|
janeiro 31, 2011
Em entrevista polêmica, Francis Ford Coppola dispara: "Quem diz que artista tem que ganhar dinheiro?", O Tempo Online
Em entrevista polêmica, Francis Ford Coppola dispara: "Quem diz que artista tem que ganhar dinheiro?"
Matéria originalmente publicada em O Tempo Online em 31 de janeiro de 2011.
Francis Ford Coppola levanta polêmica ao discutir questões como dowload e direito autoral
O aclamado diretor Francis Ford Coppola, que tem no currículo a trilogia "O Poderoso Chefão", "Apocalypse Now", dentre vários outros sucessos de público e crítica, refletiu sobre questões contemporâneas acerca do direito autoral e downloads gratuitos em uma entrevista concedida ao site "The 99 percent".
Trechos extraídos da entrevista publicados no site Gizmodo Brasil, mostram que o cineasta assume uma posição radical acerca dos temas. "Talvez os estudantes que baixam filmes e músicas estejam certos. Talvez os artistas não devam ser pagos", afirmou.
Coppola levanta uma discussão remetendo aos primórdios das produções artísticas: "Nós precisamos ser espertos nesses assuntos. É preciso lembrar que há míseros cem anos, e olhe lá, os artistas trabalham com dinheiro. Artistas nunca tiveram dinheiro. Artistas tinham um patrono, seja ele o líder do estado ou o duque de algum lugar, ou a igreja, ou o papa. Ou eles tinham outro emprego. Eu tenho outro emprego".
Para quem não sabe, Coppola investe na indústria de vinhos, o que garantiu a ele, além de seus estrondosos sucessos de bilheteria, uma segurança financeira que muitos cineastas não podem se dar ao luxo de ter.
Em relação à tradicional ideia dos ídolos do rock serem milionários, Coppola também se posiciona: "Essa ideia de que o Metallica ou qualquer outro cantor de rock tem de ser rico é algo que não necessariamente vai acontecer daqui para frente. Porque, como estamos entrando em uma nova era, talvez a arte seja gratuita. Talvez os estudantes estejam certos. Eles devem ter o direito de baixar músicas e filmes. Eu vou levar um tiro por dizer isso. Mas quem disse que a arte custa dinheiro? E, portanto, quem disse que os artistas têm que ganhar dinheiro?"
Certamente o posicionamento do diretor, que possui mais de 40 anos de experiência na indústria cinematográfica, ainda vai reverberar muito pelos corredores do mainstream e do cinema independente.
A entrevista está no artigo de Ariston Anderson e pode ser lida na íntegra, em inglês, aqui.
Regras Claras por Hermano Vianna, O Globo
Regras Claras
Artigo de Hermano Vianna originalmente publicado no Segundo Caderno do jornal O Globo em 28 de janeiro de 2011.
O plano era passar um tempo sem falar em direito autoral por aqui. Há outras coisas interessantes no mundo. Também seria deselegante parecer estar pressionando a ministra da Cultura a ter rápida posição sobre o assunto. Posse em ministérios exige calma e tempo. Como a história de Ana de Hollanda comprova disposição para diálogo, pensava que era isso que pedia em suas primeiras manifestações como ministra, declarando que só voltaria a falar sobre a reforma da Lei do Direito Autoral quando tivesse tempo para estudar com calma o projeto apresentado pela gestão Juca/Gil.
Estava então imerso em outros temas quando fui surpreendido pela barulheira no Twitter. A causa? O site do MinC, na calada da noite, havia trocado o licenciamento Creative Commons por declaração vaga: “O conteúdo deste site, produzido pelo Ministério da Cultura, pode ser reproduzido, desde que citada a fonte.” Diante do protesto, foi publicada nota de esclarecimento, falando erroneamente em referência e não em licenciamento: “A retirada da referência ao Creative Commons da página principal do Ministério da Cultura se deu porque a legislação brasileira permite a liberação de conteúdo. Não há necessidade de o ministério dar destaque a uma iniciativa específica. Isso não impede que o Creative Commons ou outras formas de licenciamento sejam utilizados pelos interessados.” Esclarecimento nada esclarecedor, que coloca ponto final em conversa que não teve início.
Volto ao assunto Gov 2.0, que dominou esta coluna recentemente. O site cultura digital.br, hóspede dos debates sobre o Marco Civil da Internet e a Classificação Indicativa, iniciativas do Ministério da Justiça, tem seu conteúdo publicado sob uma licença Creative Commons (CC). O blog do Palácio do Planalto tem licença CC (diferente da usada no culturadigital.br). O site da Casa Branca dos EUA “é” CC. O blog do Departamento de Finanças da Austrália é CC (bit.ly/bo90EU). Já o OpenData do governo britânico é diferente: não tem licença CC. Porém, seus responsáveis criaram uma outra licença, a Open Government Licence (bit.ly/cS6EGp), parecida com uma licença CC, mas com outros detalhes e finalidades.
O MinC deveria ter seguido o exemplo do governo britânico. Ninguém é obrigado a usar licenças CC. Mas alguma licença é necessária (assim como, mesmo com uma legislação trabalhista geral, precisamos assinar diferentes contratos ao iniciar novos trabalhos). A declaração do MinC (“O conteúdo deste site, produzido pelo Ministério da Cultura, pode ser reproduzido, desde que citada a fonte”) não é uma licença, não tem validade jurídica. Sim: a legislação brasileira já permite a “liberação” de conteúdo. As licenças CC-BR são totalmente baseadas na legislação brasileira — não propõem nada que essa legislação não permita. Sua novidade é dar uma redação juridicamente clara para a autorização prévia de alguns, não todos, tipos bem específicos de utilização desse conteúdo. Por exemplo: sua reprodução, sua tradução, sua “remixagem” etc. — dependendo da licença escolhida.
Se o novo MinC não queria sigla CC em seu site, que pelo menos se desse tempo para criar uma nova licença válida em tribunais, como fez o governo britânico. Isso não se faz apressadamente. Bons advogados são necessários para esse trabalho, que pode custar caro aos cofres públicos (vantagens das licenças CC: já estão prontas, são válidas juridicamente, são compreensíveis em qualquer lugar do mundo e ninguém precisa pagar para utilizá-las). Com a pressa, o conteúdo do site do MinC e as pessoas que reproduzem esse conteúdo estão agora desprotegidos. (E com muitas dúvidas. Um exemplo: o conteúdo do site pode ser usado para finalidades comerciais? Acredito que sim, mas o texto não deixa isso claro.) Essa atitude não incentiva a defesa dos direitos autorais e sim cria um clima de “ninguém precisa licenciar nada” ou vale tudo.
Já há muita complexidade no debate sobre direito autoral. O MinC não pode atuar para criar confusão. Precisamos de licenças e regras claras. O CC prega exatamente o contrário do liberou geral. Com suas licenças todo mundo fica sabendo exatamente o que pode ou não fazer com cada conteúdo, seguindo as determinações de seus próprios autores. Ninguém “abre mão de seus direitos” e sim exerce mais plenamente seus direitos ao estabelecer o que pode ser feito com suas obras. Para “liberar” (prefiro dizer “autorizar”) alguns usos do conteúdo produzido seja em sites governamentais ou privados, precisamos deixar clara que liberação é essa. Sem algum tipo de licença, a lei entende que ninguém pode fazer nada com esse conteúdo, sem autorização a cada vez que for usado para qualquer fim. Uma experiência como a Wikipedia, onde podemos a todo momento editar o texto dos outros, seria ilegal se não acontecesse com licença clara que autoriza a reedição contínua.
Não estou aqui para pedir a volta da licença CC. Quanto mais licenças, melhor: aumentam nossas opções, segurança e legalidade. Seria ótimo que o MinC fizesse a crítica das licenças CC, para aperfeiçoá-las em outras licenças. Que comece logo o diálogo, com calma e tempo. Agradeço a Caetano Veloso por ter, em sua coluna do domingo passado, expressado seu desejo que é uma (boa) ordem: precisamos de uma “conversa produtiva” entre todos os grupos interessados em “levar o Brasil para a frente sem perder a dignidade”.
Direitos autorais, segundo a neta da Lygia Clark por Alessandra Clark, Luis Nassif Online
Direitos autorais, segundo a neta da Lygia Clark
Artigo de Alessandra Clark originalmente publicado no Luis Nassif Online em 24 de janeiro de 2011.
Meus caros, sou neta de Lygia Clark. gostaria de saber se algum dia ligarão para a Associação cultural "O Mundo de Lygia Clark" e perguntarão o que nós pensamos a respeito de tudo isso, ao invés de ficarem se derretendo em lamúrias pela internet com falsos testemunhos sem opinião própria.
então, como jamais entrarão em contato, resolvi dar 5 minutos do meu dia para responder a este blog (muito bom - por sinal).
A verdade é que muitos reclamam de barriga cheia. todos querem sobreviver da arte. críticos querem vender seus textos, curadores querem vender seus projetos, empresário querem vender seus produtos. só esquecem que a fonte de todas as suas pesquisas são os artistas. enquanto o artista está vivo, é fácil encontrá-lo e pedir autorização para publicar seu legado. o artista, emocionalmente envolvido paga a alma pra conseguir ver seu trabalho exposto. quando o artista morre, os herdeiros se vêem numa posição muito difícil - terem em suas vidas uma Obra para tomar conta. Essa obra é o filho de uma pessoa, eternamente dependente, que passa a conviver diariamente com essas pessoas. isso quer dizer que os herdeiros passam a ter todos os positivos e os negativos desse 'f'ilho' que apareceu repentinamente.
vou dizer os Deveres: cuidar, zelar, respeitar. se vocês não sabem o que isso quer dizer, eu vou dizer: manter o arquivo documental impecável limpo, sem fungo, organizado, apto a ser entregue como objeto de pesquisa... pra quem???? para pessoas que queiram pesquisar, publicar, expor... mas essas pessoas não querem dar nenhuma contra partida para ajudarem... infelizmente, como a falta de respeito em relação aos artistas é enorme, as pessoas acham que os herdeiros têm a obrigação de manter tudo isso e não querem ajudar...
exemplo: já recebi pedidos de pesquisa aonde pessoas gostariam de publicar livros e não tinham verba destinada a direitos autorais... mas o livro é inteiramente patrocinado com verba pública (Lei Rouanet), todas as pessoas envolvidas no projeto sendo muito bem remuneradas (pela tabela de valores dos serviços no ministério) e não se tem verba para o artista... e depois o livro ainda é vendido nas livrarias a 150 reais. isso eu não acho justo. é falso moralismo dizer que estão disponibilizando cultura... disponibilizar cultura a 150 reais não é disponibilizar.
eu vou dizer o que é disponibilizar: disponibilizar é deixar acessível sem custo a a custo que a pessoa possa pagar. 1/3 de salário mínimo não é disponibilizar. sinto muito. EU disponibilizo. eu tenho a documentação da Lygia Clark disponível para pesquisa gratuita. quem quiser, pode ligar a marcar pra fazer sua pesquisa. eu libero direitos autorais gratuitamente - lógico se todos estiverem doando seus esforço também. por que só nós """artistas/herdeiros"""" temos que nos sujeitar a ceder...
se o governo fizesse por onde, cuidando do legado de cada artista, ele poderia exigir alguma coisa. mas infelizmente, não faz. a Lei Rouanet hoje é usada de forma imprópria. Nos sujeitamos as departamentos culturais de grandes empresas que fazem verdadeiros leilões de patrocínio que acabam sendo distribuídos a lobistas.... mas isso,,,, estamos nos Brasil, já deveríamos estar acostumados.
bem, passei mais de 5 minutos. me empolguei. desculpem-me. mas, está aqui o recado, se alguém tiver alguma dúvida, a Associação Cultural "O Mundo de Lygia Clark" está aberta a perguntas e a pesquisas. isso é gratuito. o resto, não é nossa obrigação moral ceder. analisamos caso a caso.
Atenciosamente,
Alessandra Clark - Uma amante da Arte e herdeira por tabela.
Ato de ministra provoca protesto por Jotabê Medeiros, O Estado de S.Paulo
Ato de ministra provoca protesto
Matéria de Jotabê Medeiros originalmente publicada no jornal O Estado de S.Paulo em 21 de janeiro de 2011.
Adeptos do compartilhamento digital e do software livre lamentam supressão do Creative Commons do site do MinC
A ministra da Cultura, Ana de Hollanda, provocou nesta quinta um verdadeiro tiroteio verbal no Twitter. As manifestações foram decorrência da decisão da ministra de retirar do site do Ministério da Cultura as licenças Creative Commons, o que foi interpretado por militantes do compartilhamento digital como um ato de guerra em relação ao copyleft - e também uma adesão às teses mais conservadoras do direito autoral no País.
Diversos sites de direitos livres, do Brasil e do exterior, organizaram protestos na internet durante todo o dia. Endereçaram mensagens para a ministra Ana de Hollanda e seu principal colaborador, Antonio Grassi (ainda sem cargo). "Urgente! Começa o retrocesso no Ministério da Cultura!", escreveu Sérgio Amadeu. Diversos fóruns pelo compartilhamento na net, como o Espaço Liberdade, organizaram discussões. Muitos demonstravam desapontamento com a decisão, que consideram que faz regredir a discussão sobre o software livre.
Veja também:
- Creative Commons responde ao ministério
- O que é Creative Commons
- Estilo de Ana já seimpõe no Ministério da Cultura
Ronaldo Lemos, diretor do centro que gerencia o Creative Commons, da Fundação Getúlio Vargas, viu uma decisão "política" no caso. "A visão da ministra, pela remoção do Creative Commons, e pelo que disse em seu discurso de posse, é a visão das entidades arrecadadoras, é a visão do Ecad", afirmou.
Lemos também acha que a retirada, pelo MinC, dos logotipos das licenças configura uma infração legal, pois compromete a identificação do conteúdo já produzido pelo Creative Commons. "Ao fazer isso, o MinC viola não apenas a licença, como também os direitos autorais subjacentes a cada obra."
O Ministério da Cultura, que foi pioneiro na adoção dessa solução jurídica para os direitos autorais, só se manifestou no final da tarde desta sexta em nota enviada à reportagem sobre o fato, noticiado pelo jornal O Estado de S.Paulo. Inicialmente, o MinC recusou-se a comentar o assunto, que tem causado acalorados debates na internet. Eis a íntegra da nota:
"A retirada da referência ao Creative Commons da página principal do Ministério da Cultura se deu porque a legislação brasileira permite a liberação de conteúdo. Não há necessidade do ministério dar destaque a uma iniciativa específica. Isso não impede que o Creative Commons ou outras formas de licenciamento sejam utilizados pelos interessados."
Os manifestantes lembram que a própria ministra, em seu site pessoal, disponibiliza vídeos de músicas para as quais não tem autorização, de forma não comercial, e que uma das lutas do Creative Commons é justamente tentar trazer para a legalidade práticas como essa.
Durante a gestão de Gilberto Gil, o Ministério da Cultura aderiu festivamente ao Creative Commons - Gil se tornou, em 2004, o primeiro compositor brasileiro a ceder direitos de uma canção à licença. O governo federal passou a utilizar maciçamente as licenças - o próprio Blog do Planalto é licenciado dessa forma. O advogado americano Lawrence Lessig, criador do Creative Commons, esteve há um ano com a então candidata Dilma Rousseff na Campus Party, em São Paulo. "Ela deixou claro que queria continuar o trabalho progressista do ministro Gil. Eu ficaria muito surpreso se ela voltasse atrás em sua posição", disse Lessig ontem ao Estado.
Ana de Holanda e ECAD atacam política de Lula por Sergio Amadeu, Carta Maior
Ana de Holanda e ECAD atacam política de Lula
Artigo de Sergio Amadeu da Silveira originalmente publicado na Carta Maior em 25 de janeiro de 2011.
O movimento de software livre, de recursos educacionais abertos e os defensores da liberdade e diversidade cultural votaram em Dilma pelos compromissos que ela afirmou em defesa do bem comum. No mesmo dia que a Ministra Ana de Holanda atacou o Creative Commons retirando a licença do site, a Ministra do Planejamento Miriam Belquior publicou a normativa que consolida o software livre como a essência do software público que deve ser usada pelo governo. É indiscutível o descompasso que a Ministra da Cultura tem em relação à política de compartilhamento do governo Dilma. O artigo é de Sergio Amadeu da Silveira.
Os defensores da indústria de intermediação e advogados do ECAD lançam um ataque a política de compartilhamento de conhecimento e bens culturais lançada pelo presidente Lula. Na sua jornada contra a criatividade e em defesa dos velhos esquemas de controle da cultura, chegam aos absurdos da desinformação ou da mentira.
Primeiro é preciso esclarecer que as licenças Creative Commons surgiram a partir do exemplo bem sucedido do movimento do software livre e das licenças GPL (General Public Licence). O software livre também inspirou uma das maiores obras intelectuais do século XXI, a enciclopédia livre chamada Wikipedia. Lamentavelmente, os lobistas do ECAD chegam a dizer que a Microsoft apóia o software livre e o movimento de compartilhamento do conhecimento.
Segundo, o argumento do ECAD de que defender o Cretaive Commons é defender grandes corporações internacionais é completamente falso. As grandes corporações de intermediação da cultura se organizam e apóiam a INTERNATIONAL INTELLECTUAL PROPERTY ALLIANCE® (IIPA, Associação internacional de Propriedade Internacional) e que é um grande combatente do software livre e do Creative Commons. O Relatório da IIPA de fevereiro de 2010 ataca o Brasil, a Malásia e outros países que usam licenças mais flexíveis e propõem que o governo norte-americano promova retaliações a estes países.
Terceiro, a turma do ECAD desconsidera a política histórica da diplomacia brasileira de luta pela flexibilização dos acordos de propriedade intelectual que visam simplesmente bloquear o caminho do desenvolvimento de países como o Brasil. Os argumentos contra as licenças Creative Commons são tão rídiculos como afirmar que a Internet e a Wikipedia é uma conspiração contra as enciclopédias proprietárias, como a Encarta da Microsoft ou a Enciclopédia Britânica.
Quarto, o texto do maestro Marco Venicio Andrade é falso até quando parabeniza a presidente Dilma por ter "restabelecido a soberania de nossa gestão cultural, anulando as medidas subservientes tomadas pelos que, embora parecendo modernos e libertários, só queriam mesmo é dobrar a espinha aos interesses das grandes corporações que buscam monopolizar a cultura". O blog do Planalto lançado pelo presidente Lula e mantido pela presidente Dilma continua com as licenças Creative Commons. Desse modo, os ataques que o defensor do ECAD fez a política dos commons lançada por Gilberto Gil, no MINC, também valem para a Presidência da República.
Quinto, o movimento de software livre, de recursos educacionais abertos e os defensores da liberdade e diversidade cultural votaram em Dilma pelos compromissos que ela afirmou em defesa do bem comum. No mesmo dia que a Ministra Ana de Holanda atacou o Creative Commons retirando a licença do site, a Ministra do Planejamento Miriam Belquior publicou a normativa que consolida o software livre como a essência do software público que deve ser usada pelo governo. É indiscutível o descompasso que a Ministra da Cultura tem em relação à política de compartilhamento do governo Dilma.
Sergio Amadeu da Silveira é professor da UFABC. Sociólogo e doutor em Ciência Política. Foi presidente do Instituto Nacional de Tecnologia da Informação e primeiro coordenador do Comitê Técnico de Implementação do Software Livre na gestão do presidente Lula.
Ministra da Cultura dá sinais de guerra ao livre conhecimento por Renato Rovai, Blog do Rovai
Ministra da Cultura dá sinais de guerra ao livre conhecimento
Artigo de Renato Rovai originalmente publicado no Blog do Rovai em 21 de janeiro de 2011.
A ministra da Cultura Ana de Holanda lançou uma ofensiva contra a liberdade do conhecimento. Na quarta-feira pediu a retirada da licença Creative Commons do site do Ministério da Cultura, que na gestão de Gilberto Gil foi pioneiro em sua adoção no Brasil.
O exemplo do MinC foi àquela época fundamental para que outros sites governamentais seguissem a mesma diretriz e também publicassem seus conteúdos sob essa licença, como o da Agência Brasil e o Blog do Planalto.
A decisão da ministra é pavorosa porque, entre outras coisas, rasga um compromisso de campanha da candidata Dilma Roussef. O site de sua campanha foi publicado em Creative Commons o que denotava compromisso com esse formato.
Além desse ato simbólico, que demonstra falta de compromisso com o livre conhecimento, a ministra pediu o retorno ao Ministério da Cultura do Projeto de Lei de Revisão dos Direitos Autorais, que depois de passar por um debate de sete anos e uma consulta pública democrática no governo Lula, estava na Casa Civil para apreciação final e encaminhamento ao Congresso Nacional.
O que se comenta é que a intenção da ministra é revisar o projeto a partir das observações do ECAD, um órgão cartorial e que cumpre um papel danoso para a difusão da cultura no Brasil.
Para quem não conhece, o ECAD é aquele órgão que entre outras coisas contrata gente para fiscalizar bares e impedir, por exemplo, que um músico toque a música do outro. É uma excrescência da nossa sociedade cartorial.
Este blog também apurou que Ana de Holanda pretende nomear para a Diretoria de Direitos Intelectuais da Secretaria de Políticas Culturais o advogado Hildebrando Pontes, que mantém um escritório de Propriedade Intelectual em Belo Horizonte e que é aliado das entidades arrecadadoras.
Como símbolo de todo esse movimento foi publicado ontem no site do Ministério da Cultura, na página de Direitos Autorais, um texto intitulado “Direitos Autorais e Direitos Intelectuais”, que esclarece a “nova visão” do ministério sobre o tema. Vale a leitura do texto na íntegra , mas segue um trecho que já esclarece o novo ponto de vista:
“Os Direitos Autorais estão sempre presentes no cotidiano de cada um de nós, pois eles regem as relações de criação, produção, distribuição, consumo e fruição dos bens culturais. Entramos em contato com obras protegidas pelos Direitos Autorais quando lemos jornais, revistas ou um livro, quando assistimos a filmes, ou simplesmente quando acessamos a internet.”
Essa ofensiva de Ana de Holanda tem várias inconsistências e enseja algumas perguntas:
A principal, o governo como um todo está a par desse movimento e concorda com ele?
Afinal a presidenta Dilma Roussef se comprometeu, como Ministra da Casa Civil e candidata à presidente da República, a manter o processo de revisão dos direitos autorais e promover a liberdade do conhecimento. E um desses compromissos foi firmado na Campus Party do ano passado, em encontro com o criador das licenças Creative Commons, Lawrence Lessig.
O atual ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, quando candidato ao governo de São Paulo, também se comprometeu com esta luta, inclusive numa reunião que contou com a presença deste blogueiro, na Vila Madalena, em São Paulo.
O que a atual presidenta e o ministro Mercadante pensam desta inflexão?
E o pessoal do PT ligado à Cultura, o que pensa disso?
Muitos dos militantes petistas da área comemoraram a indicação de Ana de Holanda.
Alguns entraram em contato com este blog para dizer que os compromissos anteriores não seriam rasgados.
E agora, o que eles pensam dessas decisões da ministra?
Dilma Roussef foi eleita também para dar continuidade ao governo Lula. Se havia interesse em revisar certas diretrizes na área da Cultura e que vinham sendo implementadas com enorme sucesso e repercussão nacional e internacional, isso deveria ter ficado claro. Isso deveria ter sido dito nos diversos encontros que a candidata e gente do seu partido tiveram com esses setores.
Essas primeiras ações do MinC não são nada alentadoras. Demonstram um sinal trocado na política do ministério exatamente no que de melhor ele construiu nos anos de governo Lula.
Não há como definir de outra forma essa mudança rota: é traição com o movimento pela democratização da cultura e da comunicação.
A ministra precisa refletir antes de declarar guerra a esse movimento social.
E o PT precisa assumir uma posição antes que seja tarde.
Porque na hora H, não é com o povo do ECAD e com o da indústria cultural que ele conta.
PS: Conversei com um amigo que entende de conteúdos licenciados em Creative Commons e ele me disse que a decisão da ministra de mudar o licenciamento do site vale exatamente nada no que diz respeito ao que foi produzido na gestão anterior.
Aquele conteúdo foi ofertado em Creative Commons e o Ministério não pode simplesmente revogar a licença de uso.
Se isso for feito, o Ministério infringe a licença Creative Commons e se torna um infrator de direitos.
MinC abre polêmica após retirada da licença Creative Commons do site do ministério por André Miranda e André Machado, O Globo
MinC abre polêmica após retirada da licença Creative Commons do site do ministério
Matéria de André Miranda e André Machado originalmente publicada no jornal O Globo em 22 de janeiro de 2011.
Anunciada quinta-feira (20/1), gerou chiadeira nas redes sociais a decisão do Ministério da Cultura (MinC) de retirar de seu site a licença Creative Commons, que dá mais opção de escolha aos autores sobre o uso de sua obras. Ontem [sexta, 21/1], por exemplo, muitas mensagens no Twitter questionaram a ministra Ana de Hollanda a respeito do assunto. O MinC apressou-se a explicar, em nota, que a alteração no site não está relacionada a mudanças de mentalidade do governo:
"A retirada da referência ao Creative Commons da página principal do Ministério da Cultura se deu porque a legislação brasileira permite a liberação de conteúdo. Não há necessidade de o ministério dar destaque a uma iniciativa específica. Isso não impede que o Creative Commons ou outras formas de licenciamento sejam utilizados pelos interessados".
Quem reforçou o coro de descontentes foi o vice-coordenador do Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV, Carlos Affonso. Segundo ele, retirar a menção à licença e simplesmente dizer que o conteúdo do site pode ser copiado, desde que o crédito seja dado, cria um problema jurídico pela falta de transparência.
– Uma licença Creative Commons é um contrato como qualquer outro e diz exatamente o que o internauta deve fazer para utilizar o conteúdo pretendido – diz Carlos. – Longe de tirar direitos do autor, procura ampliá-los e dar a ele o direito de escolha sobre o que quer ou não compartilhar. A atitude da ministra denota má compreensão da natureza das licenças.
Ele também alerta que a decisão do ministério pode afetar a imagem do Brasil lá fora:
– Nos últimos oito anos, o país vem servindo de exemplo para a comunidade internacional com suas iniciativas culturais no âmbito da internet, e essa atitude retroage, sendo um tanto preocupante.
O Brasil foi o terceiro país a adotar o Creative Commons no mundo, depois de Finlândia e Japão. Hoje, no mundo, há aproximadamente 350 milhões de licenças desse tipo.
A decisão do ministério despertou mais dúvida em relação à forma com que a ministra Ana de Hollanda vai tratar os direitos autorais no Brasil. Isso porque, em sua primeira entrevista coletiva, poucos dias após ser confirmada no cargo, em dezembro, Ana afirmou que o projeto da nova Lei do Direito Autoral, que vinha sendo preparado pela gestão de seu antecessor, Juca Ferreira, poderia ser revisto. Uma das bases do projeto, que ainda não foi enviado ao Congresso, era justamente a maior flexibilização dos direitos do autor.
Ana disse, ainda, que considerava importante o papel do Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) como representante de um setor da sociedade, e deixou claro que era contrária ao controle da entidade, diferentemente do que propõe o projeto de lei.
Ana Paula Santana, secretária do Audiovisual, disse que a discussão sobre direitos autorais exige paciência:
– Não vai ser a retirada de um selo que vai definir se o MinC vai atuar ou não acerca da questão dos direitos autorais pela internet e do compartilhamento da criação artística. Aliás, a ministra tem afirmado e reafirmado que é a favor da cultura digital. A criação da ideia de economia criativa já é uma afirmação dessa cultura digital como o pilar de uma nova política. O problema é que a discussão sobre os direitos autorais não é tão simples quanto parece e exige cautela, paciência e, especialmente, responsabilidade, uma vez que qualquer ação pode ferir a criatividade de um artista. Essa discussão é uma prioridade para o ministério e para a secretaria. [Colaborou Rodrigo Fonseca]
Ana de Hollanda define primeiro escalão da cultura por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Ana de Hollanda define primeiro escalão da cultura
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 21 de janeiro de 2011.
Três semanas depois de ter tomado posse, a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, anunciou a composição de seu secretariado.
Ao contrário de seu antecessor, o cantor Gilberto Gil, que, em 2003, fez uma festa cheia de música e discursos para dar posse ao primeiro escalão, a nova ministra preferiu a discrição.
Como tem feito desde que assumiu a pasta, Hollanda preferiu "falar" por escrito, por meio de sua assessoria de comunicação.
As duas únicas novidades --ambas antecipadas pela Folha-- são estruturais. Uma delas é a criação da Secretaria da Economia Criativa, a ser comandada por Cláudia Leitão, socióloga e ex-secretária de Cultura do Ceará.
A outra é a junção das secretarias de Cidadania Cultural e Identidade e Diversidade. A nova secretaria, que passa a somar os dois nomes --Cidadania e Diversidade-- foi entregue à mineira Marta Porto, que coordenou o escritório da Unesco, no Rio.
A terceira mulher a figurar na comissão de frente do MinC é a advogada Ana Paula Santana, que entrou na Secretaria do Audiovisual em 2002, como estagiária, sob o comando do então secretário Orlando Senna, e agora chega ao cargo mais alto da pasta.
Da gestão anterior, se mantêm o secretário de Fomento, Henilton Menezes, o presidente do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), José do Nascimento Jr, e o presidente do Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), Luiz Fernando de Almeida. O ator Sergio Mamberti, que fez parte do MinC durante todo o governo Lula, também permanece na nova administração, agora como secretário de Políticas Culturais.
Veja, a seguir, a lista completa do novo staff
Secretário-executivo: Vitor Ortiz
Secretário de Articulação Institucional: Roberto Peixe
Secretário de Políticas Culturais: Sérgio Mamberti
Secretária do Audiovisual: Ana Paula Santana
Secretária da Cidadania e da Diversidade Cultural: Marta Porto
Secretária da Economia Criativa: Cláudia Leitão
Secretário de Fomento e Incentivo à Cultura: Henilton Menezes
Diretor-geral da Agência Nacional de Cinema (Ancine): Manoel Rangel
Presidente da Fundação Biblioteca Nacional: Galeno Amorim
Presidente da Fundação Casa de Rui Barbosa: Emir Sader
Presidente da Fundação Cultural Palmares: Eloi Ferreira
Presidente da Fundação Nacional das Artes (Funarte): Antonio Grassi
Presidente do Instituto Brasileiro de Museus: José do Nascimento Jr
Presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: Luiz Fernando de Almeida
Como entrar em alpha por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé Independente em 28 de janeiro de 2011.
Budismo, meditação, moda e design compõem a obra tecnológica da artista japonesa Mariko Mori
Paula Alzugaray
Mariko Mori – Oneness/ Centro Cultural Banco do Brasil, Brasília/ de 25/1 a 3/4
Acordar, lavar o rosto, vestir-se apropriadamente e colocar-se em alerta para enfrentar mais um dia de trabalho. Essa é a rotina típica de um estado beta de consciência. Mas, quando algo inesperadamente relaxante acontece, algo próximo a uma frequência meditativa, ou a um estado contemplativo, ondas alpha são ativadas. Ao sonhar acordado, entra-se em theta. Mas é em delta que a consciência se apaga e a velocidade das ondas cerebrais chega a zero. Para vivenciar e reconhecer os quatro principais estados do funcionamento cerebral de uma só vez, recomenda-se entrar em “Wave UFO”, escultura penetrável que integra a exposição “Oneness”, uma antologia de trabalhos da artista japonesa Mariko Mori. Nessa cápsula interativa de arquitetura futurista, o visitante terá suas ondas cerebrais transformadas em cores por um programa computacional. A noção budista de unidade, que aproxima todos os seres viventes, é a base de “Wave UFO” e da maior parte das obras expostas em Brasília até 3 de abril.
Mariko surgiu no contexto da arte internacional em meados dos anos 90, junto ao aclamado Takashi Murakami. Antes de se tornar artista, trabalhou como modelo em Tóquio e estudou moda em Londres. A partir de sua experiência como modelo de suas próprias criações, iniciou uma série de autorretratos em que interpreta diferentes papéis e estereótipos femininos da cultura japonesa, como as garotas dos mangás, as gueixas durante a cerimônia do chá e outras “realidades criadas”. “O mundo da moda é um fenômeno social e assim como a tecnologia é uma realidade artificial”, diz a artista, que trocou Tóquio por Nova York porque diz não haver encontrado no Japão o ambiente para sua liberdade de expressão.
janeiro 24, 2011
Modernidade e desordem por Paula Alzugaray, Istoé
Modernidade e desordem
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé Independente em 24 de janeiro de 2011.
Sessenta anos de história política do Brasil são contados a partir do acervo de obras do MAM
“Brasília é artificial. Tão artificial como devia ser o mundo quando foi criado.” Assim escreveu Clarice Lispector em 1962, dois anos depois da inauguração da terceira capital do Brasil, símbolo máximo do modernismo brasileiro. O que para Clarice é artificialidade, para o arquiteto Oscar Niemeyer é “concisão e pureza”. No Brasil dos anos 50, essas eram as duas grandes metas da modernidade, as formas estéticas que melhor exprimiam a vontade construtiva que tomou conta do Brasil nos anos de Juscelino Kubitschek – anos de moeda forte e de industrialização promissora. Hoje, na esteira da posse da nova presidente do País e da recuperação econômica, a exposição “Ordem e progresso: Vontade Construtiva na Arte Brasileira” revisa as mudanças nos projetos de Brasil desde o pós-guerra até a era Lula.
O ponto de partida é o rigor geométrico modernista, aparente nas criações de artistas concretos como Anatol Wladyslaw, Lygia Pape, Lothar Charoux e Ivan Serpa. Mas se os anos dourados, com seu ideal de país do futuro, seriam metralhados pelo chumbo da ditadura militar, nas artes plásticas a natureza pura e concisa do projeto moderno também seria lentamente desconstruída. Isso está explícito nas três gerações que fotografam Brasília, com obras na exposição: Thomas Farkas, Orlando Brito e Mauro Restiffe.
“A oposição entre uma potência ordenadora e outra desagregadora alimenta a produção brasileira dos últimos 60 anos. Nossa modernidade se daria, assim, por avanços e recuos: não de modo linear, mas torto, tal como as veredas dos pedestres em Brasília”, pontua o curador Felipe Chaimovich no texto do catálogo. Transgridem o rigor formal construtivo as obras de protesto, produzidas nos anos 60 por Regina Silveira, Paulo Bruscky, Antonio Manuel, entre outros. Nos anos de abertura, surgiriam ainda outras visões de Brasil, para além dos ideais de ordem e do progresso. Como “A Noite”, de Iran do Espírito Santo, em que a bandeira brasileira se resume a um céu estrelado. Ou obras como “Camelô”, de Cildo Meireles, e “Do Universo do Baile”, de Dias & Riedweg, que hoje traduzem os processos construtivos nascidos da economia informal de um Brasil plural.
Se vende por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Se vende
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 24 de janeiro de 2011.
Exposição em São Paulo explora a relação conturbada entre artistas e dinheiro
Na escadaria do lado de fora do Paço das Artes, enormes letras anunciam: "se vende". Dentro, começa amanhã uma exposição que tem um preço como título. No caso, os R$ 748.600 captados para financiar esse projeto.
Toda a mostra parece uma alegoria do que se propõe a discutir, a relação entre os artistas e o dinheiro que suas obras movimentam num mercado de cifras e valores cada vez mais hiperbólicos.
Logo na entrada do espaço, um trabalho de Deyson Gilbert força visitantes a olhar um sinal de adição gravado em lâmpadas de halogênio, deixando um rastro na retina de quem vai à mostra.
"Tudo é uma tentativa de exacerbar o capital dentro das artes plásticas", resume Renan Araújo, curador da exposição financiada pelo banco Santander. "Até o texto do catálogo foi revisado por economistas que tentaram mudar palavras para termos econômicos mais técnicos."
Mas nenhum jargão ofusca uma relação que está clara em boa parte dos casos. "Zero Dólar", em que Cildo Meireles altera uma cédula para que perca o valor, colares de notas feitos por Marcelo Cidade e até os rabiscos de Jac Leirner sobre cédulas de cruzeiro denotam a intimidade dos autores com os mandos e desmandos do capital.
Fora alguns clássicos, Lourival Cuquinha acaba de produzir "R$ 102", em que imprime uma nota falsa de R$ 100 sobre uma verdadeira de R$ 2, série vendida agora por esse novo valor de face.
São trabalhos com ressonância ainda maior num país como o Brasil, que já trocou oito vezes de moeda ao longo da história e registra agora expansão vertiginosa no mercado de arte, um aumento de sete vezes no volume negociado nos últimos quatro anos, segundo um levantamento recente do setor.
Em dezembro passado, "Sol sobre Paisagem", de Antônio Bandeira, foi leiloado por R$ 3,5 milhões em São Paulo, maior valor já pago pela obra de um brasileiro.
EBULIÇÃO GLOBAL
Enquanto isso, o mercado internacional dá sinais de recuperação. Uma feira de arte on-line, a primeira do tipo, põe gigantes como as galerias White Cube e Gagosian para negociar obras na esfera virtual até o fim da semana.
No mês que vem, a Sotheby's de Londres tenta voltar a patamares pré-crise vendendo uma obra de Pablo Picasso de 1932 com preço inicial de R$ 45 milhões.
Um retrato da mesma série e da mesma Marie-Therèse alcançou há dois anos a cifra de R$ 177 milhões, recorde absoluto na história dos leilões que, analistas esperam, será desbancado agora.
Paris acaba de montar a primeira bolsa de valores de arte no mundo, em que investidores compram ações de trabalhos negociados, como títulos de grandes empresas, e lucram com as oscilações repentinas do mercado.
Mas longe da algazarra de leilões e pregões, outras obras no Paço das Artes, enclave frondoso na Cidade Universitária paulistana, dão conta de outro aspecto dessa relação com o mercado.
Cartazes do grupo Pino anunciam produtos inúteis que se encaixariam bem em ambientes corporativos, espécie de arsenal de aspones.
Rodrigo Matheus replica esse habitat cinzento em sua obra: mesa e monitores para vigiar o vaivém das bolsas e das bolhas especulativas.
Livro enxerga arte na esfera do entretenimento
Não é de hoje que artistas se relacionam bem ou mal com dinheiro. Artesãos medievais guardavam segredos de produção e pintores das cortes trocavam telas por proteção e prestígio político.
Mas algumas coisas aconteceram entre os toques finais dos afrescos na capela Sistina e a mutação da arte contemporânea em commodity e forte ativo financeiro.
Um livro recém-lançado pela Zahar tenta dar conta desses fatos, ilustrando cada etapa com obras clássicas que juntam grana e estética, do "Zero Dólar" de Cildo Meireles a peças de Duchamp.
"Essa relação entre arte e dinheiro sempre foi central para o significado da arte", diz Paul Mattuck, um dos autores de "Arte & Dinheiro".
"Mas agora isso está mais claro: arte tem a ver com progresso, sucesso e poder, virou uma coisa glamourosa."
Na esteira do glamour, outros ensaios no livro vão direto ao ponto, enxergando a arte contemporânea num contexto semelhante às megaproduções de Hollywood.
"Esse fenômeno deslocou as artes visuais para a indústria do entretenimento", escreve o crítico Paulo Sérgio Duarte em seu ensaio. "Alguns museus viraram grifes e exportam sua marca usando métodos que o mercado conhece como "franchising"."
Num contexto mais histórico, Paul Ardenne compara a preocupação atual com dinheiro ao que foram nus e paisagens no neoclassicismo, um "tema ao gosto".(SM)
Antonio Grassi, o homem forte por trás de Ana de Hollanda, volta à Funarte por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Antonio Grassi, o homem forte por trás de Ana de Hollanda, volta à Funarte
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 12 de janeiro de 2011.
Antonio Grassi ainda não foi empossado presidente da Fundação Nacional das Artes (Funarte). Mas anda pelo Palácio Capanema, no Rio, à vontade, como quem conhece cada canto do prédio traçado por Le Corbusier.
O edifício que Gustavo Capanema, o ministro da Educação de Getúlio Vargas, idealizou para abrigar "o ministério destinado a preparar, compor e afeiçoar o homem do Brasil", será, pela segunda vez, o local de trabalho do mineiro que virou ator porque queria fazer política.
"Você já viu esse jardim?", pergunta, feito cicerone. Grassi sabe até o nome das espécies das árvores escolhidas por Burle Marx. E sabe também que o sonho de Capanema há muito se perdeu.
"A cultura precisa, de uma vez por todas, fortalecer o trabalho com a educação", diz. A depender de Grassi, a nova gestão do Ministério da Cultura (MinC) carregará essa bandeira. "E não podemos pensar só nos alunos. Temos que pensar também nos professores, que pouco leem, que não vão ao teatro", diz.
"O desmembramento dos dois ministérios [da Cultura e da Educação, em 1985] não levou em conta que o divórcio pudesse ser tão litigioso."
VOZ FORTE
Grassi recebeu a Folha, anteontem, depois de ter acompanhado a ministra da Cultura, Ana de Hollanda, em seu primeiro compromisso público: um visita ao Complexo do Alemão. Hollanda, nestes primeiros dias no cargo, tem preferido o silêncio. Seus assessores dizem que ela ainda precisa tomar pé da situação.
Prosador seguro, o novo presidente da Funarte, instituição que administra um orçamento de R$ 140 milhões, parece, por sua vez, saber muito bem o que encontrará pela frente e o que pretende fazer --não só na Funarte.
"A Funarte não pode ser separada do Ministério", afirma. A Funarte é o braço do MinC destinado a cuidar "das artes". Tão vaga quanto a definição parecem ter se tornado suas atribuições.
"Você não entende por que tem um edital de teatro na Funarte e outro no MinC? Pois é, eu também não", diz.
As atribuições ficaram ainda mais embaralhadas quando, em 2010, o MinC anunciou prêmios para artistas no valor de R$ 350 milhões. Agora, circula a informação de que esse dinheiro não está disponível. "Estamos verificando. Mas os editais serão pagos", diz, com a habilidade para convencer o interlocutor de que a política lapida.
TEATRO E POLÍTICA
O flerte de Grassi com a política remonta aos anos de 1970, quando entrou no Colégio Estadual Central de Belo Horizonte, por onde passou também Dilma Rousseff.
Não demorou para que o então secundarista aderisse ao grêmio estudantil e ao grupo de teatro. "A gente tinha aquela ideia do teatro como uma tribuna livre", conta. "Fui fazer teatro porque adorava política e porque achava que, assim, poderia viajar muito."
Grassi continuou com um pé em cada canoa ao entrar na Faculdade de Ciências Sociais na Federal de Minas Gerais. Mas o teatro acabou por sequestrá-lo.
No auge do teatro de grupo, Buza Ferraz convidou-o para integrar o grupo Pessoal do Cabaré, no Rio. "Eu era ator, mas, como todo mundo, cuidava de tudo: figurino, bilheteria, borderô. Não havia nada da economia da peça que nos escapasse. E as discussões terminavam sempre em política cultural."
Foi assim que se deu a aproximação com o PT. "Era o partido mais aberto para essas discussões", diz.
De tanto discutir políticas públicas para a cultura foi convidado, em 1989, para elaborar, ao lado de gente como Lucélia Santos, Paulo Betti, Wagner Tiso, Sergio Mamberti e Marilena Chauí, o programa de Lula.
Coordenou também o programa da primeira eleição vitoriosa, em 2002.
Foi, portanto, com um travo de decepção que Grassi e seus companheiros da cultura receberam a indicação de Gilberto Gil, do PV, para a pasta. "A primeira reação foi de surpresa, mas logo em seguida tivemos uma atitude de respeito. O desenlace é que foi complicado", diz, referindo-se a sua demissão da Funarte, por Gil.
Três anos depois, Grassi ouve a inevitável pergunta sobre o conflito, mas não se desnorteia. "Prefiro citar Shakespeare: 'Guardar ressentimento é como tomar veneno e esperar que a outra pessoa morra'. Aceitei o convite para a Funarte porque acho que o apoio aos artistas tem que ser encarado de maneira mais séria."
janeiro 19, 2011
O que faz diferença? por Ricardo Tamm
O que faz diferença?
Pelo oitavo ano consecutivo, O Globo anunciou o resultado do “Prêmio Faz Diferença”, do próprio jornal (com patrocínio da FIRJAN), contemplando indivíduos, grupos, empresas, e projetos, que se destacaram ao longo do último ano em suas respectivas áreas de atuação, e cujas iniciativas resultaram em benefício para a sociedade, a cidade, o país, o mundo.
A despeito do fato de que uma premiação sempre peca por omissões e esquecimentos, chama a atenção a ausência das artes visuais como categoria, ao longo de todos esses anos. Note-se que entre os eventos de destaque do ano do Segundo Caderno do jornal, as Artes Visuais estão presentes, como a Literatura, a Música, as Artes Cênicas, o Cinema, e a TV. Áreas estas que – exceção feita às artes visuais – participam também do “Prêmio Faz Diferença 2010”, junto com: o Mundo, o País, o Rio, o Desenvolvimento do Rio, a Economia, a Razão Social, a Ciência/História, o Esporte, a moda (Ela), a cultura jovem (Megazine), e a Revista do jornal; a indicação de um artista plástico na categoria da revista, este ano, parece confirmar a excepcionalidade à regra. Deve haver algum motivo (um eventual esquecimento teria sido corrigido antes da oitava edição). Mas qual?
Será que as artes visuais, mesmo com a crescente expansão do mercado e valorização das obras, amplamente divulgadas pelo jornal, não conseguem fazer diferença na sociedade? Nem qualquer iniciativa para a formação, a circulação, a preservação, ou a informação sobre artes visuais na última década fez muita diferença para justificar a categoria?
É claro que um prêmio não é a única medida de avaliação de qualquer tipo de produção. Mas é um reconhecimento público e uma espécie de consagração de uma obra, um projeto, um programa. Especialmente um prêmio do próprio jornal, que divulga e promove o que é premiável ao longo do ano. E que, mesmo reconhecendo a área como assunto para farto noticiário, não a considera capaz de fazer diferença na sociedade do século 21 (até onde conhecemos).
O que faz então a arte contemporânea? Se não faz diferença, faz o mesmo, repete-se, não importa. Seria assim uma arte incapaz, que não diz à sociedade como o fazem outras artes e meios. Mas não seria essa indiferença, ou incapacidade crítica, promovida pelo jornal mesmo?
Uma página semanal dedicada às artes visuais é notícia recente – após longa temporada de críticas esporádicas –, que vem preencher de alguma maneira a lacuna, servindo para a informação e a crítica periódica sobre o que está em cartaz, aqui ou alhures. Suas colunas críticas vem desenvolvendo leituras louváveis às obras e exposições escolhidas. Falta a abordagem de diferenças estéticas e conceituais, ou a discussão sobre os movimentos do mercado, por exemplo. Parece que, com muitas matérias promocionais e apenas uma crítica semanal (em tão exíguo espaço, sempre louvável), tudo vai bem. Será?
A crítica periódica de arte, como toda crítica, desenvolve-se justamente pelas diferenças na recepção e, principalmente, pela sua possibilidade de discussão. É necessário expor a diversidade de visões e discursos sobre o que se apresenta sob o título e a instituição da arte. É preciso acompanhar estratégias comuns e específicas, mudanças de curso, sortes, enganos, manipulações, tudo o que acontece nesse meio – sobre o qual não tem havido, por aqui, muito dissenso. Onde não se discute publicamente a variedade dos circuitos que se estabelecem sob a mesma rubrica artística, e tampouco se questiona o que se faz na cidade em nome da arte
A arte contemporânea é reconhecida por colecionadores, comerciantes, curadores e críticos de arte, dentro de um círculo delimitado de agentes legitimadores. A produção artística fora do circuito institucionalizado por esses agentes é frequentemente considerada marginal, anacrônica, exótica, ingênua, popular – sendo algumas vezes reconhecida quando apropriada por um representante (artista, curador) do circuito central. Aí então, não como expressão autônoma, mas sim de segunda mão, mediada por uma obra, ou um olhar reconhecidamente contemporâneo
Quanto à cidade, não havendo um projeto esteticamente orientado para a ocupação do espaço urbano por parte da administração municipal (para este tipo de ação parece que não é preciso orientação), torna-se indispensável a discussão pública sobre essa ocupação – atual e futura. Há que se questionar se fazem ou não diferença para a cidade: a proliferação de estátuas em bronze, esculturas permanentes, e exposições temporárias (de vacas, presépios, homenagens); ou a difusão de grafites, intervenções, e peças promocionais no espaço público. Se não fazem diferença positiva, por que divulgar acriticamente esses eventos?
A maioria das críticas à arte contemporânea publicada na imprensa nos últimos anos, por sua vez, além de genérica, insiste em tomar como termo de comparação a genialidade de artistas do final do século 19, e começo do século 20. A história e o mercado os consagraram indiscutivelmente e milhares de estudos apontam-lhes os méritos. O problema das leituras comparativas ao passado (mais ou menos distante) é que as artes visuais contemporâneas incorporam histórias e caminhos que levaram mais tempo para se tornarem comuns, acessíveis – do meio para o final do século 20, mesmo se já apontados no início do século –, assumindo novas formas de apresentação e contato com o público. A experimentação se tornou uma conquista e uma realidade para toda a arte a partir dos anos 1960/70, incluindo as técnicas mais tradicionais, como possibilidade de expressão e discurso artístico. Neste sentido não há limites para a criação, para o exercício experimental da liberdade, de Mário Pedrosa, mesmo com lápis e papel.
A dificuldade crítica seria tentar encontrar antigos parâmetros onde já não os há. Ao menos totalizantes. Nem estéticos, nem formais. Se qualquer solução é possível, em qualquer meio, também o é a sua recepção, e leitura. Mesmo o termo contemporâneo é passível de diversas interpretações. O que não é mais possível é a leitura pretensamente capaz de dar conta do todo, onde as diferenças serviriam apenas para confirmar a própria visão geral ou seriam ignoradas. A possibilidade, hoje, são leituras parciais (assumidamente ou não) que algumas vezes, como numa curadoria, tentam organizar sentidos e aproximações em larga escala. Acontece que os grandes sentidos de leitura temática, que vão pautar as grandes exposições, ou serão restritivos, insuficientes, ou serão abertos para outros sentidos, paralelos, sobrepostos, cruzados, imprevistos.
Lidar com isso não é fácil. O que não significa que nada seria passível de crítica. Pelo contrário. A questão é em que bases vai se sustentar essa crítica. Se vai conseguir justificar o ponto de vista, e convencer, ou não. No mínimo vai representar a possibilidade de outras visões e leituras, ainda que, ou sobretudo, no dissenso.
A própria arte contemporânea incorporou formas e discursos diversos, se abriu para outros sentidos, e em todos os sentidos. Atingiu a pura idéia. Abstraiu a matéria de que seria feita (se o fosse). O que não a impediu, nem a livrou, de se apresentar de alguma maneira, de alguma forma. Tornou-se experiência, som, luz, ambiente, palavra, proposta, ação. Incorporou ou se perdeu em todas as formas de arte. Talvez o nome genérico a tenha induzido à expansão de suas possibilidades formais. Na história da arte moderna e contemporânea, manifestos literários, manifestações performáticas e obras antiarte cruzam fronteiras desde as primeiras décadas do século 20, superando os limites entre artes antes distintas.
Talvez a arte contemporânea se mantenha apenas por força de um mercado que necessita de circulação e renovação para o seu investimento (capaz de tal valorização que dificilmente qualquer outro bem, móvel ou imóvel, conseguiria alcançar). Talvez se mantenha por necessidade estética própria; plástica, visual, sensorial, em um campo de contato e fruição capaz de afetar-nos íntima e coletivamente – e de assim se manter, mantendo-nos.
Um renomado arquiteto contemporâneo vem procurando uma razão biológica e genética para a necessidade de arte em todas as suas formas, para a paixão e o prazer estético, quais sejam os seus parâmetros. Se ele vai conseguir encontrar, ou se faz sentido procurar por essa via, não vem ao caso. O que interessa é a busca e a paixão estética, bem como as variações de parâmetros dentro da diversidade de informações e ambientes nos quais estamos inseridos/inserimo-nos, e que vão permear a presença, e possível diferença, da arte na sociedade atual.
Retratos da arte quando jovem por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 14 de janeiro de 2011
O que é ser um artista jovem? É possível pensar em uma produção de arte que seja jovem, independentemente da idade do artista? Essas são algumas das questões que o curador Adriano Casanova propõe no projeto “20 e Poucos Anos”, que entra em sua última semana de exibição na Baró Galeria, em São Paulo. “O objetivo é questionar como uma produção pode ser jovem sem ser determinada pela idade”, diz o curador. As questões colocadas por ele são pertinentes. A exposição identifica artistas que iniciaram suas criações em idade avançada, mas cujos trabalhos apresentam o frescor e as problemáticas típicas de início de carreira. Por outro lado, há artistas de 20 e poucos anos que alcançaram rapidamente a “maturidade”. Seja pela contudência do trabalho, seja pela relativamente imediata assimilação no mercado de arte, caso de Flávia Junqueira, 25 anos, que acaba de sair da faculdade e já é representada por uma grande galeria paulistana, a Zipper.
Discutir essas contendas é algo que não se dá apenas pela escolha dos artistas para a exposição, 12 ao todo, mas que envolve uma reflexão mais ativa. No dia da abertura da mostra, críticos e artistas se propuseram a debater, com o público, os mitos da juventude artística. Outra questão levantada é o peso da tradição da pintura como cânone dentro da arte contemporânea. Exemplo é o trabalho de Fábio Barolli, 30 anos, que resgata o tríptico, estrutura comum dentro da pintura sacra, trazendo-o para um contexto atual, no qual o artista realiza um autorretrato em que aparece mutilado. Já a série “Iconografia do Videogame – Street Fighter vs. Mortal Kombat” (foto), de Danilo Ribeiro, 27 anos, parece fazer um paralelo com a pintura de Diego Velázquez. Ao se autorretratar jogando videogame diante de uma tela pintada, Ribeiro evoca a mesma estratégia praticada pelo mestre espanhol em “Las Meninas”, em 1656: quebrar o espelho que separa a realidade e sua representação. “Aqui a pintura funciona como simulacro. É o jogo que o artista joga consigo mesmo”, diz Casanova, que em 5 de fevereiro inaugura nova etapa do projeto, apresentando obras selecionadas de artistas iniciantes que apresentaram seus portfólios durante os debates de dezembro.
Laura Lima e o antiarquivo por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 14 de janeiro de 2011
A criação do mundo e a criação artística são evocadas e desorganizadas em quatro instalações da artista mineira
Laura Lima foi a primeira artista brasileira a vender uma performance: em 1995, “Quadris”, em que duas pessoas encaixadas pelos quadris deslocam-se como um caranguejo pelo espaço, foi adquirida pelo Museu de Arte Moderna de São Paulo. Mas, mesmo catalogada como performance na coleção, a artista rejeita a terminologia. Prefere referir-se a esse núcleo de trabalhos que toma o corpo como matéria, evocando o título da série “Homem=carne/mulher=carne”. Talvez para indicar o desafio de toda arte contemporânea: situar-se no hiato entre as coisas inteligíveis. “Nunca encontrei nenhuma palavra satisfatória. Tenho um glossário interno em minha obra que me serve muito bem”, afirma a artista, que, ao inventar terminologias conceituais, aproxima-se do modus operandi de Helio Oiticica, que sempre rejeitou a palavra instalação para referir-se a seus trabalhos com termos como sistemas espaciais, programas in progress, parangolés etc. As obras em exposição na individual “Grande”, na Casa França-Brasil, no Rio, dão seguimento a essa navegação por territórios ainda não catalogados.
As práticas de arquivamento e de catalogação são colocadas em xeque logo na entrada da exposição. A primeira coisa que o visitante encontra é o Mágico Nu em sua oficina/ateliê. “Este mágico possui as mangas curtas, seus segredos estão expostos, sua oficina-ateliê tem prateleiras ortogonais e caóticas. O mágico faz esculturas incessantemente, organiza e desorganiza a estante constantemente”, conta Laura. O trabalho desse mágico antiarquivista é observado por um casal, aninhado em uma imensa rede de mais de 30 metros. Esse casal compõe a obra “Pelos + Rede”, em que a mulher tem os pelos pubianos alongados e o homem, as sobrancelhas. Seriam eles mais uma obra fictícia desse mago que produz esculturas em um torno de argila? Ou frutos da imaginação de um criador imperfeito?
Não uma, mas muitas histórias são tecidas no passo a passo de cada visitante dentro da exposição. “O narrador dessa história é o deslocamento do espectador no espaço”, diz Laura. “O espectador monta seu próprio arsenal poético.” Essa fábula-exposição culmina em “Baixo”, obra em que uma pessoa está deitada em um lugar com teto rebaixado a 60 cm, e na obra-surpresa “Escolha”, em que o espectador opta se irá entrar em território desconhecido sem nenhuma informação prévia. Onde, eventualmente, poderá ser transformado em mais uma escultura de argila moldada pelo Mágico Nu.
janeiro 18, 2011
Ana de Hollanda penou por recurso da Rouanet por Larissa Guimarães, Folha de S. Paulo
Matéria de Larissa Guimarães originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 18 de janeiro de 2011
Ministra pediu R$ 167 mil para álbum em 2007, mas projeto foi arquivado
Projetos baseados em obras dos Buarque de Hollanda pediram R$ 8,5 milhões e captaram apenas 9% do valor
Em reforma no Congresso Nacional, a Lei Rouanet já trouxe dissabores para a própria ministra da Cultura, Ana de Hollanda, que é cantora e compositora, assim como o irmão Chico Buarque.
Em 2007, o projeto para a gravação do CD "Só na Canção" chegou ao Ministério da Cultura, pedindo autorização para captar R$ 167 mil.
O projeto acabou arquivado por "falta de complementação de documentos", e o disco acabou saindo em 2009, mesmo sem patrocínio pela Lei Rouanet.
A burocracia é apenas um dos pontos que a classe artística critica dentro da lei, principal mecanismo de financiamento da cultura no país.
A lei permite que produtores culturais apresentem projetos para buscar patrocínio junto à iniciativa privada. As empresas, por sua vez, podem abater até 100% do valor no Imposto de Renda.
SEM SORTE
Outros projetos que levam o sobrenome Buarque de Hollanda também não tiveram melhor sorte.
Levantamento feito pela Folha (2000-2010) mostra que há ao menos outras 18 propostas baseadas na obra do clã -de regravações de músicas de Chico até filme sobre livros de Sérgio (veja alguns no quadro acima
Somados, esses projetos pediram quase R$ 8,5 milhões em recursos da lei. Desse montante, só foram captados cerca de R$ 765 mil - 9% do valor pedido
A maioria dos projetos pedindo recursos via Lei Rouanet foi arquivado por não conseguir patrocínio dentro do prazo estipulado. Isso é o que acontece com a maior parte dos produtores culturais que vão em busca de dinheiro da Lei Rouanet.
REFORMA
A aprovação da reforma da lei no Congresso deverá ser um dos maiores desafios para a ministra em sua gestão.
Em breve entrevista logo após assumir o cargo, ela adiantou que considera a mudança da lei "uma questão polêmica", pois já ouviu queixas e elogios quanto ao texto enviado pelo governo ao Congresso há um ano.
Até agora, a proposta que altera a Rouanet foi aprovada na Comissão de Educação e Cultura, e ainda precisa passar por mais duas (Finanças e Constituição e Justiça
O projeto de reforma da lei define novos critérios de distribuição dos recursos da Rouanet. A proposta prevê que a renúncia fiscal seja apenas um dos mecanismos de financiamento de cultura.
O texto também estabelece uma série de critérios para a avaliação de projetos culturais que são financiados por empresas privadas.
Procurada na sexta-feira, a assessoria da ministra informou que Ana de Hollanda tinha compromissos e não poderia responder a questões sobre a Lei Rouanet.
IAC adia saída de prédio da USP e negocia mudança por fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 19 de janeiro de 2011
Museu deve cumprir calendário até 27/2
Não é hoje que o IAC (Instituto de Arte Contemporânea) deixa sua sede, na rua Maria Antônia -como havia solicitado o reitor da USP, João Grandino Rodas, por decisão da própria universidade.
De acordo com a assessoria de imprensa da USP, as instituições estão "negociando a desocupação do espaço, que até o momento não tem data definida".
Representantes da USP e do IAC reuniram-se no final do ano passado, e o provável é que se respeite o calendário da mostra em cartaz, "Avesso do Avesso", com obras da artista Mira Schendel (1919-1988), programada para ocorrer até o dia 27/2.
A USP formalizou um convênio de colaboração com o IAC por cinco anos em 2001 e o renovou por mais cinco em 2006. A atual reitoria, porém, não renovou o convênio, encerrado ontem. Por carta, o reitor determinou que o IAC saísse no dia seguinte ao fim do contrato, que seria hoje.
O secretário de Cultura do Estado de São Paulo, Andrea Matarazzo, propôs à direção do IAC que doe o acervo com mais de 3.000 documentos à Pinacoteca, que manteria o núcleo de documentação e pesquisa da instituição
"O IAC tem um conselho bastante honrado, e nos interessa manter diálogo com eles. A Pinacoteca tem todas as condições de cuidar do acervo da instituição", disse Matarazzo à Folha.
Entre os documentos, encontram-se cartas e documentos fotográficos de Sérgio de Camargo (1930-1990), Willys de Castro (1926-1988), Hércules Barsotti (1914-2010) e Carlos Cruz-Diez. Já as mostras programadas, segundo Matarazzo, poderiam ocorrer em espaços do Estado.
A assessoria de imprensa do IAC afirmou que a instituição "estuda alternativas".
Modernismo inspirou política de preservação por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 18 de janeiro de 2011
O texto que norteia toda a política de preservação cultural e arquitetônica foi escrito por ninguém menos que Mário de Andrade.
O poeta modernista debruçou-se sobre o assunto a pedido de Gustavo Capanema, o famoso ministro da Educação do governo Getúlio Vargas, que considerava imprescindível a construção de um instrumento e de um órgão capazes de "preservar obras de arte brasileiras de toda a espécie
Bem ao feitio modernista, Andrade rompeu com o caráter de excepcionalidade do tombamento, aquele que imagina que só castelos, palácios ou raridades deveriam ser preservados.
Esse texto motivou a criação, em 1936, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Com o passar do tempo, Estados e municípios foram criando seus órgãos de tombamento, como o Condephaat, em SP, e o Conpresp, na capital paulista. Todas essas instituições trabalham com o modelo de conselheiros.
O Conpresp é autônomo, mas tem, entre seus nove conselheiros, representantes das secretarias municipais de Cultura, Desenvolvimento Urbano, Habitação e Negócios Jurídicos, e da Câmara Municipal. Também têm assento a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o Conselho Regional de Engenharia (Crea), o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e o DPH.
Mesmo que o Conpresp vote pela abertura do processo de tombamento, não há nada que o proprietário possa fazer antes da decisão final do órgão.
REAÇÃO
Procurado pela reportagem da Folha, o proprietário do imóvel que abriga o Belas Artes, Flávio Maluf, não retornou as ligações.
Mas, a princípio, as alternativas que lhe restam são entrar com um mandado de segurança ou esperar a decisão final e, aí sim, pedir a revisão do caso no Conpresp. Ele pode, ainda, pedir a desapropriação indireta, uma vez que tinha um contrato na mão e o Estado limitou seu negócio.
MAC tem entrega de edifício adiada por fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 15 de janeiro de 2011
Reforma no antigo Detran deveria ter sido concluída mês passado; secretário promete entrega para até março
Estado assume custos de mudança do acervo e iluminação do novo prédio, que, a princípio, caberiam à USP
Ainda não será em seu aniversário, no próximo mês de abril, quando comemora 48 anos, que o Museu de Arte Contemporânea da USP irá abrir as portas de sua nova sede, no antigo prédio do Detran, no Ibirapuera.
A reforma do edifício, que por contrato deveria ter acabado em 23 de dezembro passado, ainda segue em três dos sete andares do prédio. "Foi uma reforma complexa, mas agora faltam só detalhes, em fevereiro ou março o prédio será entregue", afirma Andrea Matarazzo, secretário de Cultura do Estado.
Com o prédio entregue, serão necessários de dois a três meses para a transferência dos acervos e a montagem das exposições. "Atrasos são comuns em obras de qualquer porte. Perfeitamente compreensível no caso do novo MAC", diz Tadeu Chiarelli, diretor do museu.
A nova sede, segundo Matarazzo, ainda vai ganhar um outro apoio na reta final, por um protocolo de intenções com a USP, segundo o qual a secretaria responsabiliza-se pelos custos da mudança, da cenografia e da iluminação do novo prédio.
"Só a iluminação irá custar cerca de R$ 2 milhões, enquanto as outras tarefas ainda estão sendo estimadas", conta Matarazzo, que é categórico: "Será o mais bonito museu da cidade".
MIS
As artes visuais, ao que parece, terão atenção especial do secretário reempossado no cargo. Uma de suas prioridades é alterar a situação do MIS (Museu de Imagem e Som). "Ele precisa de mais atenção porque é o menos aproveitado. Por isso, estou iniciando conversas com o Leon Cakoff, da Mostra de São Paulo, e com o André Fischer, do Festival Mix Brasil, para que eles depositem seus acervos no MIS ", conta Matarazzo.
Ampliação também é projeto para a Pinacoteca do Estado. Para ela, o secretário estuda a construção ou reforma de edifícios históricos no interior do Estado, que abriguem algumas peças do acervo da instituição.
Botucatu e Ribeirão Preto são algumas cidades que já estão em estudo. "Existe demanda para isso e, além de um acervo fixo, esses espaços também receberiam mostras temporárias", defende Matarazzo.
Cultura seca estrutura e revê programas por Catia Seabra e Laura Mattos, Folha de S. Paulo
Matéria de Catia Seabra e Laura Mattos originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 14 de janeiro de 2011
Presidente da emissora estabelecerá metas para a programação, que incluem custo, audiência e repercussão
João Sayad diz à Folha concordar com opinião do secretário da cultura de SP de que o foco deve ser produção de infantis
Sob a ameaça de explosão de um passivo trabalhista de R$ 160 milhões, a Fundação Padre Anchieta -administradora da TV e da rádio Cultura- tem um lava-rápido em sua sede. Instalado ao lado de uma funilaria, tem dois empregados dedicados à lavagem dos carros de funcionários e da frota da TV.
O lava-rápido da TV pública, que não existe nem na Globo, está com os dias contados. Presidente da fundação desde junho, João Sayad, 65, instalou um programa de enxugamento de atividades da fundação que fogem de sua missão: a programação.
Entre as medidas traçadas estão a não renovação de contratos para colocar no ar a TV Justiça e a TV Assembleia -com a consequente demissão de 285 funcionários- e a terceirização da produção de programas da TV Cultura.
A meta é que apenas 30% da programação sejam produzidos pela emissora. Nessa cota, fora as "pratas da casa", como "Roda Viva" e "Vitrine", estão os programas infantis, nos quais a Cultura se destaca.
A decisão está alinhada à opinião de Andrea Matarazzo, titular da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, à qual a Fundação Padre Anchieta é vinculada.
Para comprar programa de produtoras independentes, fará editais neste ano.
Também pretende usar recursos públicos, como o Fundo Setorial Audiovisual, do Ministério da Cultura, e ampliar os patrocínios de empresas por meio de incentivo fiscal, com a Lei Rouanet.
"Queremos concentrar nosso reduzido talento administrativo na telinha e no rádio. O foco da TV é o seu público", afirmou Sayad para justificar a não renovação dos contratos com a TV Assembleia e a TV Justiça.
Para Sayad, essas operações não só consomem a energia da equipe como impõem encargos trabalhistas.
E, nas contas do presidente, o valor dos contratos não oferece, por exemplo, uma reserva de recursos para cobrir custos das eventuais ações na Justiça do Trabalho.
"Essas outras atividades, que imaginávamos dar uma margem [de recursos], nos causam grandes problemas administrativos e trabalhistas", argumenta Sayad.
CORTES
A redução na folha de pagamento, com a demissão dos quase 300 funcionários que faziam a TV Justiça e a Assembleia, é uma tentativa de conter a evolução do passivo contingente trabalhista (valor de ações de ex-funcionários que estão pleiteando na Justiça indenização).
O montante, que pode estourar a qualquer momento se a emissora perder a batalha judicial, já chega a R$ 160 milhões, praticamente o dobro do que o Estado de São Paulo repassará este ano à fundação (R$ 84 milhões).
Sayad afirma que esses 285 funcionários não ficarão desempregados. Ainda que sem garantia formal, diz que serão incorporados às novas equipes que produzirão a TV Justiça e a TV Assembleia.
Representante dos funcionários no conselho da fundação, José Maria Lopes acompanha a negociação e diz acreditar que mais de 90% serão reaproveitados.
Além da redução de pessoal, Sayad contratou uma empresa de consultoria para regularização da situação jurídica dos funcionários.
Fora as medidas administrativas -como a criação de um comitê para avaliação de contas- a reestruturação prevê até mudanças na iluminação da emissora.
A decisão é clarear a imagem. "Estamos reprogramando a imagem fotográfica. Há uma reclamação secular que a Cultura é escura. Sempre achei isso. Contratamos um iluminador e vamos fazê-la clara, cheia de luz."
A programação também será revista. Os programas serão avaliados segundo cinco critérios: custo, audiência, share (porcentagem de telespectadores dentre as TVs ligadas no horário), repercussão e "diferença" (se as redes comerciais têm ou não programa semelhante).
Sayad não descarta o fim de programas cuja audiência esteja abaixo de parâmetros que serão fixados. Sob o argumento de que a internet pode oferecer conteúdo mais elitizado, prega a popularização de programas. "Depois da internet, o público específico não precisa ocupar horário nobre da TV. Tenho preocupação com audiência
De acordo com Sayad, programas eram incluídos na grade sem prévia avaliação só por ter sido financiado por alguma empresa, sem custo à Cultura. "É um esforço para que a grade não seja suja por um programa só porque tinha verba e fazer com que o telespectador, ao zapear, fale: "Aqui, só tem porcaria"."
janeiro 11, 2011
Desleixo curatorial afeta mostra sobre acervo pioneiro do MAC na ditadura por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 10 de janeiro de 2011
Em uma carta de 1974, o artista Sérgio Ferro pede a Walter Zanini, então diretor do Museu de Arte Contemporânea da USP (MAC), que receba a obra "São Sebastião (Marighella)", de 1970: "Como pagamento, o que te peço é bem cuidar dela".
Tanto a obra quanto a carta são as primeiras peças da mostra "Um Dia que Terá Terminado 1969/74", com curadoria de Cristina Freire, Heloisa Costa e Ana Magalhães, da equipe do museu.
Esse começo simbólico revela bem a importância que o MAC conquistou, durante a ditadura militar, enquanto espaço de experimentação artística, em grande parte graças à liderança de Zanini.
Ao longo da exposição, comprova-se como grande parte da produção de ponta daquela época entrou no acervo do MAC. Estão lá, por exemplo, "M 3X3", de Analivia Cordeiro, considerada a primeira obra de videoarte do país. Trata-se de um trabalho de videodança. Ou então "PlayFEUUllagem", de Regina Vater, uma série de seis fotografias, registros de uma ação do ator Antônio Pitanga, no Jardim de Luxemburgo, em 1974. O MAC abria as portas às novas mídias enquanto elas surgiam.
Assim, muitos nomes representativos do período ganham espaço na mostra: Cildo Meireles, Mira Schendel, Cláudia Andujar, Regina Silveira, Júlio Plaza e Ângelo de Aquino, entre outros.
O problema é que uma exposição não pode ser apenas a sucessão de obras na parede, mas precisa construir um pensamento, e isso, em "Um Dia que..." não existe. A exceção é o início da mostra, com a carta e a obra de Ferro.
Abordar o momento mais rígido da ditadura militar brasileira, sem contextualizá-lo, sem pontuar o que se vivia naquele momento, sem fazer com que as obras expostas sejam redimensionadas é, no mínimo, desleixo curatorial.
Apenas um ótimo acervo não faz uma boa exposição e, com a nova sede do MAC, que deve ser inaugurada ainda neste semestre, esse desafio precisa ser de fato encarado.
Debate sobre a função de um Ministério da Cultura por Guilherme Freitas e Miguel Conde, oglobo.com
Matéria de Guilherme Freitas e Miguel Conde originalmente publicada no caderno Prosa&Verso do jornal O Globo, em 8 de janeiro de 2011.
Ana de Hollanda assumiu na última segunda-feira o Ministério da Cultura (MinC) prometendo em seu discurso de posse “continuar e avançar” com o trabalho realizado por seus antecessores, Gilberto Gil e Juca Ferreira, durante os oito anos de governo Lula. A declaração da ministra espelha o mote da campanha vitoriosa de Dilma Rousseff. Assim como acontece com a presidente, porém, ainda é cedo para saber o que significa na prática a dupla promessa de continuidade e aprimoramento.
Os Pontos de Cultura, a recuperação de cidades históricas e o Vale Cultura foram alguns dos projetos de Gil e Ferreira elogiados pela ministra, que no entanto não mencionou em sua fala o tema mais controverso sob responsabilidade de sua pasta no momento — a nova Lei do Direito Autoral. A afirmação de que a criação deve estar “no centro de tudo”, pois “não existe arte sem artista”, foi interpretada em comentários publicados em sites e blogs como uma defesa indireta de uma política mais restritiva em relação à propriedade intelectual do que a proposta pelos ministros anteriores.
Com recursos que chegaram a R$ 2,2 bilhões em 2010, longe da verba dos maiores ministérios, o MinC ainda assim teve um aumento de repasses constante durante os governos Lula. Se o crescimento indica a valorização da pasta, levanta também a pergunta sobre o caminho que ela deve seguir em sua expansão.
Nesta edição do Prosa & Verso, dez artistas, críticos e produtores de diversas áreas deixam de lado por um momento as discussões que têm movimentado o setor para responder a uma questão mais básica: qual deve ser, hoje, a função de um Ministério da Cultura? Em que áreas ele deve atuar, e seguindo quais prioridades? Os dez breves textos podem ser lidos como um apanhado de sugestões para a nova ministra, mas também como um esforço para repensar a própria noção de política cultural a partir das transformações sociais de nossa época.
Reconhecendo méritos no trabalho dos últimos anos, os autores ainda assim propõem ideias que muitas vezes implicariam numa reformulação das atribuições do MinC. O cineasta Cacá Diegues diz que a gestão da indústria criativa deve ser separada da criação artesanal. O crítico Paulo Sérgio Duarte defende uma reaproximação do MinC com o Ministério da Educação, ideia levantada também pelo artista plástico Cildo Meirelles e pelo músico Jorge Mautner. O poeta Armando Freitas Filho e o escritor Marcelino Freire pedem incremento das políticas de Gil e Ferreira. O editor Roberto Feith diz que o Estado não deve se intrometer na criação cultural. A produtora Mariza Leão pede um PAC de acesso à cultura. Os especialistas em políticas culturais Lia Calabre, da Fundação Casa de Rui Barbosa, e Albino Rubim, da UFBA, cobram investimentos em diversidade e a implantação de projetos elaborados no governo Lula, como o Sistema Nacional de Cultura e o Plano Nacional de Cultura.
Financiar a diversidade
Albino Rubim
Em uma circunstância republicana, a primeira atitude a esperar de um novo ministério é que dê continuidade às políticas em andamento, evitando algo muito comum e nefasto no Brasil: a descontinuidade administrativa. O campo da cultura é especialmente sensível às descontinuidades, pois, assim como a ciência e tecnologia e a educação, tem um tempo de maturação necessariamente longo. Tais campos devem ser contemplados por políticas de largo prazo e não apenas por políticas de governo. Nesta perspectiva, a implantação do Sistema Nacional de Cultura e a implementação das deliberações das Conferências Nacionais de Cultura aparecem, dentre outros, como essenciais.
Igualmente imprescindível é a mudança da política nacional de financiamento à cultura, pois leis de incentivo não podem sustentar políticas de diversidade cultural, vitais para o desenvolvimento da sociedade brasileira. A diversidade cultural exige uma complexa política de financiamento, que deve incluir leis de incentivo, mas não pode tê-las como eixo dominante.
Mas nenhum ministério novo pode apenas consolidar o existente. Deve avançar e inovar. A constituição de um programa nacional de formação e qualificação em cultura atenderia uma das reivindicações mais evocadas pela comunidade cultural brasileira e enfrentaria um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento cultural do país.
Albino Rubim é professor da Universidade Federal da Bahia e organizador de "Políticas Culturais no Brasil" (2007).
Cultura e educação
Paulo Sérgio Duarte
O maior problema atual das políticas culturais do governo federal é a distância entre os ministérios da Cultura e da Educação. Essas duas áreas têm que ser pensadas conjuntamente, como acontece em diversos países do mundo. Dizer que os currículos escolares devem ser pensados de um ponto de vista cultural não significa defender simplesmente aulas de educação artística, mas uma reformulação do ensino para que todas as disciplinas sejam ensinadas levando em conta o cotidiano dos alunos. É preciso mostrar como o conteúdo se relaciona à vida em sociedade. Isso se aplica tanto à matemática quanto à literatura, que hoje por exemplo é ensinada muito mais numa abordagem histórica, de sucessão de escolas literárias, do que de maneira que desperte interesse pela leitura.
Paulo Sérgio Duarte é crítico de arte.
Incrementar conquistas
Armando Freitas Filho
Para mim, não é exatamente o caso de mudar, mais de incrementar as políticas culturais implantadas pelo ministro Gilberto Gil. Os Pontos de Cultura, por exemplo, que incentivam a produção cultural com grande capilaridade por todo país devem propiciar maior visibilidade aos escritores e à literatura. Tenho certeza que a ministra Ana de Hollanda, com sua sensibilidade e experiência na área cultural, saberá escutar as vozes, geralmente esquivas ou esquecidas, dos escritores brasileiros.
Armando Freitas Filho é poeta.
Indústrias criativas
Cacá Diegues
As indústrias criativas hoje são um fator importante para os PIBs nacionais, o terceiro setor de exportação dos EUA, e tema de discussão no mundo todo. Esse setor industrial deveria ser do âmbito de um órgão distinto do que cuida de políticas voltadas para o folclore, os costumes regionais, até mesmo para a preservação de memória. Não faz sentido um filme de longa-metragem disputar verba com o maracatu rural de Pernambuco. É como botar num mesmo orçamento uma hidrelétrica e uma olaria. Ambos são importantes, mas têm que ser tratados em órgãos distintos, assim como existem ministérios do Agronegócio e da Agricultura. Quando o Ministério da Cultura saiu do Ministério da Educação, não se definiu muito quais eram as atribuições do MinC. Essa é uma discussão que ainda está por se definir. Temos que repensar para que serve o Ministério da Cultura.
Cacá Diegues é cineasta.
Estimular o desenvolvimento
Cildo Meirelles
A maior contribuição que o Ministério da Cultura pode dar, sempre, é não atrapalhar. A cultura, claro, é uma área com muitas questões a serem discutidas. Algo que ainda está por ser desenvolvido é uma imbricação maior entre cultura e educação. Não necessariamente aulas de arte, mas pelo menos uma ampliação no acesso à produção cultural. Se a arte por um lado se caracteriza pelo seu descompromisso com a função, com a aplicação imediata, por outro as sociedades que se distanciam da produção cultural entram em declínio. Arte não é algo que se possa ensinar, mas o Estado pode criar meios propícios para uma autoeducação, aquela que o indivíduo vai buscar para se desenvolver.
Cildo Meirelles é artista plástico.
Consolidar e aperfeiçoar
Lia Calabre
Nos último oito anos, o MinC vivenciou um processo de ampliação e diversificação de suas ações, passou a ter efetiva presença nacional, elevando o campo da cultura ao das políticas públicas. Os maiores desafios da nova administração são a consolidação e o aperfeiçoamento de uma série de processos iniciados na gestão anterior.
O Sistema Nacional de Cultura (SNC), que ainda é um projeto de lei em tramitação, é uma ferramenta fundamental para efetivar a ação nacional do MinC. Ele será composto por uma série de subsistemas (de museus, de patrimônio, do livro e da leitura, de bibliotecas, os dos campos das artes, entre outros), havendo ainda o incentivo à criação de conselhos e órgãos gestores de cultura nos outros níveis de governo. Uma das principais ações federais deve ser apoiar o fortalecimento do fazer cultural no nível local. O SNC permitirá maior agilidade na relação entre Ministério, estados, municípios e distrito federal.
O Plano Nacional de Cultura (PNC), sancionado em dezembro, estabelece alguns dos nortes a serem seguidos pelo MinC nos próximos dez anos. O PNC abrange um universo de diretrizes e, dentre elas, algumas deverão ser priorizadas para os próximos quatro anos. É hora de consolidar programas e ações que se mostraram eficazes, realizar acertos de rota, implementar projetos testados e aprovados, dotar o país de uma efetiva política pública de cultura, que siga sendo construída democrática e participativamente, como política de Estado.
Lia Calabre é chefe do setor de Políticas Culturais da Fundação Casa de Rui Barbosa.
O Estado no lugar devido
Roberto Feith
Não acredito no Estado indutor da Cultura ou da produção cultural. Não creio que políticos e servidores públicos saibam melhor do que artistas e autores que tipo de cultura deve ser produzido, ou como fazê-lo.
Penso que a produção artística e cultural deve ser resguarda por leis que garantam a liberdade de expressão e os direitos dos criadores, para que ela se desenvolva sem interferência dos governos.
Mas existem áreas nas quais a atuação do Estado no campo cultural é não apenas apropriada, como necessária; áreas onde a sociedade civil não está presente, ou, se estiver, não atende às necessidades da sociedade.
Por exemplo: a defesa do nosso patrimônio histórico. O financiamento aos museus. A ampliação e qualificação de bibliotecas públicas.
Acredito que o grande desafio do Estado no campo cultural seja atuar com vigor e eficácia nos segmentos em que só ele pode agir.
Roberto Feith é diretor da editora Objetiva e vice-presidente do Sindicato Nacional dos Editores de Livros.
O espaço da literatura
Marcelino Freire
Verifiquei no discurso da Dilma que ela usou o termo “literatura”. Coisa rara. Sempre é citado o cinema, a música, o teatro... E, para a “literatura”, nenhuma palavra, nenhuma linha. Cobraremos esse compromisso. É preciso que o governo preste atenção em todos os movimentos literários que têm acontecido pelo Brasil — como os saraus que estão rolando na periferia de São Paulo. No ano em que o Brasil será o homenageado da Feira de Frankfurt (em 2013), durante a gestão da Dilma, é preciso que os novos/jovens escritores sejam lembrados, traduzidos. Um ponto positivo da gestão do Juca Ferreira era esse ouvido plural, geral. Claro que, muitas vezes, eu me sentia fazendo número — atendendo exatamente a essa cota mais representativa. Mas, de qualquer forma, vi que o setor criativo da literatura (o dos escritores) foi sendo igualmente ouvido, chamado, convocado. Nunca houve tantas bolsas de criação e prêmios literários sendo instituídos. Mas é preciso que aquilo que ocorre “ocasionalmente”, digamos, vire lei. É preciso que o escritor enquanto criador seja lembrado e protegido no Fundo Nacional de Cultura.
Marcelino Freire é escritor.
Revolução no consumo
Mariza Leão
A ascensão de quase 30 milhões de pessoas à classe C, saindo da pobreza, terá um peso monumental no consumo em toda a cadeia da economia, inclusive na cultural. Já existe hoje uma perspectiva de crescimento muito grande, que no entanto esbarra na falta de meios de acesso aos bens culturais. O Brasil precisa de algo como um PAC de infraestrutura cultural, com vias de escoamento para seus filmes, músicas, livros. Um dos projetos mais importantes do governo Lula foi o apoio à criação de salas populares de cinema, mas hoje ainda estamos bastante aquém do que seria o desejável. As classes populares sempre foram as que mais prestigiaram o cinema nacional. Com investimento, podemos passar por uma expansão revolucionária no acesso à cultura. É preciso que o MinC atue pensando em duas vertentes, a da indústria criativa, de um lado, e de outro as atividades mais artesanais, com menos viés comercial.
Mariza Leão é produtora de cinema e presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Audiovisual do Rio de Janeiro.
Cultura do Amálgama
Jorge Mautner
Gostaria que, além de manter os Pontos de Cultura, o MinC continuasse a incentivar a sua multiplicação e a entrelaçá-los com os colégios e universidades.
Que se enfatizasse a História do Mundo e a História do Brasil como temas importantes de meditação e de reinterpretação.
Difundir e enfatizar as descobertas científicas e tecnológicas como discussão e temas artísticos.
Também introduzir o método filosófico de pensar e de examinar qualquer fenômeno através de quatro pontos de vista diferentes entre si, no mínimo.
Levar o MinC com teatro, literatura, música, circo, cinema, TV, para os presídios, para a Febem e orfanatos, para os hospitais e para as pessoas portadoras de necessidades especiais.
Unir o MinC com as ações das UPPs, em todo o continente brasileiro!
Encontros com artistas do resto do mundo, para irradiar o nosso amálgama, amálgama esse que José Bonifácio em 1823 definiu como sendo a alma do Brasil, amálgama esse que é mais do que necessário.
Que a nossa seleção de futebol, quando fosse jogar no exterior, levasse uma plêiade de artistas brasileiros para civilizar o mundo.
E que o MinC realce o trabalho da mulher, sua presença nas artes, na vida, ao dar luz à outra vida, no mundo atual, em todas as profissões, liderando o século XXI!!!!
A Terra precisa da cultura do Amálgama, ou o mundo se Brasilifica ou vira nazista!!!! Jesus de Nazaré e os tambores do candomblé!!!!
Jorge Mautner é músico.
Artistas, críticos e produtores discutem a relação do estado com o setor cultural por Guilherme Freitas e Miguel Conde, oglobo.com
Matéria de Guilherme Freitas e Miguel Conde originalmente publicada oglobo.com em 08 de janeiro de 2011
Ana de Hollanda assumiu na última segunda-feira o Ministério da Cultura (MinC) prometendo em seu discurso de posse “continuar e avançar” com o trabalho realizado por seus antecessores, Gilberto Gil e Juca Ferreira, durante os oito anos de governo Lula. A declaração da ministra espelha o mote da campanha vitoriosa de Dilma Rousseff. Assim como acontece com a presidente, porém, ainda é cedo para saber o que significa na prática a dupla promessa de continuidade e aprimoramento.
Os Pontos de Cultura, a recuperação de cidades históricas e o Vale Cultura foram alguns dos projetos de Gil e Ferreira elogiados pela ministra, que no entanto não mencionou em sua fala o tema mais controverso sob responsabilidade de sua pasta no momento — a nova Lei do Direito Autoral. A afirmação de que a criação deve estar “no centro de tudo”, pois “não existe arte sem artista”, foi interpretada em comentários publicados em sites e blogs como uma defesa indireta de uma política mais restritiva em relação à propriedade intelectual do que a proposta pelos ministros anteriores.
Com recursos que chegaram a R$2,2 bilhões em 2010, longe da verba dos maiores ministérios, o MinC ainda assim teve um aumento de repasses constante durante os governos Lula. Se o crescimento indica a valorização da pasta, levanta também a pergunta sobre o caminho que ela deve seguir em sua expansão.
Nesta edição do Prosa & Verso, dez artistas, críticos e produtores de diversas áreas deixam de lado por um momento as discussões que têm movimentado o setor para responder a uma questão mais básica: qual deve ser, hoje, a função de um Ministério da Cultura? Em que áreas ele deve atuar, e seguindo quais prioridades? Os dez breves textos podem ser lidos como um apanhado de sugestões para a nova ministra, mas também como um esforço para repensar a própria noção de política cultural a partir das transformações sociais de nossa época.
Reconhecendo méritos no trabalho dos últimos anos, os autores ainda assim propõem ideias que muitas vezes implicariam numa reformulação das atribuições do MinC. O cineasta Cacá Diegues diz que a gestão da indústria criativa deve ser separada da criação artesanal. O crítico Paulo Sérgio Duarte defende uma reaproximação do MinC com o Ministério da Educação, ideia levantada também pelo artista plástico Cildo Meirelles e pelo músico Jorge Mautner. O poeta Armando Freitas Filho e o escritor Marcelino Freire pedem incremento das políticas de Gil e Ferreira. O editor Roberto Feith diz que o Estado não deve se intrometer na criação cultural. A produtora Mariza Leão pede um PAC de acesso à cultura. Os especialistas em políticas culturais Lia Calabre, da Fundação Casa de Rui Barbosa, e Albino Rubim, da UFBA, cobram investimentos em diversidade e a implantação de projetos elaborados no governo Lula, como o Sistema Nacional de Cultura e o Plano Nacional de Cultura.
janeiro 10, 2011
Cultura deveria fazer infantis e comprar o resto, diz Secretário de Cultura por Ana Paula Souza, Folha de S. Paulo
Entrevista de Ana Paula Souza publicada originalmente na Folha S.Paulo em 8 de janeiro de 2011.
O empresário Andrea Matarazzo chegou à secretaria de Estado da Cultura, em maio do ano passado, para cumprir um final de mandato. Chegou como quem tateia em terreno pouco conhecido.
Oito meses passados e confirmada sua permanência no cargo, Matarazzo fala como quem, ao tomar pé de algumas coisas, não gostou muito do que viu. Na entrevista a seguir, ele revela alguns de seus alvos.
Folha - O senhor já declarou sua insatisfação com o MIS. Pretende mudar sua gestão?
Andrea Matarazzo - Não, mas pedi um novo plano para a atual gestão. O MIS deve manter a posição de vanguarda das novas mídias, mas precisa ampliar seu público. Não dá para receber 60 mil pessoas por ano. Ele precisa fazer um trabalho educativo e ampliar o acervo.
As obras do Teatro da Dança (projeto orçado em R$ 600 milhões) serão suspensas?
O projeto será analisado dentro do conjunto de investimentos do Estado. Como ele está modulado em três fases, vamos redefinir quando cada etapa vai começar.
A política cultural do PSDB, em SP, tem como marca a construção de grandes obras. Qual é, a seu ver, o principal papel do Estado na cultura?
Oferecer cultura de qualidade a quem não tem acesso. Estamos fazendo a infraestrutura. As oficinas culturais também são fundamentais.
Quando o senhor assumiu, houve uma crise nas Oficinas.
Mas elas foram reformuladas e estão indo em outra direção. O conteúdo dos cursos foi atualizado, com a inclusão, por exemplo, de atividades voltadas ao ensino de novas mídias e tecnologias.
O contrato com a OS que cuidava das oficinas foi desfeito?
Foi. E nós estamos criando, na Secretaria, uma controladoria para avaliar todas as Organizações Sociais que prestam serviço para o Estado. Quero que a prestação de contas seja mais precisa e que melhorem os indicadores de avaliação.
Ao assumir, o senhor não parecia muito certo de que a OS era o melhor meio para se administrar a cultura. Qual é agora sua posição?
A OS nos dá agilidade administrativa e a possibilidade de fiscalizar as políticas públicas. São irreversíveis.
Vindo de outras áreas da administração pública, o que mais o surpreendeu na cultura? Seu antecessor, João Sayad, ficou impressionado com a fragilidade financeira.
Não, acho que, nos últimos anos, houve uma grande mudança na visão dos governos sobre política cultural. Nosso orçamento é de R$ 1 bilhão, incluindo a Fundação Padre Anchieta (mantenedora da TV Cultura). Me surpreendi com a qualidade da produção cultural, a criatividade dos artistas. A quantidade de criatividade em São Paulo é muito grande.
É difícil atender às demandas dos artistas?
As demandas são muito razoáveis. E estou muito acostumado a conviver com esse meio porque eu praticamente morava com meu tio, o Ciccillo [Matarazzo, fundador da Bienal de SP]. Ele não tinha filhos e eu ia almoçar com ele todos os dias. Coisa de família italiana.
O que o senhor acha do projeto de reforma da Lei Rouanet?
Tenho que falar a verdade para você. Nunca olhei em detalhes o projeto.
A TV Cultura está passando por nova crise. O senhor pretende fazer alguma coisa?
Não. A Fundação Padre Anchieta é independente e quem delibera é o conselho. Só repasso o dinheiro.
Mas, em outros momentos, a secretaria fez pressões por mudanças na TV...
Não na minha gestão. Até porque quem está lá é o meu antecessor aqui [João Sayad].
O que o senhor acha da TV?
*Minha opinião pessoal é que, por ser uma TV pública, a Cultura deveria estimular a produção independente, comprando programas de terceiros. Também deveria comprar programas prontos de canais como o The History Chanel ou a Futura, para torná-los acessíveis a quem não tem TV a cabo. A Cultura é referência em produção infantil. Deveria se manter nisso e comprar o resto. Mas isso é uma opinião pessoal porque, como disse, não tenho ingerência nenhuma sobre a TV.
janeiro 8, 2011
Sob mesma direção? por Maria Eugênia de Menezes, Estado de S. Paulo
Sob mesma direção?
Entrevista de Maria Eugênia de Menezes publicada originalmente no jornal O Estado de S.Paulo em 5 de janeiro de 2011.
Mantido na Secretaria de Estado da Cultura, Andrea Matarazzo arrisca uma gestão de feições próprias e diz que o Teatro da Dança, principal vitrine da gestão anterior, ainda precisa passar pelo crivo do governador
Ao assumir a Secretaria de Estado da Cultura, em maio de 2010, Andrea Matarazzo vinha com a expectativa de permanecer no posto por pouco mais de sete meses. Sua ambição à época - ao menos a declarada - era fazer uma gestão de continuidade, que levasse adiante os projetos de seu antecessor, João Sayad, hoje à frente da TV Cultura.
Confirmado no cargo pelo governador Geraldo Alckmin, Matarazzo prepara-se, desta feita, para traçar uma política de feições próprias. "É continuidade, sim, mas com um salto", gosta de ressaltar o empresário e ex-ministro, que transita com desenvoltura nas administrações públicas, mas pouca experiência tinha na área cultural.
Em entrevista ao Estado, o secretário falou sobre suas novas propostas. Ressaltou a importância da criação de um sistema estadual de música - que integre as atividades de ensino musical e as orquestras. Advogou uma mudança de rumos para o MIS (Museu da Imagem e do Som). "O museu precisa atrair mais público." E mostrou-se cauteloso na hora de falar sobre o futuro do Complexo Cultural Luz - também conhecido como Teatro da Dança. Maior e mais ambiciosa promessa de seu antecessor, a obra com assinatura dos suíços Herzog & de Meuron parece estar com o destino em suspenso. Orçada em R$ 600 milhões, a proposta ainda precisaria passar pelo crivo da nova administração. "Até pela envergadura do investimento, o projeto precisa agora ser rediscutido. Essa é uma definição a ser tomada pelo governador."
Ajustes à parte, é vultosa a agenda de obras que Matarazzo herdou da gestão anterior. Além da recente abertura da sede da SP Escola de Teatro, na Praça Roosevelt, a pasta deve entregar, nos próximos meses, um novo prédio para o MAC (Museu de Arte Contemporânea) no Ibirapuera, dez Fábricas de Cultura na periferia da capital e o novo Museu da História de São Paulo.
Se as atitudes polêmicas no controle da Subprefeitura da Sé e da Secretaria de Subprefeituras, colaram-lhe a pecha de "higienista", Matarazzo promete agora uma agenda de contornos nitidamente populares. "A cultura da elite está muito bem assistida. O que nós temos que fazer é levar essa mesma qualidade e essa mesma diversidade para todas as camadas da população."
Há sete meses, o senhor assumia a Secretaria da Cultura falando em continuidade, em dar sequência aos projetos lançados pelo secretário João Sayad. Agora, a perspectiva é outra, é a de ficar por quatro anos. A sua postura hoje mudou? Quais são os seus planos?
Ouvi muitos artistas nesse período. É fundamental estar antenado com o que os atores da área cultural têm a dizer e a mostrar. E, certamente, uma das nossas diretrizes será a pulverização da cultura, ajudando os municípios a implantar infraestrutura para receber atividades consistentes e a capacitar agentes culturais. A cultura de elite está bem servida pelo setor privado, com grandes investimentos e atrações de porte. O que o Estado tem que fazer é estimular isso, mas conseguir fazer a mesma coisa para aqueles que não têm acesso. A agenda cultural de São Paulo é imensa, mas muito concentrada. Tenho dois focos importantes: interiorizar a cultura e universalizar a cultura de qualidade, levando-a para quem não tem acesso.
O Complexo Cultural Luz - Teatro da Dança - é um dos maiores projetos da gestão anterior. Qual é a sua situação hoje? O senhor pretende levá-lo adiante?
Até pela envergadura do investimento, o projeto precisa agora ser discutido com o governador. É preciso ver qual é a prioridade do momento.
Mas qual é a sua visão do projeto? O senhor acredita que ele é importante? E qual seria a sua principal função: oferecer novas salas de espetáculo para a cidade? Ou criar uma obra de grande impacto urbanístico?
O impacto do Complexo extrapola o espectro da cultura e pode ser determinante para a região. É um terreno de 20 mil m², com um projeto arquitetônico inovador. A área está sendo reurbanizada e a proposta está muito sintonizada com o projeto Nova Luz da prefeitura. Esse aqui será, em breve, um dos melhores bairros de São Paulo.
Então o projeto será feito?
O timing do projeto será definido de acordo com a prioridade de recursos do Estado. É por isso mesmo que ele foi pensado em módulos. Ele poderia ser feito em três fases, não precisaria se fazer o complexo todo de uma vez.
São Paulo ganhou recentemente museus de grande visibilidade, como o Museu do Futebol. Quais são seus planos para essa área?
Os museus são hoje um grande ativo que o nosso Estado tem. A Pinacoteca, o Museu do Futebol e o Catavento recebem hoje um público consistente. Mas alguns museu precisam ser modernizados. É o caso do Museu de Arte Sacra, que tem um acervo extraordinário, e do Memorial do Imigrante, que está passando por uma reforma. Vamos criar o Museu da História de São Paulo, que vai ser instalado na Casa das Caldeiras com um perfil mais interativo. Agora, o MIS precisa melhorar o seu conteúdo. E existe também o sonho de se fazer o Museu da Televisão, que poderia conviver no mesmo espaço do MIS.
Mas o MIS não seria um museu um pouco mais de vanguarda, voltado justamente às novas mídias, e um museu voltado à televisão não seria algo um pouco mais convencional? O senhor acha que o MIS precisaria rever o seu perfil?
Não está certo que o Museu da Televisão vá para lá. Existem outros lugares. E o MIS deve continuar na vanguarda, mirando as novas mídias, mas precisa ser um pouco mais acessível às pessoas. O museu hoje recebe cerca de 50 mil visitantes por ano. É muito pouco. Nós temos que ofertar mais. Como museu das novas mídias, ele também precisa ser mais interativo e trabalhar à distância.
A previsão é abrir o MAC nesse primeiro semestre? Quais são os planos?
O prédio está praticamente pronto, precisa apenas de alguns ajustes. Mas é necessário que ele funcione ao menos dois meses vazio para testar ar condicionado, umidade. Uma fase de observação antes que as obras de arte sejam instaladas.
O museu, que é da USP, deve crescer bastante e certamente precisará de mais recursos. A secretaria pretende ajudar?
Vamos ajudar, sim. Sem dúvida. O que nós pudermos apoiar, iremos apoiar. Temos trabalhado junto com a USP na viabilização do MAC, que é um museu extraordinariamente importante para a cultura brasileira, certamente o maior acervo de arte moderna da América Latina.
A educação musical foi um dos focos da gestão passada. O que será feito?
Nós integramos as ações naquilo que estamos chamando de sistema paulista de música. É uma sequência de atividades, que permitem, por exemplo, que uma criança que entre no Projeto Guri possa - se tiver talento - vislumbrar um roteiro. Esse sistema ofereceria a ela a chance de continuidade, de se formar no Conservatório de Tatuí ou até de chegar às nossas orquestras. Antes essas instituições não conversavam.
O senhor é um dos quadros mais importantes do PSDB. Podemos esperar que cumpra quatro anos à frente da Secretaria? O senhor tem planos de concorrer à prefeitura?
Na vida pública, você faz as coisas porque tem que fazer. Ficar planejando nunca dá certo. Nesse momento, até pela quantidade de trabalho que tenho aqui, não tenho planos de concorrer.
Em caixa
1 bilhão
de reais é o orçamento do ano da Secretaria
600 milhões
é o custo do Teatro da Dança, projeto mais ambicioso da pasta