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novembro 25, 2010
Antonio Dias abre mostra com pinturas recentes em SP, Estadão.com
Matéria originalmente publicada no caderno Cultura do Estadao.com em 25 de novembro de 2010
Nos últimos anos, Antonio Dias tem se dedicado à pintura. A pluralidade da trajetória do consagrado artista, que recentemente exibiu na Pinacoteca do Estado a mostra antológica "Anywhere Is My Land", centrada em sua produção dos anos 1960 e 1970, está apenas na aparência, como ele diz.
Se o artista já passou da figuração pop à não imagem em sua "luta antiestilo" consigo mesmo, refutando estagnar-se em uma "experiência visual" que poderia se tornar engessada, há uma raiz que sempre é única em sua obra - não importa a época, Antonio Dias geralmente delimita uma estrutura de grade para ser sua "área para grandes acontecimentos". Já foi assim em instalações, pinturas-objetos, fotografias.
Agora, na exposição que o artista inaugura na Galeria Nara Roesler, temos o impacto de estar diante de suas mais novas pinturas - apenas uma delas é datada de três anos atrás, as outras cinco são de 2010. Feitas a partir de jogos/composições entre telas horizontais e verticais, entre escalas macro e micro, Antonio Dias combina peças justapostas, texturas, pigmentos, cores, revelando uma espécie de paradoxo da liberdade estruturada. "É como um acidente controlado porque desfruto da caída dos pigmentos no plano. Os trabalhos não partem de um desenho, apesar da estrutura geométrica - é um método de trabalho de peça por peça em que tudo é feito por camadas", ele afirma.
"Nos últimos cinco anos tenho tentado me concentrar na pintura de uma maneira mais relaxada, numa relação mais explorativa entre o trabalho e eu", conta o artista, que há tempos se divide entre o Rio de Janeiro, Itália e Alemanha e também participa da 29.ª Bienal de São Paulo.
Suas obras, reunidas na exposição que marca sua entrada para a Galeria Nara Roesler, são composições realizadas a partir de processos que envolvem o uso de óxido de ferro, pigmentos, minerais como a malaquita e apenas uma cor pura, o vermelho de Antonio Dias, em tinta acrílica (usada em mesmo tom desde os anos 1970). É, como define a crítica Sonia Salzstein, uma pintura "por assim dizer, ready-made, que prescinde de pincéis e declara ostensivamente seu deslocamento do ambiente do ateliê; uma efervescência de técnicas (ou antitécnicas)". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
novembro 23, 2010
O bom anfitrião por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 19 de novembro de 2010
Museu do escultor russo Zadkine, em Paris, recebe a visita do artista brasileiro Julio Villani
O escultor russo Ossip Zadkine migrou para Paris em 1910 e, com tantos outros estrangeiros que se instalaram na França nas primeiras décadas do século 20, integrou a Escola de Paris. A casa e o ateliê do artista no bairro de Montparnasse, convertidos em museu em 1982, hoje expõem um acervo de 400 esculturas, 300 desenhos e fotos de arquivo. Hospitaleiro e bom anfitrião, o museu iniciou em 1995 uma política de diálogo com a arte contemporânea e já recebeu exposições individuais da fotógrafa francesa Sophie Ristelhueber (que está expondo na 29ª Bienal de São Paulo) e da dupla brasileira Detanico e Lain. Até janeiro de 2011, recebe a visita do artista brasileiro Julio Villani, que expõe esculturas, objetos, colagens e vídeos realizados nos últimos dez anos.
O jardim e as cinco salas do charmoso museu reverberam uma sonora conversa entre Villani e Zadkine. Na primeira sala, originalmente o ateliê do artista, Villani expõe “Bilboquets ou L’origine du Monde” (2002). Emblemático, esse brinquedo agigantado cujo título se refere à pintura de Courbet “A Origem do Mundo” – devido ao caráter sexual das peças – representa o entrelaçamento entre as duas infâncias do artista: a vida passada na fazenda do interior de São Paulo e a história da arte modernista.
Infância e modernismo pontuam toda a exposição e aqui Villani assume as suas origens: do construtivismo russo ao minimalismo poético, passando pela arte popular brasileira e a escultura pré-colombiana. Os trânsitos de Villani evidenciam o nomadismo de Zadkine, que também se move entre influências primitivistas de uma antiguidade greco-latina até migrar para as fases cubista e surrealista.
Para além dos paralelismos entre os artistas, norte e sul se encontram nas duas cartas celestes da escultura “L’Arpenteur” (O esquadrinhador – 2010), instalada no jardim. Também entre as folhagens, “Partie de Cash Cash” (uma espécie de brincadeira de esconde-esconde) apresenta dois coelhos de alumínio, em branco e preto. Entre as coleções de pássaros e as cabeças de bichos que compõem a mostra, o coelho é a mais reincidente das figuras. Aparece inclusive em retratos e autorretratos nas paredes, talvez para representar o humor e a desenvoltura com que Villani salta entre uma influência e outra, relacionando-se seja com a máscara africana fotografada por Man Ray, seja com as fantasmagorias de Ismael Nery.
Todas as origens se encontram na última sala da exposição na “Vênus Antropofágica” (1988). Ao lado das vênus surrealistas de Zadkine, a boneca dadaísta de Villani tem o pescoço muito comprido, formado por dezenas de bonequinhos de plástico. “Esse pescoço é um engasgo antropofágico. Nós comemos, comemos de tudo, indiscriminadamente, e não conseguimos digerir tanta coisa”, diz Julio Villani.
Tomie Ohtake completa 97 anos com exposição de obras inéditas por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 23 de novembro de 2010
Em menos de 2 anos, criou 25 telas para mostra que abre hoje no instituto que leva seu nome
Artista diz que foi um desafio trabalhar com o círculo, "o primeiro desenho que os bebês fazem com dedinhos"
"Faz tempo que não nos vemos. Você envelheceu, né?", disse Tomie Ohtake, às vésperas de comemorar seus 97 anos, completados anteontem, a este repórter, durante a entrevista sobre sua nova mostra, em seu ateliê.
"Acho que o Ricardo [Ohtake, seu filho] não vai gostar do que eu falei, mas eu não sei guardar as coisas, coloco tudo para fora", sorri.
A pintora costuma ser direta, mesmo que para tanto desagrade um pouco.
Desde pequena, ela queria ser artista e chegou a estudar aquarela na escola, mas o meio conservador em que cresceu no Japão, entre a Primeira e a Segunda Guerra Mundial, não favorecia suas vontades.
A forma que ela encontrou para escapar foi convencer a mãe, em 1936, que vinha visitar o irmão no Brasil. "Eu tinha de dar um jeito de sair do Japão e prometi a ela que vinha para ficar um ano", conta. Três meses depois de desembarcar, Tomie Nakakubo se casava com o engenheiro agrônomo Ushio Ohtake, morto em 1977.
BIFE A CAVALO
Apesar da identidade japonesa, Tomie nunca foi de ficar em gueto. Ela vivia na Mooca, "onde era tudo italiano", relembra-se. Seus filhos estudaram em escola católica e sua dieta vai bem além de sushi e sashimi. "Nunca me esqueço do bife a cavalo que comi, quando desembarquei no Brasil. É uma das minhas comidas favoritas."
Persistência também é outra marca de Tomie. Teve dois filhos e, só após criá-los, quando já estava próxima dos 40 anos, começou de fato sua carreira artística, como autodidata. Então o que estava guardado por tanto tempo começou a aflorar.
E sem parar. Só para a mostra "Pinturas Recentes", que inaugura hoje, ela realizou, em menos de dois anos, 25 telas, todas de grandes dimensões, tendo o círculo como tema central.
Por que o círculo? "É uma forma muito sintética. Trabalhar só com ele é um grande desafio. E ele é também o primeiro desenho que os bebês fazem com os dedinhos", conta, repetindo o gesto.
Em um texto de 1961, o crítico Mário Pedrosa (1901-1981) escreveu que Tomie era "uma pintora que ainda está se formando, numa personalidade já desabrochada", portanto, nela, "a obra corre atrás da personalidade".
Agora, quase 50 anos depois, "Pinturas Recentes" revela como obra e personalidade estão afinadas.
Novos trabalhos sintetizam a geometria e o informalismo
As 25 obras que têm o círculo como tema, em "Pinturas Recentes", reforçam uma das principais marcas de Tomie Ohtake: a síntese entre a geometria e o informalismo.
Racionalismo e irracionalismo não são contrários em sua obra.
Na maioria dessas novas obras, ela trabalha com duas cores, como preto e branco ou azul e rosa.
E, mesmo ao se utilizar de cores contrastantes, seu poder de equilíbrio, de síntese ou mesmo de completude são impressionantes.
Essa situação de estabilidade é alcançada porque faz parte de um mundo cósmico: por mais diferente que seja cada planeta, todos pertencem ao mesmo universo.
novembro 22, 2010
Mais verbas, mais ações, mais polêmicas por Carolina Santos, Diario de Pernambuco
Matéria de Carolina Santos originalmente publicada no caderno Viver do Diário de Pernambuco de S. Paulo em 21 de novembro de 2010
No dia 3 de outubro, o governador Eduardo Campos garantiu a reeleição com uma aceitação expressiva de 82% dos votos. Com isso vem a continuação da política cultural implantada na sua gestão e coordenada pela Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe). Durante o primeiro mandato, municípios do Litoral ao Sertão receberam ações e investimentos do programa Pernambuco Nação Cultural. O nome megalomaníaco deu o tom dos projetos da gestão. ´Quando fui apresentar o Nação Cultural ao então ministro Gilberto Gil, achei que era pretensioso. Mas é um nome que revela a diversidade existente no estado`, explica Luciana Azevedo, que ocupa a presidência e deve permanecer no cargo. Com o fim do primeiro mandato do governo, um balanço se faz necessário.
Para muitos, o principal trunfo da Fundarpe nesses quatro anos foi a interiorização das ações de cultura. Ao todo foram 34 festivais com shows, oficinas, exposições e espetáculos de dança e teatro. Paraoutros, a ampliação das verbas na área de fomento foi o mais decisivo. O Funcultura, o principal edital na área de cultura do estado, passou de R$ 4 milhões por ano para R$ 22 milhões em 2010. Na área do audiovisual, as verbas por meio de edital saíram de R$ 560 mil, incorporadas no Funcultura, para um edital próprio de R$ 8 milhões. Isso se refletiu rapidamente na produção pernambucana que hoje produz seis longas-metragens por ano. Outra vitória na área foi a recuperação do Cinema São Luiz.
Empregos
A política da cultura como um incentivador de geração de emprego também rendeu frutos nesses quatro anos com a criação de 175 mil postos de trabalho diretos temporários. Mas, claro, ainda há muito a ser feito. No interior, são poucas as cidades com teatros. Salas de cinema foram erguidas e não há programação para o público - funcionam apenas durante festivais do Nação Cultural. ´Reformamos o cinema com dinheiro da Fundarpe. Mas, desde então, tivemos pouco contato com o órgão. Nem vieram aqui ver se a obra tinhaficado pronta`, reclama o gerente de uma sala no Sertão do estado, que não quis se identificar. De acordo com Luciana Azevedo, isso é trabalho para os próximos quatro anos. ´Nós construímos e amplimos a estrutura. Agora vamos trabalhar nos detalhes e na qualidade dos serviços`, promete.
Paço das Artes completa 40 anos com exposições e livro, Estadão.com
Matéria originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 22 de novembro de 2010
Criado com o objetivo de promover exposições, conferências, cursos e palestras relacionadas ao mundo artístico, o Paço das Artes comemora 40 anos de atividades. Para celebrar a data, a instituição realiza hoje aberturas de mostras, performances e o lançamento de um livro. A programação, que deve ocupar os espaços do local a partir das 19h, é gratuita e aberta ao público.
Um dos destaques do evento é o lançamento de "Livro_Acervo". A obra reúne uma enciclopédia com verbetes sobre os quase 200 artistas que passaram pela Temporada de Projetos (1997-2009) - carro-chefe das exposições da casa -, 30 obras em papel criadas especialmente para a publicação por artistas plásticos que já participaram da Temporada e, ainda, um DVD com trabalhos sonoros feitos para compor a caixa. Idealizado por Priscila Arantes, diretora técnica do Paço das Artes, o "Livro_Acervo" tem a curadoria de Artur Lescher e Lenora de Barros. O conjunto será distribuído gratuitamente para quem visitar o Paço.
Para Priscila, o material resgata a memória da arte no período. "Além de mostrar a produção dos artistas que já passaram pelo Paço, o livro apresenta um panorama da produção artística nacional dos últimos dez anos", diz.
A última edição da Temporada de Projetos 2010, que abre hoje, oferece as individuais dos artistas plásticos Estela Sokol, Rodrigo Bivar e Tiago Judas. Estela traz "Claraboia", relevos e pinturas que discutem a relação de espaço e obra, utilizando experimentação da cor e da luz. Judas apresenta "O Mistério Líquido e a Fatalidade Sólida", que reúne objetos utilizados em pesquisas para roteiros de histórias em quadrinhos. Por fim, inspirada numa viagem ao Japão, "Turista Azul", de Bivar, traz sete pinturas e um vídeo. Bivar conta que uma de suas inspirações foi um texto de Ítalo Calvino. "Não é uma ilustração para A Velha Senhora de Quimono Violeta, mas a ideia veio da experiência do livro".
Outras duas exposições serão abertas hoje. Para inaugurar o ateliê do Paço, o grupo de pesquisa em pós-graduação Reflexões Sobre a Cor, coordenado pelo artista e professor Marco Giannotti, apresenta seus trabalhos. Em parceria com a Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, o Paço também recebe as obras dos graduandos do curso de artes plásticas. O evento abre espaço para as performances de Sheila Mann Hara, que discute a convivência pacífica entre os povos, Dudu Tsuda e Marcus Bastos, que fazem intervenções Visuais com música. As informações são do Jornal da Tarde.
Círculos de Tomie por Camila Molina, Estadão.com
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Estadao.com em 22 de novembro de 2010
Aos 97 anos, completados ontem, Tomie Ohtake mostra que está em plena atividade e faz reverência à forma circular em união com a cor na exposição com novas pinturas que inaugura amanhã
Em Kyoto, no Japão, a mãe de Tomie Ohtake colocava no aparador de sua casa apenas uma pequena flor e um objeto. "Tudo bem simples desde pequena", conta a artista, que, naturalizada brasileira desde 1940, completou justamente ontem 97 anos. Com a recordação da infância em seu país natal, Tomie, a seu modo, sintetiza o caminho que ela persistiu, naturalmente, em sua trajetória artística - a ida ao abstrato, ao "cada vez mais simplificado", ao essencial.
Assim como no haikai se condensa a poesia em pouquíssimas sílabas, Tomie Ohtake fala pouco (sorrindo) e elege o círculo - que na caligrafia japonesa simboliza o universo e o vazio - para ser o protagonista de suas mais novas pinturas. "Desde pequena gosto muito do redondo", recorda mais uma vez. "É uma forma sintética, tem amor e energia", completa ainda a artista, que amanhã inaugura no instituto que leva o seu nome, em São Paulo, mostra com 25 telas criadas entre 2009 e 2010. A exposição é um "passeio pelos círculos" de Tomie, em plena atividade.
"Trabalhei muito agora, como trabalhei!", brinca a artista, sempre de uma espontaneidade cativante. No ateliê abrigado na casa em que ela vive há 42 anos no bairro do Campo Belo - e projetada pelo seu filho, o arquiteto Ruy Ohtake -, Tomie recebeu a reportagem do Estado. A luminosidade em seu ambiente de trabalho é, por causa de uma claraboia e das portas de vidro que dão para o jardim, por vezes mais clara que no lado exterior. Lá, com a ajuda de Futoshi, artista plástico de Saitama - província de Tóquio -, seu assistente desde 1997, Tomie expressa em suas obras formas e cores de maneiras diferentes, entretanto, sempre abstratas. "Só quando o quadro fica pronto, vejo se a expressão ficou mais calma, ou mais violenta", diz ainda Tomie. "Arte contemporânea, não penso nada. Não tem tempo, tem meu estilo."
Zen. Já afirmou o crítico Paulo Herkenhoff que Tomie Ohtake é simplesmente zen pois "naturalmente abdica de qualquer intelectualização, verbalização e conceituação a respeito". A artista já disse que o círculo ou o redondo - como tantas vezes ela fala - não é o sol a simbolizar a terra do sol nascente, seu Japão, mas a forma em que condensa, expressa, expande com liberdade o tempo de seu "abstrato". É, assim, o motivo que revela o gesto. "Pequeno, parece ser só força do braço; grande, força do corpo inteiro", afirma Tomie. No caso de sua atual exposição, as obras são de formato expansivo, em torno de 2 m x 2 m.
Mas quase pouco seria do gesto se não houvessem as cores de Tomie. São muitas, variadas, nunca puras, misturadas - e, às vezes, levadas ao limite da transparência. Na atual mostra da artista, na primeira sala do Instituto Tomie Ohtake - numa felicidade, a sala circular do prédio, no primeiro andar - vê-se amarelo, vermelho, verde, preto, rosa, azul, marrom, branco, cinza. "Cada cor é um pensamento; não sei qual é a mais bonita", diz Tomie. "A cor do ar é bonita também porque ela é só para se sentir", continua a artista. Entretanto, o vermelho - que para tantos artistas é uma ameaça, assim como o amarelo - é a mais usada por ela em sua trajetória.
Na mostra, assim, está a série de todos os 25 círculos coloridos que Tomie criou em 1 ano e meio. Curiosamente, há uma força dupla na exposição - as pinturas são de impacto pelo conjunto, num movimento dos mais variados redondos, e ainda, de forma autônoma, cada quadro revela uma vida. Tomie gostaria apenas que o público sentisse suas obras.
Arte sem arte por Ferreira Gullar, Folha de S. Paulo
Matéria de Ferreira Gullar originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 21 de novembro de 2010
Considero uma piada achar que todas as pessoas têm o mesmo talento artístico de Da Vinci e de Van Gogh
Não tenho, a pretensão de estar sempre certo no que escrevo, nas opiniões que emito, muito embora acredite seriamente nelas.
Não foi à toa que, de gozação, me apelidaram de profissional do pensamento, por tanto atazanar os amigos com minhas indagações e tentativas de explicação. Por isso também volto a certos temas, desde que descubra, ao repensá-los, modos outros de enfocá-los e entendê-los.
Se há um tema sobre o qual estou sempre indagando é a situação atual das artes plásticas, precisamente porque exorbitaram os limites do que -segundo meu ponto de vista- se pode chamar de arte. Sei muito bem que alguém pode alegar que arte não se define e que toda e qualquer tentativa de fazê-lo contraria a natureza mesma da arte.
Esse é um argumento ponderável e muito usado ultimamente, mas acerca do qual levanto dúvidas. Concordo com a tese de que arte não se define, mas não resta dúvida de que, quando ouço Mozart, sei que é música e, quando vejo Cézanne, sei que é pintura. Logo, a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de definir o que é arte não elimina o fato de que as obras de arte têm qualidades específicas que as distinguem do que não o é.
Do contrário, cairíamos numa espécie de vale-tudo, numa posição insustentável mesmo para o mais radical defensor do que hoje se intitula de arte contemporânea.
Isto é, o sujeito teria de admitir que uma pintura medíocre tem a mesma qualidade expressiva que uma obra-prima e que ele mesmo teria de se obrigar a gostar indistintamente de toda e qualquer coisa que lhe fosse apresentada como arte. Por mais insensato que possa ser alguém na defesa de uma tese qualquer, não poderia evitar que esta ou aquela coisa que vê ou ouve ou lê tenha a capacidade maior ou menor de sensibilizá-lo, emocioná-lo ou deixá-lo indiferente.
Creio não haver dúvida de que, seja ou não possível definir o que é arte, há coisas que nos emocionam ou nos fascinam ou nos deslumbram e outras que nos deixam indiferentes.
Se se der ou não a tais coisas a qualificação de arte, pouco importa: é inegável que a "Bachiana nº 4" é belíssima e que um batecum qualquer não se lhe compara, não nos dá o prazer que aquela obra de Villa-Lobos nos dá.
Do mesmo, um desenho de Marcelo Grassmann me encanta e um desenho medíocre me deixa indiferente. Mas um artista conceitual -ou que outras qualificação se lhe dê- responderá que esta visão minha é velha, ultrapassada, pois ainda leva em conta valores estéticos, enquanto a nova arte não liga mais para isso. Mas pode haver arte sem valor estético? Arte sem arte?
Essa pergunta me leva à experiência radical de Lygia Clark (1920-1988), sob muitos aspectos antecipadora do que hoje se chama arte conceitual.
Dando curso à participação do espectador na obra de arte -elemento fundamental da arte neoconcreta-, chega à conclusão de que pode ele ir além, de espectador-participante a autor da obra, bastando, por exemplo, cortar papel ou provocar em si mesmo sensações táteis ou gustativas. Assim atingimos, diz ela, o singular estado de arte sem arte.
De fato, esse rumo tomado por alguns artistas resultou da destruição da linguagem estética e na entrega a experiências meramente sensoriais, anteriores portanto a toda e qualquer formulação.
Descartando assim a expressão estética, concluíram que se negar a realizar a obra é reencontrar as fontes genuínas da arte. E, se o que se chama de arte é o resultado de uma expressão surgida na linguagem da pintura, da gravura ou da escultura, buscar se expressar sem se valer dessa linguagem seria fazer arte sem arte ou, melhor dizendo, ir à origem mesma da expressão.
Isso nos leva, inevitavelmente, a perguntar se toda expressão é arte. Exemplo: se amasso uma folha de papel, o que daí resulta é uma forma expressiva; pode-se dizer que se trata de uma obra de arte? Se admito que sim, todo mundo é artista e tudo o que se faça é arte.
Já eu considero uma piada achar que todas as pessoas têm o mesmo talento artístico de Leonardo da Vinci e de Vincent van Gogh ou que esse talento seja apenas mais um preconceito inventado pelos antigos. As pessoas são iguais em direitos, mas não em qualidades.
novembro 17, 2010
Simplesmente performance por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 12 de novembro de 2010
Após experiência radical em Nova York, Marina Abramovic inicia novo ciclo na carreira
Depois de passar três meses sentada em uma sala da exposição “The Artist is Present” (A artista está presente), encarando o público de frente no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), Marina Abramovic expõe em São Paulo vídeos, fotografias e objetos usados em performances.
A performance contemporânea mudou muito em relação ao seu surgimento nos anos 70?
Sim. Sofreu uma mudança cultural e tecnológica muito grande. Nos anos 1970, tínhamos uma forte influência da arte conceitual e nos anos 1980 esse tipo de arte sofreu um estresse por uma pressão do mercado da arte. Muitos a abandonaram para fazer uma arte mais “tradicional”. Eu sou uma das poucas da minha geração que continuaram atuando dentro dessa área. A performance, ao contrário da fotografia e do vídeo, só entrou para o circuito dos grandes museus recentemente. O MoMA e o Guggenheim são dois exemplos, ocorridos há pouco tempo, de espaços que tiveram mostras dedicadas à performance. A performance está se tornando uma arte “mainstream”.
Em que medida vivemos uma “sociedade da performance”?
Com o avanço das tecnologias, as pessoas têm um interesse pelo voyeurismo intensificado. É como se estivéssemos sempre olhando uns aos outros, e a televisão também teve um papel nisso. Sim, vivemos uma sociedade performativa nesse sentido.
Como foi sua relação direta com o grande público no MoMA?
Foi uma experiência que mudou a minha vida. Por causa desse trabalho cheguei à conclusão de que a simplicidade é um dos elementos mais importantes dentro da arte. Esse trabalho é um dos mais coesos e simples que fiz, são apenas duas cadeiras e eu. Foi um momento de reflexão muito grande. Além do mais, acho que foi uma das minhas performances que mais envolveram a participação do público.
A arte da performance sobreviverá ao corpo, através de reencenações e de documentações?
De certa forma isso já acontece. Temos, por exemplo, artistas performáticos que trabalham apenas em ambientes virtuais. Eu, inclusive, concedi permissão para esses artistas reencenarem minhas performances dentro do Second Life. Mas a experiência do corpo em sua essência vai continuar, apesar de ela ganhar novos elementos como, por exemplo, as novas tecnologias.
Feministas, sempre por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 12 de novembro de 2010
No Brasil, o coletivo Guerrilla Girls levanta a bandeira da presença feminina na arte
Com o intuito de conscientizar o público sobre o papel da mulher na história da arte, mas também de protestar contra outros setores da sociedade que possuem participação minoritária feminina, as Guerrilla Girls começaram seu ativismo feminista na década de 1980, de forma peculiar: vestindo máscaras de gorilas e usando pseudônimos referentes às grandes mulheres artistas como Gertrude Stein, Anaïs Nin, etc. No Brasil para palestras e performances, Frida Kahlo, um dos membros fundadores do grupo, diz que seu ativismo hoje circula no universo digital: “Temos milhares de seguidores no Twitter e no Facebook”.
Vocês encaram seu trabalho como performático?
Preferimos pensar nosso trabalho mais como encontro cultural do que como performance. Essa é uma forma de resistir às imposições de consumo do mercado de arte. Sempre nos vimos como artistas de rua, começamos fazendo cartazes políticos e espalhando-os pela cidade de Nova York. Mas o público começou a ficar curioso e tivemos que pensar em um disfarce. Começamos como guerrilheiras, os gorilas vieram depois. De início foi uma ação tática e depois descobrimos que estrategicamente isso funcionava porque era ultrajante. Uma máscara de gorila no corpo de uma mulher é algo assustador e muitas pessoas tinham uma visão muito negativa do feminismo. É como se o feminismo estivesse associado à bestialidade. A ironia e o humor foram maneiras de mudar a ideia das pessoas sobre um assunto difícil ou sério.
Como vocês avaliam a presença feminina no mundo da arte hoje?
As coisas estão melhores para as mulheres e para os artistas de outras etnias nos Estados Unidos. Não se pode contar a história das artes visuais sem incluir as diferentes vozes que fazem parte dela. Mas nem sempre a prática corresponde à teoria. Se você olhar os museus e o mercado das artes, a presença das mulheres ainda é muito desigual. Elas não estão totalmente excluídas, mas não estão entre os artistas mais vendidos ou procurados. Suspeitamos que esse fato tem a ver com o mercado da arte ser controlado por uns poucos indivíduos.
E na arte brasileira?
Para nosso livro sobre a história da arte ocidental, pesquisamos a vida de Tarsila do Amaral. Mas ainda não sabemos o suficiente sobre a arte feita por mulheres brasileiras.
Sin perder la ternura por Juliana Dal Piva, Istoé
Matéria de Juliana Dal Piva originalmente publicada na Istoé em 5 de novembro de 2010
Após 30 anos de luta pelos direitos humanos na Argentina, Mães da Praça de Maio lançam memorial e participam da Bienal de São Paulo
Buscarita Roa, Vera Jarach, Estela Carlotto, Lita Boitano e Carmen Lapazo sabem o significado da palavra luta. Conhecidas como as Mães e Avós da Praça de Maio, estas senhoras representam as organizações de direitos humanos na Argentina que pedem, há mais de 30 anos, pela verdade sobre o desaparecimento de quase 30 mil pessoas durante o regime militar (1976-1983). Elas concorreram ao Prêmio Nobel da Paz de 2010, ganho pelo ativista chinês Liu Xiaobo. Aqui, as cinco guerreiras falam de sua mais recente conquista: o Parque da Memória – monumento às vítimas do terrorismo de Estado, localizado na costa norte do rio da Prata, em Buenos Aires. Este é o primeiro projeto do tipo realizado na América do Sul dedicado às vítimas de uma ditadura militar e dele participam inúmeros artistas de diferentes partes do mundo. Na 29ª Bienal de São Paulo, elas apresentam o parque ao público através de um documentário que está em exibição no Terreiro “A Pele do Invisível”.
Como surgiu o “Parque da Memória”?
Carmen Lapazo – Quando acabou a ditadura, começamos a nos dar conta de que nós, as mães, não íamos ficar para sempre, mas algo de nossos filhos desaparecidos tinha que ficar. Não pensávamos que o número chegaria a dez ou 15 mil desaparecidos.
Vera Jarach – Era preciso ter um lugar onde estivessem os nomes de todos os desaparecidos e que fosse associado à arte. E precisava ser próximo ao rio, porque muitos “desaparecidos” terminaram no rio da Prata.
Por que um parque?
Lita Boitano – Houve muita discussão, porque não queríamos a sensação de um cemitério ou de um lugar para onde levar flores. Tinha que ser um lugar para honrar a memória de todos e era importante que estivessem os nomes
de todos, de todo o país.
Estela Carlotto – Não queríamos algo como o Memorial do Holocausto. Tinha que ser uma coisa diferente, aberta e que demonstrasse o espírito de nossos filhos, que eram jovens, alegres e com projetos.
Como escolheram as obras do parque?
Estela Carlotto – Lançamos um concurso internacional em 1998 para buscar obras que significassem o que pensávamos. Foram mais de 600 inscrições de todo o mundo.
Há artistas brasileiros?
Estela Carlotto – Nuno Ramos, mas sua obra ainda não está lá.
Pessoas de diferentes lugares já estiveram lá?
Lita Boitano – Sim. Vieram personalidades de todo o mundo. Saramago chorou ao ver o parque.
Vera Jarach – E agora fomos convidadas pela Bienal de São Paulo. O curador foi e gostou.
As senhoras têm relações com organizações de direitos humanos do Brasil?
Estela Carlotto – Tivemos um contato com uma organização que há 15 anos fechou as portas dizendo que os objetivos pelos quais lutava já não existiam. Na Argentina, somos oito organizações históricas que nunca baixaram os braços. Nem quando chegou a democracia.
Casa tomada por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 5 de novembro de 2010
Bicho Geográfico - Caetano Dias/ Palácio Da Aclamação, Salvador/ Até 29/11
Quem entrar hoje no Salão Nobre do Palácio da Aclamação, local que durante 55 anos foi a residência oficial dos governantes do Estado da Bahia, será surpreendido pela presença fantasmagórica de um homem, de uma mulher e de um cão. Na verdade, estes são os velhos personagens de uma nova versão da história da colonização brasileira que o artista baiano Caetano Dias decidiu contar em três grandes videoprojeções nas paredes do lugar. Caramuru, o famoso náufrago português persegue a índia Catarina de Paraguaçu, acompanhado de um cachorro, animal doméstico trazido para a América pelos colonizadores. O ponto de partida para a narrativa imaginária são os cenários desse palácio histórico, que tem seu espaço arquitetônico penetrado por imagens de paisagens como lagos, bananais e ruínas, simbolizando a busca por um paraíso perdido. “Traço um paralelo entre a migração humana e a figura da larva migrans, que nos invade formando mapas e rastros pelo nosso corpo. Nós fazemos como elas: invadimos a terra, modificando-a, ou somos invadidos por outros povos”, afirma o artista, que realiza um diálogo irônico entre a história da Bahia e a história europeia.
Mais do que uma viagem histórica, o trabalho é também uma leitura das relações estereotipadas entre natureza e cultura. Catarina Paraguaçu, interpretada pela atriz Amanda Graciolli (foto), não é apenas a índia brasileira, que ao contrair matrimônio com o navegante português Diogo Álvares Correia (Caramuru) forma o primeiro casal católico da colônia, mas também a representação da natureza, da Virgem e, consequentemente, do poder e da terra cobiçados por esse homem invasor. Na Sala dos Banquetes, também ocupada pela instalação, pode-se perceber o resultado dessa invasão que Caetano Dias realiza no edifício: no chão estão espalhadas batatas-doces ao lado de inúmeras marretas. “As batatas são a terra conquistada e o alimento produzido, mas também uma figuração para as ações provocadas pelo bicho geográfico”, complementa. Essa exposição é a última de uma série que aconteceu dentro do Projeto Ocupa, que durante o ano de 2010 convidou artistas como Eder Santos, Carlito Carvalhosa e José Rufino a realizarem trabalhos de arte que dialogassem com a arquitetura do antigo palácio baiano.
Luxo não sai da moda por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 05 de novembro de 2010
Monumental e requintada, a exposição de Takashi Murakami no Palácio de Versailles faz jus à paixão que o rei Luís XIV tinha pelas artes
Às portas da Galeria dos Espelhos do Palácio de Versalhes, onde o rei Luís XIV da França (1638-1715) recebia seus convidados para dançar entre 357 espelhos e esculturas folheadas a ouro, a sexy recepcionista Miss Ko2 recebe os visitantes. Personagem de mangá japonês, ela foi transformada numa escultura em fiberglass, de 1,74 m de altura, pelo artista japonês Takashi Murakami. “Miss Ko2” é, no entanto, apenas um aperitivo para o banquete de obras que o visitante encontra na exposição “Murakami Versailles” – todas elas feitas em materiais nobres como ouro, prata, cobre e pedras preciosas.
Se suportar a lamentação de um grupo de conservadores que acusam Murakami de intrusão em monumento histórico, a mostra ficará em cartaz até dezembro. Mas o fato é que o casamento entre a opulência ornamental do classicismo francês e o mangá de luxo japonês não poderia ser mais perfeito. Murakami sabe como aliar técnicas tradicionais e imagens contemporâneas e faz de cada escultura um troféu.
Sob os olhos dos Bourbon pintados por seus artistas favoritos, a escultura “Yume Lion”, em alumínio com folhas de ouro, rivaliza em luxo com as tochas douradas do Salão de Apolo. Adiante, na antessala dos aposentos de Maria Antonieta, Murakami dá a sua interpretação para as joias da rainha. “The Simple Things” é a escultura de uma criatura repugnante, que guarda entre afiadas arcadas dentárias um vidro de ketchup cravejado de rubis, uma loção Johnsons feita de safiras e uma lata de Pepsi de diamantes. Murakami não tem problemas em citar marcas. Sabe rimar marketing e arte contemporânea e é controverso por isso (leia bate-papo).
Seu reconhecimento internacional veio depois da primeira exposição fora do Japão, na Galerie Emmanuel Perrotin, em Paris, em 1995. Mas ele ganhou fama para além do circuito da arte quando o estilista Marc Jacobs convidou-o para reinterpretar a marca Louis Vuitton na primavera-verão de 2003. A parceria funcionou tão bem que em 2008 Murakami entrou na lista das 100 personalidades mais influentes do mundo feita pela revista “Time”. Para se ter uma ideia de quanto ele cresceu, sua “Miss Ko2”, vendida em 2003 por US$ 567 mil está estimada hoje entre US$ 4 milhões e US$ 6 milhões.
A irreverente homenagem que Murakami rende a Versalhes, “um dos maiores símbolos da história ocidental”, segundo palavras do próprio artista, se consagra na apoteótica Sala da Coroação. O local, um dos pontos turísticos máximos do castelo, reúne três pinturas históricas monumentais de Napoleão e ganhou de Murakami um pequeno Buda branco, feio e nu, intitulado “The Emperor’s New Clothes”. A associação que ele faz entre a realeza francesa e a fábula do rei que fica nu diante dos súditos é um dos nós da querela entre tradicionalistas e modernos franceses.
Ao convidar Murakami, a administração do museu foi fiel à tradição do monarca conhecido como “Rei Sol”, que construiu a imagem pública de patrono das artes. Ele é o terceiro artista contemporâneo convidado a expor em Versalhes. Jeff Koons levantou poeira por lá em 2008, e foi seguido pelo menos controvertido artista Frances Xavier Veilhan em 2009. “É notável que a reação contrária à entrada da arte contemporânea em Versalhes ecloda com a mostra de uma produção não ocidental no templo da civilização burbônica. Trata-se de mais uma evidência da necessidade de a França atual buscar representações de uma identidade cuja compreensão lhe escapa”, analisa o crítico, historiador e curador brasileiro Felipe Chaimovich.
Os bastidores da arte, em uma semana por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 29 de outubro de 2010
Bate-papo com Sarah Thornton
“Uma linha de montagem.” Assim a socióloga canadense Sarah Thornton (foto) define o estúdio do artista japonês Takashi Murakami, um de seus entrevistados no livro “Sete Dias no Mundo das Artes”, lançado no Brasil pela editora Agir. Para fazer o relato sobre uma semana no universo da arte mundial, a autora, que também é colunista sobre arte e mercado na revista “The Economist”, visitou os mais importantes museus e instituições, conversou com artistas e debruçou-se sobre as melhores revistas especializadas do planeta. O seu livro é sucesso nos EUA, no Chile e Japão. Narra, entre outras aventuras, os bastidores de um leilão na “Christie’s” de Nova York, no qual um especialista afirmou que o ato de comprar arte, nos dias atuais, é parecido com o de comprar roupas.
O que levou a sra. a entrevistar Murakami?
Quis mostrar a realidade da produção artística hoje. Visitei seu estúdio, que é um dos maiores e mais prolíficos do mundo, e vi como funciona. É uma situação extremamente complexa que me lembra uma linha de montagem. São diversos assistentes e ele monitora tudo de perto. É uma indústria: Murakami realiza vendas astronômicas, faz inúmeras parcerias, desenha bolsas para a Louis Vuitton. Só a visita ao estúdio renderia um livro. É uma pessoa extremamente competente, possui doutorado, mas é também um exímio negociante. Quero saber como esse lugar se transforma em uma zona de negociações financeiras. Ele é fascinado por Warhol e muito de seu estúdio se apropriou do modelo de negócios que esse artista implantou. O capítulo sobre Murakami está no fim do livro. É uma espécie de epítome sobre o mundo da arte contemporânea onde confluem a produção, a negociação, o aprendizado.
Após a imersão no mundo dos leilões, qual é a sua opinião sobre o mercado de arte?
Quero entender o que faz uma obra ser vendida ou não. É um mecanismo simples e misterioso. Não quero levantar um julgamento moral sobre isso, quero apenas entender. Estou interessada no mercado primário, que é o da entrada da obra no mercado, e no mercado secundário, que é como essa obra passará a circular e ser valorizada ou não. O mercado de leilões é algo extremamente lucrativo e movimenta o mercado secundário das artes. Se uma obra de um artista é bem vendida, o restante da produção é valorizado. Claro que existem flutuações. A vantagem de visitar os bastidores de um leilão é entender esse lado subjetivo, as tomadas de decisões e dos gostos que influenciam o mercado da arte.
Entrevista com Marina Abramovic por Fábio Cypriano, Folha.com
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Folha.com em 17 de novembro de 2010
Marina Abramovic possui uma energia contagiante. Após sua consagração na mostra "A artista está presente", no MoMA, ela segue cheia de projetos, como a nova mostra "Back to Simplicity", que é aberta hoje, na galeria Luciana Brito, a peça "The Life and Death of Marina Abramovic", com estreia prevista em junho do próximo ano, e o Instituto de Arte da Performance, que será aberto em 2012, perto de Nova York.
Ela ainda quer trazer a retrospectiva do MoMA para o Brasil, assim como a nova peça. Leia sobre tudo isso a seguir:
FOLHA - O que significa "Back to Simplicity", que é o título de sua mostra?
MARINA ABRAMOVIC - Porque isso foi simplesmente necessário! A exposição no MoMA foi uma retrospectiva de tudo que já fiz e, ao mesmo tempo, uma nova performance. No começo havia duas cadeiras e uma mesa e, no final, decidi tirar a mesa e ficaram só as cadeiras. A performance durou três meses e, após tanto tempo, ela criou vida própria. E eu comecei a pensar em tantas coisas da minha vida, e, você sabe, a gente faz tanta merda em nossa vida, estamos cercados por tantos conceitos, tantos projetos e coisas desnecessárias, coisas que a gente coleciona, coisas que a gente quer, que eu realmente senti uma imensa necessidade de voltar à natureza, isso é, retornar a uma certa ritualização do cotidiano, como aproveitar o ato de beber um copo de água, segurar uma ovelha. Sabe, eu sempre me senti como uma ovelha negra, que não pertencia a nenhum lugar. E quando segurei a ovelha negra foi ótimo, mas aí precisava de uma ovelha branca e acabei segurando também um bode. Aí eu quis dormir embaixo de uma árvore, ou então descascar cebolas ou batatas. Esse tipo de coisa que nós esquecemos, porque estamos tão envolvidos com consumo, uma sociedade que nos faz cada vez mais querer mais e mais, que agora eu quero menos.
Na abertura do catálogo de sua mostra em SP há um "Manifesto sobre a vida do artista" [Leia íntegra no final desta entrevista]. Ele é recente?
Ele é muito importante. Eu já o escrevi há uns três anos. Manifestos são muito importantes para mim. Muitos artistas já produziram manifestos: os futuristas, os dadaístas, os artistas do Fluxus. Mas, de certa forma, manifestos ficaram fora de moda. Eu realmente acho que manifestos de arte são importante, porque de certa forma eles apontam para as novas gerações condições e perspectivas de questões morais que a arte deve respeitar como não se tornar um ídolo, ou não superproduzir seu trabalho, ou não se comprometer, coisas que acredito.
Uma das facetas em sua carreira é que você não só produz obras, como se preocupa muito em refletir sobre a arte em geral.
Eu acredito que eu sempre estou pensando na função da arte, eu acredito que a arte é um serviço para a sociedade, com uma função muito mais ampla que apenas produzir trabalhos de arte. Eu vejo isso como uma responsabilidade e, nesse século, mais que nunca. E uma dessas responsabilidades é com as novas gerações de artistas. Quando se alcança um certo grau de conhecimento e experiência é importante transmitir esse conhecimento e essa experiência. Ser egoísta não é uma forma de atuar, é preciso,
incondicionalmente, pensar nas novas gerações.
Essa é uma das razões porque agora penso em meu legado e quero criar esse Instituto de Arte da Performance. Mas ele não será uma fundação, porque senão seria para glorificar meu próprio trabalho e esse instituto não é sobre meu trabalho, mas sobre artistas produzindo seus trabalhos. Ele só terá meu nome porque eu creio que sou uma marca, como jeans ou coca-cola, e pelo meu nome, Marina Abramovic, as pessoas vão saber qual ele é sobre a performance, em geral, seja vídeo, música, teatro ou dança...
É verdade que lá você só vai apresentar trabalhos com mais de seis horas de duração?
Sim! Existem muitos centros de performance no mundo e a especificidade do meu serão trabalhos de longa duração, porque eu realmente acredito que apenas esse trabalhos têm a capacidade de mudar o artista ou quem o observa. Se você faz uma ação de uma hora, você ainda está atuando, mas depois de seis horas, tudo desmorona, torna-se verdade essencial. E para mim, esse tipo de verdade é muito importante. Posso dar um exemplo muito simples: pegue uma porta e abra ela constantemente, sem entrar ou sair. Se você faz isso por três, cinco minutos, isso não é nada. Mas se você faz isso por três horas, essa porta não é mais uma porta, ela é um espaço, o Cosmos, se transforma em outra coisa, é transcendente. Em todas as culturas arcaicas, rituais e cerimônias eram repetidas sempre da mesma forma e existe um tipo de energia que fica alocada nessa repetição que afeta também o público. Isso só se consegue em performances de longa duração.
Esse seu raciocínio me faz lembras que muitos dos artefatos usados por essas antigas civilizações eram apenas utensílios ritualísticos, religiosos, mas agora são denominados artísticos...
Acho que isso é um grande equívoco, porque acredito que o grande princípio da arte é que ela é uma ferramenta. Se arte é algo que só trata de um objeto, ela perde sua função. A arte tem que ser uma ferramenta para conectar ou questionar ou criar consciência no público, como qualquer outra coisa. Há uma ótima entrevista de André Malraux, quando ele era ministro da Cultura, na França, com Picasso, acho que nos anos 1950. Ele perguntou a Picasso porque ele tinha tantas máscaras africanas e ele respondeu que as máscaras eram muito importantes porque elas eram a chave, a ferramenta para os humanos se comunicarem com as forças divinas, com os espíritos, o desconhecido; e ele queria aprender a fazer o mesmo com suaspinturas.
Eu acredito que a performance também é uma ferramenta, e por isso os objetos, eles mesmos, não tenham valor. Quem tem valor é o processo e quando você passa por uma experiência, existe a transformação. Então a arte está completa. Mas para mim, arte fora de contexto e sem propósito, arte pela arte não alcança ninguém.
Em sua exposição em São Paulo há registros de trabalhos feitos nos anos 1970, reconstruídos agora. Como você os classifica?
Eu não os reconstruí, na verdade eu simplesmente nunca havia revelado esses negativos e eu tenho um imenso arquivo. Nos anos 1970, quando fizemos nossas performances, nós a registramos como documentação, memórias. Mas nunca os vendi. Eu realmente acredito que a memória do público precisa ser ativada, porque pouca gente viu aqueles trabalhos e agora eu os estou mostrando.
Na biografia que foi publicada recentemente, consta que você comprou todo esse arquivo do Ulay, é verdade?
Sim, é verdade. Quando nos separamos, ele ficou com tudo e isso foi um inferno! Então foram necessários seis anos para eu conseguir tudo de volta e ainda não foi um bom acordo, porque de tudo que eu vendo, ele fica com 20%, e como as galerias ficam com 50%, eu só fico com 10% a mais. Só que eu é quem trabalho um monte, em revelar, moldurar, organizar mostras...
No próximo ano você prepara uma peça com Robert Wilson, "The Life and Death of Marina Abramovic", certo?
Ela é a continuação de uma única peça que tenho feito e que é sobre minha vida, "Biografia". Comecei em 1989, com Charles Atlas, e a cada cinco ou seis anos, eu a refaço com um novo diretor, e eu cedo todo meu material, sem nenhuma condição. Eles têm a liberdade de fazerem o que quiser com minha história, alterar a cronologia, o que quiser. Eu não posso vetar nada. E uma coisa que estou exercitando muito em minha vida é abrir mão do controle.
Isso faz parte, inclusive, de minha idéia de reperformance, que é dar a possibilidade a jovens artistas de refazerem minhas performances, como eu refiz sete performances em "7 Easy Pieces", no Guggenheim, em 2005. Essa é a única forma da performance ter vida longa, senão elas são apenas matéria morta nos livros. E abrir mão de controle não é algo fácil para um artista, porque sempre dizemos meu trabalho, minha obra.
Com a direção do Robert Wilson, o Willem Defoe será o narrador e o Antony, do Antony & The Johnsons, está fazendo a música.
Você quer mostrar essa peça no Brasil?
Sim. Se alguém me convidar, eu venho correndo! Meu maior sonho se divide em dois: trazer a retrospectiva do MoMA para cá e também essa peça. Eu tenho a sensação que a jovem geração de artistas aqui realmente admira meu trabalho e eu adoro o Brasil, já vim muitas vezes, me sinto muito emocionada e até já fiz muitos trabalhos aqui.
Como você avalia sua retrospectiva no MoMA? Houve algumas críticas por conta das reperformances. Você viu os vídeos delas com seus estudantes, o que achou?
Sabe, eles não eram meus alunos. Meus estudantes europeus não puderam ir porque não conseguiram visto de trabalho para os EUA, lá eles são muito rigorosos com isso. Tive que fazer um novo casting lá!
Mas eu sou totalmente contra às críticas à reperformance, porque é muito fácil criticar. As pessoas precisam ter uma nova visão sobre isso porque afinal é algo novo mesmo e diferente do que eu fiz nos anos 1970. As pessoas são diferentes, as circunstâncias são diferentes. Muito gente tem nostalgia ou apreço pelo vintage. Eu estou de saco-cheio do vintage! Eu quero fazer performance honestamente e ter sempre uma nova vida! E por isso estou abrindo mão do controle.
Manifesto sobre a vida do artista
Marina Abramovic
1 a conduta de vida do artista:
- o artista nunca deve mentir a si próprio ou aos outros
- o artista não deve roubar idéias de outros artistas
- os artistas não devem comprometer seu próprio nome ou comprometer-se com o mercado de arte
- o artista não deve matar outros seres humanos
- os artistas não devem se transformar em ídolos
- os artistas não devem se transformar em ídolos
- os artistas não devem se transformar em ídolos
2 a relação entre o artista e sua vida amorosa:
- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista
- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista
- o artista deve evitar se apaixonar por outro artista
3 a relação entre o artista e o erotismo:
- o artista deve ter uma visão erótica do mundo
- o artista deve ter erotismo
- o artista deve ter erotismo
- o artista deve ter erotismo
4 a relação entre o artista e o sofrimento:
- o artista deve sofrer
- o sofrimento cria as melhores obras
- o sofrimento traz transformação
- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito
- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito
- o sofrimento leva o artista a transcender seu espírito
5 a relação entre o artista e a depressão:
- o artista nunca deve estar deprimido
- a depressão é uma doença e deve ser curada
- a depressão não é produtiva para os artistas
- a depressão não é produtiva para os artistas
- a depressão não é produtiva para os artistas
6 a relação entre o artista e o suicídio:
- o suicídio é um crime contra a vida
- o artista não deve cometer suicídio
- o artista não deve cometer suicídio
- o artista não deve cometer suicídio
7 a relação entre o artista e a inspiração:
- os artistas devem procurar a inspiração no seu âmago
- Quanto mais se aprofundarem em seu âmago, mais universais serão
- o artista é um universo
- o artista é um universo
- o artista é um universo
8 a relação entre o artista e o autocontrole:
- o artista não deve ter autocontrole em sua vida
- o artista deve ter autocontrole total com relação à sua obra
- o artista não deve ter autocontrole em sua vida
- o artista deve ter autocontrole total com relação à sua obra
9 a relação entre o artista e a transparência:
- o artista deve doar e receber ao mesmo tempo
- transparência significa receptividade
- transparência significa doar
- transparência significa receber
- transparência significa receptividade
- transparência significa doar
- transparência significa receber
- transparência significa receptividade
- transparência significa doar
- transparência significa receber
10 a relação entre o artista e os símbolos:
- o artista cria seus próprios símbolos
- os símbolos são a língua do artista
- e a língua tem que ser traduzida
- Às vezes, é difícil encontrar a chave
- Às vezes, é difícil encontrar a chave
- Às vezes, é difícil encontrar a chave
11 a relação entre o artista e o silêncio:
- o artista deve compreender o silêncio
- o artista deve criar um espaço para que o silêncio adentre sua obra
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento
- o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento
12 a relação entre o artista e a solidão:
- o artista deve reservar para si longos períodos de solidão
- a solidão é extremamente importante
- Longe de casa
- Longe do ateliê
- Longe da família
- Longe dos amigos
- o artista deve passar longos períodos de tempo perto de cachoeiras
- o artista deve passar longos períodos de tempo perto de vulcões em erupção
- o artista deve passar longos períodos de tempo olhando as corredeiras dos rios
- o artista deve passar longos períodos de tempo contemplando a linha do horizonte onde o oceano e o céu se encontram
- o artista deve passar longos períodos de tempo admirando as estrelas
no céu da noite
13 a conduta do artista com relação ao trabalho:
- o artista deve evitar ir para seu ateliê todos os dias
- o artista não deve considerar seu horário de trabalho como o de funcionário de um banco
- o artista deve explorar a vida, e trabalhar apenas quando uma idéia se revela no sonho, ou durante o dia, como uma visão que irrompe como uma surpresa
- o artista não deve se repetir
- o artista não deve produzir em demasia
- o artista deve evitar poluir sua própria arte
- o artista deve evitar poluir sua própria arte
- o artista deve evitar poluir sua própria arte
14 as posses do artista:
- os monges budistas entendem que o ideal na vida é possuir nove objetos:
1 roupão para o verão
1 roupão para o inverno
1 par de sapatos
1 pequena tigela para pedir alimentos
1 tela de proteção contra insetos
1 livro de orações
1 guarda-chuva
1 colchonete para dormir
1 par de óculos se necessário
- o artista deve tomar sua própria decisão sobre os objetos pessoais que deve ter
- o artista deve, cada vez mais, ter menos
- o artista deve, cada vez mais, ter menos
- o artista deve, cada vez mais, ter menos
15 a lista de amigos do artista:
- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
- o artista deve ter amigos que elevem seu estado de espírito
16 os inimigos do artista:
- os inimigos são muito importantes
- o Dalai Lama afirmou que é fácil ter compaixão pelos amigos; porém, muito mais difícil é ter compaixão pelos inimigos
- o artista deve aprender a perdoar
- o artista deve aprender a perdoar
- o artista deve aprender a perdoar
17 a morte e seus diferentes contextos:
- o artista deve ter consciência de sua mortalidade
- Para o artista, como viver é tão importante quanto como morrer
- o artista deve encontrar nos símbolos da sua obra os sinais dos diferentes contextos da morte
- o artista deve morrer conscientemente e sem medo
- o artista deve morrer conscientemente e sem medo
- o artista deve morrer conscientemente e sem medo
18 o funeral e seus diferentes contextos:
- o artista deve deixar instruções para seu próprio funeral, para que tudo seja feito segundo sua vontade
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida
- o funeral é a última obra de arte do artista antes de sua partida
novembro 12, 2010
Fundação Bienal de São Paulo anuncia artista selecionado para representar o país na 54ª Bienal de Veneza, no Pavilhão do Brasil
O artista Artur Barrio apresentará seu trabalho no pavilhão brasileiro
A Bienal de Veneza é a mais antiga das grandes mostras internacionais de arte, tendo sido criada em 1895. A cada dois anos, uma grande exposição coletiva e dezenas de pavilhões nacionais trazem à cidade italiana centenas de artistas do mundo inteiro.
Ao longo das duas últimas duas décadas, mais e mais artistas brasileiros têm sido chamados pela curadoria do evento a participar da mostra coletiva, um claro indicador da crescente importância que a produção do Brasil ocupa no mapa internacional da arte contemporânea.
O pavilhão do Brasil, por sua vez, construído em 1964 no espaço mais prestigiado do evento italiano, os Giardini, é o lugar onde o próprio país escolhe e expõe artistas que a cada nova edição o representam.
Desde 1995, a responsabilidade por essa escolha foi autorgada pelo governo Brasileiro à Bienal de São Paulo, reconhecimento da grande importância da instituição – a segunda mais longeva no gênero em todo o mundo – para as artes visuais do país. Para realizar a curadoria do pavilhão brasileiro na próxima edição da Bienal de Veneza, a ser inaugurada em junho de 2011, a Fundação Bienal de São Paulo convidou os responsáveis pela 29ª Bienal de São Paulo, Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos.
O artista escolhido pelos curadores para ocupar o pavilhão brasileiro na 54ª Bienal de Veneza é Artur Barrio. Nascido em Portugal em 1945 e vivendo no Brasil desde os dez anos de idade, Artur Barrio tece, a partir do final da década de 1960, uma das mais originais obras no campo experimental da arte contemporânea brasileira. Uma obra que desafia os limites arbitrários a que a arte é comumente confinada e que escapa a catalogações fáceis.
Embora Artur Barrio trabalhe com técnicas e procedimentos os mais variados, o núcleo conceitual de sua trajetória são as Situações que cria em ambientes diversos, nas quais corpos e coisas postos em movimento modificam, de modo efêmero, um lugar e um instante. Em uma das Situações mais conhecidas, realizada durante a ditadura militar brasileira, Artur Barrio depositou trouxas ensanguentadas próximas a um córrego em Belo Horizonte, confundindo por algum tempo passantes e polícia e evocando o estado de exceção então vivido no país.
As Situações têm origem nas anotações, desenhos e colagens com que preenche o que chama de CadernosLivros. E são mais conhecidas do público por meio dos Registro-fotos, Registro-filmes ou Registro-livros que o artista faz de cada uma. Nem
CadernosLivros nem Registros se confundem, contudo, com as Situações. Estas estão sempre aquém ou além de qualquer forma de registro, não se deixando aprisionar como imagem, texto ou objeto. É nesse campo do inapreensível que Artur Barrio constrói sua singular trajetória.
Artur Barrio também faz trabalhos que interrogam a sacralidade das instituições de arte por meio do uso de materiais perecíveis, tais como sal, carne, madeira, peixes, pães ou pó de café, reunidos em grandes instalações que embaralham as coordenadas sensoriais do público. São trabalhos que, assim como as Situações, afirmam a insuficiência de toda e qualquer documentação para apreendeer o gesto artístico e que propõem a experiência transiente gravada na memória dos sentidos como forma de emancipar.
A escolha de Artur Barrio como representante do Brasil na 54ª Bienal de Veneza atende a pelo menos duas motivações. A primeira e mais fundamental delas é a de afirmar, no espaço institucional de maior poder de consagração no cenário artístico mundial, a relevância e a originalidade de sua obra, quer no contexto da arte brasileira, quer no âmbito da produção internacional.
Obra que, em anos recentes, tem nos mares por onde o artista navega com frequência elemento deflagrador de criações e articulações poéticas. Tal como a cidade de Veneza, também a obra de Artur Barrio depende, cada vez mais, do mar e do ato de navegar.
A segunda motivação dessa escolha curatorial é a de ampliar, a partir de plataforma expositiva tão privilegiada com a Bienal de Veneza, o entendimento de que a tradição experimental da arte brasileira é mais diversa do que as simplificadas visões que circulam em mostras e publicações no exterior.
Embora ancoradas em criações fundamentais da cultura brasileira como o neoconcretismo, a bossa nova e a arquitetura moderna feita no país, tais leituras quase sempre excluem os traços de inacabamento, de atrito e de ruído simbólicos que são também cruciais na formação do Brasil contemporâneo. Traços que se impõem como força inventiva na obra de Artur Barrio e que perpassam igualmente o projeto da 29ª Bienal de São Paulo.
A escolha de Artur Barrio como único artista a ocupar o pavilhão do Brasil na próxima edição da Bienal de Veneza também rompe com uma prática de muitos anos: a de convidar, para cada um das duas salas expositivas do pavilhão, um artista diferente. Ao privilegiar a exposição de somente um artista, a curadoria propõe a imersão na obra de um único criador e de sua visão de mundo. Em vez de restringir a experiência do público, essa estratégia busca o contrário: tornar de fato pulsante o que, quando visto em espaço repartido, é somente promessa e potência adiada.
Entre junho e novembro de 2011, o pavilhão brasileiro na 54ª Bienal de Veneza dará mais outra prova contida na presença rigorosa e radical da obra de Artur Barrio, da diversidade que ampara e projeta a produção artística feita no país.
novembro 3, 2010
Governo vai abrir consulta pública sobre política de museus, Folha.com
Matéria originalmente publicada na Folha.com em 2 de novembro de 2010
O Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), autarquia ligada ao Ministério da Cultura, deve divulgar nesta quarta-feira (3) a versão preliminar do Plano Nacional Setorial de Museus, que estabelece diretrizes da política do setor para os próximos dez anos.
A intenção do governo é deixar o documento disponível para consulta na internet até o dia 13 de novembro. Qualquer pessoa interessada pode participar, sugerindo propostas e acessando o texto no site do instituto (www.museus.gov.br). As contribuições devem ser enviadas para o e-mail pnsm@museus.gov.br.
O plano setorial de museus fará parte do Plano Nacional de Cultura. A versão em consulta pública foi elaborada com as propostas debatidas nas plenárias do 4º Fórum Nacional de Museus, realizado em julho deste ano.
O Ibram foi criado em janeiro de 2009, com a assinatura da lei 11.906. A autarquia sucedeu o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) na gestão dos museus federais.
Documenta 13 tem recorde de organizadores em 2012 por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 2 de novembro de 2010
Equipe de 14 curadores é complementada por 11 conselheiros vindos de áreas distantes do mundo da arte
Dois geneticistas, uma zoóloga, um arqueólogo e um físico estão entre os 25 membros da equipe de organização da Documenta 13 anunciados, na última sexta, em Berlim, pela diretora artística do evento, Carolyn Christov-Bakargiev.
Nunca a mostra, que ocorre a cada cinco anos e é considerada a mais importante nas artes plásticas, contou com um grupo tão grande em sua organização.
Christov-Bakargiev esteve em São Paulo para a abertura da 29ª Bienal e adiantou à Folha sua equipe, com o compromisso de que ela fosse divulgada apenas após a entrevista coletiva alemã. "Pela colagem das pessoas que estou divulgando se chega ao conceito da Documenta", afirmou no jardim do hotel onde se hospedou aqui.
PERCURSO DE VOZES
A equipe está dividida em dois times: um composto por 14 agentes -como ela chama os curadores- e outro por 11 conselheiros, quase todos especialistas de áreas distantes do campo da arte. "Minha Documenta não é apenas minha Documenta. É um momento num percurso e, nele, há muitas vozes."
Pela amplitude desse coral, pode-se antever que a mostra em Kassel, na Alemanha, programada para 2012, poderá tocar temas inusuais no circuito das artes, como teletransporte -área de pesquisa do austríaco Anton Zeilinger- ou ciborgues -assunto de um manifesto de 1985, da zoóloga norte-americana Donna Haraway.
Ambos estão entre os conselheiros, assim como o escritor mexicano Mario Bellatin, que tem publicado no Brasil "Flores" (Cosac Naify, R$ 39, 153 págs.), e o artista francês Pierre Huyghe.
Já entre os agentes, encontra-se a espanhola Chus Martínez, uma das cocuradoras da 29ª Bienal, e o lituano Raimundas Malasauskas.
"Ele organizou uma exposição de hipnose com trabalhos feitos para o cérebro dos visitantes e a mostra ocorria apenas em quem era hipnotizado", afirmou Christov-Bakargiev, sobre o evento no museu Tamayo, no México.
Para ela, contudo, reunir temas e experimentos como esse não é inusitado: "Arte é um campo aberto para tudo e os artistas redefinem o campo da arte o tempo todo. Algo que não é considerado arte pode passar a ser definido como tal. Então, acho que estou sendo bastante normal."
Quando esteve em São Paulo, a diretora participou de um debate no Instituto Goethe onde anunciou o título provisório da Documenta, inspirado na forma de escrever de Gertrude Stein (1874-1946): "A dança era muito frenética, viva, de chocalhar, tinir, rolar, contorcer e durar muito tempo".
Durante a entrevista, Christov-Bakargiev chegou a pedir a uma assistente para enviar o título à reportagem. "Eu o escrevi para não me lembrar, mas experimentar um título performativo."
Proibição eleva interesse e gera longas filas por Leneide Duarte-Plon , Folha de S. Paulo
Matéria de Leneide Duarte-Plon originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 2 de novembro de 2010
"Kiss the Past Hello", a exposição de fotos de Larry Clark no Museu de Arte Moderna de Paris, transformou-se no maior sucesso do outono, graças à polêmica gerada pela proibição a menores de 18.
Resultado: em três semanas, recebeu 28,1 mil visitantes. O museu estima que receberá 120 mil visitantes até 2/1. Na última quinta, uma fila quilométrica, digna de uma mostra de Picasso ou Monet, formava-se diante do museu.
Duas sexagenárias comentavam que nunca viram tantos jovens numa exposição em Paris.
"Isso é ridículo", vociferou Catherine Bignon, ao saber que não poderia entrar com a filha de 17 anos na mostra. Para ela, as fotos não são mais chocantes do que o que um adolescente vê no cinema, na TV e na internet.
"A prefeitura censura", acusaram os contrários à proibição, entre eles o jornal "Libération", que publicou na capa uma das fotos (jovens em ato sexual).
O prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, divulgou um comunicado defendendo a proibição. A seu ver, o limite de idade era a única maneira de não censurar nenhuma imagem.
Célia Meguedad e Aurélie Fantou, 20, não concordam com o veto. Para elas, os adolescentes veem cenas tão chocantes quanto as de Clark. "Talvez fosse o caso de proibir a menores de 15", diz Meguedad.
Representantes do Partido Verde no Conselho de Paris pediram ao prefeito a retirada da proibição. Para a ex-candidata do Partido Socialista à presidência, Ségolène Royal, bastaria avisar os pais sobre o conteúdo de algumas fotos.
Sem negar valor artístico ao que viu, Véronique Kieslowski, 48, opina que a decisão do prefeito é compreensível: "A proibição se justifica pelo teor das fotos, chocantes mas não pornográficas".
Mostra de Takashi Murakami em Versalhes irrita conservadores por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 2 de novembro de 2010
Descendentes da família real querem fim de exposições de arte contemporânea no palácio
Depois de Jeff Koons, em 2008, japonês ocupa antiga residência de Luís 14 com obras de apelo alucinógeno e pop
Enquanto não cessa a discussão em torno da mostra de Larry Clark em Paris, o palácio de Versalhes, nos arredores da capital francesa, virou alvo de outros ataques.
Mesmo sem drogas e sexo explícito, obras do japonês Takashi Murakami, de pegada quase alucinógena e excessos pop, desagrada quem prefere ver algo mais clássico nas salas do palácio rococó.
Versalhes recebeu há dois anos uma mostra do norte-americano Jeff Koons, famoso por seus cachorrinhos gigantes, suas obras de claro apelo comercial e também por ter se casado com a estrela pornô italiana Cicciolina.
Na época, Charles-Emmanuel de Bourbon, um dos descendentes da família real francesa, tentou sem sucesso fechar a exposição de Koons.
Agora, o príncipe Sixte-Henri de Bourbon, primo de Charles-Emmanuel, e a Coordenação pela Defesa de Versalhes, grupo ultraconservador, tentam barrar Murakami, a segunda mostra de arte contemporânea a ocupar os salões e aposentos da antiga residência do rei Luís 14.
"Acontece algo muito grave no palácio", diz Arnaud Uinsky, um dos diretores da Coordenação pela Defesa de Versalhes, à Folha. "Nosso governo, que se diz democrático, põe nosso patrimônio cultural a serviço dos estrangeiros, de um artista inimigo da cultura e da civilização."
HIROSHIMA CULTURAL
Nos textos divulgados pelo grupo, Murakami é acusado de não ser autor real de suas obras, feitas com dezenas de assistentes, e de "exorcizar seus fantasmas eróticos" em esculturas. Também lembram a parceria entre o artista e a grife Louis Vuitton.
"Expor Murakami nos apartamentos reais é um verdadeiro Hiroshima para a cultura francesa, isso é a indústria, a publicidade, o marketing", diz Uinsky. "Versalhes está sendo oprimido pelo desvio de poder."
No caso, o grupo contra contemporâneos em Versalhes se opõe ao poder de Jean-Jacques Aillagon, ex-ministro francês da Cultura e hoje à frente do palácio. Desde o início de sua gestão, há três anos, Aillagon vem aumentando o número de visitas aos salões reais com mostras de arte contemporânea.
Segundo Laurent Brunner, diretor de exposições em Versalhes, o público aumentou 45% com a mostra de Murakami, que chega a receber 15 mil visitantes por dia. Em 2008, Jeff Koons levou 1,4 milhão de pessoas ao palácio.
"Há grupos de extrema direita, uns poucos velhos, que tentam impedir as exposições", diz Brunner à Folha. "Mas o moderno tem lugar em Versalhes, que não é mais a residência dos reis, é um palácio vivo."
Juventude censurada por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 2 de novembro de 2010
Restrição à exposição de Larry Clark em Paris e retirada de obras na Suíça reacende debates em torno do artista
Um casal de adolescentes faz sexo numa banheira, outros dois transam no banco de trás de um carro estacionado. Alguns brincam com revólveres ou aparecem injetando drogas direto na veia.
Isso há mais de 30 anos. Já não são garotos e garotas aqueles que estão nas fotografias de Larry Clark, hoje também sexagenário. Mas a polêmica em torno delas está mais fresca do que nunca.
Clark está acostumado a ter seus filmes, clássicos cult como "Kids", de 1995, proibidos para menores de 18 anos, mas a mesma restrição de sua retrospectiva agora no Museu de Arte Moderna de Paris, a mais ampla da carreira, tem acirrado os ânimos.
Essa é a primeira vez que uma mostra de Clark sofre esse tipo de censura. Imagens da série "Tulsa", de 1971, e "Teenage Lust", de 1983, já rodaram o mundo. Estiveram em Paris, na Maison Européenne de la Photographie e também foram mostradas há cinco anos em Nova York.
Agora, numa França em convulsão com greves e manifestações contra reformas de Nicolas Sarkozy, jornais não deixam passar em branco a autocensura do museu, a ira do artista e as opiniões contra e a favor.
"É um ataque à juventude, ficaram com medo e proibiram a mostra", diz Clark à Folha. "Isso é como deixar adolescentes verem pornografia na internet e não deixar que vejam arte sobre eles dentro de um museu."
Em artigo, o jornal "Libération" acusou o museu de censura, o que motivou uma resposta do prefeito de Paris, Bertrand Delanoë, em defesa do MAM, que é municipal.
"É nosso dever evitar o risco de interdição judicial", diz o comunicado. "Não é uma atitude pudica, mas desejo de permitir a expressão da liberdade artística."
Engrossando a histeria em torno de Clark, um grupo de ultradireita, a Aliança Geral contra o Racismo e pelo Respeito à Identidade Francesa e Cristã, processa o MAM, exigindo o fim da mostra, que acusa de "feiura estupefaciente, grande vulgaridade e rara obscenidade".
No rastro do escândalo, o Centro Paul Klee, em Berna, tirou duas obras de Clark de uma coletiva, alegando que toda polêmica poderia ofuscar os demais trabalhos.
"É uma atitude covarde", diz Clark. "Isso tudo é bobagem, é só política, mas sou um artista que faz seu trabalho e que não controla o que as pessoas acham disso."
Gostem ou não, Clark adiantou à Folha que volta a Paris no ano que vem para rodar um novo filme, agora sobre a juventude francesa.