéticas (exposição principal com trabalhos de cerca de 60 artistas, no Cais do Porto); e terá ainda a Casa M, espaço dedicado a palestras e intervenções artísticas, a partir de 24 de maio. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Ana de Hollanda fala a jornal sobre polêmicas no MinC e diz que reações a ela são 'violentas', O Globo
Ana de Hollanda fala a jornal sobre polêmicas no MinC e diz que reações a ela são 'violentas'
Matéria originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 27 de março de 2011.
RIO - Alvo de pesadas polêmicas no ministério da Cultura, Ana de Hollanda admitiu que as reações a ela estão sendo ainda mais violentas do que imaginava ao assumir a pasta, em janeiro. Em entrevista ao jornal " O Estado de São Paulo" deste domingo, a ministra comentou as principais polêmicas de sua curta e já turbulenta gestão, como a retirada da licença Creative Commons do site do MinC, suas supostas ligações com o Ecad, ou os protestos contra a aprovação de captação de verba de R$ 1,3 milhão para Maria Bethânia criar um blog de poesia.
"Por mais que tentemos esclarecer que estamos estudando as questões, as pessoas querem respostas imediatas", defendeu-se Ana de Hollanda, que considerou "muito estranha a gritaria" que a retirada do Creative Commons causou. "Aquele selo era uma propaganda dentro do site do MinC. Não existe a possibilidade de você fazer propaganda ali. A responsável agora sou eu e eu não podia permitir que isso continuasse", disse ela.
Caetano, sobre o caso do blog de Bethânia: 'É preciso defender os fortes contra os fracos'
O Creative Commons (CC) é uma licença jurídica criada para atualizar o direito autoral frente às mudanças no consumo cultural trazidas com a popularização da internet. Foi adotada pelo MinC na gestão de Gilberto Gil, durante o governo Lula. Ele modifica o mote do copyright de "todos os direitos reservados" para "alguns direitos reservados" - ou seja, cabe ao autor determinar, em sua obra, o que será ou não liberado para o público, desde que a fonte seja devidamente preservada. Ana de Hollanda, porém, enxerga a questão de outro modo. "A democratização é possível sempre, mas ela tem de prever também o pagamento àqueles que criam. Um autor de um livro que trabalha dez anos com pesquisa vive disso. O direito autoral é o salário dele", afirmou.
A polêmica gerada após a aprovação, via Lei Rouanet, para Maria Bethânia captar R$ 1,3 milhão para a criação de um blog de poesia, não passou de "tempestade em copo d'água". "Projetos assim são aprovados mensalmente", disse. Mas admitiu que, no modelo atual da lei, são os departamentos de marketing das grandes empresas quem conduzem a política cultural do Brasil. "Quando falamos da necessidade da cultura ser autossustentável, vejo como a Lei Rouanet foi prejudicial. E para os artistas se inserirem nisso, precisam ter o nome forte. Agora, uma atividade mais experimental, nova, que não estiver no gosto do mercado, vai ter uma difícil aceitação. A Lei Rouanet viciou o mercado a trabalhar só através dela", disse.
março 28, 2011
'Também tenho fígado' por Caetano Veloso, O Globo
'Também tenho fígado'
Matéria de Caetano Veloso originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 27 de março de 2011.
RIO - Não concebo por que o cara que aparece no YouTube ameaçando explodir o Ministério da Cultura com dinamite não é punido. O que há afinal? Será que consideram a corja que se "expressa" na internet uma tribo indígena? Inimputável? E cadê a Abin, a PF, o MP? O MinC não é protegido contra ameaças? Podem dizer que espero punição porque o idiota xinga minha irmã. Pode ser. Mas o que me move é da natureza do que me fez reagir à ridícula campanha contra Chico ter ganho o prêmio de Livro do Ano. Aliás, a "Veja" (não, Reinaldo, não danço com você nem morta!) aderiu ao linchamento de Bethânia com a mesma gana. E olha que o André Petry, quando tentou me convencer a dar uma entrevista às páginas amarelas da revista marrom, me assegurou que os então novos diretores da publicação tinham decidido que esta não faria mais "jornalismo com o fígado" (era essa a autoimagem de seus colegas lá dentro). Exigi responder por escrito e com direito a rever o texto final. Petry aceitou (e me disse que seus novos chefes tinham aceito). Terminei não dando entrevista nenhuma, pois a revista (achando um modo de me dizer um "não" que Petry não me dissera - e mostrando que queria continuar a "fazer jornalismo com o fígado") logo publicou ofensa contra Zé Miguel, usando palavras minhas.
A histeria contra Chico me levou a ler o romance de Edney Silvestre (que teria sido injustiçado pela premiação de "Leite derramado"). Silvestre é simpático, mas, sinceramente, o livro não tem condições sequer de se comparar a qualquer dos romances de Chico: vi o quão suspeita era a gritaria, até nesse pormenor. Igualmente suspeito é o modo como "Folha", "Veja" e uma horda de internautas fingem ver o caso do blog de Bethânia. O que me vem à mente, em ambas as situações, é a desaforada frase obra-prima de Nietzsche: "É preciso defender os fortes contra os fracos." Bethânia e Chico não foram alvejados por sua inépcia, mas por sua capacidade criativa.
A "Folha" disparou, maliciosamente, o caso. E o tratou com mais malícia do que se esperaria de um jornal que - embora seu dono e editor tenha dito à revista "Imprensa", faz décadas, que seu modelo era a "Veja" - se vende como isento e aberto ao debate em nome do esclarecimento geral. A "Veja" logo pôs que Bethânia tinha ganho R$ 1,3 milhão quando sabe-se que a equipe que a aconselhou a estender à internet o trabalho que vem fazendo apenas conseguiu aprovação do MinC para tentar captar, tendo esse valor como teto. Os editores da revista e do jornal sabem que estão enganando os leitores. E estimulando os internautas a darem vazão à mescla de rancor, ignorância e vontade de aparecer que domina grande parte dos que vivem grudados à rede. Rede, aliás, que Bethânia mal conhece, não tendo o hábito de navegar na web, nem sequer sentindo-se atraída por ela.
Os planos de Bethânia incluíam chegar a escolas públicas e dizer poemas em favelas e periferias das cidades brasileiras. Aceitou o convite feito por Hermano como uma ampliação desse trabalho. De repente vemos o Ricardo Noblat correr em auxílio de Mônica Bergamo, sua íntima parceira extracurricular de longa data. Também tenho fígado. Certos jornalistas precisam sentir na pele os danos que causam com suas leviandades. Toda a grita veio com o corinho que repete o epíteto "máfia do dendê", expressão cunhada por um tal Tognolli, que escreveu o livro de Lobão, pois este é incapaz de redigir (não é todo cantor de rádio que escreve um "Verdade tropical"). Pensam o quê? Que eu vou ser discreto e sóbrio? Não. Comigo não, violão.
O projeto que envolve o nome de Bethânia (que consistiria numa série de 365 filmes curtos com ela declamando muito do que há de bom na poesia de língua portuguesa, dirigidos por Andrucha Waddington), recebeu permissão para captar menos do que os futuros projetos de Marisa Monte, Zizi Possi, Erasmo Carlos ou Maria Rita. Isso para só falar de nomes conhecidos. Há muitos que desconheço e que podem captar altíssimo. O filho do Noblat, da banda Trampa, conseguiu R$ 954 mil. No audiovisual há muitos outros que foram liberados para captar mais. Aqui o link: http://www.cultura. gov. br/site/wp-content/up loads/2011/02/Resultado-CNIC-184%C2%AA.pdf . Por que escolher Bethânia para bode expiatório? Por que, dentre todos os nossos colegas (autorizados ou não a captar o que quer que seja), ninguém levanta a voz para defendê-la veementemente? Não há coragem? Não há capacidade de indignação? Será que no Brasil só há arremedo de indignação udenista? Maria Bethânia tem sido honrada em sua vida pública. Não há nada que justifique a apressada acusação de interesses escusos lançada contra ela. Só o misto de ressentimento, demagogia e racismo contra baianos (medo da Bahia?) explica a afoiteza. Houve o artigo claro de Hermano Vianna aqui neste espaço. Houve a reportagem equilibrada de Mauro Ventura. Todos sabem que Bethânia não levou R$ 1,3 milhão. Todos sabem que ela tampouco tem a função de propor reformas à Lei Rouanet. A discussão necessária sobre esse assunto deve seguir. Para isso, é preciso começar por não querer destruir, como o Brasil ainda está viciado em fazer, os criadores que mais contribuem para o seu crescimento. Se pensavam que eu ia calar sobre isso, se enganaram redondamente. Nunca pedi nada a ninguém. Como disse Dona Ivone Lara (em canção feita para Bethânia e seus irmãos baianos): "Foram me chamar, eu estou aqui, o que é que há?"
Ásia no Masp por Antonio Gonçalves Filho, Estadão.com.br
Ásia no Masp
Matéria de Antonio Gonçalves Filho originalmente publicada no caderno de cultura do Estadão.com.br em 28 de março de 2011.
Coleção de arte asiática do diplomata Fausto Godoy vai ser cedida em comodato ao museu, que ganha novo status com o raro acervo
O Museu de Arte de São Paulo (Masp), conhecido por seu bilionário acervo de grandes mestres europeus (Rafael, Goya, Velázquez, Cézanne, Van Gogh, Picasso), está prestes a ganhar a mais valiosa coleção asiática do Brasil. Nesta quinta-feira, o diplomata Fausto Godoy assina com a direção do museu um contrato para a cessão de sua coleção, iniciada um ano após ser convidado a assumir um posto na embaixada do Brasil em Nova Délhi, em 1983. Desde então, Godoy ocupou cargos oficiais nas embaixadas de Nova Délhi, Pequim, Tóquio e Islamabad, além de ter cumprido missões transitórias no Vietnã e em Taiwan. Todo esse percurso ajudou a construir esse acervo de valor inestimável que deverá ser instalado, a partir de 2012, no espaço hoje ocupado pelo restaurante Degas, no subsolo do museu.
Sem exagero, trata-se de uma coleção que vai colocar o Masp no patamar do Metropolitan de Nova York. O museu integra desde 2008 o "Clube dos 19", que congrega os 19 museus com os melhores acervos da arte europeia do século 19, como o Museu D"Orsay, o Instituto de Arte de Chicago e o próprio Metropolitan. De imediato, Godoy entrega em comodato por 50 anos quase 2 mil peças que resumem séculos de história das civilizações asiáticas. Seu empenho, diz o diplomata, é "criar massa crítica no Brasil para o continente que se afigura como o mais importante do século 21". Assim, não se trata apenas de doar uma coleção construída nas últimas três décadas, mas de estabelecer o marco zero de um futuro centro de estudos asiáticos. Aos 65 anos, Godoy diz ter canalizado para o continente asiático sua carreira na diplomacia por estar convencido do papel que países como a China, a Índia e o Japão iriam representar no século 21. "Mais da metade da população vive ali", lembra o diplomata, concluindo: "É fundamental nossa interação com esses países, cujo papel é decisivo na formatação do mundo globalizado".
O Masp aceitou a condição imposta por Godoy para o comodato com testamento anexado: a de ter um curador permanente para a coleção, ponto de partida para um objetivo maior, o de ensinar aos brasileiros como o antigo convive com o contemporâneo nessas culturas, que não enxergam a arte compartimentada como no Ocidente. Essas 2 mil peças da coleção de Godoy integram um catálogo abrangente das civilizações asiáticas que abarca desde um Narasimha, quarto avatar do deus Vishnu - primeiro objeto adquirido pelo diplomata num antiquário de Nova Délhi, em 1984 - até mangás japoneses, passando por gravuras Ukiyo-e do século 19, peças de mobiliário, objetos de porcelana chinesa e até um Buda do século 6.º em tamanho natural.
Curador-chefe do Masp, o professor e crítico Teixeira Coelho mostra-se entusiasmado com a perspectiva de ampliação do museu que, no próximo ano, ganha um prédio exclusivo para a administração, ao lado de sua sede na Avenida Paulista. Para lá será transferido o restaurante e toda a parte burocrática do Masp. Antes, ainda sem data marcada, será realizada uma exposição com peças selecionadas do acervo cedido em comodato ao museu. Como Godoy é o maior conhecedor de sua coleção, ele será o curador da mostra. "Só colecionei obras de temas que conhecesse e não há uma só peça comprada por impulso apenas", diz o diplomata. "Com essa coleção, o museu ganha não só um acervo que o coloca ao lado do Metropolitan", diz Teixeira Coelho. "É quase como uma refundação do Masp", resume. A arte de civilizações antigas não é o forte da coleção do museu, mais conhecido por seu acervo de arte francesa dos séculos 19 e 20. "Temos 60 peças pré-colombianas e devemos receber uma coleção de arte africana", diz o curador, ressaltando a importância da coleção de 52 peças maiólicas (faiança italiana do Renascimento) que já integram o acervo.
"Nunca esqueci um livro de Etienne Souriau que fala da correspondência entre as artes e, justamente por acreditar que esta traz uma melhor compreensão do acervo do Masp, posso dizer que quanto mais cruzamentos entre culturas, melhor será para o público", observa o curador. Elogiando o serviço educativo do museu, coordenado por Paulo Portella Filho, o diplomata, que abriu as portas da Mostra do Redescobrimento para o mundo, diz que optou pelo Masp para doar sua coleção considerando o compromisso do museu com a educação. "Pensei em doar para uma universidade, mas as peças iriam morrer em salas que só acadêmicos veriam."
Família de super-homens por Paula Alzugaray, Istoé
Família de super-homens
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 25 de março de 2011.
Sergio Romagnolo/ textos de Agnaldo Farias e Oswaldo Corrêa da Costa/ Editora Martins Fontes/ R$ 98
Sergio Romagnolo pertence à família dos artistas que conversam com super-heróis. Como o clássico da videoarte, "Technology/Transformation: Wonder Woman” (1978), de Dara Birnbaum, ou como nas sagas western de Quentin Tarantino, as pinturas que Romagnolo realizou nos anos 80 do Capitão América hipnotizado ou do Batman emboscado em armadilhas são homenagens sombrias à indústria do entretenimento. A trajetória dos deuses, semideuses, santos e super-heróis que marcaram os 30 anos de carreira do artista paulistano é apresentada no livro que acaba de ser editado pela Martins Fontes.
Romagnolo começa seu trabalho pictórico no início dos anos 80, aos vinte e poucos anos, influenciado pelos desenhos animados e seriados das tardes da infância para a adolescência, segundo indica o critico Agnaldo Farias no texto O Corpo Denso da Imagem, produzido para o livro. Em sua primeira série de pinturas aparecem Batman e Robin em frames fora de registro. Essa representação juvenil – mas já vigorosa – da cultura de massa evolui para a criação de uma iconografia própria de heróis: em 1985, as telas de Romagnolo passam a ser povoadas por um casal de anti-heróis de face idêntica, olhar melancólico e postura corporal invariavelmente prostrada.
No final dos anos 80, a pintura de Romagnolo salta para a escultura e começa a perder contato com a figuração. Agora modelados em fibra de vidro ou plástico, seus personagens midiáticos entram em processo de transformação. O derretimento da imagem propiciado pela nova técnica traz à tona o interesse por santos e ícones religiosos e uma nova família de ídolos do imaginário contemporâneo: do tênis Mizuno à sandália Havaiana, passando pelo Fusca e instrumentos musicais, como “Piano com Pantufa”, de 2002 (foto).
Na última série de trabalhos, num surpreendente movimento de volta à pintura, o artista retoma a técnica usada em Batman para representar a Feiticeira. A heroína migra da tela da tevê dos anos 70 para as telas de Romagnolo de 2008 e ainda para um texto de autoria do artista, “A Feiticeira e as Máquinas”, cujo primeiro capítulo está reproduzido na monografia recém-publicada.
Feito à mão por Paula Alzugaray, Istoé
Feito à mão
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 25 de março de 2011.
Passagem secreta - Brígida Baltar/ Organizado por Marcio Doctors/ Editora Circuito/Gratuito
Na apresentação de “Passagem Secreta”, projeto contemplado pelo programa Conexão Artes Visuais, da Funarte, em 2010, o curador Marcio Doctors anuncia que o leitor tem em mãos um “livro-obra”. Realizada a quatro mãos entre o curador e a artista Brígida Baltar, a publicação tem de fato conceituação e projeto gráfico que escapam aos padrões e vêm propor uma qualidade diferente de leitura e contemplação. Além de cumprir seu papel de realizar uma monografia da obra artística de Brígida – com textos selecionados de nove críticos de arte brasileiros e estrangeiros e uma longa conversa entre artista e curador –, o livro traz dois ensaios visuais inéditos, criados durante o processo de produção editorial. Como resultado, esse livro-obra ganha a dimensão de uma gravura, uma obra gráfica, talhada à mão.
O primeiro aspecto que chama a atenção é o corpo da fonte escolhida para os textos: mínimo. Especialmente para os textos que se infiltram entre imagens, às vezes como notas subjetivas, às vezes contando historietas relativas à elaboração do trabalho, mas sempre acrescentando nova camada de informação à leitura da imagem.
A concentração exigida para a leitura inspira silêncio e remete ao mesmo estado curioso no qual mergulhamos quando somos impelidos a olhar pelo buraco da fechadura. Ou ao estado de torpor sugerido nas imagens em que a artista afunda o rosto em uma casa de abelha feita de tecido, se debruça sobre os buracos das paredes de sua casa, ou simula o movimento arredio das marias-farinhas que se escondem nos buracos da areia (foto).
Outro aspecto diferenciado do livro é a riqueza de diagramação das fotografias, que se movimentam página a página sem nenhuma monotonia, exigindo do leitor atenção total a cada detalhe. Toda essa organização minuciosa confabula a favor de uma entrada sutil e respeitosa na obra de Brígida. Como se entrássemos em sua casa.
A arte da ilusão por Nina Gazire, Istoé
A arte da ilusão
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 25 de março de 2011.
A íntima relação entre a arte e o teatro na obra da jovem Tatiana Blass
Tudo na natureza está em constante mudança, tudo é ilusão. A sentença do filósofo Heráclito se aplica perfeitamente ao trabalho de Tatiana Blass. Suas esculturas, de metal e parafina, não são feitas para durar. Elas derretem sob o calor de holofotes e o que resta, ao fim, é a obra incompleta, porém não inacabada. Nessas esculturas, que se comportam como performers, a parafina silencia a música quando é vertida sobre instrumentos em execução. Segundo Tatiana, tudo isso é “lembrança de que o que vale, na arte, é engano dos sentidos ou do pensamento”. Nesse jogo, o que acaba por ser revelado é a própria verdade da arte.
Quem não conhece o trabalho dessa jovem artista que, aos 31 anos, já participou da 29ª Bienal de São Paulo, em 2010, e foi indicada ao Nam June Paik Awards, em 2008, terá a oportunidade de conhecer trabalhos significativos dos últimos cinco anos, em exposição em São Paulo e depois em Brasília e Salvador. Entre 14 obras – pinturas, esculturas e um trabalho inédito em vídeo – destacam-se as telas “Teatro para Cachorros” e “Tapete Movediço – o Cachorro e o Padre”. Conhecida por invocar a imagem do cão em instalações, fazendo um misto de taxidermia e escultura, a artista aqui transfere a imagem do animal para a pintura.
Posicionados como silhuetas sombrias, os cães aparecem em planos translúcidos criados pela sobreposição de camadas de tinta. “Sempre refleti sobre o teatro; aqui o cão aparece como a figura de um ator impossível”, diz ela. O palco e o espetáculo são panos de fundo recorrentes em produções da artista, como a série “Metade da Fala ao Chão”, um trompete incapaz de emitir sons. Disso é feita a arte de Tatiana: as falhas e os erros como revelação de uma outra possibilidade para se apreender o real.
Fotografia de Thomaz Farkas provocou nova maneira de ver por Rubens Fernandes Junior, Folha de S. Paulo
Fotografia de Thomaz Farkas provocou nova maneira de ver
Análise de Rubens Fernandes Junior originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 28 de março de 2011
Na última sexta-feira, a fotografia brasileira perdeu o seu maior entusiasta: Thomaz Farkas (1924-2011)..
Também o cinema perdeu a inteligência e a sensibilidade de um dos nomes mais emblemáticos da imagem criativa da segunda metade do século 20. Trabalhamos juntos na Coleção Pirelli-Masp por 20 anos e em muitas outras oportunidades.
Desde o início dos anos 1940, quando participa do Foto Clube Bandeirante, sua vida foi pautada pela criação e propagação da fotografia brasileira. Em 1949, realiza a primeira exposição de fotografia do Masp.
No começo dos anos 1970 publica uma revista mensal que durante anos foi referência para toda uma geração de fotógrafos brasileiros. Em outubro de 1979, concretiza a Galeria Fotóptica, especializada em fotografia.
Tornou-se um empreendedor cultural muito antes da era dos patrocínios e dos burocratas da cultura.
Também foi professor da USP, presidente da Cinemateca Brasileira e membro do Conselho da Bienal Internacional de São Paulo.
Ele sempre explicitou sua preferência pela fotografia documental e pelo fotojornalismo. Com sabedoria, defendia a fotografia como uma possibilidade de expressar as emoções humanas.
Sua simplicidade de análise significava que, independentemente dos procedimentos utilizados, a imagem jamais deveria estar associada a justificativas e explicações, pois qualquer tipo de verbalização retira da fotografia o seu mistério. "A fotografia emociona ou não emociona", dizia.
Sabemos hoje que Farkas foi um dos mais criativos fotógrafos da chamada Escola Paulista, mas, ao assumir a direção da Fotóptica, centrou sua energia num arrojado projeto de fortalecimento da marca durante décadas.
Imerso neste mundo do trabalho, sem nunca se desvincular do cinema e da fotografia, seu trabalho fotográfico reaparece somente nos anos 1990 e se insere definitivamente na cronologia da fotografia brasileira.
AMADOR
Após exibir, valorizar e publicar centenas de fotógrafos é que, timidamente, resolveu mostrar sua produção. Aparentemente um paradoxo, mas na realidade isso evidencia sua personalidade generosa e seu caráter ético. Sempre se assumiu como um fotógrafo amador. Amador na essência etimológica mais expressiva -aquele que ama o que faz.
Valorizava a fotografia instintiva, intuitiva, consciente de que "enquadrar é eliminar tudo aquilo que está atrapalhando". Basta ver seus trabalhos em exposição no Instituto Moreira Salles, em São Paulo, para entender com mais clareza suas ideias.
Quando há um formalismo construtivo dominando a imagem, ela é pontuada por geometria e beleza, equilíbrio e leveza, ou seja, aquilo que ele defendia como sendo uma "visão essencial". Sua fotografia transita pelas linhas diagonais, que geram assimetrias e ordenações rítmicas vertiginosas. A obra fotográfica de Thomaz Farkas tem uma surpreendente coerência interna, porque articula uma ordem formal na desordem dos signos cotidianos.
Ele produz uma fotografia direta que provoca uma nova maneira de ver, capaz de desorientar os sentidos e nos conduzir a estranhos silêncios. A renovação é a tônica do seu trabalho porque, além de situar a fotografia no terreno da expressão artística, interroga-a permanentemente.
Um diferenciado conjunto visual, carregado de emoção, que se transformou numa das experiências mais criativas da fotografia brasileira.
Perdemos Thomaz Farkas, um amigo carinhoso que vivia sob o signo intenso da paixão, mas suas lições e suas fotografias estarão presentes para todo o sempre em nossas memórias. Viva! Viva a fotografia!
Rubens Fernandes Junior é pesquisador e crítico de fotografia
março 25, 2011
Exposição em São Paulo apresenta obra de 15 artistas do Ceará, Estadão.com.br
Exposição em São Paulo apresenta obra de 15 artistas do Ceará
Matéria originalmente publicada no caderno de cultura do Estadão.com.br em 24 de março de 2011.
Mostra fica em cartaz até dia 27 de maio em galeria da Vila Madalena, na zona oeste da capital
O trabalho de quinze artistas cearenses estará reunido na exposição A 4 graus do equador, a partir do dia 26, no Ateliê397, na Vila Madalena, zona oeste de São Paulo. A mostra, cujo nome faz referência à localização do estado nordestino, terá abertura com participação dos DJs Jackson Araujo, AD Ferrera e Tiago Guiness, além da apresentação dos músicos Fernando Catatau (da banda Cidadão Instigado) e Jonnata Doll, que tocarão juntos. Todas as peças estarão à venda e a exposição fica em cartaz até 27 de maio.
"A escolha por reunir artistas cearenses não é por acaso. Diante da profusão de discursos sobre o acelerado processo de institucionalização da arte, a voracidade com que o mercado atua e sua crescente internacionalização se torna necessário para o Ateliê397 investigar o cenário artístico de Fortaleza", afirma Carolina Soares, uma das sócias do Ateliê397. "Nesta mostra entram em cena debates sobre a produção artística que não é pautada por um circuito protolocado ou sobre a ausência de instituições de arte capazes de fomentar a reflexão crítica e agenciar sua circulação", acrescenta.
Ao longo da exposição, o Ateliê397 realiza duas Sessões Corredor, uma programação já regular, em que são projetados trabalhos de vídeoarte no corredor central do espaço. Uma acontece no dia 02 de abril (às 20h), com a apresentação de três vídeos que integram a Trilogia da Deriva, realizados por Alexandre Veras. São eles: Marahope 14/07 (2006), Partida (2007) e O Regresso de Ulisses (2008). Após a apresentação dos vídeos haverá conversa com o artista.
A outra acontecerá no dia 07 de maio (também às 20h), com a apresentação do filme Sábado à noite, realizado por Ivo Lopes. São imagens noturnas sobre a cidade de Fortaleza que resultam de uma percepção do indivíduo a partir da relação estabelecida com o lugar.
Possibilidades acústicas por André Valença, Diario de Pernambuco
Possibilidades acústicas
Matéria de André Valença originalmente publicada no caderno Viver do jornal Diario de Pernambuco em 25 de março de 2011.
Foi de um verso de Fernando Pessoa que o artista multimídia Lucas Bambozzi (SP) tirou a razão de ser da sua instalação sonora na exposição ECO, que estreia amanhã, às 15h, e segue até o dia 29, abrindo das 13h às 17h. ´O essencial é saber ver`, diz o verso, de forma alguma contrariando essa amostra de sons, que reúne quatro obras de três estados.
Disposta a abrir os olhos do espectador para os conceitos de sonoridade, espaço-temporalidade e imagem, a ECO traz, além de Bambozzi, as obras de Ricardo Carioba (SP), Thelmo Cristovam (PE) e do grupo Chelpa Ferro (RJ), composto por Barrão, Luiz Zerbini e Sérgio Mekler.
Os trabalhos estarão expostos na Estação Cultural Senador José Ermírio de Moraes, um casarão moderno, dos anos 1950, na beira-mar de Piedade, em Jaboatão dos Guararapes. ´O modernismo é indigesto`, define Bambozzi, ´o aconchego vem pela acústica também e, no modernismo, ela não é uma prioridade`. Desta forma, o antigo casarão torna-se não apenas um desafio para as instalações, mas uma tela em brancode possibilidades acústicas.
´Meu trabalho é criado em cima da arquitetura da casa`, afirma Carioba, que criou um ambiente iluminado de azul, com sons intensos e dominadores que dão a impressão de submersão. ´Os sons são como uma representação sonora do mar, como se você estivesse dentro da dinâmica da onda`, explica.
Já o Chelpa Ferro se preocupou mais com o objeto do trabalho. Eles construíram dois dispositivos: um munido de altofalantes, e o outro, de lâmpadas. Cada caixa do primeiro aparelho emite um som que tem uma correspondência luminosa no segundo. ´O nosso trabalho tem a ver com comunicação. Dentre os sons, têm vozes perdidas, código morse, pulsação, sonares, transmissões...`, diz Sérgio Mekler.
Bambozzi também se utiliza da dinâmica da comunicação, quando cria uma sala com uma projeção audiovisual e microfones. Quanto mais barulho faz o espectador, mais ruidosa fica a imagem. O falante também escuta o que diz vindo de fora da sala, onde tem um amplificador reproduzindo tudo.
O pernambucano Thelmo Cristovam fez um pouco diferente de todos. Em vez do som ser aberto, está contido em fones de ouvido, que captam as minúncias sonoras e quase impeceptíveis, como a do laguinho da casa, e as maximiza e faz remixes. O trabalho é sugestivamente instalado na cozinha, como se os sons fossem partículas pequenas, uma analogia com os microrganismos que habitam aquele espaço.
Para Carioba, as instalações artísticas, como é o caso do que está sendo exposto na ECO, são muito importantes, visto que põem em xeque conceitos clássicos de arte.
Paulo Pasta e a moradia da cor por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Paulo Pasta e a moradia da cor
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 25 de março de 2011.
Pintor expõe no Centro Maria Antônia, que ainda exibe as obras de Anri Sala, Bartolomeo Gelpi, Júnior Suci e Zocchio
Casa de ferreiro, espeto de pau. Com esse ditado popular o pintor Paulo Pasta sintetiza uma recente descoberta em sua trajetória, iniciada na década de 1980 - a cor é a "praia" de sua pintura, o desafio prazeroso. "Antes o buraco do meu trabalho era pensar: ‘O que pintar?’ Entendi que não é o tema, mas que meu negócio é a cor, ela é minha casa", diz o artista, que exibe no Centro Universitário Maria Antônia a mostra Sobrevisíveis, com série de novas pinturas. Nelas, as cores têm uma passagem por vezes mais silenciosa, por outras, surpreendentemente, são como "um forte sussurro" - expressão do pintor Eduardo Sued - em composições feitas a partir de uma estrutura similar e simples, a de três regiões formadas na tela a partir da criação de ‘cruzes’.
Certa vez, o escultor Amilcar de Castro escreveu uma dedicatória a Paulo Pasta dizendo que "o silêncio é a moradia da cor" - e ainda depois, afirmou que a pintura do artista era "uma reza". Outro mestre, Sued, garantiu que "Paulo é o sobrevisível de coisas não visíveis". O título da exposição, Sobrevisíveis, vem daí, da afirmação que aparece no documentário de Pedro Paulo Mendes sobre Pasta e em exibição também no Maria Antônia. No caminho trilhado pelo pintor para nos apresentar essas "coisas não visíveis", Paulo Pasta já se valeu, pela "necessidade de dar ordem", de esquemas de "formas singelas, nem abstratas, nem figurativas", afirma o crítico Ronaldo Brito, feitos a partir de ogivas, "lápis apontados", peões, cálices, até chegar à mais pura e complexa estrutura das cruzes, iniciada em 2007.
Deu-se conta, afinal, que é a cor que confere a "indeterminação, a instabilidade" - a marca contemporânea - em sua obra clássica e sóbria. "Só com a forma não daria para fazer a indeterminação", diz o artista. Cores mais tonais vão convivendo, assim, com cores fortes - há duas telas, A Ilusão das 10 Horas e Outra Lenda, nas quais, respectivamente, prevalecem o amarelo e o vermelho. Mas, de todas as obras, a preferida de Pasta é O Descanso do Pintor - com uma superfície quase branca sobre planos de rosas e outros matizes leves.
Ciclo. Além de Sobrevisíveis, o Centro Maria Antônia exibe as mostras do albanês Anri Sala - um dos maiores destaques do cenário contemporâneo e que participou da 29.ª Bienal de São Paulo -, de Bartolomeo Gelpi, Júnior Suci e Marcelo Zocchio. A exposição de Sala, com curadoria de Moacir dos Anjos, "aproxima" os vídeos Intervista (1998) e Dammi I Colori (2003). Segundo o curador, Sala ao colocar em "confronto e em tensão palavras e imagens" faz sugerir em seus filmes "um mundo que busca um entendimento entre partes que com frequência não se pode obter". Gelpi apresenta pinturas e as "duplica", escreve Tania Rivitti, nas paredes e pilastras do prédio. Suci exibe desenhos em Necessidade do Objeto e Zocchio, obras no "meio termo" entre fotografia e escultura.
Curador da Bienal anuncia projetos para 2012 por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Curador da Bienal anuncia projetos para 2012
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 25 de março de 2011.
Luis Pérez-Oramas apresenta hoje seus assistentes e defende foco latino para a mostra
O curador da 30ª Bienal de São Paulo, o venezuelano Luis Pérez-Oramas, encontra-se hoje com diretores de museus e instituições de arte paulistas para apresentar o projeto inicial da mostra, programada para 2012.
Ele também irá apresentar seus assistentes, o gaúcho André Severo, 37, e o alemão Tobi Maier, 35.
Ontem, Oramas disse que, quando foi convidado para ser o curador, pensou "em ambos na mesma hora". "Conheci Tobi por seu trabalho no espaço Ludlow 38, que dirige em Nova York, e André, em Porto Alegre, como montador e por seu projeto Areal".
O alemão Maier cuida do Ludlow 38, um projeto do Instituto Goethe, em Nova York, desde 2008.
Antes, trabalhou no Kunsthalle de Frankfurt (Alemanha) por dois anos, após ser assistente de Lisette Lagnado na 27ª Bienal de SP (2006).
Já Severo terá na 30ª Bienal sua segundo experiência como curador, após ter realizado, no ano passado, a mostra "Horizonte Expandido", no Santander Cultural de Porto Alegre.
Há dez anos ele organiza o Areal, um espaço independente que viabiliza ações artísticas. O time curatorial ainda é composto pela venezuelana Isabela Villanueva, curadora-assistente da Americas Society, de Nova York, que não está em São Paulo.
Entre as propostas para a 30ª Bienal, Oramas destaca que pretende usar um filtro brasileiro e latino-americano para olhar para "a produção contemporânea".
"O mundo global só pode ser percebido de uma perspectiva local", afirma.
Aos diretores de museus os curadores também vão explicar que a mostra deverá ser descentralizada do pavilhão da Bienal.
"Estamos pensando em vários artistas que criam obras públicas", disse Maier.
Outro aspecto diz respeito ao tempo: "Pensamos num projeto reverso, iniciar a Bienal muito antes da mostra em si, programada para setembro", conta Oramas.
Defendendo que está ainda falando de "ideias em processo", Oramas salientou que a Bienal pretende ter menos artistas que a edição passada (com 159 nomes) e mais obras criadas especialmente para a mostra.
março 24, 2011
Direitos autorais: após polêmica, projeto de lei sofre modificações por André Miranda e Natanael Damasceno, O Globo
Direitos autorais: após polêmica, projeto de lei sofre modificações
Matéria de André Miranda e Natanael Damasceno originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Globo em 24 de março de 2011.
RIO - Após quase três meses de especulações vindas de todos os cantos da classe artística, o Ministério da Cultura (MinC) divulgou, em seu site, o projeto da nova Lei do Direito Autoral. A versão atual do texto foi elaborada pelo governo Lula depois de dois meses de consulta pública, em julho e agosto de 2010, e foi retirada da Casa Civil em janeiro, num dos primeiros atos da ministra da Cultura, Ana de Hollanda, para quem o projeto deveria ser revisto. (Leia também: MinC torna público texto da reforma do direito autoral)
São muitas as alterações nos 115 artigos da proposta em comparação ao texto que foi colocado em consulta pública. Uma das mais significativas está no artigo 52-B, que trata de licenças não voluntárias. Antes, a proposta, se aprovada, daria poder ao presidente da República para conceder licença para reprodução de obras em determinadas situações mesmo contra a vontade do titular do direito. Na nova versão, a figura do presidente foi substituída pela Justiça.
Já no capítulo sobre as associações, a nova redação do projeto inclui um parágrafo que permite aos autores receber uma prestação de contas do órgão de gestão coletiva de seus direitos, inclusive por intermédio do Ministério da Cultura. Na lei em vigor atualmente, instituições como o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) não podem sofrer interferência alguma do governo.
- Eles escutaram as pessoas. O projeto que foi para a Casa Civil foi até mesmo melhorado em pontos pedidos por setores mais conservadores da sociedade - diz o advogado Daniel Campello Queiroz, da empresa UP-RIGHTS. - O projeto está pronto para ir para o Congresso. Estão aí todas as alterações possíveis de se fazer num projeto que atenda ao mesmo tempo os interesses de autores e da indústria.
O texto também agradou ao vice-presidente da Associação Brasileira de Música Independente (ABMI), Carlos Mills. Há duas semanas, ele foi um dos signatários de um documento chamado "Terceira via do direito autoral", em que um grupo de artistas pedia uma nova proposta para a lei.
- A proposta amadureceu muito. Foram retiradas questões que suscitaram polêmica e que preconizavam uma excessiva flexibilização dos direitos autorais - diz Mills. - Mas é claro que um assunto dessa complexidade sempre comporta debate. Por isso, acho saudável que se discuta um pouco mais. No entanto, não quero dizer que este debate deva se prolongar excessivamente.
Doutor em direito e advogado especializado no tema, Bruno Lewicki corrobora os elogios à versão apresentada. Segundo ele, o texto está ponderado e mostra um esforço do MinC para adequar a primeira versão aos pontos levantados nas audiências públicas.
-- Ainda pode-se fazer um ou outro ajuste, mas, pelo que vi, é um projeto corajoso, bastante técnico. O mais importante é que ele traz consigo a ideia de equilíbrio, ampliando os direitos dos autores, especificamente na parte contratual. Além disso, não esquece os investidores da industria cultural. - diz Lewicki.- A partir de hoje, passamos a discutir um texto concreto. Agora, o que a gente espera é que essa discussão seja breve e objetiva, e que o projeto não seja alterado na essência.
A reforma da Lei 9.610, de 1998, foi uma das principais bandeiras das gestões de Gilberto Gil e Juca Ferreira à frente do MinC. Por isso, de 2007 a 2010, o governo realizou congressos e reuniões com o setor, até chegar à versão do texto que foi enviada para consulta pública. Durante o processo, o MinC recebeu oito mil sugestões de alterações.
Mas, ao assumir a pasta, Ana de Hollanda afirmou que reveria o processo, intenção que é reiterada hoje pela responsável pela Diretoria de Direitos Autorais do MinC, Marcia Regina Barbosa. Ela não confirma, mas fala-se dentro do ministério que o texto pode, inclusive, ser posto mais uma vez em consulta pública.
- A posição atual é a de que o projeto pode ser aperfeiçoado e que, por isso, ele deve ser revisado - diz Marcia. - Nós vamos disponibilizar um cronograma indicando as ações a serem realizadas para a conclusão do processo de revisão.
março 23, 2011
Dilma busca aproximação com artistas por Ana Flor, Folha de S. Paulo
Dilma busca aproximação com artistas
Matéria de Ana Flor originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de março de 2011.
Na próxima sexta, a presidente dará início a uma série de encontros culturais mensais no Palácio da Alvorada
Primeiro evento irá reunir 30 cineastas; segundo assessores, a presidente quer ter nos artistas a base da gestão
A presidente Dilma Rousseff dá início, na sexta-feira, a uma série de encontros culturais no Palácio da Alvorada, em que pretende se aproximar da classe artística.
A partir de março, ela organizará um evento artístico por mês, com convidados de diferentes áreas.
A estreia será com cerca de 30 cineastas mulheres, que estão sendo convidadas para um jantar com a presidente.
Dilma pretende fazer uma sessão fechada de "É Proibido Fumar", filme de Anna Muylaert estrelado por Glória Pires, na sala de cinema do Alvorada.
A escolha de mulheres ligadas ao cinema ainda faz parte das comemorações do mês da mulher -na quarta-feira (23), Dilma abre a exposição de mulheres artistas no Palácio do Planalto.
Nos próximos meses, entretanto, o público não ficará restrito ao gênero feminino. O governo já programa eventos no Alvorada que celebram a música, a literatura e o teatro.
APOIO
O plano é trazer grandes nomes da cultura brasileira para dentro "da casa da presidente"-o Alvorada é a residência oficial de Dilma.
Ao aproximá-la de artistas, o Planalto ao mesmo tempo agrada à presidente, entusiasta das artes, como também tenta carimbar Dilma como "a presidente da cultura".
E, se Lula teve nos movimentos sociais um de seus principais apoios, assessores gostariam de ver o mesmo efeito na proximidade entre Dilma e a classe artística.
No círculo próximo à presidente, há quem cite o encontro com artistas no Rio, no início do segundo turno das eleições, como um dos momentos de maior impulso da campanha.
A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, é uma das principais entusiastas da ideia. Ela deverá ajudar na escolha dos temas e convidados.
GOSTO
Entusiastas do projeto afirmam que, por ser grande apreciadora das artes, Dilma tem a chance de criar "um relacionamento único com a classe artística" e também de ajudar a impulsionar a cultura no país.
O interesse de Dilma pelas artes fez com que ela, por exemplo, negociasse pessoalmente a vinda do "Abaporu", da artista plástica Tarsila do Amaral (1886-1973), para a exposição que se inicia na quarta.
A pintura pertence a um colecionador argentino desde 2001 e está exposta em Buenos Aires, no Malba (Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires).
Dilma pretende abrir o Alvorada também para visitas de estudantes. O palácio já recebe visitas guiadas nas quartas-feiras.
A presidente deseja ampliar os horários das visitas e demonstrou interesse de, ela mesma, conduzir alguns grupos de jovens estudantes.
Na lista de convidadas para o jantar de sexta estão, além de Anna Muylaert, nomes como Carla Camurati, Lucélia Santos, Bia Lessa, Norma Bengell, Lucia Murat, Tizuka Yamasaki e Monique Gardenberg.
O choque do novo por Paula Alzugaray, Istoé
O choque do novo
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 18 de março de 2011.
MoMA expõe guitarras de Picasso, a série com a qual o mestre inventou a colagem cubista, ancestral do "cut and paste"
Picasso: Guitars 1912-1914/ MoMA, NY/ até 6/6
“O que é isso? Pintura ou escultura?” Essa era a pergunta mais frequente entre os visitantes do ateliê de Pablo Picasso, em Paris, no verão de 1914, quando se deparavam com um violão montado em folha de ferro. “Não é nada disso. É uma guitarra”, resumia Picasso. De fato, sua “Guitarra” (1914) não era nem uma escultura sem pedestal nem uma pintura que escapava da parede. Mas poderia ser as duas coisas ao mesmo tempo. Esses eram os anos do “choque do novo”.
Enquanto o mestre catalão rompia as fronteiras entre categorias artísticas, escritores como Apollinaire e Mallarmé quebravam os limites entre a poesia e o jornalismo. A ordem do dia era promover a ascensão da cultura popular sobre as artes eruditas. E o melhor ícone desse levante são as guitarras de Picasso, em exposição no Museum of Modern Art de Nova York até junho.
A exposição reúne duas guitarras – em folha de ferro e papelão – doadas pelo artista ao MoMA e uma série de 65 colagens, desenhos, pinturas e fotografias relacionadas ao tema, garimpadas de 35 coleções públicas e privadas de todo o mundo. A maioria das colagens é de dezembro de 1912, data que Picasso começa a introduzir matérias não convencionais ao seu trabalho. Jornal, papel de parede, pauta musical, rótulo de garrafa de vinho, cartolina, papelão, arame e até mesmo pedaços de desenhos antigos são usados para dar forma a composições de naturezas-mortas com violões e violinos.
Cavalheiros com chapéus e cigarros, ou guitarras sobre a mesa, qualquer que seja a imagem sugerida nas colagens, o que Picasso faz aqui é desafiar um sistema de representação baseado na figuração. Além de declarar seu amor à boemia e à música flamenca, com suas “Guitarras”, ele dá continuidade ao “cubismo analítico”, pesquisa iniciada em 1911, através da qual Picasso e Georges Braque começaram a enxergar a realidade com planos simples, abandonando a busca de volume propiciado pela perspectiva renascentista. Fazem 100 anos que Picasso começou a desconstruir copos, garrafas, faces, torsos e guitarras flamencas. Mas esse impulso desconstrutivista é a origem de toda a fragmentação que vivemos hoje.
O que o artista tem a dizer sobre as cidades por Paula Alzugaray, Istoé
O que o artista tem a dizer sobre as cidades
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 11 de março de 2011.
CONTAMINACIONES CONTEMPORÁNEAS/ MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA USP, SP/ até 27/3
Uma das grandes mazelas globais é a falta de estrutura para o excesso populacional em aglomerados urbanos. Mas, longe de pensar apenas nas consequências negativas desse crescimento desregrado, 12 jovens artistas chilenos realizam uma reflexão sobre o espaço da cidade na exposição “Contaminaciones Contemporáneas”. A mostra, que também apresenta um pequeno panorama da produção artística do Chile atual, oferece diferentes perspectivas e olhares sobre os cenários urbanos do país e de outros lugares do mundo. Um exemplo é a série de fotografias de Francisca Benitez, denominada “Próteses do Novo Êxodo”. Essas fotos foram tiradas em comunidades judias da cidade de Nova York, onde, durante o outono, são construídas estruturas nas áreas externas das moradias e prédios. As sucás, como são chamadas essas construções, integram um ritual no qual as famílias judias relembram a história da passagem do povo hebreu pelo deserto.
Ao escolher o termo “contaminação” para traçar a linha curatorial evoca-se a vivência do urbano como fenômeno global de inspiração artística. “As ideias sobre a contaminação aqui são reais e ao mesmo tempo abstratas. É por ela que podemos perceber como o homem intervém nas diferentes paisagens, ainda que seja um bairro, como no caso da obra de Benitez, em que uma zona da cidade é alterada durante uma semana por causa de um rito religioso”, diz o arquiteto chileno Paul Birke, um dos idealizadores da exposição.
A interseção entre a cidade e a criação perpassa indiretamente toda a produção de arte desde o Renascimento até os tempos de hoje. Por isso, nesta exposição estão presentes desde estruturas arquitetônicas universais, como encanamentos espalhados pela galeria feitos pela artista Johanna Unzueta, até elementos típicos de culturas urbanas específicas, como, por exemplo, as maquetes e projetos futuristas feitos para a cidade de Santiago e apresentados pelo artista Ales Villegas, que funcionam como um registro dessa paisagem artística atual do Chile e de suas cidades.
Eu tenho mais de 20 anos por Paula Alzugaray, Istoé
Eu tenho mais de 20 anos
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 10 de março de 2011.
Retrospectiva de Leonilson apresenta a obra confessional do artista que pintava como se escrevesse cartas de amor
Sob o peso dos meus amores/ Itaú Cultural, SP/ de 17/3 a 29/5
Leonilson foi e será sempre o jovem poeta da arte brasileira. Certa vez, confessou à amiga Lisette Lagnado, crítica de arte, que a palavra entrou em seus desenhos em 1989, quando estava muito apaixonado. “Pensei em escrever nos desenhos, em vez de ficar escrevendo em cadernos.” Foi um desejo forte, que não podia calar, que inaugurou sua livre escrita sobre as imagens. O conjunto dessa obra povoada de textos íntimos e pensamentos em voz alta pode ser comparado, então, a um livro poético. Livro que às vezes se confunde com um caderno de notas, um diário, ou mesmo uma coleção de cartas de amor. “Sob o Peso dos Meus Amores” apresenta uma retrospectiva de 318 obras-poemas de Leonilson, artista que em 36 anos de vida produziu um dos conjuntos mais significativos da arte brasileira, hoje distribuído nas maiores coleções públicas e privadas do planeta.
Bonito, traidor, tímido, egoísta, mentiroso. Os adjetivos que pontuam seus desenhos, bordados, pinturas e cadernos poderiam muito bem ser autorreferentes. Mas sabe-se que Leonilson dedica sua atividade artística ao outro, ao parceiro anônimo e distante, ao amigo ideal. Seus textos são portanto declarações. Embora quase sempre incógnitos, dessa vez um deles vem à tona. Trata-se do amigo, colecionador e artista alemão Albert Hien, que emprestou para a exposição do Itaú Cultural 66 obras de sua coleção, entre elas a instalação inédita “How to rebuild at least one eight part of the world” (1986), feita a quatro mãos pelos dois amigos.
Além das raras e inéditas obras da coleção baseada em Munique, a mostra apresenta uma sequência coerente de obras antológicas, como a pintura “São Tantas as Verdades” (1988), a aquarela “Leo não Consegue Mudar o Mundo” (1989), o bordado “Voilà Mon Coeur” (1990), a pintura “Os Pensamentos do Coração” (1988) e o vestido bordado com a frase “O que você desejar, o que você quiser, eu estou aqui, pronto para servi-lo” (1990).
Leonilson já ganhou homenagens sinceras: na Bienal de 1998 teve uma sala especial dedicada ao seu trabalho e, em 2003, no décimo aniversário de sua morte, a Galeria Vermelho, do amigo Eduardo Brandão, promoveu a exposição “Vizinhos”, que se propôs a traçar as relações bastardas entre o pintor poeta e a nova geração da arte contemporânea. Leonilson suscita sempre novas amizades e a atual exposição se inscreve como mais uma importante declaração de afeto ao artista.
Eterno retorno por Nina Gazire, Istoé
Eterno retorno
Matéri de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 18 de março de 2011.
Mil e um dias e outros enigmas - Regina Silveira/ Fundação Iberê Camargo, Porto Alegre/ até 29/5
Ao longo das últimas quatro décadas a artista plástica Regina Silveira não esqueceu Porto Alegre. Foi na capital gaúcha que ela nasceu e ali fez parte da turma de alunos do pintor Iberê Camargo. Desde que deixou a cidade, em 1967, retornou a sua terra natal diversas vezes com trabalhos e exposições, porém não realizou uma mostra que abarcasse tão completamente sua carreira, como a que acontece agora na Fundação Iberê Camargo. “Mil e um dias e outros enigmas” tem a curadoria do colombiano José Roca, que também é o curador da Bienal do Mercosul 2011. A exposição revisita a produção de Regina a partir da década de 1980 e apresenta trabalhos realizados especialmente para a mostra.
Um dos pontos de partida é a antológica “Anamorfas”, série de figuras distorcidas a partir de um estudo das anamorfoses, efeito visual utilizado na pintura por artistas que se dedicaram ao estudo da perspectiva. A artista aborda, em específico, as anamorfoses do pintor italiano Giorgio De Chirico, nome de fundamental importância para o entendimento do seu percurso, proposto pela exposição. Seu quadro “Enigma de Um Dia” (1914) é referenciado na série “Enigmas”, em que, assim como De Chirico, Regina elege a sombra como tema. “Mesmo que eu não trabalhe com a pintura diretamente, ela ainda permanece indiretamente nas minhas criações”, comenta a artista sobre De Chirico, que foi professor de Iberê Camargo na década de 40. A artista faz menção ao seu passado de pintora com a peça escultórica “Dobra Cavalete”, que apresenta a sombra de dois cavaletes distorcidos.
Mais recente, “Mundo Admirablis” (foto) faz menção às pragas bíblicas, espalhando pelo espaço interno do prédio figuras gigantes de insetos retirados de livros especializados. A obra “Atractor” (foto), grande orgulho da artista, é uma intervenção na fachada do prédio da instituição, onde a palavra “Luz” não apenas atrai e reflete a luminosidade do dia, mas também toda a paisagem do rio Guaíba. “Já utilizei a palavra luz em mais de 14 intervenções. Pensei ter esgotado todas as formas, mas aqui ela reaparece. Na minha imaginação, ela não se esgotou”, diz Regina, que neste trabalho homenageia o que há de mais belo em sua cidade natal.
março 22, 2011
Luz de Olafur por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Luz de Olafur
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno Cultura do jornal o Estado de S. Paulo em 22 de março de 2011.
Artista dinamarquês cria obras e um filme com Karim Aïnouz para sua mostra no Brasil
Uma série de surpresas está guardada para a grande mostra do dinamarquês Olafur Eliasson, a partir de setembro, em três espaços de São Paulo. Convidado para ser a estrela principal do 17.º Festival Internacional de Arte Contemporânea Sesc-Videobrasil, sua mostra, com curadoria de Jochen Volz, vai se espalhar pelo Sesc Belenzinho, Sesc Pompeia e Pinacoteca do Estado. Olafur está criando obras novas para a exposição, sua maior exibição na América Latina. Mais ainda, a ocasião permitiu ao artista realizar agora seu primeiro trabalho em colaboração com um criador brasileiro: ele e o cineasta Karim Aïnouz começam a rodar em abril um filme baseado em São Paulo.
Percepção é o campo de excelência das criações de Olafur Eliasson, que em 2003 colocou um enorme sol artificial feito de lâmpadas, espelhos e fumaça no Turbine Hall da Tate Modern, em Londres - The Weather Projetc - , já uma das imagens mais impactantes da arte contemporânea dos anos 2000. Mais ainda, em 2008, ele criou cachoeiras - Waterfalls - em uma extensão do Rio Hudson, em Nova York.
Com o uso de luzes, cores, espelhos, mecanismos tecnológicos e ópticos, suas obras, em casos, referindo-se a fenômenos da natureza, incitam camadas para sensações de beleza. Clamam, mais que tudo, pela necessidade de uma observação mais sensível nos dias de hoje. Nesse sentido, seus trabalhos ganham mais força ainda quando criam um espaço entre a experiência individual e o espetacular. "Trabalho com sentimentos e emoções e me interessa como artista colocar como questão se você se sente parte de uma sociedade ou de um grupo de pessoas", diz Olafur ao Estado.
Ele tem voltado seu olhar especialmente para São Paulo nos últimos meses. Está produzindo um grande labirinto de luzes, cores (talvez as primárias) e "um pouco de névoa" para ser experimentado pelo público no Pompeia como parte do 17.º Videobrasil, o festival que, realizado pelo Sesc, este ano abre sua mostra competitiva a todas as linguagens artísticas contemporâneas, para além do vídeo. "Meu trabalho é muito efêmero e assim a experiência, proação, é parte central da obra", afirma o arista, que se diz inspirado por criadores brasileiros como Hélio Oiticica e Cildo Meireles. "Experimentar é também criar algo e no espaço público é uma responsabilidade maior", continua Olafur.
O labirinto, ele conta, é o "símbolo da sociedade": coloca, ao mesmo tempo, sobre estar dentro e estar fora. "Quero ser muito cuidadoso com a luz para que ela desperte lembranças e sentimentos de questões abertas nas pessoas." De 1998, quando participou da 24.ª Bienal de São Paulo, para cá, sua percepção sobre a cidade paulistana mudou muito, tornou-se "menos naïf", afirma ele.
Cinema. Além de criar obras novas como o labirinto e apresentar versões de trabalhos como a instalação I Only See Things When They Move (2004) no Videobrasil dirigido por Solange Farkas, o artista - nascido em Copenhagen, com passagem na Islândia e hoje residente em Berlim - vai realizar com o cineasta Karim Aïnouz um filme que tem sua estreia marcada para a abertura do festival em setembro, no Sesc Belenzinho. A ideia inicial era a de que Aïnouz fizesse, a convite da Associação Cultural Videobrasil, um documentário sobre Olafur, mas o projeto tomou novos rumos. "Estamos ainda discutindo se será um filme ou uma instalação em que a superfície da projeção será um concreto translúcido belga de fibra ótica", conta o cineasta, frisando que a obra está centrada no "espectador de cinema".
O primeiro encontro dos dois ocorreu em novembro, em Berlim. "Karim é muito sensível e trabalhar com ele será ter a capacidade de desdobrar uma intensidade", diz o artista. Ele afirma ainda que gostou, especialmente, do filme experimental Viajo Porque Preciso Volto Porque Te Amo, dirigido por Aïnouz e Marcelo Gomes. "Falamos muito de São Paulo, enquanto experiência urbana, seus espaços públicos, híbridos. Sugeri que tratássemos da transparência e opacidade da cidade", conta Aïnouz.
A princípio, para abordar a questão da percepção por meio do cinema, Olafur e Aïnouz pensam em criar imagens de São Paulo, "algumas abstratas, outras figurativas", tendo como desafio trabalhar a "ausência de cor" da metrópole. "Ela é tão gigantesca e cinética que as cores viram cinza", conclui o cineasta.
Brasileiras são confirmadas em Veneza por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Brasileiras são confirmadas em Veneza
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de fevereiro de 2011.
Artistas expõem em mostras paralelas; Brasil não tem representação oficial garantida
Cinthia Marcelle e Rivane Neuenschwander são as brasileiras confirmadas em mostras paralelas à 54ª Bienal de Veneza, que começa em 4 de junho. Marcelle irá expor em mostra organizada pelo Pinchuk Art Centre.
Neuenschwander participa de mostra com curadoria de Rosa Martinez. Não há brasileiros na mostra principal, "ILLUMInations".
Além disso, a representação do país corre o risco de não ocorrer devido a dificuldades burocráticas na liberação de verba pela Funarte.
Artur Barrio, por exemplo, tem sua participação orçada em R$ 400 mil. Segundo Heitor Martins, presidente da Fundação Bienal, se o valor não for liberado até a próxima semana, a presença pode ser cancelada.
Ontem, a Funarte divulgou que "encontrou junto à sua assessoria jurídica uma solução possível para viabilizar o apoio à participação brasileira na Bienal de Veneza. Estamos em contato com a Fundação Bienal e iremos apresentar a solução até o fim desta semana".
Em exposições paralelas, além de Marcelle, o cineasta Neville d'Almeida também pode estar presente, na mostra "Entre Siempre y Jamás", organizada por Alfons Hug, no pavilhão latino-americano do Instituto Italo-Latinoamericano (Iila).
Artistas denunciam censura e intervenção policial por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Artistas denunciam censura e intervenção policial
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de março em 2011.
Enquanto os curadores anunciavam a abertura oficial da Bienal de Charjah, há uma semana, circulava um e-mail do artista Caveh Zahedi acusando de censura a fundação que organiza a mostra.
Na inauguração da mostra para autoridades, momento em que os xeques cruzam o tapete vermelho para entrar no museu, artistas que protestavam contra a morte de manifestantes no Bahrein foram parados pela polícia.
Um deles, o paquistanês Ibrahim Quraishi, chegou a ser preso e foi interrogado por cinco horas por segurar cartazes com os nomes dos sete mortos na ação que envolveu soldados dos Emirados Árabes Unidos.
"Eles me perguntaram por que eu estava querendo perturbar a ordem", disse Quraishi à Folha. "Também insinuaram que eu tinha ligações com planos terroristas."
Mesmo que essa décima edição da Bienal de Charjah tenha sido dedicada pelos curadores aos "ventos de mudança" que sopram na região, permanece hostil o ambiente para a liberdade de expressão no país.
No caso de Zahedi, nome que foi cortado de última hora do programa de filmes da mostra, a direção da Fundação de Arte de Charjah disse que o artista não havia respeitado o contrato firmado.
Segundo Jack Persekian, diretor da fundação, Zahedi retratou funcionários da Bienal de forma negativa em seu filme, de forma que os que aparecem não autorizaram o uso da imagem.
"Ele sugeriu reeditar o vídeo, mas isso foi há alguns dias, já não era possível", disse Persekian.
Haig Aivazian, curador-adjunto da Bienal, disse que o filme fazia um retrato raso de questões locais. "Fiquei na posição incômoda de censor", disse Aivazian. "Mas essa era uma obra limitada e desrespeitosa."
Também houve problemas com uma obra do artista marroquino Mounir Fatmi, num dos estandes da feira Art Dubai, que acontece em paralelo à Bienal de Charjah.
Numa instalação com bandeiras dos 22 países da Liga Árabe, ele pôs vassouras sob os símbolos nacionais da Líbia e do Egito. Por ordem dos xeques, elas foram retiradas da peça por simbolizarem uma mensagem indesejável ao governo.
Terra em transe por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Terra em transe
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de março de 2011.
Maior mostra de arte contemporânea do Oriente Médio, a Bienal de Charjah , aberta há uma semana nos Emirados Árabes Unidos, assume tom político ao apresentar obras que ecoam onda de revoltas populares em curso em países do mundo árabe
Está coberto de manchas vermelhas, como rastros sangrentos de uma batalha, o pátio de um prédio no centro antigo de Charjah, emirado vizinho a Dubai.
Trabalho do artista indiano Imran Qureshi, a intervenção tem uma leitura ainda mais aguçada na semana em que tropas estrangeiras avançam sobre a Líbia em guerra e revoltas se acentuam no Oriente Médio.
Não espanta que seja uma das peças centrais da décima Bienal de Charjah, maior mostra de arte contemporânea na região, que começou há uma semana, no dia em que soldados dos Emirados Árabes Unidos invadiram o Bahrein para conter revoltas.
"Essas obras têm certa urgência", diz Suzanne Cotter, uma das curadoras da mostra. "É possível ler ameaças e tensões nesses trabalhos", completa Rasha Salti, que também assina a curadoria.
Toda a exposição parece oscilar entre testemunhos mais e menos realistas de revoltas passadas, da Argélia ao Líbano, e tentativas de reescrever a história do Oriente Médio pelas lentes subjetivas dos artistas.
"Essa subjetividade da arte pode ser uma forma de resistência em alguns contextos", resume Cotter. "Queria que a Bienal refletisse essa parte do mundo, os paradoxos reais entre devoção, traição e ameaças."
OBRAS NA RUA
Em tempos de manifestações que ocupam praças e ruas, a Bienal de Charjah espalhou obras pela cidade, mergulhadas no ruído das mesquitas e do trânsito.
Um foguete branco apontado para o céu na esplanada em frente ao Museu de Arte de Charjah, obra dos libaneses Khalil Joreige e Joana Hadjithomas, parece um míssil armado para combate.
Mas é, na verdade, homenagem ambígua ao fracassado projeto que tentou colocar o Líbano nas disputas científicas da era espacial.
"Deslocamos esse olhar", diz Hadjithomas. "Também porque as pessoas que se dedicaram a esse projeto estavam sonhando, como esses que tomam as ruas agora."
Distante algumas quadras dali, a norte-americana Trisha Donnely, que estará na próxima Bienal de Veneza, fez uma escultura num pátio vazio ao som de graves que ecoam pela construção.
Cria um espaço de grande tensão, opondo a abstração de suas formas lapidadas ao preâmbulo sonoro de uma guerra, ruídos sublinhados ali pelos chamados à reza que ecoam dos minaretes.
São resíduos de imagem e som costurados num plano plástico, da mesma forma que um vídeo reconstitui a rota dos assassinos de um líder do Hamas morto há um ano num hotel em Dubai.
Sem personagens em cena, uma câmera subjetiva passeia por corredores e quartos anônimos. Enxerga uma perversidade latente nesses espaços, como se reenquadrasse a memória em chave de ameaça.
MEMÓRIAS REESCRITAS
É um ensaio visual potente numa mostra que, em grande parte, subverte a história e articula seus fragmentos na tentativa de avançar rumo ao futuro -preparar o terreno para mudanças em curso.
Nesse ponto, o indiano Amar Kanwar, que esteve na última Bienal de São Paulo, repete num vídeo o momento em que o ditador de Burma, em visita oficial à Índia, joga flores sobre o lugar onde foi cremado Mahatma Gandhi.
"Levaram o homem mais brutal do mundo a oferecer flores a Gandhi", diz Kanwar. "Quis repetir esse gesto à exaustão, até que as flores parecessem uma corrente de sangue derramado."
Também abusa da estridência das cores o tributo da libanesa Rania Stephan à diva do cinema egípcio Soad Hosni, morta ao cair -ou se jogar- do alto de um prédio em Londres, há dez anos. Imagens distorcidas de velhas fitas magnéticas, cenas de mais de 60 filmes estrelados por Hosni, são editadas numa longa sequência de cortes, idas e vindas, colagem que destrincha a construção de um ícone popular.
Karim Aïnouz, único brasileiro na mostra, desloca o olhar fixo sobre um personagem para um lugar. No caso, uma rua por onde passava o Muro de Berlim e que é hoje ocupada por imigrantes.
Gravado em super-8, suporte obsoleto que parece envelhecer a imagem e embaralhar os tempos da narrativa, é um filme que trabalha seu objeto com forte ênfase na textura da imagem.
"Fala da impossibilidade de avançar uma fronteira, um lugar que já não existe", diz Aïnouz. "E tem muito a ver com essa parte do mundo que passa agora por uma transformação radical."
março 21, 2011
Blog de poesia de Maria Bethânia inspira debate sobre projetos brasileiros na web por André Miranda e Mauro Ventura, O Globo
Blog de poesia de Maria Bethânia inspira debate sobre projetos brasileiros na web
Matéria de André Miranda e Mauro Ventura originalmente publicada no caderno cultura do jornal O Globo em 21 de março de 2011.
RIO - Nos últimos dias, uma discussão se espalhou como vírus pela internet: até que ponto um projeto na web deve ter um alto custo e receber apoio público, já que a rede é caracterizada por seu espírito independente e colaborativo? O debate foi levantado na última quarta-feira, após a divulgação, pelo jornal "Folha de S. Paulo", de que o governo autorizou o projeto O Mundo Precisa de Poesia a captar R$ 1,3 milhão em recursos via incentivo fiscal. A proposta, de acordo com sua própria sinopse, tem como objetivo a criação de "um blog inteiramente dedicado à poesia", em que um vídeo diferente será postado diariamente durante um ano. Os 365 vídeos trariam a cantora Maria Bethânia declamando poemas de grandes autores.
O valor foi considerado alto por muitos internautas. Os comentários criticavam desde o fato de o MinC aprovar um projeto para um blog até a destinação de um cachê de R$ 600 mil para o que seria a direção artística do projeto, a cargo de Bethânia.
- Existe uma ideia equivocada de que só se pode ter coisas toscas na internet. Quando o (antropólogo) Hermano Vianna me procurou para falar do projeto, a ideia era que qualquer um pudesse ter acesso a um material de qualidade - diz Andrucha Waddington, diretor dos vídeos. - Uma coisa é você postar uma poesia em seu blog. Outra é você fazer um vídeo conceitual por dia com uma artista como a Bethânia. Nossa proposta é que cada filmete tenha relação com o dia da semana, do mês ou do ano em que vá ao ar. E tudo isso será colocado na rede de forma gratuita e para uso de domínio público.
Os orçamentos para projetos de internet inscritos no MinC variam muito. De acordo com a assessoria técnica da pasta, muitos chegam a ultrapassar R$ 1 milhão, como o de Bethânia. Um desses é o do site Porta Curtas, de divulgação de curtas-metragens nacionais. A última proposta do Porta Curtas na Lei Rouanet foi autorizada a captar recursos em 31 de janeiro deste ano, no valor de quase R$ 1,5 milhão.
A maioria dos proponentes, porém, requisita verbas inferiores a R$ 1 milhão. Em 15 de fevereiro, o Portal Tela Brasil, site de divulgação audiovisual, recebeu autorização para captar R$ 434 mil. Em 25 de fevereiro, o projeto Fluxus - Festival Internacional de Cinema na Internet, de exibição de curtas nacionais e internacionais, teve aprovada uma proposta de R$ 252 mil. Pouco depois, em 16 de março, o projeto Artedigital.br, um banco de dados sobre a arte digital brasileira, recebeu um parecer favorável de R$ 303 mil.
- O problema é que o debate é distorcido. As pessoas não olham para o conteúdo produzido, não olham para o que aquele dinheiro está de fato remunerando. As pessoas só olham para o fato de ser na web e para o valor - diz Oona Castro, diretora-executiva do Instituto Overmundo, que tem como missão a promoção do "acesso ao conhecimento e à diversidade cultural no Brasil".
Hoje, a Lei Rouanet prevê sete áreas para incentivo fiscal: artes cênicas, artes integradas, artes visuais, audiovisual, humanidades, música e patrimônio cultural. Nenhuma delas é sobre internet, tanto que o projeto O Mundo Precisa de Poesia foi inscrito na rubrica do audiovisual.
- Disso tudo, vejo duas discussões salutares. A primeira é a supervalorização de projetos para outros meios e a desvalorização de projetos na internet. A outra são algumas distorções da Lei Rouanet, que levam as empresas a buscar projetos com artistas famosos para valorizar sua marca e ainda se beneficiarem do incentivo fiscal - afirma Oona.
Para o ensaísta e pesquisador Frederico Coelho, são dois os universos que estão em impasse. De um lado, a geração que está há dez anos na internet, pensando formas colaboracionistas e que não precisa de orçamento milionário. É uma geração em que a própria pessoa é o autor, o editor e o distribuidor. Do outro, os produtores de conteúdo que estão descobrindo que vão ficar para trás se não dialogarem com a web.
- Eles trazem os formatos de produção de suas áreas, com equipes caras, grandes orçamentos. Nesse momento, dizer para aquela geração da internet que é preciso R$ 1,3 milhão para fazer um projeto de vídeo na web é inaceitável. São universos ainda um pouco inconciliáveis, e por isso o diálogo é tão truncado - diz Coelho.
O editor Sergio Cohn, da Azougue, que tem aprovado no Fundo Nacional de Cultura - um mecanismo de apoio direto do governo a projetos culturais - investimentos para o portal Poesia.br, acha que o incentivo ao conteúdo brasileiro na web deveria ser maior.
- A língua portuguesa tem perdido espaço na internet. O Brasil tem que tomar seu espaço na web a partir de políticas que levem conteúdo para a rede. É importante, por exemplo, a digitalização de arquivos, que ficam acessíveis a qualquer pessoa - explica ele.
Sobre o custo de um projeto na rede, Cohn lembra que é preciso levar em conta a distribuição: não basta ele chegar à internet, tem que ganhar visibilidade.
- Há todo um trabalho de torná-lo visível, de permitir localizá-lo na web. E, para isso, são necessárias inteligências caras. Quanto mais o projeto trouxer soluções originais e eficientes, mais elas poderão ser replicadas e maior será o retorno cultural - acredita.
Festival Nova Cultura Contemporânea ocupa Casa França-Brasil e EAV por seis semanas por Carlos Albuquerque, O Globo
Festival Nova Cultura Contemporânea ocupa Casa França-Brasil e EAV por seis semanas
Matéria de Carlos Albuquerque originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Globo em 21 de março de 2011.
RIO - Arte e progresso. Com essa bandeira em movimento, 130 artistas do Brasil e do mundo vão se espalhar pela Casa França-Brasil e pela Escola de Artes Visuais (EAV) do Parque Lage a partir de hoje e durante as próximas seis semanas, num frenético processo de criação coletiva. É primeira edição carioca da nada estática mostra Nova Cultura Contemporânea.
Combinando trabalhos entre instalações e performances musicais, o evento, de inspiração catalã e que teve sua primeira edição ano passado, em Los Angeles e São Paulo, pretende oferecer ao público - convidado não apenas a visitá-lo, mas a participar - um novo sentido da expressão "obra em progresso".
- A ideia central da mostra é exibir o processo de criação desse grupo de artistas, novos em sua maioria, e aproximá-los do público de uma maneira radical - explica o espanhol David Quiles Guilló, diretor e curador da mostra. - Dentro desse conceito, todos vão trabalhar de forma menos egocêntrica e mais coletiva, em função de algo maior. E o público vai poder estar bem perto dos artistas, para conversar e até cutucar.
Na mostra, nomes como a pintora americana Maya Hayuk, o fotógrafo italiano Filippo Minelli, o produtor sueco de techno Dungeon Acid, a dupla italiana de "jazz visual" Abstrac Birds e o artista multimídia carioca Heleno Bernardi - todos representando a vanguarda das artes visuais digitais - vão se juntar, como se estivessem numa escola, em grupos de até dez integrantes para criar obras colaborativas, "em camadas", como diz Guilló.
Site acompanha os trabalhos
Ao longo de cada semana, o processo será filmado e poderá ser acompanhado pelo site do evento (rojo-nova. com /2011/rio). Aos sábados, os resultados poderão ser vistos na Casa França-Brasil, na Sala de Projetos.
- É o nosso quarto do pânico - brinca o curador, que há dois anos se divide entre Barcelona e São Paulo.
A mostra vai gerar também dois filmes, um documentário e uma ficção, sobre os artistas e o evento em si.
- O documentário vai tratar os artistas como personagens centrais, explorando suas vidas enquanto criam no meio dessa loucura toda - conta o curador. - E a ficção vai absorver as obras com parte do roteiro. Os dois filmes serão distribuídos comercialmente e vão entrar em festivais internacionais.
No Parque Lage, segundo o curador, vão acontecer debates e também serão instaladas "obras-surpresa" em torno do prédio da EAV.
A seleção dos artistas também passa por Guilló. A mostra é uma parceria com a "Rojo", mistura de revista (distribuída em mais de 40 países) e centro cultural, fundada por ele em 2001 com o objetivo de divulgar o trabalho de novos artistas. A "Rojo" hoje está associada a mais de mil nomes, além de ter 28 salas de exposições pelo mundo.
- Em dez anos, fizemos mais de 900 eventos, de diversos formatos, em várias parte do mundo - conta ele.
Um brasileiro em Veneza por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Um brasileiro em Veneza
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 21 de março de 2011.
Por crises de orçamento, Neville d’Almeida poderá ser o único artista nacional na Bienal italiana
O cineasta Neville d’Almeida é, até agora, o único artista brasileiro confirmado para a 54.ª Bienal de Veneza, a mostra mais tradicional do mundo, que será aberta em 4 de junho. Ele vai integrar a exposição Entre Siempre y Jamás, com curadoria de Alfons Hug, no Pavilhão América Latina, no Arsenale da cidade italiana. Foi escolhido para exibir a instalação TabAmazônica, "mergulho na cultura indígena", como diz, numa construção de taba em que imagens são projetadas em seu interior ao som de música.
Na semana passada, a curadora-geral da 54.ª Bienal de Veneza, a suíça Bice Curiger, anunciou os 82 artistas selecionados para a mostra principal do evento e no time não há nenhum brasileiro. Ao mesmo tempo, a Fundação Bienal de São Paulo e a Funarte não conseguiram ainda encontrar uma solução para viabilizar a verba de R$ 400 mil necessária para a produção do catálogo e da instalação do artista Artur Barrio para ser apresentada no Pavilhão Brasil nos Giardini de Veneza, o espaço brasileiro do segmento das representações nacionais no evento.
Uma portaria de dezembro proíbe convênios do Ministério da Cultura com instituições privadas - e a Funarte, órgão ligado ao MinC, não pode repassar os recursos para a Fundação Bienal de São Paulo, responsável por selecionar a representação nacional na mostra italiana, produzir a obra de Artur Barrio, escolhido pelos curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias. "É uma pena que essa burocracia comece a comprometer coisas importantes como essa", diz o empresário Heitor Martins, presidente da instituição paulistana. "Estamos a menos de 70 dias da mostra e quanto mais tempo passa, menos o artista terá para produzir sua obra, o que começa a comprometer a qualidade dela." Segundo Martins, os contatos com os técnicos da Funarte têm sido "praticamente diários" para se achar uma solução. "Quando o Estado não consegue se organizar, o setor privado tem que assumir esse papel?", ele indaga.
Ano atípico. Falta de recursos também é um problema para o cineasta e artista Neville d’Almeida para sua participação na 54.ª Bienal de Veneza. Ele mesmo está batalhando por R$ 290 mil para produzir sua grande instalação TabAmazônica no Arsenale da cidade. "Já pedi ao MinC, à Funarte, ao Instituto Inhotim e até a colecionadores. É um ano atípico, de troca de governo, de ministros", diz Neville. "Sou artista sem galeria", completa. A obra, criada em 2003, foi exibida em 2009 nos espaços do Oi Futuro do Rio e de Belo Horizonte.
O alemão Alfons Hug, diretor do Instituto Goethe do Rio e que foi curador, em 2002 e 2004, de duas edições seguidas da Bienal de São Paulo, viu a TabAmazônica na cidade carioca. "Era uma versão maior da instalação e gostei muito da incursão na cultura indígena brasileira", afirma Hug. Convidado pelo Instituto Ítalo-Latino Americano de Roma, instituição que desde 1972 organiza o Pavilhão Latino-Americano na Bienal de Veneza, para fazer uma curadoria para esta edição do evento, Alfons Hug selecionou Neville d’Almeida para representar o Brasil na exposição Entre Siempre y Jamás.
A mostra, que ficará abrigada num dos espaços privilegiados de Veneza, vai reunir obras de 20 artistas da América Latina, cada um representando um país da região. Entre Siempre y Jamás, verso de poema do escritor uruguaio Mario Benedetti, será dedicada aos 200 anos da independência latino-americana.
O Instituto Ítalo-Latino Americano aluga o espaço no Arsenale para a exposição - orçada, segundo Hug, em cerca de R$ 500 mil - e há também patrocínios para a realização da mostra, mas, como diz o curador, "no caso da TabAmazônica pedimos ao Neville que ajudasse a conseguir os recursos."
Entretanto, o cineasta e artista brasileiro não corre o risco de ficar de fora da 54.ª Bienal de Arte de Veneza. "Se a Tab não for, temos o vídeo Verde Moreno do Neville, que vai de qualquer jeito", afirma Hug. O filme, com 4,5 minutos, foi realizado no Pará, na região de Carajás.
Latinos
O Pavilhão América Latina, em Veneza, terá ainda, entre outras, obras de Regina Galindo (Guatemala), Alexander Apóstol (Venezuela), Narda Alvarado (Bolívia) e esculturas vodu do Haiti.
QUEM É
NEVILLE D’ALMEIDA
CINEASTA E ARTISTA
O diretor de filmes como A Dama do Lotação (1978) e Navalha na Carne (1997) é conhecido no campo das artes visuais por sua parceria com o artista Hélio Oiticica, em Nova York, na década de 1970, na criação das instalações da série Cosmococa, chamadas de "quasi-cinemas".
Artistas boicotam novo Guggenheim em Abu Dhabi por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Artistas boicotam novo Guggenheim em Abu Dhabi
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 19 de março de 2011.
Denúncias sobre violação de direitos de operários ganham ressonância; museu e governo não comentam
Todo o silêncio na ilha de Saadiyat, em Abu Dhabi, contrasta com o ruído em torno da construção da filial árabe do Guggenheim que começa a tomar forma ali.
Orçado em R$ 1,3 bilhão, o megaprojeto do arquiteto Frank Gehry enfrenta uma onda de denúncias de violações de direitos dos operários na construção, muitos deles impedidos de deixar a obra.
Nos últimos dias, essas queixas foram além do canteiro de obras, com um manifesto encabeçado pelo artista libanês Walid Raad, um dos maiores nomes no circuito global, que está liderando um boicote por parte dos artistas ao novo Guggenheim.
"Essas violações, que ameaçam manchar a reputação do Guggenheim, são um desafio moral para qualquer artista que trabalha com o museu", escreveu Raad. "Nenhum artista deve expor num prédio construído por trabalhadores explorados."
Seu abaixo-assinado já teve mais de 130 adesões, entre elas as de artistas de peso, como a iraniana Shirin Neshat, a libanesa Mona Hatoum, o alemão Harun Farocki, a palestina Emily Jacir e o indiano Amar Kanwar.
Tem ressonância ainda maior o protesto nesta semana em que o mundo da arte se reúne nos Emirados Árabes para a Art Dubai, maior feira na região, e a Bienal de Charjah, no emirado vizinho.
Raad é um dos artistas dessa bienal, que tem curadoria de Suzanne Cotter, atual chefe do projeto do Guggenheim em Abu Dhabi. Procurada pela Folha, ela não quis comentar o teor do manifesto.
Em Dubai, o diretor do Guggenheim disse ao jornal "The New York Times" que visitou o alojamento dos operários e que não via problemas com as condições deles.
Segundo um estudo da ONG Human Rights Watch, os operários, em grande parte imigrantes de países como Índia e Paquistão, têm os passaportes confiscados até que paguem taxas ilegais cobradas pelos recrutadores.
Procurados para comentar as denúncias, representantes do Guggenheim, em Nova York, e porta-vozes do governo de Abu Dhabi não quiseram se manifestar.
Estiveram anteontem na ilha onde será construído o museu o artista indiano Amar Kanwar e a curadora espanhola Chus Martínez. Tentaram, como a Folha, visitar as obras, mas foram barrados por funcionários da agência do governo responsável pelo projeto.
Isolado num canto da ilha de Saadiyat, o novo Guggenheim não passou das fundações e já teve a data de inauguração adiada de 2013 para 2015, depois que obras foram quase paralisadas com a recente crise econômica.
DESCAMPADO
Feito de cones gigantes, o museu de Gehry dividirá a ilha com uma filial do Louvre -desenho de Jean Nouvel-, outro museu projetado por Norman Foster, um teatro de Zaha Hadid e um aquário do japonês Tadao Ando.
Também está nos planos a construção de complexos imobiliários, hotéis e campos de golfe. No total, são obras de R$ 170 bilhões que devem sair do papel só em 2020.
Mas, por enquanto, o projeto de Saadiyat, alardeado em anúncios por toda a capital dos Emirados Árabes Uni dos, não passa de um descampado estorricado, rodeado de um mar azul que deve virar balneário de luxo.
Atrás de grades de arame farpado, operários trabalham em ritmo desacelerado desde a pior fase da crise. Projetos como o teatro e o aquário já não têm data de abertura e alguns planos foram mesmo descartados.
março 19, 2011
Projeto aprovado pelo MinC prevê R$ 600 mil só para Bethânia por Bernardo Mello Franco, Folha de S. Paulo
Projeto aprovado pelo MinC prevê R$ 600 mil só para Bethânia
Matéria de Bernardo Mello Franco originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. paulo, em 18 de março de 2011.
O orçamento do futuro blog de Maria Bethânia, aprovado pelo Ministério da Cultura, reserva para ela um cachê de R$ 600 mil pela "direção artística" do projeto.
O valor equivale a 44% do total de R$ 1,35 milhão que a cantora foi autorizada a captar em dinheiro de renúncia fiscal, via Lei Rouanet.
Ela informou ontem, por meio de assessoria, que mantém a decisão de não fazer comentários sobre o assunto.
A remuneração está prevista no orçamento que Bethânia entregou à Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, responsável pela escolha dos projetos a serem beneficiados pela lei.
O documento, obtido pela Folha, apresenta a cantora como a única responsável pelas atividades de "direção artística, pesquisa e seleção de textos e atuação em vídeos" do blog de poesia.
Três páginas adiante, uma planilha de custos fixa em R$ 600 mil a remuneração do "diretor artístico" -no caso, a própria cantora.
O orçamento diz que o valor equivale a um salário de R$ 50 mil, a ser pago nos 12 meses de duração do projeto.
O cachê reservado a Bethânia supera os R$ 467 mil que ela planeja gastar com produção, edição e legendagem dos vídeos que ela promete veicular diariamente.
No pedido de verba, a produtora Quitanda Produções Artísticas classifica o blog como revolucionário:
"Em meio a tantos absurdos do mundo moderno, a tantos problemas que cercam a vida de todos, nos propomos a revolucionar a vida cotidiana de cada um."
A captação dos recursos foi autorizada esta semana, como noticiou anteontem a coluna Mônica Bergamo.
Ontem, a reportagem teve acesso a dois pareceres do ministério que embasaram a decisão. O último relata "ajustes orçamentários" na proposta original, que previa captar R$ 1,79 milhão.
A pasta não informou os itens afetados pelo corte de R$ 440 mil. Em nota, afirmou que isso só pode ser checado mediante pedido de vista do processo, em Brasília.
Incluindo o blog, o ministério já autorizou Bethânia a captar R$ 10,5 milhões para seis projetos culturais desde 2006. Por problemas no sistema de acompanhamento virtual da pasta, não era possível saber ontem a quantia que ela chegou a arrecadar.
Programa Metrópolis sobre a retrospectiva de Leonilson “Sob o Peso de Meus Amores” no Itaú Cultural
Crítica de arte e biógrafa Lisette Lagnado comenta a retrospectiva “Sob o Peso de Meus Amores” que reúne 300 obras do artista plástico no Itaú Cultural. O programa traz também depoimentos do jornalista Yan Fjeld, do artista Sergio Romagnolo e do jornalista e crítico de arte Fabio Cypriano.
Lisette Lagnado:
"Como se não houvesse uma coerência, como se um artista moderno por excelência devesse fazer uma opção por um material, por um suporte ou por uma questão e não era o caso dele. Então, você pergunta se ele tem uma atualidade hoje; eu acho que tem, sobretudo porque ele ficou sozinho. Ele é um artista que surge na Geração 80 junto com um bando de outros pintores, mas ele é o único que permanece; justamente, eu diria, por ter se distanciado dessa questão do mercado e por ter olhado essa questão interior dele, que em 89 é como nomear essa doença. Como nomear a AIDS, como falar disso, como falar de uma coisa que torna você o sujeito mais perigoso porque você é contaminado."
...
"A década de 80, que é uma década maldita, em muitos sentidos, não só por causa do boom do mercado - parece que todos os artistas eram fúteis, como se eles só pensassem no sucesso. E Leonilson vive essa passagem: ele é um sucesso e ele vê a decadência dessa geração Yuppie."
Referência:
LAGNADO, Lisette. Leonilson: São tantas as verdades. São Paulo: DBAM, 1998.
AGENDA DE EVENTOS
Leonilson - Sob o Peso dos Meus Amores, curadoria de Bitu Cassundé e Ricardo Resende, no Instituto Itaú Cultural, de 17/03/2011 a 29/05/2011
english
março 18, 2011
Muito barulho por nada por Alinne Rodrigues, O Povo
Muito barulho por nada
Matéria de Alinne Rodrigues originalmente publicada no caderno Vida & Arte do jornal O Povo em 16 de março de 2011.
Neste polêmico início da gestão Ana de Hollanda, um contrato assinado ainda no ano passado gera discussão entre os artistas: a Google agora paga ao Ecad pelos direitos autorais dos vídeos executados no YouTube
Em novembro do ano passado, quando o acordo foi firmado, não houve alarde. Desde 2007, quando o YouTube ganhou sua versão nacional, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) tentava com a Google uma forma de repassar para seus afiliados os valores pelas suas execuções no site de vídeos. Contrato assinado, o órgão recebeu o retroativo (de 2007) até junho de 2010, e, em junho próximo, chega o montante referente ao semestre de julho a dezembro do ano passado.
A situação veio à tona com a publicação de um artigo assinado por Ronaldo Lemos, fundador do site Overmundo e ex-presidente do iCommons (2006 a 2008), organização que cuida do compartilhamento de conteúdo on-line. O link do site da revista Trip está circulando fortemente no Twitter, e os comentários dos leitores não param de aumentar. O tom do texto é inegavelmente revoltante: o Ecad recebe por todos os vídeos postados no YouTube, inclusive pelo da sua banda, então você tem o direito de receber. Bom, na verdade, não é bem assim.
“O que o Ecad cobra é pelo repertório protegido, não por tudo que é tocado, então é errado pensar que o Ecad fica com a parte do dinheiro que era seu”, explica o gerente executivo de distribuição do Ecad, Mário Sérgio Campos. “Quando o usuário, no caso, a Google, paga, paga para utilizar qualquer música licenciada pelo Ecad. É uma licença em branco para usar qualquer música protegida, uma ou todas. Se você fez uma música, colocou no YouTube, mas sua música não é protegida, a gente não cobra pela sua música”, descreve.
O controle do que é postado no site é feito pela própria Google, que envia relatórios detalhados de tudo o que foi executado. “Isso é responsabilidade de quem paga. Por contrato, eles se comprometeram a passar as informações fidedignas”. Com esse relatório, o escritório faz uma amostragem de 10 mil execuções e repassa aos artistas – e vale ressaltar aqui que, pelo menos por enquanto, ninguém vai ficar milionário com o que ganhar no YouTube, uma vez que o Ecad recebe 2,5% da receita do site no Brasil, percentual considerado tímido pelo órgão.
O problema é que essa amostragem não é aleatória, mas direcionada aos artistas que possuem mais execuções. “É inviável pagar para todas, porque o valor arrecadado não são tão significativos. A receita de Internet ainda é muito pequena, não chega a um 1% da arrecadação total do Ecad. Se formos distribuir, vamos pegar um dinheiro que já é muito pequeno e dividir entre compositor, intérprete, músico, editora...”, justifica Mário Sérgio.
Cada meio de comunicação possui uma forma específica de arrecadação, quase todas por amostragem. No rádio, por exemplo, 200 mil execuções são pagas a cada três meses, escolhidas na programação das emissoras. “A gente grava dias da programação da rádio, e todas as músicas que fazem parte recebem. Tocou mil vezes ou uma vez vai receber. Como na Internet você não tem o tempo, a gente pega as mais executadas”.
Se você é um artista afiliado e não tem tantas execuções no YouTube quanto Caetano Veloso, vai acabar ficando de fora da arrecadação. Segundo o advogado autoralista e professor universitário Fábio Barros, é possível recorrer e exigir a sua parte. “Se hoje tocar uma música do John Lennon na TV, se for uma execução somente hoje, certamente esse dinheiro não vai para o John Lennon, vai para a Ivete Sangalo, porque ela está acima dele no ranking. Esse critério não é decidido por lei, então a gente tem de ser mais crítico. Quem está por fora pode cobrar da justiça. Se tiver provas de que foi executada, mesmo que em um número ínfimo, pode questionar. O Ecad arrecada até pelo que não é executado e isso é abusivo”.
Por fim, ainda resta uma questão. Fazer o upload de um vídeo gravado em um show agora deixa de ser ilegal, uma vez que o artista pode receber pelo direito autoral? “Upload não é pirataria. Pirataria visa ao lucro, então, em princípio, é um ilícito civil, porque o vídeo é disponibilizado sem a autorização devida. É algo errado, mas não é criminal”, finaliza Fábio.
Autores com maior rendimento
1 - Caetano Veloso
2 - Chico Buarque
3 - Djavan
4 - Gilberto Gil
5 - Roberto Carlos
6 - Jorge Ben Jor
7 - Vinicius de Moraes
8 - Erasmo Carlos
9 - Herbert Vianna
10 - Rita Lee
Músicas mais executadas
1 - Noites com sol, Flávio Venturini
2 – Maresia, Adriana Calcanhotto
3 - Boa sorte (Good Luck), Vanessa da Mata e Ben Harper
4 - Devolva-me, Adriana Calcanhotto
5 – Celebration, Madonna
6 - All out of love, Air Supply
7 - Brincar de viver, Maria Bethânia
8 – Relicário, Cássia Eller e Nando Reis
9 – Esqueça, Daniela Mercury
10 - Os alquimistas estão chegando, Jorge Ben Jor
março 17, 2011
Exposição reúne várias vertentes do artista cearense Leonilson por Silas Martí, Folha.com
Exposição reúne várias vertentes do artista cearense Leonilson
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha.com
Numa pintura de 1989, Leonilson construiu uma cartografia de rios que deságuam num círculo vermelho, entre eles o Tietê, o Paranapiacaba e outros braços que se chamam "Confusão", "Olhar Fundo", além de um lago azul de nome "Desejo".
Veja galeria de fotos com obras de Leonilson
Se fosse um autorretrato, algumas veias no mapa seriam Bispo do Rosário e Lygia Clark. Ele, pela loucura que guia a agulha nos traços e palavras dos bordados. Ela, pela dimensão cromática e do corpo que soube arquitetar com potência em sua obra.
Na exposição que o Itaú Cultural abre no próximo dia 16, em São Paulo, essas múltiplas vertentes da obra do artista aparecem costuradas pela leitura de seus trabalhos como repetidas e duras manifestações autobiográficas.
Leonilson, agora na maior mostra já dedicada à sua obra, é visto como o produto sofrido da solidão em mais de 300 trabalhos que construiu em sua curta carreira, abreviada pela morte aos 36 anos, por causa da Aids.
DESPEDIDA
Embora descrito como sujeito "sempre apaixonado" pelo curador da mostra Ricardo Resende, essa leitura do artista abalado pelo peso do mundo também ressurge na retrospectiva como ser fragmentário, um neorromântico que foi ao mesmo tempo espelho de sua época.
No momento em que abandona, por uma alergia aos pigmentos, as pinturas em grande escala, que o fizeram despontar na chamada geração 80 ao lado de figuras como Leda Catunda e Sergio Romagnolo, Leonilson fez como espécie de despedida o trabalho dos rios, em que se colocou no centro de um forte turbilhão de influências.
Depois disso, sua obra se volta para pequenos desenhos e bordados delicados, que desafiam a escala dos espaços expositivos.
Não por acaso, esse momento é 1989, ano da queda do Muro de Berlim, do fim das utopias e perto da descoberta da doença que tiraria sua vida --ele chegou a se referir à Aids como "peste".
CRONISTA DA ÉPOCA
Tem uma coisa solene na obra dele", diz à Folha a curadora Lisette Lagnado, autora de "São Tantas as Verdades", livro que virou referência sobre o artista. "Mas, de fato, a atmosfera dessa época transparece no que ele vai escrever, no que estava acontecendo, ele foi um cronista."
Lagnado chama esse período de "grande ressaca" que veio depois do desbunde das conquistas sociais e políticas dos anos 80, de uma democracia em construção e seus valores mais flexíveis.
Na obra de Leonilson, são trabalhos como o bordado em que escreve numa fronha a palavra "ninguém". Ou a peça em que costura quatro quadrados de cor que chama de cheios e vazios, como um pulmão que respira movido por intervalos cromáticos.
"Não deixa de ser um retrato do corpo do artista, a respiração, algo que fala sobre estar vivo", diz o curador Ricardo Resende. "Ele foi muito solitário, tímido, mas essa solidão é também um espelhamento do homem contemporâneo, são sentimentos que tocam todos."
De fato, Leonilson se via um pouco com o rosto de sua época mais do que o homem específico que sofria em carne viva.
No trabalho mais antigo da mostra, um autorretrato, constrói uma caixa de madeira com tampo de vidro. Deixa ver dentro um pedaço de feltro com a inscrição "Mirro", referência à palavra francesa para "espelho".
É como se ele fosse ao mesmo tempo esse "homem contemporâneo", com o rosto anônimo de quem vê a obra.
"Por isso eu defendi com muito ardor o trabalho dele", lembra Sheila Leirner, que escalou Leonilson para a Bienal de São Paulo em 1985. "Senti que tinha uma grande verdade no trabalho dele."
Obra montada pela primeira vez naquela Bienal, "A Grande Pensadora" será reconstruída agora para a mostra do Itaú Cultural. É um símbolo do infinito estampado no chão, um globo terrestre sobre uma base encimado ainda por uma biruta que mostra a direção dos ventos.
Deixa ver que nas pinturas, nos desenhos e nos bordados, Leonilson se deixou levar por vários entroncamentos e rotas desde o início.
Poética da vida por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Poética da vida
Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no caderno 3 do jornal Diário do Nordeste em 12 de março de 2011.
A exposição "Sob o Peso dos Meus Amores" exibe mais de 300 obras, muitas inéditas, do artista visual Leonilson. A mostra abre na próxima quarta no Itaú Cultural de São Paulo
Uma poética traçada pelo desejo (quase uma necessidade), de captar a essência da vida. Costurada em meio a fragmentos íntimos de um homem e de um artista movido a pulsão irreprimível de criar. Em Leonilson a arte se transforma em puro sentimento, luminoso, sincero e apaixonante. Sem máscaras e sem rodeios.
O artista compôs trabalhos autobiográficos, povoados por afetos, palavras, poesia, desenhos, pinturas, bordados e instalações. Elaborou uma espécie de arquivo de vida utilizando sua produção como suporte, além de outros mecanismos que também serviam a catalogação de seu cotidiano, a exemplo de: agendas, diários, cadernos e fitas gravadas.
Na década de 80, Leonilson fez parte da geração que revolucionou o meio artístico brasileiro com a retomada da pintura. Mas, é nos primeiros anos da década de 90, que ele se firma como um de nossos destaques no panorama cultural com uma obra contundente, debruçando-se sobre os dramas e as angústias do homem contemporâneo por meio de uma produção que tinha nos traços e tonalidades delicadas dos desenhos e fragilidade dos bordados sobre tecidos como o voile, uma nova temporalidade para sua obra.
Retrospectiva
Diante de um universo tão amplo, os curadores Bitu Cassundé e Ricardo Resende, que também coordena o Projeto Leonilson, desde 1996, vêm se dedicando há seis meses a curadoria da exposição "Sob o peso dos meus amores", que abre no próximo dia 16, no Itaú Cultural, na cidade de São Paulo.
Segundo Cassundé, a mostra, que recebe o nome de uma das obras do artista, conta com mais de 300 trabalhos, instalação, debates e a oficina de animação Click Play, para crianças, onde elas aprenderão a criar personagens em stop motion e produzir vídeos inspirados nas obras da exposição.
Paralelo a mostra haverá a apresentação dos espetáculos de dança "O tempo da paixão ou O desejo é um lago azul" (2004), da Companhia da Arte Andanças de Fortaleza, coordenada pela coreógrafa Andréa Bardawil; e "El Puerto" (2006) e "Dedicate" (2010), de Marcos Sobrinho, todos eles inspirados na produção de Leonilson.
A mostra também se expandirá para fora do espaço Itaú Cultural. A partir do dia 20 de março, será remontada a instalação "Sobre duas figuras" (1993), mais conhecida como "Capela do Morumbi", o local onde foi projetada pela primeira vez. Essa é uma obra póstuma que não chegou a ser vista pelo autor, que faleceu pouco antes.
"A exposição tem como eixo temático alguns aspectos estudados por mim na minha dissertação de mestrado. Assim, Ricardo e eu buscamos explorar como a palavra se localiza na obra de Leonilson, a forte ligação taxinômica em sua produção, e a ideia da obra como um grande arquivo, como a vida foi projetada e construída nela", explica o curador Bitu Cassundé.
Para Ana Lenice, irmã do artista e diretora do Projeto Leonilson, a exposição é resultado da parceria da instituição com o Itaú Cultural. "O Itaú estar digitalizando nosso material impresso. A parceria já faz um ano. A exposição traz muitas novidades, até mesmo para mim. Há muitas obras que só tinha visto por fotografias, como dois desenhos de Leonilson que vem do MoMA de Nova York. Há também obras dos acervos do Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro, Museu de Arte Moderna de São Paulo e de colecionadores particulares. Vejo a exposição com muita emoção", diz.
A amiga e curadora Dodora Guimarães também anseia em ver a maior individual de Leonilson já realizada. "Fui mais que amiga de Leonilson, eu fui quem o representei aqui em Fortaleza. Nós começamos praticamente na mesma época. Ele era muito intenso em tudo aquilo que fazia. Leonilson parecia que tinha pressa de viver, tudo na vida dele acontecia rápido. Ele era dono de uma pintura livre, lúdica e alegre. Leó é um artista muito interessante, ele foi a luta, tinha vontade de mostrar seu talento", ressalta.
Outros destaques
"Sob o peso dos meus amores" traz ainda como destaque o autorretrato "Mirror", assemblagem de feltro bordado e com costura, realizado por Leonilson nos anos 1970, e a vinda pela primeira vez ao Brasil da coleção do também artista e grande amigo Albert Hien.
Pela sua dimensão e importância, esta coleção vinda de Munique ocupa todo o primeiro subsolo do espaço expositivo do instituto e apresenta 71 obras - quatro de autoria de Hien, 66 assinadas por Leonilson, e uma instalação nunca antes exibida no país: "How to Rebuild at Least One Eight Part of the World" feita a quatro mãos pelos dois artistas. A maioria das obras são inéditas.
Segundo Ricardo Resende, o diálogo que Leonilson e Hien estabelecem em seus trabalhos impressiona. "É como se fossem um espelhamento de obras. Eles se reviram um na produção do outro. A diferença é que em Hien impera o sentido da forma; em Leonilson o que pesa mais são as relações interpessoais, mas sobre as mesmas formas".
A distribuição das obras de Leonilson é estruturada a partir de mapotecas, módulos onde estarão expostos trabalhos do artista, em que o público poderá manipulá-los. Haverá trabalhos nas paredes e a projeção de oito das agendas do artista que foi recentemente digitalizada pelo Itaú Cultural. (ACS)
Coleção de imagens, gestos e palavras por Maria Hirszman, O Estado de S.Paulo
Coleção de imagens, gestos e palavras
Matéria de Maria Hirszman originalmente publicada no caderno de cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 16 de março de 2011.
Mostra que será aberta hoje oferece visão ampla da produção de Leonilson
"Leonilson por ele mesmo": este bem poderia ser o título da exposição retrospectiva do artista, figura-chave da arte brasileira nos anos 80 e 90, que será inaugurada nesta quarta-feira,16, no Itaú Cultural. Por meio de uma seleção de aproximadamente 300 trabalhos - entre os quais destaca-se uma grande quantidade de anotações e pequenos desenhos, mas que contempla também algumas pinturas e esculturas emblemáticas -, a mostra amplia as leituras que reiteradamente privilegiam em sua obra aspectos específicos - como a expressão das minorias, o recurso a materiais e gestos cotidianos ou a construção de um discurso autobiográfico -, para ensaiar uma visão mais ampla e generosa.
Foram os próprios elementos expressivos usados pelo artista em seus trabalhos que sugeriram os fios condutores a serem explorados. A palavra, que tem grande importância em sua obra, ocupa lugar de destaque. É ela e uma série de outros elementos simbólicos recorrentes (como o globo terrestre, a cadeira, os rios e o corpo humano) que criam um fluxo contínuo entre os três blocos que compõem a exposição. No núcleo inicial, os curadores Ricardo Resende e Bitu Cassundé criaram um percurso biográfico, permeado por textos, obras e objetos de Leonilson (1957-1993), mapeando aquilo que mobilizava seu olhar e seu afeto.
A mostra, a mais importante dedicada ao artista desde a retrospectiva realizada em 1995 por Lisette Lagnado, parte de uma visão de Leonilson como uma espécie de taxonomista, de colecionador de imagens, gestos e palavras. "Ele vai classificar o mundo a partir dele", explica Cassundé. Outro aspecto bastante evidente nesse primeiro núcleo é a capacidade de Leonilson de tornar arte aquilo que em princípio pertence ao mundo banal, corriqueiro. "Como se fosse uma espécie de Midas, tudo que ele tocava virava arte", acrescenta Resende. Exemplos disso são suas agendas e cadernos, que estarão à disposição do público em versões digitalizadas.
O segundo núcleo da mostra reúne obras inéditas e farto material de arquivo, pertencentes ao artista e amigo Albert Hien. Merece destaque a obra How to Rebuild at Least One eight Part of the World, feita há quatro mãos em 1996 em - mórbida coincidência - plena crise de Chernobyl. Há também na exposição alguns trabalhos de autoria de Hien, destacando a importância da troca, das influências recíprocas que marcaram Leonilson e os artistas com quem ele conviveu.
No terceiro e maior segmento estão reunidos os trabalhos de maior dimensão e mais conhecidos do artista. Lá está o pequeno desenho/poema Sob o Peso dos Meus Amores, que batiza a exposição.
Além da mostra propriamente dita, uma série de eventos em torno da produção de Leonilson devem ocorrer nos próximos dias. O Itaú Cultural organiza ainda um seminário e um ciclo de performances e a Capela do Morumbi vai receber, a partir do próximo sábado, uma reedição da antológica instalação feita pelo artista no local em 1993.
MinC autoriza Maria Bethânia a captar R$ 1,3 milhão para criar blog e gera polêmica na web, O Globo
MinC autoriza Maria Bethânia a captar R$ 1,3 milhão para criar blog e gera polêmica na web
Matéria originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Globo em 16 de março de 2011.
RIO - A cantora Maria Bethânia entrou nos Trending Topics Brasil do Twitter na manhã desta quarta-feira, depois de ter recebido autorização do Ministério da Cultura para captar R$ 1,3 milhão, destinados à criação de um blog. De acordo com a colunista Monica Bergamo, da "Folha de S.Paulo" , a página "O Mundo Precisa de Poesia" terá um vídeo diário da cantora interpretando poemas, numa série de 365 clipes dirigidas por Andrucha Waddington.
No site do MinC, onde os detalhes do projeto estão disponiveis para consulta pública, ele é descrito como "um calendário virtual, que apresentará ao público 365 pílulas diárias de pura poesia. Uma forma democrática e idealista de levar poesia para a vida das pessoas por meio da mais potente ferramenta de comunicação do mundo atual". Do total do valor solicitado, R$ 1.798.600,00, foram aprovados para captação R$ 1.356.858,00.
Os internautas que colocaram Maria Bethânia nos Trendings Topics consideraram um exagero o dinheiro recebido para colocar o blog no ar. "Pô, Maria Bethânia, R$ 1,3 milhão em lei de incentivo para criar um blog? Não conhece wordpress.com?", indagaram os @blogueirosparanaenses, referindo-se à ferramenta de publicação gratuita Wordpress.
Sobraram também críticas para o MinC, que autorizou a captação para o projeto. Pelo Twitter, o músico Lobão jogou lenha na fogueira. "Sugeriria fezermos uma campanha tipo: DEVOLVE ESSA PORRA BETHANIA!!! Daí essa MPB formada por cadáveres insepultos querendo permanecer no presente contínuo através da chapa branca". Já o grupo mombojó, de Recife, fez uma comparação com sua própria dificuldade para captar recursos públicos: "E pensar que foi uma dificuldade aprovar míseros 35 mil reais para fazer o nosso primeiro disco pela lei de incentivo a cultura..."
Sem perder tempo, um internauta piadista criou no Blogspot (outra ferramenta de publicação gratuita) o " Blog da Bethânia - um milhão de motivos de motivos pra você acessar".
Veto a repasse do MinC ameaça Brasil em Veneza por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Veto a repasse do MinC ameaça Brasil em Veneza
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 16 de março de 2011.
Lei prejudica acordo com a Bienal de SP para representação do país na mostra italiana
Legislação que proíbe repasses inviabiliza convênio que estabelece que Funarte custeie exposição de brasileiro
A representação brasileira na 54ª Bienal de Veneza "encontra-se seriamente ameaçada". A afirmação foi escrita por Heitor Martins, presidente da Fundação Bienal, em carta à ministra da Cultura, Ana de Hollanda, e ao ministro das Relações Exteriores, Antonio de Aguiar Patriota.
"Não se trata de conflito, mas é um alerta, se em 15 dias o dinheiro não chegar, o catálogo e mesmo a obra do artista podem simplesmente não acontecer", disse Martins, por telefone, de Washington (EUA), à Folha.
Em um convênio com a Funarte e o Ministério das Relações Exteriores, dono do pavilhão brasileiro em Veneza, a Bienal de São Paulo ficou encarregada de organizar a representação nacional.
Desta vez, ela será realizada por Artur Barrio.
Segundo o acordo, a Funarte paga as despesas diretas. No entanto, a lei nº 12.377, de dezembro do ano passado, proibiu o repasse de verbas do MinC para entidades privadas, o que prejudicou o acordo com a Bienal.
O ministério, contudo, estuda medidas para repassar o montante. "Queremos resolver o problema. Estamos tentando achar uma fórmula, que pode ser o Ministério das Relações Exteriores passar o dinheiro ou a alteração da compreensão de evento, que é o que foi proibido de ganhar repasse do MinC", disse à Folha Antonio Grassi, presidente da Funarte.
"Enviamos a carta aos ministros porque creio que possam agilizar o processo. Seria um vexame o pavilhão não estar pronto", diz Martins.
A reportagem tentou, ontem, falar com a ministra, mas, segundo a assessoria, ela estava em uma reunião no Palácio do Planalto.
Martins diz que a Bienal já gastou cerca de R$ 250 mil, que não são parte do convênio, no cachê dos curadores -Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos- e no catálogo.
CONVÊNIO
A 54ª Bienal de Veneza será inaugurada em 4 de junho e, pela primeira vez na década, não terá brasileiros na mostra principal, curada pela alemã Bice Curiger.
A Bienal de São Paulo tem sido a responsável pela indicação do representante brasileiro desde os anos 1990.
Em 2001, o empresário Edemar Cid Ferreira, indicado pela Bienal, pagou não só a representação de Ernesto Neto e Vik Muniz, como também mostras de santos barrocos, fantasias de Carnaval e trajes de Carmem Miranda.
Em outros países, as representações costumam ser indicadas por organismos governamentais. "Nas próximas bienais, podemos rever esse convênio", diz Grassi.
Mesmo sem ter a renovação, contudo, Martins já anunciou que o curador da 30ª Bienal de SP, em 2012, Luiz Pérez-Oramas deve indicar o representante brasileiro em Veneza em 2013.
A gritaria contra o blog de Maria Bethânia é uma mistura de ignorância, preconceito e mau-caratismo por Jorge Furtado, Casa de Cinema de Porto Alegre
A gritaria contra o blog de Maria Bethânia é uma mistura de ignorância, preconceito e mau-caratismo
Matéria de Jorge Furtado originalmente publicada no blog Casa de Cinema de Porto Alegre em 17 de março de 2011.
Ignorância, porque parte de idéia absolutamente falsa de que os produtores do blog – que pretende exercer a tarefa vital de divulgar a poesia – recebeu ou vai receber este dinheiro do governo. Juro que tenho saudade do tempo em que se lia fato ou ficção, hoje o que mais há são equívocos e mentiras, que não são um nem outro. O fato é que a única coisa que os produtores do blog receberam do governo foi a autorização para se humilhar, pedindo a empresários, de porta em porta, que considerem a possibilidade de, ao invés de entregar parte de seus impostos ao governo, patrocinar, com a vantajosa exposição de suas marcas, um blog de uma extraordinária artista brasileira, blog este que tem como objetivo divulgar a poesia, não há tarefa mais nobre. Nada garante que os produtores do blog terão sucesso em sua jornada de mendicância entre a elite empresarial brasileira, frequentemente iletrada. O mais provável é que consigam apenas uma parte desta verba e tenham que redimensionar o projeto, o que seria uma pena. Na minha opinião, o governo brasileiro deveria tirar do seu caixa o dinheiro (1,3 milhões de reais, uma ninharia perto da roubalheira do Detran gaúcho, dos pedágios paulistas, da máfia do governo Roriz/Arruda no DF, etc, etc...) e entregar para a Maria Bethânia, junto com um buquê de rosas e um cartão, pedindo desculpas pela confusão.
Preconceito contra a internet, porque – como muito bem lembrou o Andrucha, na Folha: "Se fosse documentário ou filme para ser visto por cinco mil pessoas no cinema, ninguém estaria reclamando. Parece que internet não é um meio válido. Lá [no blog], os vídeos vão ser vistos por milhões, e de graça”. A distinção que alguns ainda fazem entre os meios cinema, televisão e internet seria engraçada se não fosse um empecilho ao desenvolvimento do país. Preconceito também contra os nordestinos, nas críticas sobram piadas contra os baianos, quase todas vindas do mesmo gueto branco direitista no enclave paulista, enfim, os eleitores de Kassab e Serra, gente que lê e cita a revista Veja e beija imagens de santo para ganhar voto e acha que poesia é "uma besteira".
Mau-caratismo, porque a “polêmica” criada pela notinha da Mônica Bergamo assanha, para variar, o furor udenista que almeja – e obtém – manchetes moralizadoras. “Eu sou melhor que você”, gritam o lobão e também os três porquinhos, unidos em sua santa cruzada. Um publicitário engraçadinho – mais um – fez um blog que lhe garantiu seus 15 minutos de fama, espinafrando a Bethânia. "Criei o blog porque não recebi uma bolada do MinC e achei injusto", comenta o pândego. Pergunta: era para ser um piada? Ele pediu algum dinheiro ao MinC? Em caso afirmativo, apresentou algum projeto? Qual seria? Com que objetivo? As críticas e piadinhas sobre o caso me fazem lembrar de uma das considerações de Hamlet, matutando se vale a luta ou é melhor acabar com a agonia: “o achincalhe que o mérito paciente recebe dos inúteis”. (Na tradução do Millôr.)
Chega a ser constrangedor ter que relembrar aos mais jovens que Maria Bethânia é uma das maiores artistas brasileiras de todos os tempos. Seus incontáveis discos e shows são um valioso patrimônio nacional, seu trabalho de divulgação de dezenas de compositores brasileiros ao longo de sua carreira são uma herança que ela deixa ao Brasil. Bem vale alguns barris do pré-sal. Talvez tenham sido os show de Bethânia, lá nos anos 70, meus primeiros contatos com a poesia de Fernando Pessoa e também com a prosa-poética de Clarice Lispector. Vai aqui, a ela, meu muito obrigado.
Polêmica sobre blog é equívoco, diz diretor por Marcus Preto, Folha de S. Paulo
Polêmica sobre blog é equívoco, diz diretor
Matéria de Marcus Preto originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 17 de março de 2011.
Cineasta Andrucha Waddington defende projeto de Maria Bethânia, do qual participa, após críticas na internet
Ministério autorizou captação de R$ 1,3 mi para site com vídeos da cantora e afirma não haver irregularidade
O cineasta Andrucha Waddington, que vai dirigir os vídeos do blog O Mundo Precisa de Poesia, considera "um equívoco" a polêmica em torno da decisão do Ministério da Cultura, que autorizou, anteontem, a cantora Maria Bethânia a captar R$ 1,3 milhão para o projeto.
O texto prevê produção e veiculação de vídeos diários de 1 minuto em que Bethânia vai interpretar poemas. O plano é que sejam colocados no ar 365 vídeos. A coordenação deverá ficar a cargo do sociólogo Hermano Vianna.
Noticiada ontem pela colunista Mônica Bergamo, na Folha, a aprovação da captação do dinheiro, via Lei Rouanet, teve repercussão e críticas nas redes sociais -estava entre as mais comentadas pelos brasileiros no Twitter.
"Se fosse documentário ou filme para ser visto por cinco mil pessoas no cinema, ninguém estaria reclamando", diz Waddington.
"Parece que internet não é um meio válido. Lá [no blog], os vídeos vão ser vistos por milhões, e de graça. Preciso trabalhar com uma equipe, com o mesmo padrão de qualidade dos meus filmes."
O cineasta estima que cerca de R$ 3.500 sejam usados por episódio, contando aí despesas com som, assistente de direção, produtor, ilha de edição, mixagem e pós-produção de imagem. Ele não revela seu cachê.
Procurada, Bethânia não quis comentar o caso. Mas seus sobrinhos, Jorge Velloso e Belô Velloso, saíram em defesa da cantora no Twitter.
"Não falei com minha tia ainda, mas já adianto que ela pensou de verdade em levar cultura para vocês. Que ingenuidade", escreveu Belô.
Jorge postou: "Caetano está errado. Lobão não tem razão! Nunca!". Referia-se ao inspirador de "Lobão Tem Razão", de Caetano. Lobão foi um dos que atacaram a decisão do MinC.
"Gerar projeto de poesia é muito bacana, mas as pessoas beneficiadas com essas leis são sempre as mesmas", disse Lobão à Folha. "O que fica bastante patente nesse movimento todo é que há uma parada chapa branca para a MPB. Na outra gestão, flagraram projetos de um milhão para DVD de Ivete Sangalo, Carlinhos Brown, Claudia Leitte. Viva a Bahia!"
O MinC declarou, em nota, que "a aprovação, que seguiu estritamente a legislação, não garante, apenas autoriza a captação de recursos" e que os critérios "são técnicos e jurídicos".
O texto do ministério dizia, erroneamente, que a captação seria feita via Lei do Audiovisual -horas depois, o órgão soltou outra nota com a correção.
PARÓDIA
Entre as críticas à decisão do MinC, estava o Blog da Bethânia, uma paródia do projeto. "Criei o blog porque não recebi uma bolada do MinC e achei injusto", disse o autor do site, o publicitário Raphael Quatrocci, 28. "O humor é a melhor forma de demonstrar indignação."
Segundo ele, o blog teve cerca de 50 mil acessos ontem.
A assessoria de Bethânia disse que acha "absurdo" o conteúdo do blog falso.
março 14, 2011
Brasileiros ficaram de fora de mostra geral da Bienal de Veneza por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Brasileiros ficaram de fora de mostra geral da Bienal de Veneza
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 14 de março de 2011.
Lista de 82 artistas privilegia artistas europeus, com 40 nomes
Nenhum artista brasileiro figura entre os 82 nomes da exposição geral da próxima Bienal de Veneza, divulgados sexta passada, em Roma.
Maior e mais tradicional mostra de arte contemporânea do mundo, a Bienal de Veneza deste ano começa em junho e tem curadoria da suíça Bice Curiger, ex-diretora da Kunsthaus de Zurique e uma das fundadoras da célebre revista de arte "Parkett".
Enquanto a última edição da Bienal, em 2009, teve na mostra principal brasileiros como Renata Lucas, Lygia Pape e Cildo Meireles, a atual edição privilegiou nomes da Europa, 40 do total, e norte-americanos, 12 dos 82.
Entre os países mais bem representados, além dos Estados Unidos, estão Itália, com nove artistas, a Suíça, com oito, o Reino Unido, com sete, a Alemanha, com seis, e a França, com cinco nomes.
Da América Latina, foram escolhidos os mexicanos Gabriel Kuri, destaque do último Armory Show, em Nova York, e Mariana Castillo Deball, a argentina Amalia Pica e o colombiano Nicolás Paris.
Esses são artistas convidados pela curadoria para ocupar o espaço central da Bienal, enquanto Veneza ainda mantém seus pavilhões nacionais com artistas indicados por cada país. O Brasil escolheu Artur Barrio como seu representante neste ano.
Destaques
Entre os destaques da seleção geral estão o alemão Sigmar Polke, morto no ano passado, o francês Cyprien Gaillard, o eslovaco Roman Ondak, os suíços Pipilotti Rist e a dupla Peter Fischli e David Weiss, além dos norte-americanos Cindy Sherman, James Turrell e Trisha Donnelly.
Mostra documenta criação de novo olhar por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Mostra documenta criação de novo olhar
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 12 de março de 2011.
Trabalhos de Aleksandr Ródtchenko evidenciam período artístico que pretendia revolução da sensibilidade
Assim como os demais artistas transgressores, Ródtchenko acabou perdendo o direito de trabalhar
"É preciso incentivar o amor pela fotografia, para que as fotos sejam colecionadas, para que se criem fototecas e aconteçam exposições fotográficas de grande escala", pregou Aleksandr Ródtchenko em "A Fotografia É uma Arte", de 1931.
Escrito num tempo em que manifestos artísticos eram moeda comum, além estar inserido no contexto revolucionário da União Soviética, iniciado em 1917, o texto é representativo do caráter utópico que a arte representava para figuras como o cineasta Sergei Eisenstein e o poeta Vladimir Maiakóvski.
Junto com o fotógrafo Ródtchenko, esses artistas buscavam criar um novo homem através de uma nova sensibilidade e, por isso, a experimentação foi tão usada por todos eles.
A exposição "Aleksandr Ródtchenko: Revolução na Fotografia" apresenta um excelente panorama desse momento em 300 obras, sejam fotografias, fotomontagens, capas de livro, revistas ou cartazes, realizados entre 1924 e 1954.
"Para acostumar as pessoas a ver a partir de novos pontos de vista é essencial tirar fotos de objetos familiares, cotidianos, a partir de perspectivas e de posições completamente inesperadas", defendia Ródtchenko, em 1928.
Assim, a mostra reúne um conjunto significativo de imagens que defendem essa nova proposta, que influenciaria o olhar fotográfico, definitivamente, a partir de então.
CERCEAMENTO
Se a experimentação foi motor do início da revolução, seu cerceamento, com o endurecimento do regime soviético, chega ao ápice quando, em 1932, o partido comunista dissolve as associações culturais e o realismo torna-se arte oficial.
Desse período torna-se claro que Ródtchenko, submetendo-se à nova linha, retrata o trabalhador, mesmo que por ângulos inovadores.
No entanto, assim como os demais artistas transgressores, Ródtchenko acabou perdendo o direito de trabalhar. A mostra em cartaz só foi possível porque sua família manteve sua obra intacta e conseguiu criar a Casa da Fotografia de Moscou, sede de grande parte das imagens da exposição.
"Revolução na fotografia", assim, é não só uma excelente reunião de trabalhos, como o testemunho de uma época de transformações radicais.
março 11, 2011
Adriano de Aquino cria projeto enxuto para o festival Europalia por Suzana Velasco, O Globo
Adriano de Aquino cria projeto enxuto para o festival Europalia
Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no jornal O Globo em 24 de fevereiro de 2011.
Paulo Herkenhoff deixa a curadoria do evento dedicado ao Brasil
No site do festival belga Europalia, que será dedicado ao Brasil este ano, há uma extensa lista de exposições com curadoria-geral de Paulo Herkenhoff. O crítico de arte, porém, deixou o projeto, e a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, nomeou o artista plástico Adriano de Aquino para cuidar do evento bienal de arte e cultura. Existente desde 1969, ele é sempre dedicado a um país e organizado em parceria entre o Estado belga - que está há 255 dias sem governo - e o homenageado. Aquino e sua equipe viajaram ontem para apresentar aos organizadores o novo conceito do festival, que será realizado de 4 de outubro de 2011 a 15 de fevereiro de 2012, incluindo artes visuais, teatro, música, dança, literatura TV e debates.
O diretor de Relações Internacionais do Ministério da Cultura, Marcelo Dantas, afirma que Herkenhoff nunca fora oficializado como curador, apenas apresentara um projeto que extrapolou o orçamento do MinC, sobretudo após o recente corte de gastos com a mudança de governo. Em vídeo no site do Europalia, porém. Herkenhoff aparece discursando numa grande coletiva de imprensa na Bélgica, em novembro passado. E, convidados pelo curador, artistas como Eduardo Frota e Rosana Palazyan já trabalhavam em projetos para o festival.
– O Paulo seria o curador, mas isso nunca foi formalizado. Houve um certo afobamento, anunciaram cedo demais uma programação quando nem o orçamento estava definido – diz Dantas. – A mudança de governo se somou a uma situação dura de restrição de recursos, sendo o Ministério da Cultura um dos que mais sofreram os cortes. O plano do Paulo foi elaborado sem restrições orçamentárias, bastante além dos meus parâmetros, que já eram otimistas. Ele pediu para se afastar. Não podemos esbanjar, estamos com dificuldade até para pagar os Pontos de Cultura.
Entusiasmo como tema
O orçamento ainda está sendo analisado pela ministra e só será divulgado na volta da viagem à Bélgica. Aquino diz que são irrelevantes a troca de curador e a reclamação de artistas de os recursos não terem sido liberados até hoje.
– O governo mudou, a única coisa que permanece é o compromisso do Estado brasileiro com o Estado belga – diz Aquino, que foi secretário de Cultura do Estado do Rio de 1999 a 2001. – Às vezes você se precipita, faz convites sem assinar contratos. O artista quer o dinheiro para produzir, eu entendo, também sou artista.
Enquanto o projeto de Herkenhoff - que não foi encontrado para falar sobre o assunto - tinha como base a ideia de antropofagia, Aquino quer nortear o festival em torno do tema “Espontaneidade, entusiasmo e alegria: o outro de nós". As artes visuais serão o destaque, mas não haverá mais de 20 exposições, como proposto por Herkenhoff. Aquino quer levar não só a arte moderna e contemporânea, mas também obras dos séculos XVIII e XIX, e inserir temas de economia, política e meio ambiente, já que o festival vai começar na época de uma cúpula Brasil-União Européia. Cada uma das outras áreas, como teatro e música, terá curadores específicos, mantidos em segredo.
– Não sou curador, por isso chamei um grupo de notáveis para pensar no que essa cultura herdada da Europa efetivamente produz de diferente. E acredito nessa característica muito forte da cultura brasileira que é o entusiasmo – diz Aquino.
Leia: Europalia: Relato das negociações por artistas, curadores e produtores
Europalia: Carta à Ministra da Cultura Ana de Hollanda / Ao Presidente da FUNARTE Antonio Grassi
A ficção da vida real por Paula Alzugaray, Istoé
A ficção da vida real
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada no caderno Cultura da revista Istoé em 11 de março de 2011.
Obra de Antoni Muntadas chama atenção para os mecanismos de controle da sociedade contemporânea
Dirigido por Jean-Luc Godard em 1965, “Alphaville” é um filme no limite entre a ficção científica e o gênero noir. Nessa trama policialesca que se desenrola numa cidade do futuro onde os habitantes são liberados para satisfazer seus desejos, mas vivem sob o controle de um sistema inteligente, a missão do agente secreto Lemmy Caution é destruir Alphaville e seu ditador, o computador Alpha 60. No início dos anos 80, no Brasil, a empresa Albuquerque Takaoka se inspiraria no clássico de Godard para nomear o primeiro grande bairro projetado no País, formado por condomínios fechados, localizado na região metropolitana de São Paulo. “Como o filme de Godard, Alphaville, o bairro, é uma utopia que não funciona”, afirma o artista Antoni Muntadas, em São Paulo, na montagem da exposição “Informação>> Espaço>> Controle”, na Estação Pinacoteca.
Cinema e publicidade são duas máquinas de ilusão sobrepostas em “Alphaville e Outros” (2011), instalação inédita em forma de showroom, desenvolvida por Muntadas especialmente para São Paulo. Formada por vídeos, grades, muros, faixas, pôsteres e uma coleção de palavras de ordem da sociedade de consumo, o trabalho atenta para os sistemas de persuasão ativos na vida contemporânea. “Os condomínios retomam as utopias de Brasília: uma fantasia de país versus uma fantasia de vida”, diz o artista. “Não invento nada. Meu trabalho é uma análise sobre os fenômenos contemporâneos.” As retóricas de controle e vigilância são o alvo de Muntadas desde o começo de sua trajetória artística, nos anos 70. A exposição pontua esse caminho mostrando três instalações e três trabalhos em vídeo, realizados entre 1978 e 2011.
A matéria-prima de seus trabalhos são sempre coleções: fotografias, cartazes, frases, imagens televisivas e cinematográficas – material disponibilizado de maneiras diversas a cada montagem. Cabe ao espectador a edição e organização desse material. “Este não é um trabalho pedagógico”, diz Muntadas. “On Subjetivity” (1978) é uma mostra de que a obra é sempre resultado de processos coletivos – mesmo que subconscientes. Composta de uma publicação, um vídeo e 50 fotografias extraídas da revista americana “Life”, a instalação é, segundo Muntadas, um museu de antropologia da imagem. “Nos anos 70, a “Life” era uma revista de infiltração ideológica”, afirma o artista, que, ao enviar uma carta com uma fotografia para 250 pessoas, pedindo que respondessem com uma legenda, evidencia uma subjetividade crítica inerente a essas imagens.
Gravuras no Masp exibem idas e vindas da figuração por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Gravuras no Masp exibem idas e vindas da figuração
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 5 de março de 2011.
Obras vão de paisagens a experimentos conceituais, passando pela abstração
Novo recorte do acervo do museu traz obras de Alfredo Volpi, Tarsila do Amaral, Flávio de Carvalho, entre outros
Não fossem as legendas, composições pontilhadas e tortuosas de Wesley Duke Lee, beirando o abstrato, talvez não fossem vistas como paisagens litorâneas que ele identificou como o Guarujá paulista e Paraty, no Rio.
Esse mesmo artista depois volta a confundir a forma sem rodeios, com um castiçal em primeiro plano que torna o pano de fundo uma espécie de negativo de um casal que se aproxima para um beijo.
São todas gravuras que estão no recorte proposto agora pelo Masp em sua coleção de papéis, juntando os maiores nomes do suporte no país.
É uma reorganização do acervo que tem como eixo central o foco na figura, que começa com a placidez das paisagens, depois o mergulho na abstração dos modernos e da geração 80 e termina com o retorno dessa figuração em chave conceitual.
Não estranha, então, a escolha dessas quatro gravuras de Duke Lee, morto no ano passado, como espécie de resumo informal da mostra.
Mas, ao lado dessas paisagens difusas, estão paragens mais nítidas de Volpi, Tarsila do Amaral e um idílio campestre de Carlos Oswald, de forte pegada art nouveau.
Esses contornos vão se esmaecendo ao longo da segunda sala da mostra, que reúne a anatomia em mutação de rostos e corpos retratados na ânsia dos artistas pela dissolução da forma.
Estão lá exemplos fortes do expressionismo de Flávio de Carvalho, uma gravura colorida de Iberê Camargo, além dos devaneios de Louise Weiss e Otávio Araújo.
Renina Katz fica no meio do caminho entre abstrato e figurativo depurando suas paisagens. São frestas de florestas, troncos ou trovões numa natureza selvagem, que abre caminho para a abstração quase total de Tomie Ohtake, Manabu Mabe, Maria Bonomi e Livio Abramo.
Mas mesmo pautada pelas idas e vindas da figura, a mostra não deixa de ser cronológica, reservando à ala mais nova os experimentos pop de Claudio Tozzi, a célebre Lindoneia, de Rubens Gerchman e o naturalismo agressivo de Alex Flemming.
Regina Silveira e Leda Catunda aliviam excessos de sexo e violência numa última alcova, com cores mais vivas e alguns truques visuais.
março 10, 2011
Galerias se mudam para São Paulo e acirram disputa por artistas por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Galerias se mudam para São Paulo e acirram disputa por artistas
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 3 de março de 2011.
Não é indolor a entrada de uma galeria de arte no mercado. E se esse mercado é forte como o de São Paulo hoje, novos jogadores no pedaço causam alvoroço e provocam fraturas nos relacionamentos entre artistas e galeristas.
No fim do mês, uma casa do Rio e outra de Recife se juntam na capital paulista, criando um entreposto central para seus territórios de origem. Laura Marsiaj, carioca, e Mariana Moura, pernambucana, abrem a Moura Marsiaj em Pinheiros, no lugar da extinta galeria Oeste.
"Já estou de mala e cuia para São Paulo", disse Marsiaj à Folha. "Tínhamos a necessidade de uma representação maior na cidade, somos duas galerias se unindo e cobrindo todo o território."
Mas nem tudo está vindo nessa mudança. Ficarão no Rio alguns de seus artistas já representados em São Paulo por outras galerias, caso de Barrão e Mauro Piva, da Fortes Vilaça, Lenora de Barros, da Millan, Iole de Freitas, da Raquel Arnaud, e Márcia Xavier, da Casa Triângulo.
Moura está deixando para trás um forte time representado em São Paulo pela galeria Nara Roesler --Artur Lescher, José Patrício, Laura Vinci e Gil Vicente, que mostrou seus desenhos de assassinatos de líderes políticos na última Bienal de São Paulo.
Em abril, quatro sócios, todos colecionadores, abrem a galeria Transversal, na Barra Funda, com um elenco tímido de nove artistas, mas que deve ganhar vulto com o tempo e arrisca atrair também nomes de outras casas.
Chamado choque de representações, a situação de um artista representado na mesma cidade por mais de uma galeria é comum em mercados desenvolvidos, como o norte-americano e o europeu, mas é um sintoma de que o mercado nacional entra numa nova fase, turbinado pelo forte interesse global.
Uma obra de Adriana Varejão acaba de ser arrematada em Londres por R$ 3 milhões, recorde de preço para um artista brasileiro vivo.
De olho em valores cada vez mais altos, galeristas alijados do centro financeiro do país agora se esforçam para levantar suas bandeiras em São Paulo, acirrando a disputa por artistas num mercado cada vez mais acelerado.
Enquanto em suas cidades de origem Laura Marsiaj e Mariana Moura estão entre as casas mais fortes do mercado, representando artistas consagrados, as duas tentam engrossar o time com jovens autores na cena paulistana.
CASAMENTO E DIVÓRCIO
Mesmo antes de abrir as portas, a Moura Marsiaj já tirou a pintora Renata De Bonis da galeria Oscar Cruz e a fotógrafa Amanda Melo da Zipper. Enquanto isso, Hildebrando de Castro, que começou a expor no Rio, na Laura Marsiaj, agora preferiu ficar na paulistana Oscar Cruz.
"Estamos com a política de não estimular esse tipo de comportamento", diz Mariana Moura sobre a troca de galerias por parte dos artistas. "A gente prefere manter a situação assim como está pelo menos por um tempo, mas é claro que essas mudanças de galeria sempre vão existir."
Mas também serão sempre indesejadas caso o artista que decide romper a relação seja um nome rentável para a casa. "Relação artista-galerista é como casamento", resume a marchande Nara Roesler. "Se algum não quiser ficar mais conosco, e não é isso que eu sei, ele tem o direito de trocar de escuderia."
Sobre o fim da relação com Amanda Melo, Fabio Cimino, da Zipper, usou palavras que lembram mesmo um rompimento amoroso. "Cada um segue o seu caminho, cada um escolhe o melhor", afirmou o galerista. "Espero que ela seja feliz para sempre."
Lenora de Barros já disse se sentir às vezes no meio da relação entre os titãs Laura Marsiaj e André Millan. "Minha galeria-mãe é a Millan", conta a artista. "A Laura Marsiaj chegou a conversar comigo para mudar há uns anos, e eu disse não, mas isso tudo foi bacana, sem confusão."
Enquanto isso, Millan pretende fazer o caminho inverso, abrindo uma filial de sua galeria, uma das mais importantes do país, no Rio, sem descartar possíveis choques com algumas casas cariocas.
No caso, Amilcar de Castro e Miguel Rio Branco, dois dos nomes mais fortes do time da Millan, são representados no Rio pela galeria Silvia Cintra.
"Acho complicado o artista ter duas galerias na mesma cidade, é uma coisa sem sentido, não existe", diz Millan. "Mas não há uma regra, penso que deve haver sempre uma escolha do artista."
Fora da arena dos gigantes, pequenas galerias que surgem no cenário recrutam nomes novos para não estremecer relações de mercado, caso da galeria Transversal.
"A gente se preocupou em não pegar nenhum artista de outra galeria para não gerar inimizades", diz João Grinspum Ferraz, um dos sócios. "Tem uma resguarda ética."
Brasil ameaçado na bienal de Veneza por Camila Molina, O Estado de S.Paulo
Brasil ameaçado na bienal de Veneza
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 4 de março de 2011.
Portaria impede repasse de verbas da Funarte para instituições privadas como a Fundação Bienal, que precisa de R$ 400 mil
A representação nacional brasileira na 54.ª Bienal de Veneza, a ser inaugurada em junho, está ameaçada por falta de recursos. Para a realização da instalação do artista Artur Barrio, escolhido pela Fundação Bienal de São Paulo para ocupar o Pavilhão Brasil na mostra italiana, a mais tradicional do mundo, seriam necessários R$ 400 mil. O montante viria da Funarte, ramo do Ministério da Cultura, mas uma portaria do fim do ano passado proíbe agora convênios do MinC com instituições privadas, uma fonte de recursos. "É preocupante para o País e afeta diretamente a Fundação Bienal de São Paulo", diz o empresário Heitor Martins, presidente da instituição. "Estamos há dois meses tentando achar uma solução, mas não posso dar certeza se conseguiremos", continua Martins.
Segundo ele, a proibição de convênios com instituições privadas é uma situação "grave", mas que "transcende a capacidade do Ministério da Cultura". Martins conta ainda que a Funarte afirma ter separado apenas "em tese" os R$ 400 mil para a realização da obra de Artur Barrio. O artista já vem produzindo seu trabalho para ser exibido num dos segmentos principais da exposição de arte. A portaria ainda afetaria diretamente, em relação à Bienal de São Paulo, o Programa Brasil Arte Contemporânea e as obras para a reforma do pavilhão da entidade, no Parque do Ibirapuera.
Apesar da fargilidade da situação, Heitor Martins diz que o corte anunciado esta segunda-feira, de R$ 526 milhões do governo federal para o Ministério da Cultura em 2011 não tem efeito imediato para a instituição paulista. São tempos de freios de recursos, já que o MinC também perdeu ainda, na semana passada, R$ 237 milhões de emendas parlamentares. Somente a partir da próxima semana o ministério vai fazer reuniões com os dirigentes de seus órgãos, como o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). "Nosso orçamento para 2011 seria de R$ 80 milhões, mas não posso calcular ainda o quanto será cortado", diz José do Nascimento Junior, presidente do Ibram, responsável por 28 instituições e editais. "No ano passado tivemos um freio grande, de R$ 47 milhões e fizemos um finalístico de R$ 35 milhões", completa.
O secretário executivo do MinC, Vitor Ortiz, afirmou ao Estado que a maior preocupação do ministério, nessa nova situação, vai ser administrar e pagar dívidas de anos anteriores. "Foi um corte relevante e estamos ainda fazendo simulações de recursos, mas as áreas priorizadas serão pagar débitos; os Pontos de Cultura e obras em andamento no setor de patrimônio cultural".
Custos considerados "muito altos" - foi esta também a justificativa do MinC a para a troca de Paulo Herkenhoff por Adriano de Aquino na curadoria do festival Europalia, a ser realizado entre outubro e janeiro na Bélgica e que terá o Brasil como homenageado. "Tinha de mudar mesmo porque o custo seria de R$ 70 milhões", disse Ortiz. A substituição de Herkenhoff foi polêmica no meio cultural.
No ano passado, o Ministério da Cultura convidou Herkenhoff para fazer a curadoria das atividades em torno do Brasil no Europalia.Quase 20 exposições já estavam programadas e figuravam até anteontem no site do evento. Herkenhoff não quis se pronunciar sobre sua saída.
Margareth da Silva de Moraes, uma das produtoras envolvidas na pré-produção do Europalia Brasil afirmou que os recursos viriam por meio de renúncia fiscal, da Lei Rouanet. "Não seria verba do MinC", disse. "Mesmo via Lei Rouanet todos são recursos públicos", rebateu Ortiz.
Frágil ministério por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Frágil ministério
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 4 de março de 2011.
Polêmica com Emir Sader e cabo de guerra em torno da reforma na Lei do Direito Autoral preocupam o Planalto; assessores da presidente Dilma pedem que ministra Ana de Hollanda neutralize opositores e mostre "agenda positiva"
O recado do Palácio do Planalto é claro: o MinC (Ministério da Cultura) precisa, com urgência, desvencilhar-se da "agenda negativa".
Num governo norteado pelo mantra da "agenda positiva" e pelo velho ditado que diz que "o peixe morre pela boca", a pasta comandada por Ana de Hollanda tem aparecido como exceção.
A despeito de ter um dos menores orçamentos da Esplanada, é um dos que mais tem aparecido na mídia. Não raro, metido em confusão.
Fontes ouvidas pela Folha confirmam que a exposição já causa desconforto no Planalto. Esta semana, a presidente Dilma Rousseff teria comentado, com interlocutores, que Hollanda precisa aprender a neutralizar os movimentos de oposição -venham eles do setor cultural ou do próprio ministério.
E se a presidente passou a se preocupar é porque, esta semana, a crise na cultura virou uma crise de governo.
O CASO EMIR SADER
Após entrevista publicada pela Folha em que o sociólogo Emir Sader, que deveria assumir a Casa de Rui Barbosa, chamou Hollanda de "meio autista", a ministra decidiu cancelar sua nomeação para o cargo.
Enfrentou, porém, resistências junto ao setor cultural do PT, que se sentia representado na pasta por Sader.
Numa tentativa de apaziguar o partido, foi escolhido, para seu lugar, o cientista político carioca Wanderley Guilherme dos Santos, ideologicamente próximo a Sader e ligado à diretoria do PT.
"Há setores do PT muito descontentes com a ministra", diz o cientista político Giuseppe Cocco, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Esse ministério é o grande erro do governo Dilma. É inexplicável a ruptura feita com a gestão anterior."
A sensação de ruptura, negada pela ministra, que prefere a expressão "continuidade", tem origem, sobretudo, na discussão sobre a reforma na Lei do Direito Autoral, proposta por Juca Ferreira, ministro do governo Lula.
A reforma da lei, um assunto explosivo e complexo, tornou-se o tema central da nova gestão. "Parte do setor cultural tem reagido com ansiedade", diz o secretário-executivo do Ministério, Vitor Ortiz. "Não se pode demonizar a discussão. O debate não foi finalizado ainda."
O DIREITO AUTORAL
O que está em jogo, nesse caso, é a flexibilização do tradicional "copyright", que, segundo alguns criadores e consumidores, já não cabe no mundo atual, marcado pelos avanços tecnológicos.
"É lamentável que uma discussão que foi pautada pelo debate público possa vir a ser concluída a portas fechadas, com a participação direta de pessoas ligadas ao Ecad, órgão que nem sempre se alinha aos interesses dos autores", diz o músico Dudu Falcão. O Ecad é o órgão que recolhe os direitos autorais.
O produtor de cinema Luiz Carlos Barreto, por sua vez, diz que a ministra, ao propor um recuo na revisão da reforma, está agindo com "prudência e sabedoria".
"Essa consulta pública só ouviu os músicos", diz Barreto. "A indústria cultural é muito maior que isso. A ministra está preservando o Brasil de um vexame. A reforma que tinham proposta não tinha pé nem cabeça."
Esta semana, o técnico que cuidava desse assunto no ministério, Marcos Souza, foi trocado por Márcia Regina Barbosa, servidora da Advocacia Geral da União (AGU).
"É natural que a ministra monte uma nova equipe. Ela tem que ter liberdade para escolher quem quiser", diz o secretário-executivo. "É preciso dar um tempo para que as coisas se acomodem. São só 60 dias de gestão. No centésimo dia, ela vai apresentar um plano de metas."
VOTO DE CONFIANÇA
O tom do "ainda é cedo" é adotado também por quem fazia oposição a Juca Ferreira e a Gilberto Gil. "Tenho restrições à postura acuada da ministra, mas temos que dar um voto de confiança", diz o ator Odilon Wagner, opositor dos antigos ministros.
Wagner teme, por exemplo, que Hollanda não tenha força suficiente para fazer com que a nova Lei Rouanet, em trâmite no Congresso, seja efetivamente votada.
O artista plástico Waltércio Caldas é outro que prefere trabalhar com a dúvida: "Há muitas fragilidades. Só não sei até que ponto são problemas que ela herdou ou problemas que está criando".
Leonilson por inteiro por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Leonilson por inteiro
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 8 de março de 2011.
Exposição reúne, a partir do dia 16, em SP, várias vertentes do artista, costuradas pela leitura de seus trabalhos como manifestações autobiográficas
Numa pintura de 1989, Leonilson construiu uma cartografia de rios que deságuam num círculo vermelho, entre eles o Tietê, o Paranapiacaba e outros braços que se chamam "Confusão", "Olhar Fundo", além de um lago azul de nome "Desejo".
Se fosse um autorretrato, algumas veias no mapa seriam Bispo do Rosário e Lygia Clark. Ele, pela loucura que guia a agulha nos traços e palavras dos bordados. Ela, pela dimensão cromática e do corpo que soube arquitetar com potência em sua obra.
Na exposição que o Itaú Cultural abre no próximo dia 16, em São Paulo, essas múltiplas vertentes da obra do artista aparecem costuradas pela leitura de seus trabalhos como repetidas e duras manifestações autobiográficas.
Leonilson, agora na maior mostra já dedicada à sua obra, é visto como o produto sofrido da solidão em mais de 300 trabalhos que construiu em sua curta carreira, abreviada pela morte aos 36 anos, por causa da Aids.
DESPEDIDA
Embora descrito como sujeito "sempre apaixonado" pelo curador da mostra Ricardo Resende, essa leitura do artista abalado pelo peso do mundo também ressurge na retrospectiva como ser fragmentário, um neorromântico que foi ao mesmo tempo espelho de sua época.
No momento em que abandona, por uma alergia aos pigmentos, as pinturas em grande escala, que o fizeram despontar na chamada geração 80 ao lado de figuras como Leda Catunda e Sergio Romagnolo, Leonilson fez como espécie de despedida o trabalho dos rios, em que se colocou no centro de um forte turbilhão de influências.
Depois disso, sua obra se volta para pequenos desenhos e bordados delicados, que desafiam a escala dos espaços expositivos.
Não por acaso, esse momento é 1989, ano da queda do Muro de Berlim, do fim das utopias e perto da descoberta da doença que tiraria sua vida -ele chegou a se referir à Aids como "peste".
CRONISTA DA ÉPOCA
"Tem uma coisa solene na obra dele", diz à Folha a curadora Lisette Lagnado, autora de "São Tantas as Verdades", livro que virou referência sobre o artista. "Mas, de fato, a atmosfera dessa época transparece no que ele vai escrever, no que estava acontecendo, ele foi um cronista."
Lagnado chama esse período de "grande ressaca" que veio depois do desbunde das conquistas sociais e políticas dos anos 80, de uma democracia em construção e seus valores mais flexíveis.
Na obra de Leonilson, são trabalhos como o bordado em que escreve numa fronha a palavra "ninguém". Ou a peça em que costura quatro quadrados de cor que chama de cheios e vazios, como um pulmão que respira movido por intervalos cromáticos.
"Não deixa de ser um retrato do corpo do artista, a respiração, algo que fala sobre estar vivo", diz o curador Ricardo Resende. "Ele foi muito solitário, tímido, mas essa solidão é também um espelhamento do homem contemporâneo, são sentimentos que tocam todos."
De fato, Leonilson se via um pouco com o rosto de sua época mais do que o homem específico que sofria em carne viva.
No trabalho mais antigo da mostra, um autorretrato, constrói uma caixa de madeira com tampo de vidro. Deixa ver dentro um pedaço de feltro com a inscrição "Mirro", referência à palavra francesa para "espelho".
É como se ele fosse ao mesmo tempo esse "homem contemporâneo", com o rosto anônimo de quem vê a obra.
"Por isso eu defendi com muito ardor o trabalho dele", lembra Sheila Leirner, que escalou Leonilson para a Bienal de São Paulo em 1985. "Senti que tinha uma grande verdade no trabalho dele."
Obra montada pela primeira vez naquela Bienal, "A Grande Pensadora" será reconstruída agora para a mostra do Itaú Cultural. É um símbolo do infinito estampado no chão, um globo terrestre sobre uma base encimado ainda por uma biruta que mostra a direção dos ventos.
Deixa ver que nas pinturas, nos desenhos e nos bordados, Leonilson se deixou levar por vários entroncamentos e rotas desde o início.
De que Ana de Hollanda tem medo? por Bruno Cava, Quadrado dos Loucos
De que Ana de Hollanda tem medo?
Artigo de Bruno Cava originalmente publicado no blog Quadrado dos Loucos em 4 de março de 2011.
Na última semana, extravasou na grande imprensa a controvérsia que vem marcando os dois primeiros meses de ministério da cultura sob direção de Ana de Hollanda. Desde janeiro, intenso debate circula nas redes sociais, porém, só com o afastamento de Emir Sader pela ministra, intelectual antes cotado para assumir a Fundação Rui Barbosa, os conflitos receberam maior destaque. Agora, muitos começam a informar-se sobre o que pode ser a primeira crise mais séria do governo Dilma.
O dissenso foi provocado pela ação de militantes, comunicadores, pesquisadores, produtores, ponteiros e cidadãos, dentro e fora da internet, partidarizados ou não, que fizeram ou não a campanha de Dilma. É um movimento heterogêneo, difícil de classificar. Começou brando mas vem crescendo à medida que as avaliações iniciais sobre a nova política cultural se confirmam, diante das medidas concretas tomadas pelo ministério. Como primeira vitória, temas relacionados ao novo MinC foram resgatados dos suplementos "mercado" ou "dinheiro", da grande imprensa, onde estavam sendo abordados, de volta aos cadernos culturais ou políticos.
Pode parecer uma controvérsia menor, levando em conta o orçamento do ministério da Cultura, em relação a outras áreas do governo. Seriam alguns tostões (0,12% da despesa federal) comparados às fábulas despendidas pelos ministérios da previdência, da saúde, da defesa, da educação.
Mas seria interpretar o problema numa métrica falha: o valor de uma cultura não se afere quantitativa, mas qualitativamente. Com ainda mais razão, nas últimas décadas, com a mutação das forças produtivas. Autores chamam-na de virada para uma sociedade pós-industrial, pós-moderna, pós-fordista, da informação e conhecimento.
Como quer que seja batizado, emergiram novas formas produtivas, numa espécie de revolução pós-industrial, em que o imaterial passou a comandar a geração de valor. Isto não significou o abandono da produção industrial, mas a sua reconfiguração num novo paradigma. Da mesma forma que a mutação do trabalho no século 19 industrializou a agricultura, sem porém substitui-la, hoje ocorre um processo de pós-industrialização da produção industrial.
Com isso, a cultura, como criadora e propagadora de valores intangíveis, se torna imediatamente produtiva. Na nova economia, a cultura e o conhecimento movem e qualificam a cadeia produtiva. Por isso, a cultura não pode mais ser tratada como acessório ou departamento, como numa divisão fabril. Ela passa a atuar de modo transversal a todos os ministérios, qualificando direta e indiretamente todas as políticas públicas (como o meio-ambiente). Não há mais economia da cultura, a economia é cultura.
Por mais que defensores da atual gestão desqualifiquem o movimento que lhe contesta, --- como se não passasse de uma revide paroquial de grupos alijados, tentando recuperar aparelhos e cargos; --- na realidade, o que está em jogo são duas concepções de cultura profundamente diferentes e irreconciliáveis. Trata-se de um corte conceitual, por assim dizer, entre a cultura como mundo e o mundinho da cultura.
No governo Lula, o núcleo das políticas do MinC consistiu no complexo da Cultura Viva, sobretudo os Pontos de Cultura. Além do assistencialismo, os Pontos vem exprimindo uma nova forma de produzir e afirmar-se, uma forma autônoma. Foi a formulação mais feliz, enquanto técnica de governo, de um movimento imanente à sociedade.
Com os Pontos, o estado não está simplesmente doando a fundo perdido. Reconhece a dimensão produtiva da juventude, dos pobres, das periferias e dos rincões, das minorias negras, quilombolas, indígenas. O estado reconhece que eles têm uma força própria, uma potência de vida, que não precisam ser incluídos na economia apenas como consumidores. E então investe, fornecendo condições materiais para que cada nó da rede se autovalorize e crie, ele mesmo, os conteúdos de sua cultura, --- no ato mesmo em que os dissemina, miscigena e remixa com o restante da teia.
Longe de induzir dependência (viciar o pobre na mamata), trata-se de um investimento com custo relativamente baixo, mas que colhe imensuráveis dividendos à sociedade. Se existem passivos, e por óbvio toda política deve ser permanentemente aperfeiçoada, do outro lado desponta um imenso ativo: o empoderamento do cidadão como produtor de seu mundo, um campo produtivo liberto de subordinação e partilhado em rede. Todo o conjunto funciona num ciclo virtuoso de cultura, política e economia.
Não à toa, no governo Lula, os Pontos de Cultura contemplaram cerca de 8,4 milhões de pessoas, e o sociólogo Giuseppe Cocco, da UFRJ, considere-o essencialmente complementar ao programa Bolsa Família. Assim o cidadão não só tem acesso à renda, como também condições de produzir valores. Se o governo Dilma for esperto, colocará os Pontos no mesmo patamar do Bolsa Família: imune a cortes, prioridade de expansão, coordenado com outras políticas sociais.
Vale destacar que essas configurações produtivas não foram simples efeito das políticas do MinC. O ministério não as produziu. Elas já aconteciam. A sociedade global já se reorganiza no sentido de adaptar-se às novas liberdades das redes. A disseminação generalizada de conhecimento e cultura já é uma realidade incontornável e irreprimível, do mesmo modo que a forma de militância que lhe corresponde. Uma militância em enxame, simultaneamente política, cultural e social, como a que vem realizando a primeira Revolução 2.0, na Tunísia e no Egito.
Portanto, foram as lutas dos trabalhadores precarizados, de todos os excluídos por décadas de neoliberalismo, que abriram uma brecha para esse modo criativo de viver cultura. O MinC com Gilberto Gil e Juca Ferreira somente aceitou essas mudanças, não as tentou bloquear ou criminalizar, e se deixou ocupar e ser formulado por um movimento multitudinário e enxameante.
Daí a conquista dos Pontos de Cultura e a afirmação dos novos direitos desse mundão 2.0, cujos slogans são compartilhamento e vibração em rede. O social não está matando a cultura; devoram-se amorosamente um ao outro.
O que acontece quando Ana de Hollanda e sua equipe de formuladores (os policymakers) assumem o ministério? Uma reviravolta. Tudo o que, em alguma medida, remete às novas liberdades, aos novos modos de produzir, à pós-industrialização, tudo isso se torna obscuro e ameaçador, ou então ingênuo e populista.
Daí a esconjuração, açodada e sem consulta, do Creative Commons (CC). Logo na primeira canetada, até hoje sem qualquer explicação razoável pelos novos gestores. Eles sequer demonstram saber do que se trata, senão talvez como uma vaga associação do CC a essas "obscuras mudanças". Afinal, CC e copyleft são as principais alternativas ao sistema cerrado de propriedade imaterial, o copyright; conquanto, a bem da verdade, nada haja de revolucionário nessas licenças mais flexíveis por si mesmas.
Daí também o temor quanto à reforma da Lei dos Direitos Autorais brasileira, uma das mais draconianas do mundo, que segrega do domínio público as obras, e por até 70 anos depois da morte do autor. O projeto tem sido profunda e extensivamente discutido desde a sua formulação no governo Lula, com 80 encontros nacionais, 7 seminários e uma consulta pública que colheu mais de 8.000 sugestões. Desconheço projeto de lei tão minudenciado, inclusive em sites como htttp://www.reformadireitoautoral.org ou http://www.cultura.gov.br/consultadireitoautoral
A quem não interessa a transformação, tão potencializada pelo governo Lula?
Primeiro, às grandes corporações que exploram a cultura. Às indústrias culturais que ainda apostam no modelo antigo e excludente. Quem mais lucra com propriedade imaterial não é o autor, mas os atravessadores: gravadoras e editoras. Indo só um pouquinho além do autor, logo ali em frente, percebe-se que a cultura não se faz só no momento da autoria. O ministério não é do Artista, mas da cultura.
Há toda uma cauda longa (99%?) de técnicos, roteiristas, produtores culturais, seguranças, faxineiros, promoters, designers, críticos, blogueiros, jovens músicos, maquiadores que não recebem um tostão em propriedade autoral. Ainda menos no século 21, em que o processo sobreleva ao produto em si. Hoje a renda vem muito mais da circulação, do marketing, da constituição dos públicos, da interatividade, da abertura para o remix; do que das tradicionais obras magnas, --- aquelas gravadas no bronze da eternidade.
Para a indústria, não interessa remunerar essa massa de precários com Pontos de Cultura, editais democráticos, ação Griô etc. Os trabalhadores culturais precários, quando simplesmente não desistem dessa carreira, vêem-se na contingência de vender barato sua criatividade, assim como o artista jovem (na verdade quase todos) os seus "direitos autorais".
Sem ter pra onde correr, essa lógica de mercado mata dois coelhos de uma vez: 1) suprime a autonomia do produtor, obrigado a se subordinar aos patrões empresários, e 2) obriga-o a viver de bicos e contratos temporários, incapaz de negociar melhores condições.
Isso explica o porquê da centralidade da "criação" e do "criador" nos discursos da ministra e seus apoiadores. A indústria, com sua divisão social piramidal, é a melhor forma de valorizar o criador, o Artista, que fica no topo ,--- o rei-filósofo no comando da cidade da cultura. Esses medalhões, a maioria com mais de 50, não formam uma classe ("classe artística)". No máximo, uma corporação inadaptada e paranóica com os novos modos de produzir, organizada para tentar salvar os seus benefícios.
Por muito tempo a cultura brasileira se pautou pelo predomínio da "classe artística". Os holofotes da grande mídia contornavam sistematicamente a criatividade imanente do país, as produções de periferia e interior, dos pobres. Não foi o MinC que derrubou o negócio. Mas a sociedade. O MinC com Lula e Gil e Juca veio democraticamente a reboque, e potencializou esse movimento.
Antes, essa produção era tratada como folclore, num regionalismo condescendente, ou então como mística do povo --- e não como o coração e o sangue da criação do universo. Algo que somente artistas pensantes, como Gláuber, Oiticica ou Gilberto Gil, enxergavam já na década de 1960. Eis mais um dos motivos que a sociedade inventou e desenvolveu as mídias livres, ou que artistas mais seminais se deixaram invadir pela potência da multidão. Para se autovalorizar, pois a grande imprensa e indústria não davam valor.
Na cultura como mundo, os medalhões vêem ameaçado o seu status superdimensionado, por vezes narcísico. Essa superexposição de uns poucos é promovida pela indústria para codificá-los e valorizá-los como marca. E então extrair daí seu lucro, através da transmissão da imagem e do copyright. Claro, muitos sempre tiveram qualidade (quem vai dizer que Chico Buarque ou Caetano não sejam brilhantes?), mas quantos aí não foram golpes de marketing? Quantos filhos ou irmãs de celebridades não hauriram essa marca, por tabela?
O discurso pró-Ana de Hollanda retoma a mesma acusação de amadorismo, antes imputada ao "povão". Os Pontos de Cultura são ingênuos e demagógicos, funcionam num clima "meio estudantil" e não trazem resultados concretos. O mesmo tom de Hosni Mubarak, o ditador egípcio, quando a confrontado com a revolução 2.0. O mesmo tom de Luiz Carlos Barreto ou Cacá Diegues, que agora pretendem "acertar as contas" com os arranjos produtivos que os contornam (contornar a Globo Filmes, por exemplo). No fundo, eles pedem, e esperam que Ana de Hollanda conceda: não dêem o dinheiro pra esses moleques e merdinhas, dêem para nós... nós que somos os profissionais!
Quanta falta de generosidade... quanto preconceito em não crer na qualidade das pessoas!
Aí se explica, também, o discurso cultura-e-mercado, que desde FHC (cujo MinC tinha por slogan "A cultura é um bom negócio") não predominava de modo tão acintoso. Novamente, para desmerecer a produção em rede: insustentável.
Sustentável seria a indústria tradicional, articulada com a exploração da propriedade imaterial. Como se esta não dependesse historicamente de isenções, subsídios, "verbas de emergência", repasses diretos. Aqui, mercado ou estado atuam como unha-e-carne, planejando os investimentos. Por isso, seria tão central passar a investir em "indústrias criativas", --- um nome engenhoso para o projeto de enquadrar cabalmente a cultura ao mercado. Ou seja, à subordinação da produção cultural às corporações, ao emprego formal, ao copyright, à gestão centralizada dos recursos.
No ano passado no Rio de Janeiro, a aplicação das teorias da economia criativa, --- uma cria, aliás, do governo neoliberal de Tony Blair na Inglaterra, --- não fez mais do que concentrar os investimentos públicos (R$ 270 milhões) em mega-museus. Que serão explorados por quem? Pela Fundação Roberto Marinho.
Por enquanto, a ministra vai promovendo a "economia criativa" por onde passa, enquanto faz promessas à rede da Cultura Viva, que tudo vai continuar como antes, normalizado. A discussão da LDA? Perguntada, não é papel de ministra opinar, mas de uma comissão de especialistas jurídicos, que vai reapreciá-la. Novamente o discurso técnico, como se o regime de propriedade, material ou não, não fosse questão das mais políticas.
Enquanto isso, a secretária Marta Porto, que nem foi nomeada, correu o Brasil para abrir o diálogo com a rede de Pontões e Pontos de Cultura. O MinC está em dívida com a rede, com pagamentos atrasados na ordem dos R$ 60 milhões. As boas intenções são irrefutáveis, mas faltaram informações palpáveis de prazos, metas e o planejamento para a expansão prometida da Cultura Viva.
Basicamente, a questão colocada pela secretária foi a disjunção exclusiva: qualificar ou expandir? Isto é, arrumar a casa (numa crítica implícita à gestão anterior) ou crescer a rede? Para Ivana Bentes, diretora da ECO/UFRJ, é preciso qualificar e expandir, numa disjunção inclusiva. E quem deve qualificar o MinC são os Pontos, com sua experiência adquirida de democracia e produtividade, e não o inverso, uma gestão que começou agora.
É no mínimo sintomático como a Aliança Internacional de Propriedade Intelectual (IIPA) --- tão querida pelas mega-gravadoras, pelas majors do cinema e pela Microsoft --- passou a ver com bons olhos o governo brasileiro, quando, no governo Lula, estava na "lista negra". Quase ao mesmo tempo, no Fórum Social Mundial, em Dacar, os movimentos elaboraram e encaminharam uma carta à ministra, no sentido oposto, preocupado com possíveis retrocessos.
Por tudo isso, a luta não é por nomes ou números, mas por uma concepção global de política, cultura e sociedade. Por um projeto de democracia. O ministério da cultura exerceu papel ímpar no governo Lula, como vanguarda propositiva e qualificador das políticas públicas. Ainda foi pouco, e é preciso consolidar e ampliar as redes, mesmo que seja apesar, quiçá contra o novo governo.
Está ficando claro que isso dependerá muito mais da articulação e do movimento dos atores culturais, que continuarão produzindo na precariedade, e já mostraram não ser vacas de presépio, do que dessa gestão. O MinC voltou a ser só estado.
Post Scripta.
Este blogue tem participado dos debates sobre as posturas do novo Ministério da Cultura encabeçado por Ana de Hollanda. Em 30 de janeiro, alertou sobre o teor conservador das primeiras atitudes da gestão. Uma semana depois, na entrada daqui mais lida em 2011, publicou um artigo mais completo, tratando de Pontos de Cultura, redes produtivas e indústrias criativas. Nele, se argumentou como os novos rumos desse MinC ameaçam as conquistas e os direitos potencializados pelo governo Lula, com os dois ministros da cultura anteriores, Gilberto Gil (2003-08) e Juca Ferreira (2009-10). No dia 10 do mês passado, editou um terceiro texto, mais específico sobre a propriedade autoral e seu tratamento no novo ministério, comentando opiniões de Caetano Veloso e sua incorporação ao site oficial da pasta.
Recomendo os seguintes textos sobre o mesmo assunto:
A voz dos poucos e barulhentos, por Rodrigo Savazoni (Trezentos)
Anticultura ou Anna e a cultura de mercado, por Danilo Marques (O Inferno de Dândi)
O poderoso lobby multinacional do ECAD, por Carlos Henrique Machado, de quem aliás tirei a sugestão de título. (Cultura e Mercado)
MinC se torna ministério problema, por Renato Rovai (Blog do Rovai)
Também valem muito ler, sobre o tema, os textos elegantes e densos de Cézar Migliorin, em geral, no seu blogue Polis + Arte
A voz dos poucos e barulhentos ou: a emergência das redes culturais por Rodrigo Savazoni, Trezentos
A voz dos poucos e barulhentos
ou: a emergência das redes culturais
Artigo de Rodrigo Savazoni originalmente publicado no blog Trezentos em 3 de março de 2011.
O jornalista Leonardo Brant, do site Cultura e Mercado, escreveu um texto hoje em defesa da Ministra da Cultura Ana de Hollanda. Brant, que vem mantendo estreita colaboração com a coordenação do atual ministério, inclusive se prontificando a intermediar o diálogo dos gestores da pasta com os movimentos de cultura digital, afirma que a ação nas redes sociais e na imprensa contra as medidas tomadas por Ana de Hollanda é resultado de um esforço orquestrado por poucos e barulhentos atores que apoiavam a gestão de Gilberto Gil e Juca Ferreira.
Não é verdade. Temos debatido as posições do Ministério de Ana de Hollanda, Vitor Ortiz e Antonio Grassi – a trinca de gestores que comanda a pasta – a partir dos fatos que eles mesmos geraram, das indicações eloqüentes que têm sido dadas. Não porque tenhamos quaisquer compromissos com este ou aquele grupo, mas porque somos favoráveis à continuidade das vitoriosas políticas culturais do governo Lula. Não por meio de uma central de boatos e falsos argumentos contra o Ministério, mas sim do debate público.
Portanto, é preciso dizer, a leitura de Brant não tem lastro na realidade e reduz uma ação legítima a um mero jogo subterrâneo de poder.
É sempre bom recuperar os fatos.
Como essa história começa?
Logo que foi anunciada Ministra da Cultura, em entrevista coletiva na sede do BNDES, Ana de Hollanda demonstrou interesse em debater a questão dos direitos autorais, utilizando-se de argumentos comuns aos opositores da proposta de revisão da lei brasileira de propriedade intelectual, que havia sido objeto de consulta pública em 2010.
Uma rede espontânea de ativistas e artistas então produziu uma carta aberta, publicada na plataforma CulturaDigital.br, propondo diálogo. Isso ainda em 2010. A carta jamais foi respondida por Ana ou sua equipe.
Com quinze dias à frente do Ministério da Cultura, a ministra ordenou a retirada da licença Creative Commons do site, mesmo com pessoas próximas e de sua confiança orientando-a a não fazer isso. Nesse momento, sua equipe de secretários nem sequer tinha sido nomeada, o que ocorreu um dia depois, em meio às críticas pela decisão política arbitrária – que Ana defendeu como uma mera escolha técnica.
A partir daí, uma série de fatos ligados à questão dos direitos autorais começou vir à tona, todos eles demonstrando uma inflexão favorável aos atores contrários à reforma.
É bom lembrar que o principal argumento utilizado pelo atual Ministério foi o de que houve pouco debate nos últimos anos. Não é verdade. Nunca se debateu tanto o tema. Até por isso, o grupo que agora irá dirigir o debate sobre direitos autorais estava sendo derrotado, por inconsistentes que são suas posições, mas conseguiu se articular para coordenar o processo.
A ação contra as decisões (e não contra a pessoa) de Ana de Hollanda visam a garantir a continuidade que se consagrou vitoriosa com Dilma Roussef.
Não se pode reduzir uma política baseada em princípios a um mero movimento de deslocamento de poder. O levante que está nas ruas é reflexo de escolhas e ações da atual administração. É uma reação ao processo de desmonte das conquistas do governo Lula no campo cultural, e não uma tentativa de preservação de espaço.
É uma articulação para que os Pontos de Cultura continuem a ser o centro das políticas. Para que a ideia dos pontos não seja substituída por uma visão elitista de construção de equipamentos culturais reponsáveis por “levar cultura” a quem não tem.
Outro aspecto que me força a escrever esse texto é a percepção de que a mesma arrogância que marcou algumas das decisões recentes do Ministério da Cultura surge na leitura que Brant faz de seus opositores.
Trata-se de um velho truque: a tentativa de desqualificar o interlocutor, questionando sua condição de agente político. Esse movimento denota má intenção ou desconhecimento (1) das dinâmicas sociais recentes do país e (2) da forma como a política se organiza no contexto das redes interconectadas.
Sobre o primeiro ponto, vale dizer que nos últimos anos o complexo país em que vivemos viu emergir uma série de movimentos e redes ligados ao campo político-cultural. Parte desse crescimento foi induzido pelo do-in antropológico promovido por Gilberto Gil e sua equipe.
Durante o governo Lula, os agentes da diversidade cultural foram reconhecidos e alçados à condição de protagonistas da cultura, o que ampliou o arco das políticas públicas de cultura de forma pioneira. Também é preciso dizer que o movimento de comunicação, cercado pela escolha de Hélio Costa para dirigir a pasta, teve no MinC de Lula um importante aliado.
Esse movimento que espontaneamente age em rede tem em comum o fato de se beneficiar do avanço das novas tecnologias, filosoficamente e como instrumento de luta. Ou seja, a internet, ao permitir a livre circulação de bens culturais, (dês)organiza a economia tradicional da cultura, baseada no copyright, e redefine noções como centro-periferia, local-global, sucesso-fracasso. Também opera como fundamental instrumento de organização em rede, o que para as novas gerações aparece como alternativa estruturante de ação política – em face do ocaso dos partidos e das organizações tradicionais.
Somos muitos os reunidos nessa operação descentralizada pela continuidade das políticas de Gil e Lula: Partido da Cultura, Movimento Música para Baixar, Circuito Fora do Eixo, Festivais Independentes (Abrafin), Casas Associadas (circuito de casas de espetáculo), Pontos de Cultura, Movimento Cultura Digital, Campanha Banda Larga: um direito seu! Frente pela Reforma da Lei de Direitos Autorais, Movimento Mídia Livre, Blogueiros Progressistas, Mega Não (contra o PL Azeredo), Movimento Software Livre, entre tantos outros.
Esses organismos todos supracitados ainda não são os únicos agentes relevantes desse processo. Porque muito do que surgiu nos últimos dias é fruto do cidadão autônomo e consciente, sem organização ou militância definida, que vem fazendo valer o seu poder de mídia.
Estamos, pois bem, diante de um sistema complexo, composto por gente que agita ou produz cultura, que realiza, estuda e movimenta, dentro e fora das Universidades, dentro e fora das estruturas do mercado tradicional, dentro e fora dos partidos políticos (muita gente do Partido dos Trabalhadores tem participado dessa mobilização).
Um enxame, sem centro, sem lideres, que não começou com uma reunião nem irá terminar assim. É a própria dinâmica da vida em rede se expondo, e – por isso, só por isso – acaba por fazer barulho.
Sigamos, então, com o debate, mas sem tratar aliados históricos das causas da democratização da cultura e da comunicação, que ajudaram a construir o governo Lula e a vitória de Dilma, de forma desrespeitosa. Isto não é um convescote. São os rumos do país que estão em questão.
Quem tem medo de Ana de Hollanda? por Leonardo Brant, Cultura e Mercado
Quem tem medo de Ana de Hollanda?
Artigo de Leonardo Brant originalmente publicado no Cultura e Mercado em 3 de março de 2011.
A ministra da Cultura anunciou hoje o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos como novo presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa. Com isso, espera estancar mais uma polêmica envolvendo a recuperação do Ministério da Cultura, em constante ameaça por grupos de interesse que ali se instalaram durante a gestão de Juca Ferreira.
No último domingo (27/2), durante conversa telefônica, a ministra Ana de Hollanda pediu que o sociólogo Emir Sader se retratasse sobre entrevista dada ao jornal Folha de S. Paulo, em que a chamou de “meio autista”. Sader disse que a frase havia sido publicada fora de contexto. E publicou um artigo em resposta à matéria do jornal (clique aqui para ler).
Na terça (1/3), a Folha publicou o áudio da entrevista na internet. Na quarta (2/3), Ana de Hollanda informou que Sader não assumiria mais o cargo ao qual havia sido indicado. A decisão de não nomear o sociólogo foi sacramentada durante reunião da presidente Dilma Rousseff com outros integrantes da cúpula do governo.
O jornal Folha de S.Paulo informa que a ação causou saia justa no PT. Sader articulou, durante o segundo turno das eleições, o encontro que deu origem ao abaixo-assinado de artistas e intelectuais a favor de Dilma Rousseff. Além disso, é ligado a Gilberto Carvalho, secretário-geral da Presidência, e a Marco Aurélio Garcia, assessor para assuntos internacionais da Presidência.
A posição crítica de Sader, de acordo com funcionários e ex-funcionários do MinC, seria também de parte do PT, que está descontente com os rumos da pasta. Não consegui detectar o tal “racha” anunciado pela Folha, mas sim vozes dissonantes, porém desarticuladas.
Um pequeno grupo de ativistas ligados à cultura digital vem fazendo oposição ostensiva à ministra Ana de Hollanda, desde que foi anunciada no cargo. A tentativa é associar a ministra ao ECAD, o que representaria ameaça ao discurso e aos interesses políticos do ex-ministro Juca Ferreira. Não por acaso este mesmo grupo saiu a campo em defesa de um injustificável e implausível #ficajuca (a campanha pela permanência do cargo comandada pelo gabinete do ex-ministro teria custado cerca de R$ 500 milhões aos cofres públicos).
Embora pouco numeroso, o grupo é barulhento e tem boa penetração nas velhas e novas mídias. Tenta aquecer e turbinar um processo de desestabilização do novo MinC, com um volume de exposição negativa da nova ministra nas redes sociais, disseminando boatos e aquecendo factóides. Anna de Holanda contribuiu muito, dando alguns troféus para o grupo, como a retirada do selo Creative Commons do site do MinC. Embora o ato seja compreensível, não poderia ter sido feito em pior momento. O estopim desse processo, que rendeu uma tentativa frustrada de criar um coro em torno de um #foraannadeholanda foi a mudança na Diretoria de Direitos Intelectuais, coincidindo com as declarações proferidas por Emir Sader.
A estabilidade política do novo MinC está muito ligada à sua capacidade de resolução das pendências financeiras deixadas pela adminstração anterior. Em recente reunião com os pontos de cultura, foi feito um acordo de regularização gradativa dos débitos e o empenho para a resolução de problemas com inadimplência e débitos de 2010. Os débitos anteriores são mais complicados, pois exige gestão em outras instâncias do governo.
Mas como uma pendência do governo anterior (que só empurrou com a barriga os problemas dos Pontos de Cultura) pode afetar a credibilidade de Anna de Holanda? A resposta encontra-se nessa mesma central de boatos, que espalhou para as redes e listas de e-mail que a nova ministra teria a intenção de acabar com os Pontos de Cultura. Nem mesmo a indicação de uma gestora de reconhecida capacidade, como é o caso na nova secretária Marta Porto, e sua equipe formada por pessoas como Cesar Piva, que ajudaram a construir o programa Cultura Viva de dentro, conseguiram afastar os efeitos da tempestade que inundou o MinC.
Mas o MinC de Anna de Holanda não vive apenas de mau tempo. A criação da Secretaria de Economia Criativa, ocupada por Claudia Leitão, tem gerado repercussões positivas e se transformou na principal agenda propositiva do MinC nesses dois primeiros meses de atuação.
Aguardamos com apreensão os próximos capítulos dessa novela, que impede o foco nos problemas reais das políticas culturais, quase todos relacionados a financiamento e gestão.
MinC se torna ministério problema do governo por Renato Rovai, Blog do Rovai
MinC se torna ministério problema do governo
Artigo de Renato Rovai originalmente publicado no Blog do Rovai em 3 de março de 2011.
A avaliação que circula no Planalto é que o troféu “ministério problema” dos primeiros 100 dias do governo Dilma dificilmente escapará das mãos do MinC.
Na bancada de deputados petistas, há uma insatisfação quase generalizada com as ações do ministério; na blogosfera, o MinC se tornou pauta negativa todos os dias; nos movimentos sociais, que têm atuação relevante na área, há uma crise instalada por conta dos sinais que vêm sendo emitidos em relação às novas políticas para os Pontos de Cultura; entre os intelectuais que apoiaram Dilma, a decepção com a nova agenda tem levado alguns a dizer que vão desembarcar do apoio ao governo, inclusive a criação de um manifesto demonstrando publicamente a insatisfação começa a ser articulado.
Apenas na classe artística mais comercial o ministério conseguiu avançar algumas peças. A nova política cultural passou a ter o apoio declarado do cineasta Luis Carlos Barreto e do ECAD.
Este blog foi o primeiro a informar que a nova gestão do MinC decidira romper com a política estruturante das gestões Lula na área. Aliás, registre-se, na ocasião esse blog informou que Hildebrando Pontes Neto era o nome para a Diretoria de Direitos Intelectuais. A informação criou mal-estar inclusive na base de apoio da nova ministra e a solução encontrada foi nomear uma pessoa da confiança de Hidelbrando (veja aqui o que ele pensa sobre propriedade intelectual), a advogada carioca Marcia Regina Vicente Barbosa.
Em comentários no post que escrevi na época houve quem descredenciasse a qualidade da informação que se publicara aqui. Como diria a frase na camisa do ex-presidente, o tempo é o senhor da razão.
O secretario executivo do ministério, Vitor Ortiz, chegou a responder um tuiter de Marcelo Blanco, que coordenou a campanha de Dilma na internet, que repercutiu uma matéria publicada no site da Fórum . Vitor disse que a notícia era “totalmente infundada”. De fato, não foi nomeado Hidelbrando, mas uma pessoa de sua confiança e que compartilha de suas convicções.
Ou para brincar com a resposta que Marcelo Blanco deu a Vitor Ortiz dizendo que a nomeação de Hidelbrando seria o mesmo que colocar Ronaldo Caiado da UDR para cuidar da reforma agrária. Com o perdão da comparação, ao invés de Caiado, a opção foi a senadora Kátia Abreu.
Ontem mais uma vez o Ministério da Cultura virou notícia, inclusive no Jornal Nacional da TV Globo, com a decisão da ministra de não mais indicar sociólogo Emir Sader para a presidência da Casa Rui Barbosa.
A ministra teria feito chegar a Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria Geral da Presidência da República, após a entrevista que Sader deu à Folha, que se ele tivesse que ficar, ela sairia. O governo deu carta branca a titular da pasta, mas “anotou a faca no pescoço”, segundo confidenciou em “off” uma pessoa que participou da articulação para que Ana de Hollanda substituísse Juca Ferreira. O mesmo interlocutor avaliou como “erro estratégico” o “truco” em relação à posse de Emir. “Acho que ele errou no tom da entrevista, mas colocá-lo para fora do ministério neste momento é abrir mais uma frente de oposição à nova gestão. E isso costuma ter preço…”
Na Esplanada, quem tem defendido a atual ministra é o ministro Antonio Palocci, que teria indicado pelo menos Elói Ferreira de Araújo, para a presidência da Fundação Palmares, e Galeno Amorim, para a presidência da Biblioteca Nacional. Vale aqui um registro, não tenho informações sobre Elói Ferreira, mas Galeno de fato é comprometido com a área do livro.
O governo Dilma ainda está começando e há tempo para o MinC mudar o sinal desses primeiros meses, saindo do noticiário a partir de pautas negativas e buscando um novo tipo de relacionamento com os setores que defenderam a candidatura de Dilma e que fazem parte da base histórica do PT e do PCdoB, por exemplo, na área. Mas para isso é preciso descer do salto. Não parece ser essa opção da nova equipe. Os recados que chegam do bloco A da Esplanada é de que certos temas são proibidos. E que na nova equipe se instalou um clima de que todas as críticas são parte de uma tentativa de desestabilizar Ana de Hollanda.
Política não se faz procurando inimigos embaixo da mesa de trabalho. Quando isso acontece, o resultado costuma ser desastroso.
Análise: A gênese de uma crise por Jotabê Medeiros, O Estado de S. Paulo
Análise: A gênese de uma crise
Matéria de Jotabê Medeiros originalmente publicada no jornal O Estado de S. Paulo em 2 de março de 2011.
Ana de Hollanda inicia sua trajetória no Ministério da Cultura colecionando más notícias. A maior delas, esta semana, foi o anúncio de um corte orçamentário que chega a R$ 760 milhões (R$ 526 milhões no orçamento direto e R$ 237 milhões em emendas parlamentares). Gilberto Gil e Juca Ferreira, seus antecessores no cargo, enfrentaram problemas de dimensões parecidas, contingenciamentos monstruosos, mas amortizaram seus efeitos em longas negociações pelos corredores palacianos. Seria hora de demonstrar habilidade política. Ana de Hollanda encastelou-se no MinC e não demonstra ter trânsito nem no Congresso nem nos ministérios monetários, o que complica grandemente a situação.
A eclosão do caso Emir Sader encobre um problema maior e de mais difícil resolução: Ana enfrenta resistências duras dentro do PT e seus aliados na área cultural, o PC do B e o PV. Ao definir a questão da propriedade intelectual como uma discussão de fundo privado, desagradou de A a Z dentro do espectro da economia criativa. Dos “moderados” , como o antropólogo Hermano Vianna e o professor e músico José Miguel Wisnik, aos radicais, como o sociólogo Sergio Amadeu e o professor Ronaldo Lemos, da FGV, todos acham que falta estofo teórico ao MinC para conduzir a questão.
As mostras de descontinuidade contradizem seu discurso de posse, quando disse que era preciso avançar nas conquistas das gestões anteriores. Trocou o notável curador Paulo Herkenhoff da organização do festival Europalia, na Bélgica, apressadamente ano, alegando que o orçamento da participação brasileira era muito elevado. Ocorre que a estratégia de divulgação da cultura brasileira no exterior era uma das meninas dos olhos de Gilberto Gil, inspirado nos modelos francês, britânico e alemão, que são vencedores.
Ana ainda perde gradativamente os aliados do tema Cultura no Congresso. De Manuela D`Ávila (PC do B) a Angelo Vanhoni (PT), passando por gente da oposição, todos tem dado demonstração de ceticismo quanto às capacidades da ministra em contornar situações difíceis e buscar consensos. Aliás, consenso é algo que não parece estar em seus planos. Não fez nenhuma reunião com a classe artística e se conduz dentro de uma rotina de gabinete – eventualmente fugindo dela para fazer “incertas” entre a população, como no recente caso das enchentes. É mais reativa do que ativa, deixando-se levar às cordas pelos oponentes, em vez de sair na frente (até agora, nem um artigo seu saiu em jornais, defendendo suas posições, e sua única entrevista foi vaga e demonstrou que tem se preparado pouco para os duelos que o cargo exige).
Mesmo seus colaboradores mais próximos parecem estar desanimados, não vêm a público fazer sua defesa. A ministra agarra-se ferrenhamente a aliados cuja militância cultural é esporádica, como Caetano Veloso, ou cuja atuação presta-se mais ao lobbismo (chegou a postar no site do MinC, na semana passada, trecho de artigo em que um articulista chamava o Creative Commons de “organização laranja”. Chegou a exigir que Emir Sader se retratasse com Caetano, a quem Sader acusou de ser conservador e egoísta. Sader negou-se, o que parece ter conduzido ao seu desligamento. Acabou sendo o “diretor que foi sem nunca ter sido”, já que nem chegou a assumir.
Carta enviada à Ministra da Cultura questionando a repentina troca de curadores do Festival Europalia na Bélgica
Anteriormente neste post, havíamos publicado a primeira versão da carta originalmente publicada por Daniela Labra no Facebook em 1 de março de 2011. Agora trocamos para o texto final que foi encaminhado para o Ministério da Cultura com as assinaturas listadas abaixo.
À MINISTRA DA CULTURA ANA DE HOLLANDA
AO PRESIDENTE DA FUNARTE ANTONIO GRASSI
Excelentíssima Senhora Ministra da Cultura,
Ilustríssimo Senhor Presidente da Funarte
Nós, artistas visuais e profissionais da área, reunidos nacionalmente em torno do Festival Europalia 2011 - mostra de repercussão internacional que acontece bienalmente desde 1969 na Bélgica, cujo tema deste ano será o Brasil - manifestamos nossa apreensão quanto à condução da organização do referido projeto por este Ministério, órgão que deve implementar a política que promoverá a cultura produzida no país, dentro e fora deste.
Desde maio de 2010 vínhamos desenvolvendo um diálogo com os curadores do Festival sobre as obras que deveriam ser elaboradas para o evento. Datam de novembro de 2010 e janeiro de 2011 as cartas-convites oficiais que recebemos da produção do evento e do MHKA - Museu de Arte Contemporânea da Antuérpia - para participar da exposição intitulada “Rua”, assinadas pelo curador, Dieter Roelstraete, por Bart De Baere, curador da exposição e diretor do Museu, e por Paulo Herkenhoff, curador geral do Festival Europalia 2011 e co-curador da exposição.
Foi com espanto e descontentamento que ficamos sabendo, através da imprensa, praticamente às vésperas do evento, da drástica mudança conceitual e estrutural das mostras. Um evento desta grandeza não se organiza de uma hora para outra. É inviável, a menos de 8 meses da abertura do Festival, reinventar-se um projeto que vinha sendo desenvolvido há pelo menos um ano. Além disso, alguns trabalhos já vinham sendo desenvolvidos pelos artistas, tal a sua complexidade. Outros não poderão mais ser concluídos pois não haverá tempo hábil para a concretização da pesquisa, feita in loco.
A decisão de suspender o processo já em curso nada mais é do que um sintoma da falta de maturidade e falta de continuidade da parte de nossa política cultural, um desserviço que não está à altura da Arte produzida no Brasil, em todas as suas manifestações. A Arte Contemporânea Brasileira conquistou respeito e notoriedade internacionais por conta da excelência de seus artistas e curadores, e merece ser tratada com mais responsabilidade.
Estamos num momento ímpar de construção e afirmação do Brasil enquanto nação, que ocupa hoje posição de destaque no cenário político mundial. A cultura aqui produzida contribui sobremaneira para fazer reverberar essa atenção. O Estado tem uma responsabilidade com a Arte e a Cultura Brasileira como bens maiores, moedas de troca de valor incomensurável. É exigido de seus agentes institucionais tal compreensão.
Neste sentido, esperamos transparência e zelo das instituições envolvidas - no caso, o Ministério da Cultura (MinC) - quanto ao processo de organização e condução de programas dessa magnitude, capazes de projetar internacionalmente a imagem do Brasil de maneira exemplar, bem como sua capacidade de integração e interlocução com seus artistas, pensadores e produtores de cultura.
Assim, solicitamos ao MinC que tome uma posição sobre o Festival Europalia 2011, prestando aos artistas e profissionais envolvidos esclarecimentos cabíveis sobre essa constrangedora situação. Que comissão de notáveis comporá esta nova curadoria? Que conceitos nortearão estas mostras? Nós, artistas, entendemos que honrar um compromisso não significa apenas realizar o evento, mas zelar por seu profissionalismo e excelência. Limitações orçamentárias não justificam uma apresentação aquém da riqueza da Arte Brasileira. Condenar ao esquecimento e ignorar o trabalho já desenvolvido por artistas convidados é um crime contra a cultura.
Não podemos deixar de manifestar também nossa frustração de não vermos concretizado o projeto que vinha sendo desenhado pelo Curador Geral, Paulo Herkenhoff. Herkenhoff é um curador respeitado internacionalmente, notório conhecedor da arte brasileira em toda a sua diversidade e em sua dimensão continental. O Festival Europalia é um evento de grande porte, ocupando dezenas de instituições belgas, e exige uma abordagem ambiciosa. O projeto que Herkenhoff, elaborava, como curador oficial, estava à altura deste desafio. Tudo estava sendo feito com o apoio explícito da equipe do Europalia e diretores das instituições na Bélgica, com a aprovação tácita do MinC no Brasil. A classe artística estava muito confiante de que o Festival seria uma mostra memorável, capaz de revelar em profundidade a força da Arte Brasileira.
Certos de que a nova gestão assumiu o compromisso de afirmação dos propósitos maiores deste Ministério, solicitamos para o mais breve possível uma audiência de um grupo de representantes dos artistas, curadores e produtores brasileiros envolvidos com o evento com o Presidente da Funarte Antonio Grassi e com a Ministra Ana de Hollanda, a fim de esclarecermos esse processo e discutirmos providências e desdobramentos cabíveis das questões mais relevantes aqui apontadas.
Atenciosamente,
Signatários em ordem alfabética
Exposição “A Rua” - MuHKA - Museu de Arte Contemporânea da Antuérpia
Artistas:
01- Alexandre Vogler – artista visual
02- Antonio Manuel – artista visual
03- Arthur Omar – artista visual
04- Carlito Carvalhosa – artista visual
05- Ernesto Neto – artista visual
06- Evandro Teixeira - fotojornalista
07- Guga Ferraz – artista visual
08- Joana Traub Cseko – artista visual
09- Jorge Mario Jáuregui – arquiteto
10- Lucia Laguna – artista visual
11- Marcio Botner – artista visual
12- Marcos Chaves – artista visual
13- Miguel Rio Branco – artista visual
14- Mauricio Dias – artista visual
15- Montez Magno – artista visual
16- Paula Trope – artista visual
17- Raul Mourão – artista visual
18- Ricardo Basbaum – artista visual
19- Ronald Duarte – artista visual
20- Rosana Palazyan – artista visual
21- Simone Michelin - artista visual
22- Walter Carvalho - cineasta
23- Waltercio Caldas – artista visual
24- Walter Riedweg – artista visual
Galerias, Produtores e Instituições:
25- A Gentil Carioca – galeria de arte
26- Alessandra Clark – Associação Cultural "O Mundo de Lygia Clark"
27- Laura Marsiaj Arte Contemporânea – galeria de arte
28- Paula Pape – Projeto Lygia Pape
29- Suzy Muniz - Suzy Muniz Produções Produções
Outras mostras do Festival (entre artistas, curadores e instituições):
30- Adriana Varejão – artista visual
31- Alexandre Veras – artista e curador - Alpendre
32- Alpendre - Casa de Arte Pesquisa e Produção - Fortaleza
33- Bel Fernandes - Vertigo Produção Cultural
34- Clarissa Diniz – curadora
35- Eduardo Frota – artista e curador - Alpendre
36- Eli Sudbrack – Assume Astro Focus – artista e curador
37- Fernando Cocchiarale – curador
38- Lisette Lagnado - curador
39- Margareth de Moraes - MM Museologia e Projetos Culturais
40- Maria Julia Vieira Pinheiro – produtora
41- Orlando Maneschy – artista e curador
42- Rafael Cardoso – curador
43- Roberto Conduru – curador
44- Solon Ribeiro – artista e curador - Alpendre
45-Wilson Lázaro - curador do Museu Bispo do Rosário
Entre outros
Em 3 de março de 2011.
*** Esta carta será encaminhada à Bart De Baere , diretor do MuHKA – Museu de Arte Contemporânea da Antuérpia – e curador da exposição “A Rua” , e para Dieter Roelstraete, curador da exposição "A Rua", para que estejam cientes dos fatos aqui relacionados.
Ministério da Cultura: prioridade para investimentos em infraestrutura, A Rede
Ministério da Cultura: prioridade para investimentos em infraestrutura
Artigo originalmente publicado em A Rede, em 1 de março de 2011.
A notícia de que a ministra Ana de Hollanda convidou Márcia Regina Barbosa, ex-secretária executiva do Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), provocou reação na blogosfera hoje. Márcia Regina é ligada ao advogado Hildebrando Pontes, que defende o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) em vários processos e é um dos articuladores da resistência à reforma na Lei de Direitos Autorais. De acordo com o Estado de S. Paulo, o convite provocou reações dentro do próprio Ministério da Cultura, com a ameaça de demissão coletiva de 16 servidores, em protesto à substituição de Marcos Alves de Souza -- ex-diretor de Direitos Intelectuais (DDI) e coordenador do enorme processo de debate que resultou na proposta de reforma da lei -- por Márcia Regina.
O debate sobre os direitos autorais ganha visibilidade, com a própria ministra dizendo, em entrevista, que "não há como distribuir cultura sem o direito autoral" e informando que vai criar uma comissão de especialistas para rever a proposta do ministério de reformar a lei. Enquanto isso, os ativistas da cultura livre não se dão conta de outra mudança política, tão importante quanto esta, no Ministério da Cultura: o retorno, com mais recursos e como "principal meta do ministério" este ano, das Bases de Apoio à Cultura, agora na forma de Praças do PAC, às prioridades do MinC. Isso siginifca retornar a uma política aposentada em 2004 e substituída pelos Pontos de Cultura.
As Bases de Apoio à Cultura eram centros culturais modulares, cada um ao custo de R$ 1,5 milhão. A ideia de implantá-los foi aposentada depois que o então secretário-executivo do MinC, Roberto Pinho, assinou um convênio, sem licitação, com o Instituto Brasil Cultural, dirigido então por Sérgio de Souza Fontes Arruda, para a construção de 16 BACs (Bases de Apoio à Cultura), totalizando um patrocínio de R$ 24 milhões.
Roberto Pinho foi exonerado em 16 de fevereiro de 2004 e dois dias depois, no dia 18, três outros dirigentes do MinC -- Antônio Risério, assessor especial do ministro, Maria Elisa Costa, presidente do IPHAN, e Marcelo Ferraz, coordenador-geral do Programa Monumenta -- pediram demissão, em solidariedade a ele. Antônio Risério voltou ao ministério nesta gestão, como assessor especial de Ana de Hollanda. Risério participou, como assessor, da campanha de Dilma à Presidência da República. "Você não faz ideia de como é divertido trabalhar com um sujeito como Antonio Palocci [na época coordenador geral da campanha]", comentou ele, em entrevista ao jornal Valor Econômico, em 20 de janeiro. As Bases de Apoio Comunitário, implantadas por Palocci em Ribeirão Preto, foram uma das referências para a criação das BACs da cultura.
Em 2004, no MinC, a ideia das BACs foi aposentada, também, por um problema conceitual, uma definição de qual seria o rumo da política pública do ministério. De acordo com entrevista de Célio Turino à revista ARede de novembro de 2008, sem contar com a vitalidade dos movimentos de cultura, os centros seriam inaugurados e provavelmente, com o tempo, abandonados. Ao criar os Pontos de Cultura -- depois incorporados ao Programa Cultura Viva -- o MinC inverteu a lógica das BACs, de "levar a cultura para a periferia", e adotou a política de reconhecer as iniciativas de produção cultural em todo o país como produtores de cultura, e não como "audiência". E de apoiar sua atividade com recursos (R$ 180 mil em três anos), além de estimular sua articulação em redes. Todos os pontos têm um laboratório de cultura digital -- computador, editor de áudio e vídeo, câmera.
As propostas do Cultura Viva são a interligação dos Pontos de Cultura em rede, o trabalho compartilhado e o desenvolvimento de atividades culturais respeitando a autonomia e o protagonismo das comunidades. Não havia precedente, no Brasil, de um projeto público de cultura que tenha reconhecido dessa maneira os responsáveis pela diversidade e pelo vigor cultural do país -- e é exatamente isso que se reverte, ao eleger como prioridade para o MinC o investimento em infraestrutura.
Este ano, serão construídas 400 Praças do PAC. O programa vai consumir R$ 1,6 bilhão entre 2011 e 2014, para a construção de 800 praças, o que significa um custo médio de R$ 2 milhões por praça. Será feito em parceria com os municípios, mas com um modelo centralizado: não há, em seu projeto, previsão de participação de pontos de cultura -- ou mesmo da sociedade civil -- na gestão dessa infraestrutura. Ouça, nesta entrevista da ministra, os termos vagos em que ela se refere à participação da comunidade na gestão e manutenção das praças.
Do orçamento de R$ 806,669 milhões (depois de um corte de 40%, ou R$ 529,37 milhões) que caberá ao MinC este ano, e que inclui o PAC, de acordo com as informações divulgadas pelo Ministério do Planejamento, R$ 222 milhões serão usados nas praças. A assessoria de comunicação do MinC informa que parte desses recursos pode vir de outros ministérios, porque o programa é interministerial. Ainda assim, a mudança da política cultural do Brasil vai além do debate sobre direitos autorais. E, no caso dos recursos a serem investidos nas Praças do PAC, trata-se de uma mudança para cumprir uma prioridade estabelecida pelo governo Dilma.
março 3, 2011
O Estado da arte por Silas Martí, Folha de S. Paulo
O Estado da arte
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folh de S. Paulo em 3 de março de 2011.
Galerias do Rio e de Recife se mudam para São Paulo, acirrando disputa por artistas já representados por casas locais, sintoma de um mercado de arte que está cada vez mais aquecido
Não é indolor a entrada de uma galeria de arte no mercado. E se esse mercado é forte como o de São Paulo hoje, novos jogadores no pedaço causam alvoroço e provocam fraturas nos relacionamentos entre artistas e galeristas.
No fim do mês, uma casa do Rio e outra de Recife se juntam na capital paulista, criando um entreposto central para seus territórios de origem. Laura Marsiaj, carioca, e Mariana Moura, pernambucana, abrem a Moura Marsiaj em Pinheiros, no lugar da extinta galeria Oeste.
"Já estou de mala e cuia para São Paulo", disse Marsiaj à Folha. "Tínhamos a necessidade de uma representação maior na cidade, somos duas galerias se unindo e cobrindo todo o território."
Mas nem tudo está vindo nessa mudança. Ficarão no Rio alguns de seus artistas já representados em São Paulo por outras galerias, caso de Barrão e Mauro Piva, da Fortes Vilaça, Lenora de Barros, da Millan, Iole de Freitas, da Raquel Arnaud, e Márcia Xavier, da Casa Triângulo.
Moura está deixando para trás um forte time representado em São Paulo pela galeria Nara Roesler -Artur Lescher, José Patrício, Laura Vinci e Gil Vicente, que mostrou seus desenhos de assassinatos de líderes políticos na última Bienal de São Paulo.
Em abril, quatro sócios, todos colecionadores, abrem a galeria Transversal, na Barra Funda, com um elenco tímido de nove artistas, mas que deve ganhar vulto com o tempo e arrisca atrair também nomes de outras casas.
Chamado choque de representações, a situação de um artista representado na mesma cidade por mais de uma galeria é comum em mercados desenvolvidos, como o norte-americano e o europeu, mas é um sintoma de que o mercado nacional entra numa nova fase, turbinado pelo forte interesse global.
Uma obra de Adriana Varejão acaba de ser arrematada em Londres por R$ 3 milhões, recorde de preço para um artista brasileiro vivo.
De olho em valores cada vez mais altos, galeristas alijados do centro financeiro do país agora se esforçam para levantar suas bandeiras em São Paulo, acirrando a disputa por artistas num mercado cada vez mais acelerado.
Enquanto em suas cidades de origem Laura Marsiaj e Mariana Moura estão entre as casas mais fortes do mercado, representando artistas consagrados, as duas tentam engrossar o time com jovens autores na cena paulistana.
CASAMENTO E DIVÓRCIO
Mesmo antes de abrir as portas, a Moura Marsiaj já tirou a pintora Renata De Bonis da galeria Oscar Cruz e a fotógrafa Amanda Melo da Zipper. Enquanto isso, Hildebrando de Castro, que começou a expor no Rio, na Laura Marsiaj, agora preferiu ficar na paulistana Oscar Cruz.
"Estamos com a política de não estimular esse tipo de comportamento", diz Mariana Moura sobre a troca de galerias por parte dos artistas. "A gente prefere manter a situação assim como está pelo menos por um tempo, mas é claro que essas mudanças de galeria sempre vão existir."
Mas também serão sempre indesejadas caso o artista que decide romper a relação seja um nome rentável para a casa. "Relação artista-galerista é como casamento", resume a marchande Nara Roesler. "Se algum não quiser ficar mais conosco, e não é isso que eu sei, ele tem o direito de trocar de escuderia."
Sobre o fim da relação com Amanda Melo, Fabio Cimino, da Zipper, usou palavras que lembram mesmo um rompimento amoroso. "Cada um segue o seu caminho, cada um escolhe o melhor", afirmou o galerista. "Espero que ela seja feliz para sempre."
Lenora de Barros já disse se sentir às vezes no meio da relação entre os titãs Laura Marsiaj e André Millan. "Minha galeria-mãe é a Millan", conta a artista. "A Laura Marsiaj chegou a conversar comigo para mudar há uns anos, e eu disse não, mas isso tudo foi bacana, sem confusão."
Enquanto isso, Millan pretende fazer o caminho inverso, abrindo uma filial de sua galeria, uma das mais importantes do país, no Rio, sem descartar possíveis choques com algumas casas cariocas.
No caso, Amilcar de Castro e Miguel Rio Branco, dois dos nomes mais fortes do time da Millan, são representados no Rio pela galeria Silvia Cintra.
"Acho complicado o artista ter duas galerias na mesma cidade, é uma coisa sem sentido, não existe", diz Millan. "Mas não há uma regra, penso que deve haver sempre uma escolha do artista."
Fora da arena dos gigantes, pequenas galerias que surgem no cenário recrutam nomes novos para não estremecer relações de mercado, caso da galeria Transversal.
"A gente se preocupou em não pegar nenhum artista de outra galeria para não gerar inimizades", diz João Grinspum Ferraz, um dos sócios. "Tem uma resguarda ética."
Vik Muniz mostra seus primórdios em SP por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Vik Muniz mostra seus primórdios em SP
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no caderno Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 3 de março de 2011.
Exposição no Tomie Ohtake reúne obras do início da carreira do artista famoso pelas construções fotográficas
Entre as obras estão uma mala de chumbo maciço, um sarcófago de plástico e um Mickey espetado com pregos
Eram de outra ordem as construções de Vik Muniz. Antes das fotografias aéreas, as montagens de chocolate e diamantes, e bem antes da fama avassaladora que tem hoje, o artista inventou uma série de estranhos objetos.
Juntos numa exposição agora no Instituto Tomie Ohtake estão as relíquias dos primórdios da carreira, muitas delas só fabricadas depois que obras mais famosas garantiram a verba para a produção desses trabalhos mais ou menos engenhosos.
São imagens arquitetadas em sonhos, obras de outros artistas, imagens recalcadas na memória e cenas bizarras flagradas na realidade, como quando viu um homem vestido de palhaço bater o carro.
Só os pés daquele velho palhaço se deixam ver por baixo de uma enorme cortina verde no espaço expositivo, como um vulto espalhafatoso que espreita a sala. Da mesma forma que um lençol numa cama em miniatura parece ostentar uma ereção.
São potências risíveis e carnais, talvez o lastro dessa produção, que sublinham a obra do artista em formação.
Nesse ponto, ele remete às origens quando transforma numa espécie de fóssil as engrenagens de uma motocicleta que tinha na adolescência, funde em bronze uma bola de futebol murcha e manda costurar uma flor artificial que se curva em perpétuo estado de fenecimento.
Talvez esteja aí a chave para o que veio a fazer depois: buscar um grau de realidade maior, ou finalidade, para o efêmero, suas construções descartáveis de comida, entulho, arame ou até confetes.
Finalidade, no caso, é tentar dar corpo a um amontoado de formas disformes, à matéria banal que filtra do estado bruto para a representação tangível. Muniz faz então uma arqueologia dos sentidos que norteiam as obras, explicitando uma vontade obsessiva de classificação.
Num enorme mural, o artista cataloga imagens de borboletas recortadas de revistas. Também fotografa flores artificiais atribuindo a cada uma o nome científico da espécie. Ainda coleciona bonecas, como fetos desmembrados, em vidros de formol dispostos numa cristaleira um tanto tétrica à meia luz.
Muniz ilustra esse conhecimento taxonômico juntando num único volume maciço todos os tomos da "Enciclopédia Britânica", uma pilha de papel que rivaliza em peso com a mala de chumbo sólido que mandou fabricar.
Seu Mickey espetado com pregos do vodu e uma ampulheta cheia de tijolos presos no gargalo arrematam as tentativas, frustradas ou não, de atingir um quê iconoclasta.
março 2, 2011
Nova titular da Diretoria de Direitos Intelectuais diz que fiscalizar o Ecad seria intervenção do Estado no direito autoral por André Miranda, O Globo
Nova titular da Diretoria de Direitos Intelectuais diz que fiscalizar o Ecad seria intervenção do Estado no direito autoral
Matéria de André Miranda originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Globo em 2 de março de 2011.
RIO - Desde que assumiu o Ministério da Cultura (MinC), há dois meses, Ana de Hollanda vem deixando claro que um dos principais pontos de sua gestão será repensar a reforma da Lei do Direito Autoral, que vinha sendo preparada pelo governo Lula. Esta semana, a ministra deu o principal sinal de como o tema será tratado de forma diferente no novo governo: ela afastou Marcos Souza, titular da Diretoria de Direitos Intelectuais (DDI) do ministério e coordenador da reforma, e nomeou para a função a advogada carioca Marcia Regina Barbosa, que foi diretora-executiva do antigo Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA) no anos 1980 e, desde 1995, é servidora da Advocacia-Geral da União.
Ao GLOBO, Marcia afirmou ter sido chamada para o cargo por sua experiência técnica e por ser uma pessoa isenta na discussão. Ela acrescenta, ainda, que o projeto de reforma da lei pode ser refeito.
A senhora vai assumir a Diretoria de Direitos Intelectuais em meio a críticas pelo posicionamento da ministra Ana de Hollanda contra a reforma da Lei do Direito Autoral. O que a ministra lhe falou sobre suas posições acerca do tema?
MARCIA REGINA BARBOSA: Hoje (segunda-feira) nós tivemos nossa primeira reunião de trabalho. Toda essa polêmica em relação ao projeto de lei e à retirada do selo do Creative Commons do site do MinC é comum quando se discute direito autoral. A questão sempre gerou conflitos. A história do direito autoral mostra que, todas as vezes em que surgem novas tecnologias aparentemente pretensas a derrubar tudo o que era feito antes, o debate é lançado. E sempre aparece alguém para acusar o outro de estar destruindo a cultura.
O problema é que o debate está sendo realizado dentro do governo há pelo menos quatro anos. E a ministra já deu declarações que deram a entender que ela pretende começar tudo novamente.
Há algumas coisas que saem na mídia que não são bem assim. Outro dia li que a ministra teria tirado o projeto da Casa Civil, parando o processo de reforma. Só que essa devolução é normal numa mudança de gestão. Você sabe quando o projeto foi encaminhado para a Casa Civil? Apenas em 23 de dezembro de 2010. Não houve tempo hábil para se fazer nada com ele lá. Então entrou um novo governo, e a ministra começou a tomar pé da situação, para saber o que foi feito. O acervo gerado pelo debate dos últimos quatro anos foi grande, mas quem acompanhou a discussão sabe que as divergências também são muito grandes.
Então qual será o próximo passo do MinC?
Amanhã (terça-feira), eu vou me reunir com o Marcos Souza para tomar conhecimento do que estava sendo feito. A gestão do Marcos trouxe avanços, mas em toda mudança de gestão é preciso tomar a rédea das coisas antes de anunciar planos. A DDI tem projetos fantásticos com o pessoal da mídia livre, para aumentar o acesso à cultura, mas temos que achar um denominador comum entre esses projetos e os autores. Por isso, pode ser que façamos um novo projeto ou que montemos comissões para discutir pontos do atual. Mas imagino que não vamos gastar mais quatro anos para dar continuidade ao processo, porque já temos massa crítica suficiente para trabalhar. E não podemos nos esquecer que, depois, a grande batalha é no Congresso Nacional.
Um dos pontos mais discutidos do projeto de reforma que vinha sendo preparado pelo governo anterior se refere ao controle do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad. Qual é a sua posição sobre isso: o Ecad deve ou não ser fiscalizado pelo governo?
O Ecad foi criado porque, na época, eram quatro ou cinco associações querendo arrecadar ao mesmo tempo de um usuário. Foi uma grande sacada. O CNDA, em que eu trabalhei, tinha a função de fiscalizá-lo, e eu me lembro de ter intervindo duas vezes no Ecad. Mas, depois, parou-se de fiscalizar por um anseio da própria sociedade. Recentemente, no último contato que tive com o Ecad, fiquei encantada em ver como o escritório cresceu e se modernizou. Se houver um desejo da sociedade de que o Ecad volte a ser fiscalizado, precisamos debater. Mas é necessário medir isso bem porque, afinal de contas, seria o Estado intervindo no direito do autor. Todo mundo quer ter acesso aos bens culturais e acha que os autores têm obrigação de compartilhar sua obra, mas há pessoas que vivem e dependem desses direitos. Quem produz precisa ser remunerado.
Há informações de que seu nome foi indicado para a DDI por Hildebrando Pontes Neto, ex-presidente do CNDA e atual advogado do Ecad. É verdade?
Eu não tenho relação estreita com ele, mas trabalhei dez anos no CNDA, tanto com ele quanto com várias outras pessoas. Tenho minhas ideias, meus posicionamentos, muitos coincidem com os do Hildebrando, outros não. Não sei se foi ele que me indicou, mas reagiria bem a essa informação. No fundo, acho que fui escolhida por ser da AGU e trazer um aspecto técnico à DDI. A ministra queria alguém que conhecesse o tema e que fosse isenta. Tenho experiência no Judiciário e acho que posso ajudar. O momento é de bom senso.
Propriedade quase ilimitada por Pedro Venceslau, Revista Fórum
Propriedade quase ilimitada
Matéria de Pedro Venceslau originalmente publicada na Revista Fórum em maio de 2010.
A melhor maneira de entender o debate sobre a reforma da lei autoral no Brasil é fazer um jogo de “pode ou não pode”. Escutar música no IPod? Não pode. A cada música que você escuta no seu aparelho, dois crimes estão sendo cometidos: um por baixar no computador e outro por repassá-la ao aparelho. O máximo permitido é ouvir pequenos trechos ou ficar só no refrão. Fazer xerox de livro na Faculdade, pode? Poder, até pode, mas só um pedacinho. A questão, nesse caso, é: o que se entende por um pedaço? Varia, dependendo do interlocutor.
Para a Associação Brasileira de Direitos Reprográficos (ABDR), por exemplo, trata-se de questão altamente filosófica, do tipo ser ou não ser. Uma simples página pode extrapolar o limite de “pequeno trecho” se ela contiver a essência do pensamento do autor. Mas e as outras 199 não extrapolam? Há quem seja mais específico e defenda que 10%, 20% ou até menos da metade do livro possa ser copiado sem grandes prejuízos. Pelo sim, pelo não, a associação acima citada promoveu uma ofensiva contra centros acadêmicos e copiadoras. Resultado: por medo, muitos simplesmente deixaram o negócio ou passaram para a ilegalidade. Um adendo: livros de autores como Platão e Sócrates podem ser copiados integralmente, já que caíram em domínio público. O difícil é listar isso.
E exibir um filme em sala de aula para os alunos, pode? Não, não e não. Nem mesmo os cursos de cinema podem mostrar filmes sem pagar uma taxa ao Ecad, o poderoso Escritório Central de Arrecadação e Distribuição. Fazer adaptações teatrais na escola, pode? Pode, mas só dentro dela. Recentemente, uma escola pública decidiu transferir sua peça de fim de ano para a praça em frente, com intuito de que houvesse mais espaço para os pais. Receberam então uma visita do Ecad exigindo que fossem pagos direitos autorais. Música no dentista? Na academia? Na festa junina? Nada feito. A lei de direitos autorais em vigor no Brasil é uma verdadeira caixa de surpresas. Enquanto algumas destas distorções são decorrentes da velocidade alucinante do desenvolvimento das novas tecnologias, outras estão instaladas na sociedade devido à força do lobby da indústria. Para corrigir ambas, o Ministério da Cultura lançou, em 2007, uma ofensiva, que começou com o Fórum Nacional de Direito Autoral, e vai terminar com apresentação, para consulta pública, de um novo projeto de lei. No meio do caminho, o Minc promoveu mais de 80 reuniões e envolveu, direta e indiretamente, 10 mil pessoas no debate. Fórum ouviu especialistas, artistas e membros do governo para entender o que vai mudar e onde estão os nós da nova lei.
Entre o certo e o duvidoso O cerne da questão é quem está faturando com o quê. Comecemos com o caso do xerox. A ideia do projeto de lei do Minc é seguir o padrão europeu. Quem explica é Marcos Alves de Souza, diretor de direitos autorais do ministério: “Vamos resolver esse assunto na consulta pública e o consenso está muito distante. As editoras e a ABDR, por exemplo, não vão querer que deixem copiar nada. Por outro lado, a UNE e a Academia vão querer copiar tudo de graça. O que a gente quer propor é que a cópia possa ser feita para uso privado. Mas, se tiver um intermediário que ganha dinheiro com isso, é justo que ele remunere o autor. Para isso, seria criada uma gestão coletiva de direito reprográfico. Vou poder xerocar o livro todo, mas o dono do xerox terá que pagar uma taxa”. Ou seja: o xerox vai acabar ficando mais caro para o aluno? “Vai, mas é muito pouco. Isso não inviabilizou o xerox no resto do mundo. É um valor irrisório, na casa dos dois centavos”, conclui.
O que ocorre hoje é que o dono do xerox vive um dilema. Em várias universidades não se pode copiar nada, nem um pequeno trecho. Ou eles atuam na legalidade ou mudam de ramo. Outro ponto importante é que será permitido copiar integralmente discos ou livros que estejam com a edição esgotada, ou fora do catálogo e do mercado por um prazo de cinco anos. Já o caso do IPod será diferente. Pelo projeto, baixar música deixa de ser crime e ponto final. Mesmo aí há quem discorde. Em alguns países cobra-se uma pequena taxa extra de direito autoral na hora da compra do aparelho e, depois, repassa-se o lucro através de uma entidade de gestão. “A diferença em relação ao xerox é que no IPod você não usa intermediário. Ninguém está faturando com isso. Trata-se de uso privado, a não ser que você dê uma festa, use as músicas e cobre ingresso”, diz Marcos Souza.
Outro aspecto importante do projeto é regular a relação entre o criador da obra e a indústria do entretenimento. “A nova lei vai resolver algumas lacunas e problemas de redação da lei atual. Sempre se pensa no criador como alguém que fica em casa, produzindo, mas, hoje, grande parte do mercado trabalha com obra sob encomenda, especialmente na área publicitária. São jingles, filmetes e slogans. Isso está muito mal regulado. A lei é muito dependente de contrato, e a gente sabe que muitas vezes não se faz contrato”, explica Manoel Pereira dos Santos, professor e coordenador do curso de especialização em propriedade intelectual da FGV.
Um exemplo hipotético. Uma agência de publicidade contrata um músico para produzir um jingle para a Coca-Cola. A quem pertence o direito dele? Há muita discussão sobre isso e, como a lei não fala nada, faz-se um contrato. “O projeto vai definir isso e regular. Uma boa regra seria que, se a empresa contratou o músico e ele fez o jingle, então pode usar sempre em suas campanhas, mas não em outros produtos. O ministério deu a entender que vai regular nesse sentido: se eu encomendei, então uso só para isso. Com a internet e a difusão maior das obras isso se agravou. As obras circulam muito mais. Virou um problema sério”, diz o professor da FGV. A nova lei deve, ainda, definir regras claras para as chamadas “obras orfãs”, que é quando não se consegue localizar o autor, nem os herdeiros. Quem se arrisca a usar o material nessas circunstâncias corre o risco de ser acionado na Justiça a qualquer momento. “Nesses casos, vamos atuar para evitar abuso de direito. A ideia é criar a licença não voluntária. No caso de abuso de direito, o prejudicado pode apresentar uma denúncia. Mediante um processo legal, se estabelecerá uma licença tendo como base os usos e costumes. O poder público vai definir”, explica o representante do ministério.
Muitos intelectuais lamentaram que o projeto de lei não tenha avançado em um ponto: o tempo que uma obra demora para cair em domínio público. A lei prevê 70 anos depois da morte do autor. “Isso quer dizer o seguinte: se o autor faz a obra aos vinte e morre aos noventa, são 140 anos de espera. É uma duração completamente desproporcional. Eu gostaria que isso fosse revisto. É preciso pensar em outras formas esses prazos. Mas em Portugal também é assim por imposição da Comunidade Europeia. Isso, aliás, foi uma consequência negativa da integração ao mercado comum europeu”, lamentou para Fórum o professor J.Oliveira Ascensão, especialista em direito autoral, catedrático da Faculdade de Direito de Lisboa e considerado o papa desse tema na Europa. “Não vai mudar o tempo de domínio público, que é de setenta anos. Isso seria uma guerra. Haveria muitos problemas para implementar”, conclui Marcos Souza.
Polêmica à vista Trem da alegria, empreguismo estatal, estatização do direito autoral. Antes mesmo do projeto de reforma da lei ter sido enviado para consulta pública, o Ecad já havia preparado um arsenal retórico para combater a mudança. Para quem não o conhece, trata-se do poderoso Escritório Central de Arrecadação e Distribuição. Apesar de ser uma sociedade civil de natureza privada, é ele que controla a arrecadação e a distribuição de recursos provenientes de direito autoral no Brasil. A revolta se deu porque o ministro da Cultura Juca Ferreira ousou mexer em um vespeiro. A redação da nova lei prevê a criação do Instituto Brasileiro de Direito Autoral, um órgão público que terá a missão de fiscalizar e dar transparência ao trabalho das entidades arrecadadoras. A fim de organizar a ofensiva, o grupo criou uma entidade, o Conselho Nacional de Cultura e Direitos Autorais. O objetivo, segundo eles, é “mostrar que a nova regulamentação eleva o risco de estatização dos direitos autorais e do sistema de arrecadação”.
O curioso é que foi justamente um deputado tucano, Bruno Covas, quem presidiu a CPI do Ecad da Assembleia Legislativa de São Paulo no ano passado. Depois de meses de investigação, a comissão concluiu que “os direitos autorais ligados à música estão em estado institucional anárquico em razão da falta de poder de normatização, supervisão e fiscalização do Estado”. Segundo o relatório final da CPI, esta "anarquia" permite ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) “exorbitar das suas obrigações financeiras, legais e estatutárias, dando origem a irregularidades e indícios de crimes como falsidade ideológica, sonegação fiscal, apropriação indébita, enriquecimento ilícito, formação de quadrilha, formação de cartel e abuso de poder econômico”.
Na prática, o escritório deixaria de operar como a CBF, por exemplo. E teria que dar satisfação ao Estado. “O que o Minc quer fazer é criar um órgão que opere como agência reguladora, como a Anac e a Anatel, que não substituem o Judiciário. Isso daria mais confiança e mais tranquilidade”, explica o professor Manoel Pereira, da FGV. “É mais ou menos isso, uma agência como a Anac. A diferença é que os aeroportos são do Estado e as obras não são nossas. São privadas e vão continuar sendo. Mas de fato é como ter um ente regulador. O Ecad vai fazer tudo como faz hoje, mas com regras e transparência. É preciso que a transparência seja um pilar, assim como é necessário definir quais critérios devem ser seguidos e que o pagamento corresponda ao efetivo uso da obra. É assim no mundo inteiro. Esse provavelmente será o ponto mais problemático do projeto”, pondera Marcos Souza, do Minc. “É uma vergonha. É o Estado interferindo naquilo que é um direito claramente privado”, protestou Roberto Mello, presidente da Associação Brasileira de Música e Arte (Abramus), durante ato no dia 8 de abril. Até o fechamento dessa edição, o projeto ainda não havia sido colocado em consulta pública (apesar de o prazo inicial do Minc ser meados de abril). Ainda assim o ministério aproveitou o I Seminário de Políticas Públicas para a Digitalização de Acervos Digitais, em São Paulo, para fomentar o debate. O Ecad, claro, faltou ao evento.
Curiosidades autorais Você sabia que...
– Pela lei atual, um exemplar único de obra rara de uma biblioteca não pode ser xerocado, ainda que esteja sendo comido por traças?
– Academias de ginástica e consultórios dentários são obrigados a pagar direitos autorais ao Ecad?
– É proibido cantar músicas em lugares públicos?
– A família de Vinícius de Morais liberou a obra para domínio público?
“O Ecad arrecada bem e distribui mal”
Além de pianista, arranjador e autor teatral, Tim Rescala é produtor musical da Globo desde 1988 e um dos profissionais mais requisitados desse mercado. Entre outros trabalhos, estão produções como “Hoje é dia de Maria”, “Escolinha do Professor Raimundo” e “Zorra Total”. Crítico do Ecad, ele foi processado pelo escritório por tê-lo chamado de “caixa preta” em entrevista a um jornal. Nessa entrevista para Fórum, ele avalia (e defende) o projeto do Minc, além de passar a limpo o sistema de arrecadação de direitos no Brasil.
Fórum – Você apoia a reforma de lei de direito autoral?
Tim Rescala – Essa reforma não só é oportuna como é urgente. E devia ter acontecido antes. O cenário atual se mantém há décadas e piorou com a revisão da lei em 1998. A lei brasileira é sui generis no mundo.
Fórum – Acha que o Ecad deve ser fiscalizado?
Tim – O Ecad arrecada bem e distribui mal. Todas as sociedades de gestão de coletiva do mundo têm supervisão estatal. No Brasil, por conta da revisão de 98 e em consequência de muito lobby, manteve-se o monopólio do Ecad na arrecadação e distribuição. Eles têm esse direito, por lei, e, ao mesmo tempo, não são fiscalizados. Trata-se de uma empresa privada. Essa situação é absurda. O governo tem a obrigação de fiscalizar. Se tem monopólio, tem que admitir fiscalização.
Fórum – Você recebe do Ecad todo dinheiro a quem tem direito?
Tim – Não recebo. Meu dinheiro foi tungado, assim como o de todos os autores do audiovisual. Desde 2001, meu recebimento foi reduzido em 1/12 avos.
Fórum – Como é sua relação com o Ecad hoje?
Tim – Eu disse, em uma entrevista ao O Globo, que o Ecad é uma caixa preta. Estou sendo processado por isso, mas também estou processando eles.
Fórum – Como funciona a arrecadação?
Tim – A Globo, por exemplo, tem um contrato com o Ecad. Ela paga (por ano) por todo o repertório. Dentro desse repertório estão as minhas músicas e a de todo mundo. Então a emissora tem direito patrimonial. Ou seja: não posso exibir em outra emissora, mas o direito autoral é meu. Cabe ao Ecad repassar isso.
Fórum – De quanto é esse contrato com a Globo?
Tim – Era de R$ 3,9 milhões. Mas (o Ecad) reduziu nosso recebimento.
Fórum – Por quê?
Tim – Porque a Globo e o Ecad estão brigando na Justiça. Eles pediram 2,5% do faturamento bruto da empresa. Funciona assim: o Ecad pede o quanto quiser. Aí começou a briga jurídica e a Globo passou a pagar em juízo. Mesmo assim, eles conseguem receber 90% do dinheiro. Só que estão pagando 12 vezes menos que em 2001.
Fórum – Como é formado o Ecad?
Tim – Por dez sociedades (de autores). Seis são efetivas e quatro não têm direito a voto. A lei exige que seja assim. As sociedades competem entre si, oferecem adiantamento para o autor sair de uma ir e para outra. Acusam-se mutuamente de aliciamento. Vivem se acusando de ilícito criminal. É um dinheiro muito fácil de ganhar. Os autores não têm como reclamar. Manda mais quem arrecada mais. Antes, a Abramus era mínima. Ela foi fundada por Wilson Sandoli, da Ordem dos Músicos de São Paulo. Pesquise no Google para saber quem ele é... Hoje, a Abramus é a mais forte.
Fórum – O Ecad diz que a nova lei se caracteriza por intervenção estatal e empreguismo...
Tim – Eles querem caracterizar como intervenção estatal, mas isso é desviar do cerne da questão. O autor prejudicado vai reclamar a quem? Ao Estado ou a uma empresa privada? O que o Estado vai fazer é fiscalizar. É um dever. Tem que fazer isso. Quem paga reclama que paga muito, como a Globo, e quem recebe, reclama que recebe pouco. Tem algum erro aí, né? Já o Ecad sempre comemora recorde de arrecadação. Compositores de nome passaram ou passam dificuldade como o Johnny Alf, o Walter Alfaiate.
Fórum – O que mudou na relação entre os autores a as gravadoras com o fenômeno da internet?
Tim – As gravadoras que não se interessavam por direitos autorais passaram a se interessar, com o fenômeno da internet e do download, que abalou muito o mercado. Eles perderam muito dinheiro. As gravadoras hoje em dia se ocupam muito de empresariar o artista. Antes, o dinheiro principal deles era com venda de discos. Hoje, é com direito autoral. Os contratos são leoninos e para a vida inteira. São perenes. O autor, que normalmente está sem dinheiro, recebe um adiantamento que nunca consegue pagar. Então passa a vida preso à editora-selo, que pode ou não divulgar sua obra. Existem casos em que o autor libera o direito para uma obra didática, por exemplo, mas a editora não. O autor nunca se nega quando tem fundo educacional. Mas a editora não abre.
Fórum – Como era essa relação antes?
Tim – Os empresários dos artistas não eram necessariamente ligados a gravadoras. Hoje, são. Elas estão fazendo o papel dos empresários. Estão tentando sobreviver de alguma forma. Eles viram que no direito autoral circula muito dinheiro.
Na Cultura, a primeira crise do Ministério de Dilma por André Miranda e Catarina Alencastro, O Globo
Na Cultura, a primeira crise do Ministério de Dilma
Matéria de André Miranda e Catarina Alencastro originalmente publicada no caderno País do jornal O Globo em 1 de março de 2011.
RIO e BRASÍLIA - Em apenas dois meses de nova gestão, o Ministério da Cultura (MinC) já passa por uma crise institucional que pode derrubar um presidente de fundação e que tem feito com que setores artísticos se voltem contra medidas da ministra Ana de Hollanda. No centro dos problemas estão críticas feitas à ministra pelo sociólogo Emir Sader , anunciado como novo presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa; a intenção explícita do MinC em não dar continuidade à política do governo Lula referente aos direitos autorais; e a insatisfação de parte do PT.
Dentro do MinC, o clima é de apreensão. Sader, cuja nomeação para a Casa de Rui Barbosa ainda não foi publicada no "Diário Oficial", chamou Ana de Hollanda de "autista" em entrevista ao jornal "Folha de S. Paulo" e disse que ela não reagiu aos cortes orçamentários. Sader também teria manifestado intenção de transformar a fundação num centro de debates sobre "o Brasil para Todos", um slogan do governo Lula. A ministra ainda não anunciou o que fará em relação a Sader, mas fontes no MinC dizem que ele pode ser demitido nos próximos dias.
Nesta terça-feira foi a vez de o coordenador da campanha da presidente Dilma Rousseff na internet, Marcelo Branco, se manifestar via Twitter. Defensor da reforma da Lei do Direito Autoral que vinha sendo preparada pelo governo Lula há quatro anos e que está sendo abandonada pelo governo Dilma, Branco usou o microblog para atacar a ministra. Ele reclamou que a substituição do titular da Diretoria de Direitos Intelectuais (DDI), Marcos Souza, foi um "retrocesso".
"Pois é, parece que caiu a máscara da ministra", publicou Branco. E seguiu: "Ministério da cultura do atraso. Queremos continuidade das políticas de Lula." Suas declarações foram propagadas no microblog, onde seguidores acusaram a ministra de não ouvir a sociedade civil nem os artistas.
No lugar de Souza, a DDI será dirigida por Marcia Regina Barbosa, servidora da Advocacia-Geral da União, e ligada a Hildebrando Pontes Neto, advogado do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), uma das principais instituições contrárias à reforma da lei.
Sader, procurado nesta terça-feira, disse que preferia não se manifestar. A ministra também não se pronunciou. Em seu lugar, o secretário-executivo da pasta, Vitor Ortiz, tentou minimizar a crise:
- Tenho certeza de que o desejo da sociedade brasileira não é que a gente fique colocando uns contra os outros em termos de direito autoral, mas sim que saiba fazer no MinC a discussão dos temas polêmicos da sociedade com grandeza, maturidade e tranquilidade - afirmou ele, por meio de sua assessoria. - Ela (Marcia) é uma pessoa muito aberta, que vai querer dialogar com todo mundo. Todos serão ouvidos. Não cabe nenhuma "demonização" do assunto. Isso é muito importante para que o tema possa avançar.
março 1, 2011
Racha agita área de direitos do Minc por Jotabê Medeiros, O Estado de S. Paulo
Racha agita área de direitos do Minc
Matéria de Jotabê Medeiros originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 1 de março de 2011.
Servidores ameaçam demitir-se em protesto contra saída de Marcos Souza, da direção de Direitos Intelectuais
Um racha atingiu ontem a Diretoria de Direitos Intelectuais do Ministério da Cultura em Brasília. A internet foi tomada com diversas manifestações de protesto pela exoneração do diretor da área, Marcos Alves de Souza. O imbróglio deve se radicalizar: 16 pessoas ameaçam afastar-se daquele setor do ministério nos próximos dias, segundo informações obtidas pelo Estado.
O Ministério da Cultura ofereceu a Souza, especialista jurídico em direitos de autores e um dos principais consultores do novo anteprojeto da reforma da Lei de Direitos Autorais, a possibilidade de assumir outra função na Diretoria de Direitos Intelectuais, mas ele recusou. Em seu lugar, foi nomeada a advogada carioca Marcia Regina Vicente Barbosa, de 56 anos, que integrou o Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA) entre 1982 a 1990. Advogada da União, Marcia foi integrante da Consultoria Jurídica do Ministério da Cultura, de 2006 a 2010, e integra a Consultoria Geral da União desde maio de 2010.
O setor de direitos intelectuais do ministério foi organizado durante a gestão de Gilberto Gil/Juca Ferreira - a área, desde a extinção do CNDA, no governo Collor, estava praticamente sendo tocada por uma só pessoa no governo federal, de forma precária. Alguns apontam que, por trás da mudança de gestão, está uma clara inclinação da nova gestão pendendo à defesa irrestrita do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição de Direitos (Ecad).
Marcia Regina Vicente Barbosa é amiga do advogado Hildebrando Pontes, considerado um defensor extremado das teses do Ecad. Ela foi secretária executiva do CNDA quando Hildebrando Pontes foi presidente.
O motivo da ameaça de demissão coletiva, segundo informaram servidores do MinC, foi a nova orientação dos direitos autorais do ministério, levada adiante pela ministra Ana de Hollanda. Além de resolver revisar o anteprojeto de lei que reforma os direitos autorais, Ana declarou esta semana à revista Isto É que o debate foi insuficiente - o MinC discute a reforma há 3 anos, e fez 80 encontros nacionais, 7 seminários e pesquisas nas legislações de 20 países. Depois disso, o anteprojeto ainda ficou em consulta pública pela internet, que durou 79 dias e recebeu 8.431 sugestões.
Marcos Souza foi um dos principais alvos dos opositores da reforma a partir de 2009, quando vazou o primeiro esboço do anteprojeto de lei dos direitos autorais. Ele se bateu contra associações como a Abramus e a Academia Brasileira de Letras, que não concordam com o texto. Foi o incumbido de separar as contribuições durante a fase de consulta pública, e sempre disse que a ideia não se destinava a "colher manifestações de caráter plebiscitário", mas aperfeiçoar e enriquecer o texto.
A Diretoria de Direitos Intelectuais (DDI) é vinculada à Secretaria de Políticas Culturais (SPC) do Ministério da Cultura. É responsável pela formulação e gestão da política brasileira sobre bens intelectuais no que diz respeito a direitos autorais e conexos. Sua atuação extrapola os limites do País - participa de fóruns mundiais na defesa dos interesses do Brasil, além de assessorar o governo federal na adequação da legislação nacional às convenções e tratados internacionais ratificados pelo País.
Marcos Alves de Souza, que veio do Ministério do Planejamento, não polemizou em sua saída. Localizado ontem pelo Estado, comentou apenas que acha "legítimo" que a nova dirigente do MinC escolha pessoas de sua confiança para cargos de confiança. "É legítimo, da mesma forma que é legítimo que eu não tenha interesse em continuar na equipe da Marcia. Espero continuar ajudando o governo em outro ministério", disse.
ENTENDA A QUESTÃO
Novembro de 2009
Imprensa obtém minuta de
projeto de lei que o MinC pretendia levar ao Congresso
Julho de 2010
Associações como Abramus, Ecad, ABL manifestam desagrado, dizendo que é avanço do Estado sobre direitos privados do autor
Setembro de 2010
MinC acusa opositores do projeto de estarem plantando "sugestões" negativas na internet para desqualificar debate
Janeiro de 2011
Ministra decide retirar selo do Creative Commons do site do MinC, o que provoca milhares de protestos no Brasil e no Exterior
Fevereiro de 2011
Ex-ministro Gil diz que atos da nova gestão são "apressados"
Giro pela arte contemporânea por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Giro pela arte contemporânea
Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do jornal Diário do Nordeste em 1 de março de 2011.
Em entrevista exclusiva ao Caderno 3, o curador e crítico Agnaldo Farias tece reflexões sobre a arte contemporânea a partir de experiências recentes dele na área
Em Fortaleza para integrar a comissão de seleção de artistas para participar do 62º Salão de Abril, o crítico de arte e curador geral do Rumos Artes Visuais (2011-2013), do Itaú Cultural, Agnaldo Farias, conversou com exclusividade com a equipe do Caderno 3 sobre algumas das principais atividades a que vem se dedicando nos últimos tempos.
O curador destaca como funcionará o mapeamento de artistas para o Rumos. Projeto o qual ele acredita ser importante para estimular a produção artística em todo o Brasil.
"A estrutura que tenho sob a minha coordenação são quatro curadores. Estes, por sua vez, são responsáveis pelas regiões do País, e têm sob a sua coordenação dois curadores-mapeadores. São pessoas da própria região que têm conhecimento da área e do meio artístico do lugar", diz. Paralelo ao mapeamento, haverá também uma série de debates, seminários e workshops, para que os interessados conheçam o edital e se inscrevam. O programa não é só destinado aos artistas, mas também a pesquisadores da área.
"Não haverá um número determinado de artistas selecionados por região. Escolheremos em torno de 50. A ideia é acolhermos trabalhos com qualidade. O Rumos propicia aos contemplados a oportunidade de aprimoramento profissional por meio de ações formadoras, como concessão de bolsas de estudo, participação em palestras e ações de difusão através de exposições". Ao contrário da edição passada, cuja temática foi "Trilhas do Desejo", Agnaldo adianta que não vai determinar uma linha a seguir. Ele quer deixar o tema livre.
A 29ª Bienal de São Paulo também foi um assunto falado por Agnaldo Farias, que assinou, junto a Moacir dos Anjos, o projeto curatorial do evento, realizado no segundo semestre do ano passado.
Balanço
"Foi uma experiência interessante; conseguimos reunir artistas de várias partes do mundo. Foram cerca de 850 obras de 159 artistas. Tirando o sensacionalismo dado pela cobertura da imprensa (pela qual já perdi a esperança!), acho que essa foi uma edição importante que teve como a ´menina dos olhos´ um investimento forte no setor educativo. Conseguimos mobilizar um número significativo de educadores", conta.
O projeto educativo da Bienal contou com a curadoria de Stela Barbieri, artista plástica e educadora. Ele foi estruturado em três etapas, incluindo ações antes, durante e depois da mostra. As atividades foram divididas em formação de educadores de ONGs e das redes pública e privada de São Paulo, interior e outros Estados, totalizando cerca de 30 mil atendimentos; integração de artistas com comunidades; formação de 300 educadores para atendimento ao público durante a exposição, organizada em parceria com 22 instituições culturais paulistas.
"A educação é a base de tudo. Nós somos muito carentes nesse campo. Agora é que as escolas terão em sua grade curricular o ensino de música, mas nós não temos uma disciplina voltada para a compreensão da imagem. Uma vez que fazemos parte de uma sociedade imagética. Acho que cabe às instituições investirem mais nessas iniciativas".
Para o curador, outro destaque da última Bienal foi a proposta dos terreiros, que consistiam em espaços de discussão para o público interagir e participar. "Os seis terreiros foram projetados por artistas e eram usados para atividades diversas, como shows, projeções, performances e leituras. Era uma forma que encontramos de fazer do público protagonista".
62º Salão de Abril
No último fim de semana, o curador participou do júri de seleção do Salão de Abril, cuja exposição acontecerá de 15 de abril a 31 de maio. Segundo ele, um dos motivos para aceitar o convite é o interesse em ampliar o seu conhecimento sobre a produção local. "Pelo que andei vendo dos trabalhos inscritos no Salão, posso dizer que temos produções de boa qualidade. Acho que vamos ter uma bela exposição pela frente. Eu e meus companheiros de seleção priorizamos os trabalhos mais criativos", diz.
Veja a lista dos selecionados para o 62º Salão de Abril no blog Salões e Prêmios.
Ana de Hollanda nomeia advogada ligada a representante do Ecad para o MinC e indica que vai abandonar a reforma da lei de direito autoral por André Miranda, O Globo
Ana de Hollanda nomeia advogada ligada a representante do Ecad para o MinC e indica que vai abandonar a reforma da lei de direito autoral
Matéria de André Miranda originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Globo em 1 de março de 2011.
Após dois meses de especulação, a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, deu o principal sinal de que vai abandonar a reforma da Lei de Direito Autoral, um dos principais pontos defendidos pela política cultural do governo Lula. Ana afastou Marcos Souza da gestão da Diretoria de Direitos Intelectuais (DDI) do Ministério da Cultura (MinC), órgão responsável por coordenar a reforma, e convidou Marcia Regina Barbosa, servidora da Advocacia-Geral da União, para o cargo. Souza era o principal defensor dentro do governo da necessidade de se continuar o processo da reforma da lei, cujos debates são promovidos pelo governo desde 2007.
O nome de Marcia teria sido indicado para o MinC por Hildebrando Pontes Neto, ex-presidente do Conselho Nacional de Direito Autoral (CNDA), órgão que regulou o setor entre 1973 e 1990, até ser extinto. Após deixar o governo, ele vem advogando em mais de cem processos para o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, o Ecad, uma instituição que conglomera associações de compositores e músicos e que sempre foi contrária à reforma. Entre as dezenas de pontos que o Ecad critica, o principal é a criação de uma instância que regulamentaria as ações do escritório, hoje com autonomia para recolher e distribuir direitos autorais.
Em janeiro, era dada como certa dentro do MinC a nomeação de Hildebrando para a DDI. Ana de Hollanda chegou a se encontrar com o advogado do Ecad no dia 27 de janeiro, numa reunião oficial em Brasília, gerando especulações em redes sociais e reações de grupos a favor da reforma da lei. Mas o MinC negou que Hildebrando fosse assumir o cargo.
Até que, há dez dias, foi publicada no Diário Oficial a cessão de Marcia de sua função como advogada da Consultoria-Geral da União para a DDI. Na última sexta-feira, Marcos Souza, titular da DDI desde sua criação, em 2009, coordenador da revisão do projeto, foi informado de que seria substituído na direção do órgão. Ana de Hollanda convidou Souza a continuar no MinC, mas ele não aceitou e vai voltar ao Ministério do Planejamento, onde é especialista em gestão de políticas públicas, à espera de uma nova função.
- É prerrogativa do dirigente escolher as pessoas para o cargo de confiança, é normal a mudança - diz Souza. - Mas eu tenho muita convicção a respeito do trabalho que foi executado pela DDI. Direito autoral não é fácil. Não é fácil agradar todo mundo. Mas foi um trabalho sério, honesto. O meu maior lamento é sair sem dar um retorno para a sociedade do que fizemos. Agora, espero poder ajudar o governo em outra área.
A reforma da Lei do Direito Autoral (a 9.610, de fevereiro de 1998) começou a ser debatida em 2004. Três anos depois, o então ministro da Cultura Gilberto Gil lançou o Fórum Nacional de Direito Autoral, cujo objetivo era discutir com a sociedade a necessidade de se revisar a Lei. O governo promoveu oito seminários nacionais, um internacional e mais de 80 reuniões, e a reforma era vista como prioridade tanto por Gil quanto por Juca Ferreira, ministro de julho de 2008 até o fim do ano passado.
De 14 de junho e 31 de agosto de 2010, o projeto foi posto em consulta pública, onde pôde receber sugestões de interessados. Mais de oito mil ideias foram analisadas pela DDI e discutidas pelo Grupo Interministerial de Propriedade Intelectual, antes que uma proposta fosse enviada para apreciação da Casa Civil. Ana de Hollanda não quis falar ao GLOBO sobre as mudanças na DDI. Mas, neste fim de semana, ela deu uma entrevista à revista "Isto É Dinheiro", em que disse: "Ainda nem consegui ler o texto que foi mandado pela Casa Civil, nem acho que seja o caso, porque não sou eu que vou analisar. Minha responsabilidade é de ministra".
- Eu não acho que a ministra esteja má intencionada, mas acho que existe uma precipitação de se tomar a posição de um lado sem consultar a própria classe - afirma o músico Ivan Lins. - Parece-me que ela está sendo usada por pessoas próximas e que têm interesses em impedir que se mude a legislação autoral.