|
outubro 27, 2010
Entrevista com Laurie Anderson por Nina Gazire, Istoé
Entrevista com Laurie Anderson originalmente publicada na Istoé em 22 de outubro de 2010
“Não sou uma pessoa muito ligada em tecnologia, eu não curto esse entusiasmo em torno dela”
Incensada como um dos grandes nomes da arte multimídia nos últimos 40 anos, Laurie Anderson aos 63 anos, inaugura neste mês de outubro, sua primeira retrospectiva no Brasil. Conhecida por sua produção musical de vanguarda, a artista já esteve aqui anteriormente para apresentações de performances e shows. Em entrevista a Istoé Anderson fala sobre a exposição “I in U” ( Eu em Tu) e sobre a sua relação com a tecnologia:
ISTOÉ- Muito se diz sobre o tema principal do seu trabalho ser sobre a massiva presença da tecnologia na nossa sociedade. No entanto, pode-se dizer que a base do seu trabalho não é a tecnologia em si, mas a linguagem. Como isso poderá ser visto na sua retrospectiva?
Laurie Anderson - A linguagem não é uma tecnologia. São apenas palavras. Eu utilizo a tecnologia apenas como ferramenta. A tecnologia é apenas nossa caneta. Não sou uma pessoa muito ligada em tecnologia, eu não curto esse entusiasmo em torno dela. Não acho que seja boa toda essa dependência que criamos em relação a ela. Inclusive acho que usar o termo artista multimídia hoje em dia é descabido, qualquer um é multimídia hoje. Mas existem artistas que questionam a tecnologia através da estética. Aí sim, estes são trabalhos sobre tecnologia, porque a questão na obra é o modo como a tecnologia é apresentada. Um exemplo nesse sentido é o do coletivo artístico The Builders, que está focado nos efeitos da tecnologia na sociedade atual.
ISTOÉ-Mas o seu trabalho é constantemente associado a essa estética tecnológica pela crítica.
Anderson - Grande parte do meu trabalho lida com imagens precárias, gastas, são ruínas visuais. Definitivamente são diferentes do circo eletrônico do século 21. Se você observar bem, não estou usando tecnologias muito avançadas nos meus trabalhos mais recentes. Para essa exposição estou usando a mesma tecnologia que usei para construir vários dos trabalhos durante os anos 1970. Sem dúvida, a tecnologia atual é melhor, e principalmente, mais rápida nos resultados. Questiono a substituição acelerada desses “gadgets” um pelos outros, que são iguais e menos duráveis. Às vezes me pergunto se o carro é mesmo melhor que a bicicleta. Ele é mais rápido, mas faz a mesma coisa que uma bicicleta. Espanta-me o fato de que a tecnologia que foi usada para colocar o homem na Lua, hoje não sirva pra nada. Não encontramos os seus remanescentes nem em lojas de sucatas. Da mesma forma se quero comprar um telefone velho e bom eu também não o encontro. O que eu acho são telefones novos que não funcionam e não tem a mesma durabilidade. Eu estou soterrada por um monte de tecnologia da mesma forma que outras pessoas.
ISTOÉ-O que poderá ser visto nessa sua primeira retrospectiva no Brasil, então?
Anderson - Bom, uma coisa que percebi sobre a cidade de São Paulo é que essa é uma cidade muito barulhenta. Nova York também é uma cidade bem barulhenta. Isso faz com que eu me sinta em casa. Quando cheguei ao CCBB eu pensei se não seria bom fazer algo que fizesse com que as pessoas se perdessem em seus mundos interiores. O público estará em uma sala e também cercado de muito barulho. Então dispomos essas mesas de som como peças centrais onde as pessoas poderão fazer essa viagem. Não é um delírio tecnológico. È algo que diz mais sobre uma experiência física e íntima. Isso significa parar para escutar ruídos mínimos que são eclipsados pelo barulho da cidade. Acho que isso se relaciona bastante com a cidade de São Paulo nesse sentido. Existem coisas nessa mostra que as crianças vão gostar muito. E outras que não. Eu tenho uma criança interior muito forte. Todo mundo gosta de uma boa história, e a mostra é basicamente sobre isso contar histórias.
Por exemplo, para fazer as minhas pinturas e desenhos que estão na mostra, eu me inspirei no aspecto gráfico que a cidade tem. Gosto de imagens, feitas rapidamente, onde estou contando essas histórias de forma prolongada. Uma das histórias é chamada de “A história sobre a história”, e é uma história sobre motivação. È inspirada no conto do Burrinho e a da cenoura, que é universal. Nós temos esse sistema de compensação onde pensamos sempre que se fizermos isso, teremos aquilo e tal. Só que em minha história o burro morre. Mas e se o burro morre o que resta a fazer? Chega de cenouras. Existe uma série de seres humanos que perderam seus burros. O que você faz quando o seu sistema não funciona mais? Eu adoro livros e usei este mesmo tema em minha série de performances chamadas “Delusions”. Existe uma frase no livro “Moby-Dick”, de Herman Melville, que é a seguinte: “o que resta ao homem se ele vive mais tempo que o seu deus?”, que diz exatamente sobre essa mesma questão do burro e da cenoura. Quanto mais temos, mais queremos e nunca estamos satisfeitos. Essas imagens da exposição são uma reflexão para essas perguntas que na verdade não possuem respostas. Como é possível responder essa pergunta? Acho que a questão está no momento em que a pergunta é feita, ou no momento em que estamos vivendo. Pessoalmente o as minhas respostas estão na música.
ISTOÉ-Então, se pode definir seu trabalho através do ato de contar histórias e dá música?
Anderson - Sim, mas eu não estou muito interessada em categorias. Tudo bem quanto às categorias, mas eu queria que não se usasse esse muito deste recurso. Ao categorizar algo, você está categorizando você mesmo. E ser livre é estar além dessa forma de entendimento. Não vivemos em uma sociedade onde são todos iguais, e nunca viveremos. Esse é um tipo de sonho louco. Mas temos os direitos iguais de querermos sermos nós mesmos. Cada vez mais, as pessoas são obrigadas a viverem estilos de vida parecidos. Você pode ter uma profissão, mas é também milhões de outras coisas, além disso. Atualmente, eu sou conhecida em Nova Iorque como Laurie Anderson, a artista. Mas eu tento na medida do possível fugir disso e me proporcionar outras possibilidades. Nos EUA são dadas poucas possibilidades de uma pessoa querer ser algo além da profissão dela. Nova York é assim, uma cidade muito competitiva, mas acho Los Angeles pior. Lá existe essa “economia do vodu”, onde todos torcem para que você fracasse. Eu penso que os realities shows são um reflexo disso. Não estamos ali torcendo para alguém dar certo, mas sim para essa máquina do sucesso, pelo mecanismo da fama. O show em si pouco importa. Às vezes fico esperando e pensando se alguma revolução vai acontecer e mudar tudo isso. Você vê as pessoas preocupadas apenas com o trabalho, não vê pessoas felizes na rua. O mundo da arte inclusive também está assim.
Laurie canta um conto por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 22 de outubro de 2010
A multimídia Laurie Anderson ganha sua primeira retrospectiva no Brasil e mostra 40 anos de música, imagens e histórias
“A tecnologia é apenas minha ferramenta de trabalho. Não sou muito ligada nem curto esse entusiasmo em torno da tecnologia”, diz a performer e musicista americana Laurie Anderson, categorizada como uma das precursoras da arte high tech e conhecida pela música “Superman”, grande sucesso na década de 1980. Aos 63 anos, em São Paulo para uma individual no CCBB, Laurie mostra que, antes de ser uma exímia inventora de instrumentos musicais e criadora de performances tecnológicas, ela é uma excelente contadora de histórias. “Meu objetivo aqui é o de proporcionar às pessoas uma viagem interior”, diz ela sobre a exposição de 31 obras e 19 filmes, que abarca 40 anos de produção.
Laurie começou sua carreira na década de 1970, após formar-se em história da arte em uma das instituições mais tradicionais dos Estados Unidos, a Bannard College, passando em seguida a atuar no circuito underground de galerias de Nova York. Desde o início, sua principal aspiração foi a música, mas não uma música qualquer. Seu sucesso com “Superman” é quase acidental e se deu depois que o famoso dj de rock da rádio BBC John Peel recebeu em mãos um single da composição, que, aliás, é muito mais uma peça sonora do que música em si. Antes disso, bebeu da fonte que brotava do novo cenário cultural e associou-se a alguns dos principais nomes da vanguarda musical, como Philip Glass, John Cage e Frank Zappa. A música eletrônica e a noção de antiarte passaram a orientar sua criação, na qual a palavra falada enfatizava o gesto performático. Há pouca melodia, no sentido mais tradicional do termo, em sua produção. O que realmente se tem é uma profusão de sentenças, vozes e proposições poéticas que, articuladas ao som de sintetizadores, se tornam aquilo que Laurie define como sua obra: uma sinfonia de histórias.
As pinturas realizadas nas paredes do CCBB são pequenas narrativas, inspiradas em HQs e artes gráficas, que completam o sentido das demais obras presentes no espaço. Um desses trabalhos é “A História sobre a História”, retirada da parábola “O Burrinho e a Cenoura”, em que um burro, tendo à sua frente uma cenoura dependurada, persegue-a eternamente. Ou não, segundo Laurie. “Nós temos esse sistema de compensação onde pensamos sempre que, se fizermos isso, consequentemente teremos aquilo e tal. Só que na minha história o burro morre. Se o burro morre, o que resta fazer? Chega de cenouras. O que você faz quando o seu sistema de crenças não funciona mais?”, indaga.
Outra inspiração é a cidade de São Paulo, que influenciou a montagem da exposição. Laurie contou com a ajuda do curador Marcello Dantas para adaptar suas instalações de forma que dialogassem com a identidade sonora da cidade. “São Paulo é extremamente barulhenta, por isso na montagem enfatizamos aquilo que é imperceptível diante do ruído. Isso faz com que as pessoas se forcem a escutar e a entrar na obra”, afirma Dantas sobre a exposição que, na realidade, é uma grande viagem pela história de uma das artistas mais completas e inovadoras dos últimos tempos.
O lance da arte por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 25 de outubro de 2010
Livro descreve com ironia e acidez os bastidores do mundo da arte, dos ateliês e bienais aos leilões milionários
Na mão esquerda, Sarah Thornton usa um anel com uma tecla de computador que traz escrita a palavra "Bild", imagem em alemão. Ela faz anotações num Moleskine vermelho, usa sandálias em estilo gladiador com acabamento prateado e deixa ver as unhas dos pés tingidas de esmalte laranja vivo.
Sorri e gargalha entre as frases, deixando ver dentes brancos em perfeito alinhamento atrás de lábios cobertos de batom cor de sangue.
Thornton, alvo desta entrevista, está aqui descrita como faz com seus interlocutores no livro "Sete Dias no Mundo da Arte", que ganha agora tradução para o português, pela Agir. Antes de qualquer conteúdo, uma imagem -já anuncia o anel.
No livro que está em sua sétima edição nos Estados Unidos e passou meses em listas de mais vendidos pelo mundo, com versões até em chinês e japonês, Thornton destrincha em escala global o chamado mundo da arte.
Penetra nos lugares onde poucos conseguem entrar e conta tudo que viu e ouviu.
Põe em prática sua formação de antropóloga para enquadrar com ironia e acidez os ritos e cerimônias da tribo que veste Prada e devora arte.
"Não sou uma crítica, não escrevo resenhas", diz Thornton à Folha, no café de um hotel em São Paulo, onde veio pesquisar para seu próximo livro. "Se quer escrever sobre os bastidores da cena, não pode julgar o que vê."
Talvez não seja explícito seu julgamento, mas um tom de deboche sublinha as cenas mais absurdas do livro. Num leilão da Christie's, descreve o teste dos microfones, para que o som das vendas saia cristalino. Gasta um par de linhas analisando a roupa de marchands e destaca a atitude arrogante da repórter do "New York Times" que cobre mercado de arte.
PUREZA E MERCADO
Em tudo, Thornton parece ver um embate entre uma suposta pureza da arte e suas dimensões como instrumento de mercado e objeto de fetiche. Vai a Tóquio ver de perto o ateliê de Takashi Murakami, que descreve como uma enorme fábrica branca.
Não faz rodeios para dizer que "Oval Buddha", a escultura que vê sendo feita, é a obra mais cara do artista "com orçamento de um pequeno filme de Hollywood".
Seu livro, escrito antes da recessão global que arruinou o mercado da arte, reflete um momento de bonança e recordes nas feiras e leilões.
No próximo título, que deve mostrar a emergência de novas capitais do circuito, como São Paulo, ela se volta mais para os artistas -entrevistou, por exemplo, Nuno Ramos e Marilá Dardot, que estão na Bienal, e Iran do Espírito Santo e Carmela Gross.
"Há um interesse maior em arte contemporânea, nossas culturas estão mais orientadas por aspectos visuais", diz Thornton. "Para aqueles que não têm religião, existe um fascínio pela criação de significados, e a arte toma as dimensões de um deus."
outubro 22, 2010
Leilão // Moeda inglesa vira obra de arte por Michelle Assumpção, Diário de Pernambuco
Matéria de Michelle Assumpção originalmente publicado no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 14 de outubro de 2010
O artista plástico pernambucano Lourival Cuquinha batizou de "arte financeira" o projeto que lhe rendeu, ontem, numa famosa galeria de Londres, a Christie's, a quantia de 17 mil libras. O dinheiro foi resultado do leilão de sua obra Jack Pound Financial Art Project, que consiste na reprodução da bandeira da Inglaterra feita com notas de 5 e de 10 libras costuradas, o que somou a quantia de mil libras. A primeira inspiração para essa criação foi resultado da condição de imigrante, pois Cuquinha acompanhava sua companheira, a jornalista Tatiana Diniz, em mestrado em Londres. Estava sem dinheiro, quando leu no sensacionalista The Sun que uma pesquisa apontava que maioria dos ingleses não perceberia se mil libras sumissem de sua conta bancária.
O cálculo impressionou o artista plástico, que passou a debater a questão com seus clientes do café. "Nosso aluguel custava esse valor e um dia cheguei em casa e ele havia pego o dinheiro e fixado na parede, no formato da bandeira. Ficou obcecado com aquela ideia", conta Tatiana, que acordou no dia seguinte com uma sugestão. Ele poderia vender cotas entre investidores e conseguir a outra parte da bandeira trabalhando ainda mais como entregador de panfletos. Brasileiros e ingleses compraram "ações" e todos vão receber sua parte de volta, agora que a obra foi arrematada por 17 mil libras, a um colecionador carioca. "É uma piada que repensa os recursos para investimento na arte contemporânea", comemora Cuquinha.
Overloading at Frieze por Andrew Mckie, The Wall Street Journal
Matéria de Andrew Mckie originalmente publicada no The Wall Street Journal em 15 de outubro de 2010
Frieze Art Fair, held at this time each year in Regent's Park, is London's attempt to give art collectors the contemporary equivalent of Stendahl syndrome. That is the ailment which has been known to fell visitors to Florence with all the symptoms of a panic attack by overloading them with too much beauty.
Overload there certainly was during the preview for VIPs and the press. There was plenty to see at the stands of nearly 200 galleries, if you could get at them through the throngs of people. Beauty? Well, that is in the eye of the beholder.
If anything is likely to make the visitor faint, it is the prices: the insurance estimate for the work being shown at Frieze is $375 million. Not that anyone was showing any sign of nerves as the VIPs stepped out of a fleet of identical silver BMWs on Wednesday morning, though the uniformity of the parking was interrupted by one old banger turned upside down.
I assumed this was an exhibit, though it can sometimes be hard to tell where Frieze starts and finishes. Before they have got near the gates, dozens of postcards advertising other shows are pressed upon the visitors. A tall fellow with a beard sticks his hand out. "Hello," he says warmly, "I'm Sir Peter Blake. You must come to our exhibition at the Museum of Everything down the road. Here's a leaflet, which you can make into a hat."
It is not difficult to guess who works for the media or in the art world as we line up to collect and present our passes. But even in the current financial climate, the very rich, as F. Scott Fitzgerald remarked, are different from you and me and, in a miasma of cashmere, hair oil and entitlement, glide unchallenged into the tent.
At first sight, the ticket booth appears to be a mobile-phone showroom. It is, instead, an installation by Matthew Darbyshire. I press on, to be confronted by the art critic of a London newspaper pulling up his T-shirt to reveal the word "Writing," written across his stomach; by a life-sized model of a boy on a diving board entitled "Catch Me If I Fall," and then by Sir Nicholas Serota, director of the Tate Gallery.
"There is some very interesting work this year," he says, telling me I'll have to wait to find out what his gallery has bought (the Outset Contemporary Art Fund, a charitable trust, supplies funds for Tate's acquisitions at Frieze). This year, I discover later, £120,000 was spent on several works, including a roll of Communist-era Czechoslovakian lavatory paper with inscriptions by the late Julius Koller.
Text-based work, and work on the boundary between craft and art, is prominent. Tracy Emin provides several pieces in two of the most popular forms: neon ("I Whisper to my Past, Do I have Another Choice") and fabric (an embroidered piece reading "You Said No"). Elsewhere, work by less established artists has words cut into felt, printed on linen, or embroidered. At Turin's Sonia Rossi Gallery stand, Annika Ström, who has also produced a performance piece for the fair in which 10 men are wandering around pretending to be embarrassed, is showing two identical watercolor posters which read: "buy one get one free." And indeed you do, the gallery attendant assures me. How much? "€3000. And that one's free."
Money is as much a presence as the art. Most of the conversation is about prices. The Rio gallery A Gentil Carioca is showing a flag sewn from £5 and £10 notes by Lourival Cuquinha, which was auctioned off for £17,000.
And at the big galleries, there seems no shortage of confidence, even though the auction prices of some of the biggest names in contemporary art have taken a substantial knock during the past couple of years.
Thaddeus Ropec of Salzburg was showing Marc Quinn's bronze sculpture of a teenager in a hooded top holding a skull. It sold two of its edition of four almost as soon as the doors opened. Jay Jopling of White Cube was prowling his stand in what seemed, for him, a remarkably chirpy fashion. It was rumored that he had sold Damien Hirst's large installation of hundreds of fish in lucite, "The True Artist Helps the World by Revealing Mystic Truths," for £3.5 million within the first hour. The Gagosian stand was so confident of the blockbuster quality of the work on show (more Hirst, Andy Warhol, Richard Prince, Ed Ruscha, Jenny Saville) that it calculated, correctly, that it needn't even bother labelling it.
There are a lot of shop dummies in various states of repair. There are random bits of plywood claiming to be sculpture. Pornography is much in evidence, too, partially obscured by paint, or simply laid out on a desk. Next to a stuffed dog, standing on its hind legs and carrying a placard which says "I'm dead," the artist David Shrigley is painting temporary tattoos on visitors (which explains the critic's stomach). I decline one, but tell him that my children laughed like drains when they saw the dog exhibited in Glasgow's Kelvingrove Gallery a few months ago. "At least it didn't traumatize them," he says. "That's a relief."
Frieze may be exhausting, but it is possible to emerge untraumatized. With a bit of stamina, and if you look hard enough, you may even find something you love hiding away amidst the big names and the downright bizarre. At Copenhagen's Christina Wilson gallery, actually tucked away around a corner and perched on two pins, there is a postcard-sized landscape in oils by Ulrick Møller. It's rather beautiful.
Latin American artists put on strong show during Frieze week por Charlotte Burns, The Art Newspaper
Matéria de Charlotte Burns originalmente publicada no The Art Newspaper em 13 de outubro de 2010
Seven galleries from South and Central America at the main fair as interest in region’s art grows
While Europe and the US are still licking their wounds from the downturn, the energetic scene in Latin America is “charming the pants off the international art world,” says New York gallerist and blogger Edward Winkleman. Last month the Pompidou Centre created a Latin American acquisitions committee, while the Lyon Biennale appointed an Argentinean curator, Victoria Noorthoorn, for its 2011 edition. The Istanbul Biennale will be co-curated by Brazilian Adriano Pedrosa, while the Arco art fair in Madrid has announced a three-year focus on Latin American galleries.
Even London, not particularly known for its Latin American links, has been struck by the fiesta feel: seven Latin American galleries are showing here at Frieze, including Fortes Vilaça (E8) with Los Carpinteros’ Reading Room, 2010 (priced €125,000). Latin American artists are on show across the fair: Marian Goodman’s Gabriel Orozco display (F16) includes Right Couple, 2010, at $20,000, Richard Ingleby (E17) is showing works by newly signed artist Iran do Espírito Santo, including Red Bulb 2, 2009, for $15,000, while the Deutsche Bank lounge has a dedicated Orozco display.
Slow build
Outside the fair, smokers can stub out cigarettes on Gabriel Kuri’s Frieze project commission—ashtrays; while Mexican artist Damián Ortega—whose installation Alma Mater, 2008, is at Kurimanzutto (D4) for $160,000—opens a new commission at the Barbican this Friday and Stephen Friedman (D5) has a Beatriz Milhazes exhibition in its London space.
“There’s a long tradition of important art in Latin America that we’ve only just begun to digest. It’s been a slow build, rather than a hot trend,” says gallerist Marc Foxx (B6), showing Argentinean artist Amalia Pica. The artist, who says there is a “huge internal and external dialogue right now,” is also showing Unintentional Monument, 2010, at Amsterdam gallery Diana Stigter (F25), priced between €4,000 and €7,000, and Dialogue (Paper and Mountain), 2010, for €7,000.
“The art has always been fantastic, but the market has caught up now,” says Frieze co-director Matthew Slotover.
“Museum curators and acquisition committees are going after art production—and there is no way you can ignore the lower end of the Americas nowadays,” says Eliana Finkelstein, from Galeria Vermelho (H8), where Rosângela Rennó’s Venetian Tour Scrapbook, 2009-10, is on show at £9,600.
Pilar Corrias (G14) is showing works by Brazilian artist Tunga in her gallery, including Untitled, 2008, for $75,000. Corrias says: “The economy is booming, there is a rich history of contemporary art, and the art market is becoming much more active.”
London’s hub status
More democratic politics have helped drive the dialogue, too. “Latin America has a tradition of producing art, but it was dimmed by conflicting governments. There is now a more established government, economy and society—which is reflected in the interest in the art,” says Rodrigo Editore from Brazil’s Casa Triângulo (F26), where works include Mariana Palma’s Untitled, 2010, for $35,000.
London seems an unlikely place to sell Latin American art—Britain has fewer historical links with South America than some other territories—but gallerists say interest is growing. “It’s getting better every year. London is a hub,” says Marcio Botner, director of Rio-based gallery A Gentil Carioca (E13), where the artist Lourival Cuquinha will stage a performance, The Jack Pound Financial Art Project, today at 3pm.
“London is one of our biggest collecting bases. People are starting to realise how influential the artists there have been,” says Alison Jacques (D17), whose booth features Lygia Clark sculptures from 1959 to 1964, priced between €180,000 and €460,000, as well as wall-based Hélio Oiticica studies from 1957-59, priced between €80,000 and €150,000. Kate MacGarry (E11)—showing Tiago Carneiro Da Cunha in her London gallery, priced from £3,500 to £10,000—says there are now lots of collectors in Europe and America that are exploring the scene.
Some of the greatest activity is coming from Brazil, where the economy is predicted to grow by 7% this year. More money means more galleries can show at fairs abroad, collectors can influence the market and curators and artists are in better positions to promote the work. “With a more globalised art community, Latin American curators and critics [are taking] up key positions in museums, biennials and galleries in traditional art capitals,” says Silas Marti, critic at Brazilian newspaper Folha de São Paulo.
Back to the 60s
“It’s not an explosion [but] a growing, honest interest—which is much more healthy,” says São Paulo collector Jay Khalifeh.
The interest isn’t without historical precedent, says Isobel Whitelegg, director of curating at the Chelsea College of Art. “There was a real surge of interest around Latin American art in the 1960s. Lots of artists moved abroad because of political difficulties, and opened up new dialogues. That story needs to be amplified.”
Gabriel Pérez-Barreiro, director of the Cisneros Foundation, agrees, but says: “The scale has changed—there is so much more interaction between the different sectors now—it has built up and is much more solid now.”
Perhaps the greatest incentive has been museum interest. “What’s more important than the economy is the international recognition of our artists,” says Brazilian gallerist Luisa Strina (F14), who founded her gallery in 1974 and is exhibiting at Frieze for the seventh time with works including Mateo Lopez’s Changing Matter, 2010, for $20,000.
Museums collecting
Collector Anibal Jozami, who is on the new Pompidou acquisitions board, agrees: “Museums started to realise that their collections were not complete without our art.”
The Tate is one of the biggest drivers. It has staged shows including Cildo Meireles in 2008 and will open a Gabriel Orozco exhibition, on tour from MoMA, next January. A quarter of all works in the Tate collection made by artists born after 1985 are from Latin America—more than North America (24%). Now in its eighth year, the Tate’s Latin American acquisitions committee is one of the world’s largest, numbering over 40 members. “We wanted a broader view of contemporary art—but how do you begin? Latin America made a lot of sense because there is a history of ties with Europe and North America,” says Tate curator Tanya Barson.
Frieze 2010: ten highlights at this year's art fair por Florence Waters, Telegraph
Matéria de Florence Waters originalmente publicada no Telegraph em 14 de outubro de 2010
Performance, pornography, and pounds for sale: it’s the Frieze art fair.
Another year at Frieze, another mind-bogglingly expensive array of contemporary art. The world’s most prestigious private galleries have hand-picked their new big names, their visionaries, to parade under the noses of prospective buyers and gamblers. So what’s new, aside from the fact that year many of the shoppers are marching down the aisles with iPads under arms and Blackberries at fingers?
The Frieze app is a time-saver and a useful addition to the fair, but my favourite new trend at this year’s Frieze is not a technological one. It is that many strong artists appear less willing than ever to sell their wares.
Never before have artists been so dependent on the market. However, pomp, bombast and highly expensive finished sculpture (as per Hirst, Koons, Kapoor) seem to have been ditched in favour of a home-made aesthetic, a return to craft. There is also more performance art than ever. Marina Abramovic told me this week that she thinks performance has never been so important because you cannot sell it, and therefore it is not directly related to the market. It is an atmosphere of seeming integrity that pervades this year’s Frieze.
1. A performance work by Lourival Cuquinha, which was getting a lot of attention, summed this trend up nicely. Titled Jack Pound Financial Art Project (2010), the artist sold five and ten pound shares. He found 42 people to invest in his work, a flag made up of realistic fabric money stitched together by hand. The flag is being presented for auction at Frieze with the starting bid £14,000.
2. Also from Brazil, Maria Nepomuceno’s woven and beaded sculptures. Made out of climbing rope and simple found materials, they are bound tightly together into sculpture using ancient handcraft, Nepomuceno conjures up sumptuous, semi-erotic forms which spread across the floor or hang hammock-like. They must be seen in the flesh.
3. Taking the home-made to a new level is the performance artist Spartacus Chetwynd, who dresses in boiler suits (her own designs) and has lost all distinction between her real life and her performances. Her shows are like bizarre school plays acted terribly by family, friends and puppets. You won’t believe that seeing her shows can be a perspective-altering experience, until you have been to one yourself. She is performing as part of Frieze Projects in the main tent (P11) Thursday - Saturday at 3.30 and 4pm.
4. Look out for the work of the pioneering Slovakian performance artist Julius Koller, who died last year. The Tate yesterday acquired three of his sculptural pieces (Question Mark b. (Anti-Painting, Text-Painting), 1969, Universal Futurological Opening, 1978, and Conceptual, 1972) from this year’s Frieze fair, one of them made out of toilet paper roll and felt-tip pen.
5. This year’s Frieze art fair opens with a cheap - but nonetheless enjoyable - joke, courtesy of Hauser & Wirth allery. As you enter the enormous tent, one of the first stands you see is a scruffy bolster wood table that looks as though it belongs at an illegal car boot sale. On it is a smutty array of second-hand porno titles that appear to be for sale. The work is by Christoph Buchel called Consumed By Desire. Art galleries can be pretentious places, but they are not beyond parodying themselves.
6. For timeliness you can’t beat Rosângela Rennó’s striking hand-painted photographic portraits of bachelor miners – our new favourite heroes, follwing yesterday’s rescue. Cariri and Carrazeda is an installation of the faces of Portuguese miners who post their pictures on a website because they can’t find a woman.
7. David Hockney’s blown up computer paintings, done with Paintshop and printed out with inkjet are staggeringly detailed. They defy our expectations by being wonderfully personal, with Hockney’s unique hand and palette as recognisable in the computer form as they are in paint.
8. For a change, an overwhelming majority of photography on display this year is painterly, classic and beautiful. Look out for Bridget Smith’s Fisherman’s Hangout (2010) at Frith Street Gallery, Rodney Graham’s Lighthouse Keeper (1955/2010) at Lisson Gallery, and a series by Peter Fischli and David Weiss (1984-6) at the Matthew Marks Gallery.
9. Turkish Kutlug Ataman’s ‘Column’ (2008) is an eerie installation of 42 stacked television monitors, each with the face of a Turkish villager staring back at you. Artist and activist Ataman, who has a major show retrospective at Istanbul Modern this autumn, describes it as a monument to ordinary people.
10. Jumping on board London’s current free-falling cycle euphoria, Gavin Turk’s work in the Sculpture Park is 15 bicycles, which are being offered up to visitors to enjoy the inner circle of Regent’s Park from. The work has got the very New Wave title, Les Bikes de Bois Rond 2010, which makes the bikes sounds like a perfect seat to watch the rich and trendsetting of the world flock into and out of the park.
outubro 20, 2010
Latinos discutem identidade por Simonetta Persichetti, Estadão.com
Matéria de Simonetta Persichetti originalmente publicada no Estadão.com em 20 de outubro de 2010
2º Fórum Latino-Americano, no Itaú Cultural traz ainda mostra e oficinas
Questionar a identidade da fotografia latino-americana e o papel da própria fotografia dentro da sociedade contemporânea. Com esse mote começa hoje, no Itaú Cultural, o 2.º Fórum Latino-Americano de Fotografia. Sob o tema Fora de Casa, Fora do Eixo, Exílio e Migrações na Fotografia, durante quatro dias, 45 convidados participam de mesas de debates, workshops e leituras de portfólios. A ideia do debate surgiu após a verificação de, segundo o curador do evento Iatã Cannabrava, uma diáspora em relação à fotografia: "Com a expressão Fora de Casa, estamos falando de como, em pouco tempo, nossas origens se tornaram destinos (a diáspora europeia virou a diáspora latina)", diz. "Com Fora do Eixo, mudamos o foco da discussão para o campo dos meios e suportes. Nesse vaivém, estamos sempre tentando definir e redefinir uma fotografia latino-americana."
Num momento em que as ferramentas de produção e disseminação de imagem se tornam cada dia mais híbridas, levando-nos a refletir também sobre o conceito da própria imagem, os debates do Fórum pretendem defender a existência, sim, de um espaço fotográfico, que aumenta a cada ano, e checar a produção contemporânea: discussões que começaram a ser fomentadas na primeira edição do encontro, em 2007, quando pela primeira vez se tentou criar uma rede de intercâmbio entre fotógrafos, produtores culturais e curadores latino-americanos para discutir fotografia. Três anos depois, com a rede de intercâmbio já mais consolidada, as questões que definem a produção da nossa imagem são intensificadas por meio de depoimentos de fotógrafos como o cubano Alberto Morell, há anos radicado no Estados Unidos, ou o italiano Paolo Gasparini, que vive na Venezuela.
Além do Fórum, há também a mostra História de Mapas, Piratas e Tesouros, com curadoria de Eduardo Brandão e cocuradoria do coletivo Cia. de Foto. O título vem numa alusão lúdica: "Queria algo que fizesse sentido dentro do desenvolvimento da história da fotografia e discutir o sentido de imagem hoje."
Tesouro cultural. A questão dos mapas apareceu ao verificar que os fotógrafos, por meio de suas obras, procuram entender sua geografia e a cidade na qual haviam nascido. A noção de Tesouros se deu pela forma de apresentação dos trabalhos: "Com tecnologia digital, em vez do conhecido portfólio, muitos apresentam suas fotos já sob a forma de livro", explica Brandão. A palavra tesouro como cultura. E o termo Pirataria recoloca em cena a questão da apropriação e autoria tão discutida no campo das artes.
Como diz Iatã Cannabrava: "O fórum se assume como um espaço para discutir não só o lugar da fotografia, mas a existência de uma estética latino-americana."
outubro 19, 2010
Mamam recebe exposição de Tomie Ohtake por Eugênia Bezerra, Jornal do Commercio
Matéria de Eugênia Bezerra originalmente publicada no Caderno C do Jornal do Commercio em 18 de outubro de 2010
Uma das importantes artistas plásticas em atividade no Brasil veio do Japão para visitar o irmão. Impedida de voltar devido à Guerra do Pacífico, ela ficou no País. Fixou-se em São Paulo, casou, teve filhos e iniciou sua carreira artística por aqui. Parte desta produção está na primeira grande exposição individual de Tomie Ohtake no Recife. A mostra Tomie Ohtake – pinturas, esculturas, gravuras será inaugurada nesta segunda, às 19h, no Museu de Arte Moderna Aloisio Magalhães (Mamam). O evento é aberto ao público.
Esta exposição apresenta a trajetória da artista, que completa 97 anos em novembro, através das gravuras produzidas por ela (há obras de 1968 até hoje). O aniversário de Tomie será comemorado com outra mostra no instituto que leva o nome da artista, em São Paulo, com pinturas realizadas nos últimos meses.
Já a do Mamam faz parte do programa de mostras itinerantes do Instituto Tomie Ohtake. Há pinturas que pertencem a coleções particulares, três esculturas de parede feitas em ferro tubular (de 2009) e um painel de 10m x 2m. Esta grande pintura foi feita para a inauguração do instituto, em 2001, e será apresentada ao público pela primeira vez após dez anos.
Tanto nas pinturas quanto nas gravuras, nota-se como Tomie foi trabalhando a relação entre formas e cores ao longo do tempo. A geometria, as linhas curvas, frestas, formas orgânicas. Também é possível conferir exemplos do que ela vem produzindo em gravura desde os anos 1960, usando técnicas como serigrafia, litografia e gravura em metal. Em alguns trabalhos, ela alia desenhos a versos.
Há ainda experimentações com a própria forma das gravuras, que aparecem recortadas ou nas quinas das paredes. “São coisas que ela gosta de ficar inventando, assim como painéis e esculturas que brotam da parede”, resume o presidente do Instituto Tomie Ohtake, Ricardo Ohtake, um dos filhos da artista (o outro é o arquiteto Ruy Ohtake).
As gravuras recortadas e estas esculturas citadas por ele dialogam no Mamam, através dos volumes e sombras. Nas gravuras, Tomie recorta o papel, que é colocado em um vidro afastado da parede (a sombra projetada acaba fazendo parte do desenho).
A fértil produção de Tomie continua. Ricardo conta que a mãe trabalha todos os dias até as 18h aproveitando a luz natural. “Vi quando ela estava pintando o primeiro quadro, eu já tinha nove anos. Lembro perfeitamente disto. Foi aí que eu vi: ‘pô, ela desenha bem (risos)’”, recorda ele.
PARCEIROS - Esta é a segunda exposição da parceria entre o Mamam e o Instituto Tomie Ohtake. A primeira também aconteceu em 2010, com gravuras de Anna Letycia Quadros. “A gente queria há muito tempo (esta parceria), desde a época de Marcus Lontra e Moacir dos Anjos, são todos amigos. Mas não tivemos a oportunidade. Vamos ter outras ainda, não só no Mamam, mas também no Parque Dona Lindu. Niemeyer é amigo de Tomie, eles fizeram trabalhos juntos”, adianta Ricardo Ohtake. Segundo ele, entre os planos para o Dona Lindu está uma exposição sobre Charles Chaplin. Ele também afirma que, em fevereiro, eles devem levar o artista plástico Rodrigo Braga para uma exposição no instituto.
A parceria vai além da retrospectiva em si e conta com um Ateliê de gravura, gratuito, que começa no dia 22 de outubro.
TRAJETÓRIA - Tomie nasceu em Kioto (Japão) em 1913 e chegou ao Brasil em 1936. Desde que começou a pintar, por volta dos 40 anos de idade, ela já realizou cerca de 50 individuais e 85 coletivas. Atualmente, 27 obras públicas da artista estão espalhadas por cidades brasileiras.
O universo onde surgem suas criações é apresentado pelo texto de Marcy Junqueira no folder da retrospectiva: “Quando perguntam a Tomie Ohtake qual a sua profissão, ela prontamente responde: pintora. Afinal, são 60 anos de pensar e fazer pintura. Em seu ateliê, instalado em sua casa, telas, tintas, maquetes, estudos, desenhos, objetos e livros preferidos compõem a atmosfera de um mundo particular. Sobre a sua mesa de trabalho, de organização oriental, repousam cartolinas recortadas, esboços e arames, que serão transformados mais tarde em gravuras e esculturas, suportes que a artista domina ao lado de sua arte seminal, a pintura”.
O americano que provoca na bienal por Antonio Gonçalves Filho, Estadão.com
Matéria de Antonio Gonçalves Filho originalmente publicada no Estadao.com em 19 de outubro de 2010
A sala de Jimmie Durham é quase um museu etnográfico sobre São Paulo, que critica os emergentes da metrópole
O artista norte-americano Jimmie Durham é um cidadão do mundo, que tanto trabalha em Roma como em Berlim. Aos 70 anos, ele participa da 29.ª Bienal de São Paulo com uma instalação provocadora, Bureau for Research into Brazilian Normality, em que reúne fragmentos da cidade de São Paulo. Sua sala se assemelha a um museu etnográfico em que, irônico, ridiculariza a americanização do paulistano médio que consome café nas lojas da rede Starbucks. Nesse museu cabem anotações dessa sua pesquisa feita na maior metrópole brasileira. Nelas, sobram inclusive críticas aos nomes extravagantes dos condomínios residenciais de emergentes em busca da legitimação social. Sobre sua obra, Durham concedeu uma entrevista exclusiva ao Caderno 2.
Sua obra na Bienal é uma pesquisa antropológica sobre o modo de vida do brasileiro. Em sua opinião, qual é a característica mais forte do povo?
A passividade, a indiferença mais completa sobre o genocídio indígena. Os brasileiros, nesse ponto, não são muito diferentes dos canadenses, americanos, chilenos ou outros cidadãos das Américas. Ainda assim, é chocante. O Brasil é mais ou menos parecido com os EUA no que diz respeito à constante defesa do genocídio como uma condição para o desenvolvimento da nação.
Há alguns anos você enviou uma carta aberta à Bienal denunciando a situação das tribos indígenas. O que pensa sobre a ausência de artistas de tribos indígenas na mostra?
De fato, fui convidado há alguns anos pela Fundação Bienal para fazer uma palestra sobre o assunto e cheguei a escrever uma carta aberta. Há muito bons artistas de tribos indígenas, especialmente do Canadá e México. Do Canadá temos Edward Poitras, Rebecca Belmore, Fay Heavyshield, Kent Monkman. Do México, Minerva Cuevas, Daniel Guzman, Cisco Jimenez e Abraham Cruzvillegas. Não seria maravilhoso se a próxima bienal tivesse curadores e artistas indígenas? Seria uma bienal para acabar de uma vez com o velho mundo.
O tema desta Bienal é a relação entre arte e política. Quais obras lhe chamaram mais atenção na mostra?
Há muitos trabalhos de que gosto na Bienal, mas sou ruim para guardar nomes. Há um belo curta sobre racismo e opressão que, se não estou enganado, é de Artur Barrio e foi feito nos anos 1970. Lembro bem da música, sinistra e alegre ao mesmo tempo. O trabalho de Barrio vai além da confortável familiaridade que a arte oferece. É muito sincero. Adorei o trabalho de Maria Thereza Alves (somos parceiros há 32 anos). Também gostei de conhecer as obras de Nastio Mosquito e Kimathi Donkor. De modo geral, gosto mais da arte dos velhos artistas: Gustav Metzger, Anna Maria Maiolino e Jacobo Borges. Infelizmente, não vi o trabalho de Cildo Meireles acabado, mas admiro sua obra.
São Paulo é uma cidade muito americanizada e você colocou em sua instatação elementos que comprovam essa forte influência dos Estados Unidos. Quais são suas impressões sobre o diálogo entre a cultura brasileira e a americana em termos artísticos?
O mundo todo parece copiar os americanos, de uma maneira ou de outra, especialmente no campo artístico. Eu atribuo essa influência à falta de discurso intelectual e identifico sua marca no gesto rápido, geralmente denunciador da falta de conteúdo. O dinheiro fala e, ao que parece, é o interlocutor principal nesse diálogo.
Você diz que, para alguém ver Deus, é preciso olhar como Ele se mostra. No Brasil, você diz, de maneira irônica, que Ele talvez se mostre pela televisão. Qual é sua visão particular de Deus?
Qualquer conceito de deus ouvido ou lido por mim é um insulto à vida. Não sou religioso, mas muitas pessoas que me observam imaginam que sim, porque eu falo com pedras, animais, pedaços de pau e objetos que se tornaram pobres órfãos. Há um espírito e há espíritos. Não sei o que quero dizer com isso. Importa apenas que a cada instante há apenas um modo correto de agir.
A São Paulo Fashion Week, com seus desfiles também realizados no prédio da Fundação Bienal, recebeu comentários seus no catálogo da mostra. Há mesmo uma relação promíscua entre arte e moda neste século?
Quase ninguém mais se veste bem. Tenho um amigo índio de El Salvador que quer fundar um nightclub temático para homenagear os elegantes. Seus exemplos são Emiliano Zapata, Augusto Sandino e Lampião. Felizmente, ainda temos a boa e regeneradora arte. Ela apenas não é tão visível como as tolices que se fazem atualmente. O dinheiro corrompe tudo.
outubro 18, 2010
Galeria Olido abre exposição de arte com tecnologia, Estadao.com
Matéria originalmente publicada no Estadao.com em 18 de outubro de 2010
Secretaria Municipal de Cultura quer reposicionar o espaço num segmento mais descolado
Aberta em 2004, a Galeria Olido (SP) sempre teve um perfil conservador quando o assunto era arte. São lugares específicos para exposições, danças, teatro e cinema. Cada qual no seu lugar. Mas sua localização, a menos de 50 metros da Galeria do Rock, lhe proporciona uma oportunidade de atingir um público mais jovem, mais aberto a novas tendências. É essa a intenção de Nany Semicek, diretora de programação da Secretaria Municipal de Cultura: reposicionar a Galeria Olido num segmento mais descolado, incluindo a nova linguagem da tecnologia na arte.
"Temos uma programação muito clássica, um espaço da dança, um de música, um de cinema. Em nenhum momento, trazemos a arte para o público da Galeria Olido. Não havia essa inclusão de uma nova tecnologia, nem sobre interação entre as linguagens", analisa Nany Semicek. E o primeiro passo para o reposicionamento da Galeria começou ontem, com a inauguração de duas exposições que misturam arte e tecnologia de maneira bastante interativa. "Life on Line of Line" e "Jovens Talentos" reúnem, num mesmo lugar, uma das maiores artistas brasileiras de artes em novas mídias, Martha Gabriel, e estudantes interessados em criar formas de arte utilizando plataformas eletrônicas.
Martha Gabriel, 48 anos, apresenta quatro obras suas, sendo que três delas ("Locative Painting", "Sensitive Rose" e "My I?") interagem com o público por meio de um celular com internet. Aqueles que não tiverem um aparelho habilitado poderão utilizar um celular disponibilizado pelas monitoras que ajudarão os usuários. A quarta e última obra, "Mobile Quest", é um trabalho de arte digital que resultou numa imagem de espiral, formada após uma corrida no Sesc São Carlos, em abril. Martha programou o computador para capturar os dados de tempo dos corredores, transformando-os numa pintura digital. Cada risco representa um atleta.
Já "Sensitive Rose" foi premiada na Bienal de Florença, na Itália, em 2009, e tem como proposta fazer com que as pessoas exponham por meio do celular. Na rosa dos ventos virtual, o que a faz girar é o sentimento daqueles que interagem com ela. A artista questiona aqueles que dizem que arte digital não é a mesma arte que um quadro do Renascimento, por exemplo. "A arte sempre usou a tecnologia disponível para existir. Isso é assim desde o tempo das cavernas. As pessoas usavam instrumentos que precisaram de alguma técnica para existir. Era o mesmo com as pinturas renascentistas ou impressionistas", explica. "Usar o computador é exatamente o mesmo que usar um pincel", observa Martha. Para completar o acervo de arte digital, a exposição "Jovens Talentos" expõe nove obras de artes tecnológicas dos alunos da Universidade Anhembi Morumbi.
Zumbido forte por Angélica de Moraes, Istoé
Matéria de Angélica de Moraes originalmente publicada na Istoé em 8 de outubro de 2010
Funciona assim: nos anos em que há Bienal de São Paulo, as principais galerias paulistanas se reúnem para organizar uma ampla amostragem de obras dos artistas que representam. Para estabelecer algum nexo nesse universo de individualidades artísticas, é convidado um curador. Cabe a ele conciliar costuras visuais e estéticas com o fato incontornável de elencar artistas de todas as galerias do evento. Sem atrapalhar as razões do mercado. Um pressuposto desconfortável que – assim como aquele besouro de asas curtas e corpo pesado – consegue voar, apesar das leis da aerodinâmica. Com zumbido forte, que chama a atenção.
Em sua quinta edição, a Paralela tem o título “A Contemplação do Mundo” e reúne trabalhos de 82 artistas de 13 galerias. O curador é Paulo Reis, coeditor da revista e editora de arte Dardo. Reis tomou emprestado de um livro do sociólogo francês Michel Maffesoli o título para sua curadoria. Peso extra adicionado ao corpo do besouro. As teses sociológicas resultam postiças ao conjunto. Como sempre, a salvação se dá pela qualidade individual dos trabalhos. Como sempre, os bons artistas são as asas do besouro/Paralela.
Embora o recorte não traga arte eletrônica ou em novos meios na proporção presente hoje no circuito internacional, traz bons exemplos delas. É o caso da obra “Puxadinho II”, de Lucas Bambozzi. Mariana Manhães e suas engenhocas é um ponto alto, assim como a máquina low-tech de Paulo Nenflídio. Manhães e Nenflídio se inscrevem em tendência bem representada na Paralela: a sound art, arte construída com sons e que envolve muitas hibridizações (poesia, arte conceitual, instalação). “Acusma” (foto), do grupo Chelpa Ferro (formado pelos artistas Barrão, Luiz Zerbini e Sergio Mekler), em versão reduzida daquela que foi exibida em 2008 no Museu de Arte da Pampulha (BH), é outra ótima sound art na Paralela. Milton Marques traz um objeto excelente e Mariana Palma ótima pintura. A montagem, arejada e bem modulada, é das melhores da história do evento.
Entre a arte e o cativeiro por Paula Alzugaray e Nina Gazire, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray e Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 8 de outubro de 2010
Cercada de manifestos e polêmicas, a instalação "Bandeira Branca", de Nuno Ramos, com seus urubus, reacende antiga questão sobre a presença de animais em obras de arte
Graças aos seus três urubus, a obra “Bandeira Branca” é o acontecimento mais movimentado dessa 29ª Bienal. No dia da abertura, em 25 de setembro, manifestantes de ONGs de proteção aos animais se posicionaram diante da instalação segurando cartazes com dizeres que pediam a libertação das aves. Chegaram a ser confundidos com a própria obra. “Me entristece o fato de que apenas os animais estejam sendo ressaltados. Espalharam informações erradas sobre como os urubus estão sendo tratados”, lamenta Nuno Ramos. Na obra, os urubus estão cercados por uma rede de proteção e têm como poleiro várias caixas de som que, de tempos em tempos, tocam uma tradicional marchinha de Carnaval. “Essa cerca delimita o espaço do público, não o dos urubus, que estão em destaque e tomam conta da Bienal”, diz o artista, que define seu trabalho como um “antipenetrável”. Mas isso só até a obra ser invadida e pichada com a frase “Libertem os urubu” (assim mesmo, no singular), por um homem que rasgou a rede de proteção no dia da abertura. Monitorados diariamente por uma equipe, os pássaros nasceram em cativeiro e foram criados no Parque dos Falcões, que cuida de aves usadas para fins educacionais. Até então, tinham a permanência na Bienal autorizada pelo próprio Ibama, que na sexta-feira 1º de outubro voltou atrás, alegando que as instalações estavam inapropriadas para a manutenção dos animais. Até a terça-feira 5, a Bienal não havia se posicionado sobre a eventual retirada das aves.
Outro caso de restrição atinge a exposição “Museu É o Mundo”, de Hélio Oiticica, no Rio, que teve a instalação do penetrável “Tropicália” vetada pela prefeitura da cidade. Uma lei municipal proíbe a apresentação de animais em cativeiro. “Ao montarmos a “Tropicália” em São Paulo, gastamos dinheiro para manter os animais dentro das exigências do Ibama. Não estamos explorando os animais, já que são criados em cativeiro. Além do mais, a exposição é gratuita e tem a mesma função de um zoológico”, diz o curador Cesar Oiticica Filho, argumentando que a lei foi aplicada erroneamente, já que se refere à exploração de animais retirados de habitats naturais.
Ambos os casos, o penetrável de Oiticica ou o “antipenetrável” de Nuno Ramos, remetem a antigas polêmicas. Na instalação “Sem Título (12 Cavalos)”, de 1969, o artista grego Jannis Kounellis expôs cavalos vivos dentro da Galleria L’Attico, em Roma. O artista foi um dos representantes do movimento arte povera (em italiano significa arte pobre), que na década de 1960 buscava, com o uso de materiais cotidianos, romper com os processos industriais, mostrando, assim, o empobrecimento de uma sociedade voltada ao acúmulo de riquezas materiais. Outro caso clássico teve como protagonista o alemão Joseph Beuys, que em 1974 embarcou em um avião de Berlim rumo a Nova York e desembarcou direto em uma ambulância que o levou paraa René Block Gallery. Lá permaneceu isolado por alguns dias com um coiote. Vivo, é claro. “Beuys conseguiu inverter o dentro e o fora. Será que essa experiência não valeu?”, comenta o artista Nuno Ramos.
Em 1967, Cildo Meireles colocou um canarinho-belga dentro de uma gaiola na instalação “Desvio para o Vermelho”. Atualmente, montada no Instituto Inhotim, em Minas Gerais, a obra tem, em vez de um só canarinho, quatro aves que se revezam entre si. Quando não estão em cena, elas descansam em um viveiro e se alimentam com ração natural à base de betacaroteno para manterem a penugem na cor vermelha. Mas o artista é lembrado menos pelos canários que pela performance “Tiradentes: Totem-Monumento ao Preso Político”, de 1970, em que, em protesto contra a ditadura, realizou um ritual de queima de dez galinhas vivas durante um evento de arte em Belo Horizonte. “Jamais faria aquilo de novo, mas naquela época o que estava em jogo era a vida humana. Para você ter ideia, um representante de uma organização em prol dos animais estava presente e me parabenizou pelo trabalho”, lembra o artista.
Denúncias e proibições à parte, tanto a obra de Oiticica quanto a de Nuno Ramos ganham sentido e fundamentação apenas na presença dos animais. Sem eles, as obras perdem seu estatuto artístico e viram meros cenários, já que os animais são seus principais atores.
“A natureza é uma construção humana. Se o cativeiro é o grande problema, então temos que repensar toda a nossa alimentação e o modo como lidamos com os animais em todas as esferas”, afirma Nuno Ramos.
Bandeira branca, amor por Nuno Ramos, Folha de S. Paulo
Matéria de Nuno Ramos originalmente publicada na Ilustríssima da Folha de S. Paulo em 17 de outubro de 2010
Em defesa da soberba e do arbítrio da arte
Procurei intencionalmente matar três urubus de fome e de sede no prédio da Bienal de São Paulo. Pus ali imensas latas cheias de tinta escura, para que se afogassem, além de espelhos, para que batessem a cabeça durante o voo. Construí túneis de areia preta, para que entrassem sem conseguir sair, morrendo ali dentro. E, para forçá-los a voar, costumo lançar rojões em sua direção.
ACUSAÇÕES
Como nos pesadelos ou nos linchamentos, não é possível responder a acusações desta ordem, que circularam pela internet e no boca a boca com força insaciável nas últimas três semanas, criando um caldo de cultura próximo à violência e à intimidação. Como resultado disso, em plena Bienal, entre faixas pedindo que eu fosse preso, meu trabalho foi atacado por um pichador, que driblou a segurança, rasgou a tela de proteção aos bichos e danificou uma das esculturas de areia.
Fomos cercados, eu e minha mulher, por militantes ecologistas, que nos xingavam e gritavam do outro lado do vidro do carro, a boca em câmera lenta, "a-li-men-ta-e-les!" -o que, claro, já havia sido feito naquele mesmo dia. Barbara Gancia, colunista da Folha, chegou a pedir, utilizando um imaginário de repressão militar ou de milícia fascista, que eu fosse colocado de cuecas contra um muro e submetido a uma ducha com as mangueiras para incêndio do corpo de bombeiros.
Ingrid E. Newkirk, presidente da organização não governamental Peta [pessoas pelo tratamento ético de animais, na sigla em inglês], num artigo feroz, publicado na Folha em 8/10, encontra apenas o que pressupõe desde o início: que eu quero aparecer (ela, não? alguém duvida que um dos temas da polêmica é justamente a disputa pelo espaço na mídia?); que sou (os termos são dela) cruel, "bad boy", sem compaixão e produtor de arte de má qualidade. Como não há argumentos e o raciocínio é circular, tudo retorna à ilibada consciência da articulista.
A notícia atravessou fronteiras raras para questões envolvendo arte (horários insuspeitos em todos os canais de TV, cadernos de jornal pouco afeitos à cultura e nas mais diversas regiões do país), passando a assunto de bar e padaria. Os urubus, definitivamente, haviam conseguido escapar e, para usar os versos de Augusto dos Anjos, pousaram na minha sorte.
TOM
Frequento uma área da cultura afastada dessa luz radioativa, e não quero errar o tom. Começo este texto, portanto, fazendo a minha lição de casa: o que quer que tenha acontecido, aconteceu por meio das instituições. A licença do Ibama de Sergipe, que permitiu o transporte e a exposição dos animais, era legítima e dentro de parâmetros absolutamente legais, bem como sua cassação pelo Ibama de Brasília.
Tentamos, eu e a Fundação Bienal, que me apoiou de todos os modos possíveis em defesa do meu
trabalho, uma liminar na Justiça e perdemos. Acatamos e tiramos, no mesmo dia em que a decisão liminar saiu, as três aves. Sinto-me coibido, injustiçado e chocado com tudo isso, mas não posso dizer que fui censurado. E por entender que a forma que destruiu meu trabalho ao tirar as três aves é legítima, quero divergir completamente dela.
Como quase nenhuma informação sensata circulou, tenho primeiro que dizer o óbvio:
1) As aves que utilizei em meu trabalho são aves nascidas em cativeiro, e não sequestradas ao habitat natural; é para este cativeiro que voltaram (e onde estão neste momento), quando foram "soltas" do meu trabalho;
2) Pertencem ao Parque dos Falcões (criadouro conservacionista que funciona com autorização do Ibama, realizando atividades educacionais e pedagógicas, pelo Brasil inteiro, com aves de rapina), que as mantêm em exposição para o público, como num zoológico;
3) Estas mesmas três aves participaram em 2008 de uma versão bastante similar deste trabalho, no Centro Cultural Banco do Brasil de Brasília, durante dois meses, adaptando-se perfeitamente ao espaço e sem nada sofrer, com plano de manejo aprovado pelo mesmo Ibama;
4) As aves foram adaptadas ao espaço da Bienal antes do início da mostra, com a presença do veterinário responsável por elas e de um tratador;
5) Esse tratador, o mesmo que cuida delas em Sergipe, ficou permanentemente com elas durante todo o tempo de exibição das aves ao público, literalmente abrindo e fechando a mostra:
6) Eram alimentadas por ele todas as manhãs, em quantidade e frequência estipuladas pelo plano de manejo;
7) O volume das caixas de som foi controlado, sendo mantido numa altura bastante inferior ao do murmúrio do público, para evitar estresse aos bichos;
8) O plano de manejo das aves, aceito pelo Ibama de Sergipe, foi revogado, já no meio da polêmica, pelo Ibama de São Paulo -mas sem recomendação de cassação. O que o laudo técnico, sério e sisudo do Ibama de São Paulo solicitava eram ajustes -basicamente, que desligássemos uma das caixas de som e que instituíssemos banhos de luz ultravioleta todas as manhãs, para suprir a falta de luz solar direta sobre os bichos (embora a luz do dia banhasse o espaço). Oferecia, ainda, uma licença de 15 dias, a ser prorrogada de acordo com a avaliação periódica sobre o bem-estar dos animais. O Ibama de Brasília, que, sob pressão política e midiática, determinou arbitrariamente a saída das aves, em desacordo com o laudo do Ibama de São Paulo, travou o que parecia ser um processo rico de colaboração entre técnicos sérios, com conhecimento sobre os animais, e um trabalho de arte;
9) Obtivemos laudo favorável do Departamento de Parques e Áreas Verdes da Prefeitura de São Paulo;
10) Técnicos do setor de aves do Zoológico de São Paulo, em vistoria ao trabalho, não manifestaram qualquer crítica específica ao manejo das aves -fiquei sabendo nesta visita, inclusive, que a jaula dos urubus era bem maior que qualquer jaula do zoológico, inclusive a do condor.
EXPIAÇÃO
Por que, então, tanta confusão? Que é que está sendo expiado aqui?
Para começo de conversa, e como aproximação ao problema, quero lembrar que "Bandeira Branca" não é um trabalho de ecologia, nem eu sou especialista em aves de rapina, assim como "Guernica" de Picasso não é apenas um trabalho sobre a Guerra Civil Espanhola, nem Picasso um historiador. Por isso utilizei os serviços de uma entidade ecológica, o Parque dos Falcões, e obtive, tanto na montagem em Brasília, em 2008, quanto em São Paulo, autorização do órgão legal em meu país para esses assuntos.
Ou a lei não vale para todos? Tratar meu trabalho como crime e a mim como criminoso é fazer o que fazia a direita franquista, ao chamar "Guernica" de quadro comunista, ou a aristocracia francesa da segunda metade do século 19, quando ameaçava retalhar a "Olympia", de Manet, em nome dos bons costumes.
O que me foi negado com a criminalização do meu trabalho foi a possibilidade de um sentido -o sequestro, digamos, de qualquer sentido que ele pudesse propor. E é contra isso, mais do que contra a boataria e a calúnia, que escrevo hoje.
VALORES
Arte não cabe nos bons nem nos maus valores, por mais confiança que se tenha neles. Dela emana um signo aberto, para isso foi inventada, para que fanatismos como os que ouvi nessas últimas semanas não circunscrevam completamente o possível da vida. Claro que ninguém está acima da lei, e, repito, cumprimos, artista e instituição, rigorosamente a legislação ambiental brasileira -mas é a possibilidade de pensar diferente que está sendo criminalizada aqui.
Artistas extraordinários como Joseph Beuys (por sinal, fundador do Partido Verde na Alemanha), Jannis Kounellis, Hélio Oiticica, Nelson Felix, Tunga, Cildo Meireles, utilizaram animais em suas instalações.
Provavelmente o trabalho de Beuys que inclui um coiote ("I Love America and America Loves Me") seja, sem nenhum favor, uma das mais importantes obras de arte do século 20.
"Tropicália", de Hélio Oiticica, que tem araras vivas em seu interior (curiosamente, exposta há poucos meses, com as aves, no prédio do Itaú Cultural de São Paulo, na avenida Paulista, sem despertar qualquer polêmica), é um trabalho fundamental para a compreensão do que somos e do que queremos ser. Negar o que estes artistas conseguiram com seus trabalhos -uma oxigenação radical de nosso imaginário- tratando-os como criminosos certamente seria regredir a épocas de triste memória.
Posso entender quem seja contra bichos em cativeiro. Seria interessante exigir um pouco de coerência dessa posição -ou seja, vegetarianismo radical, já que a quase totalidade da carne que comemos vem de animais em cativeiro, fechamento de todos os zoológicos, jóqueis-clubes, fazendas com animais para monta e, ainda, requalificação geral de nossas relações com bichos domésticos. Mas, mais do que coerentes, gostaria que fossem suficientemente democratas para aceitar que nem todos pensem como eles, nem todos se deem o lugar de xamãs, em contato íntimo com os desejos e sensações dos animais, e que dentro das regras públicas legais de cada país o acesso a esses animais possa se dar sem histeria nem calúnias.
BANDEIRA BRANCA
Como nada ou quase nada se falou sobre o trabalho, peço licença para interpretar o que eu próprio fiz, partindo de uma breve descrição. "Bandeira Branca" (este título, no meio de um bombardeio desses, é dessas coisas que só a arte explica) foi montado pela primeira vez há dois anos, no CCBB de Brasília, e agora, ampliado e modificado, recebeu uma segunda versão, especialmente para a 29ª Bienal.
O trabalho consiste em três enormes esculturas de areia preta pilada, foscas e frágeis, a partir de cujo topo, feito de mármore, três caixas de som emitem, em intervalos discrepantes, as canções "Bandeira Branca" (de Max Nunes e Laércio Alves, interpretada por Arnaldo Antunes), "Boi da Cara Preta" (do folclore, por Dona Inah) e "Carcará" (de João do Vale e José Candido, por Mariana Aydar). Três urubus vivem na instalação durante toda a duração do trabalho.
O resultado é uma cena solene, entre a litania e a canção de ninar, que me parece ter cavado, em sua montagem em São Paulo, uma espécie de buraco negro no prédio da Bienal. Acho que o vão do prédio, uma das obras mais felizes de Niemeyer, com sua velocidade e otimismo, ganhou com meu trabalho um contraponto ambivalente, noturno e encantado, triste mas também próximo do mundo dos contos de fada.
Há uma espécie de espiral ascendente no trabalho, que se desmaterializa conforme o espectador sobe a rampa do prédio e as pesadas colunas de areia se transformam na geometria de quem vê as esculturas de cima. Feito primeiro de areia, depois de mármore, depois de vidro, depois de som, depois de voo, o trabalho faz em seu percurso o mesmo que as aves, num ciclo que a chuva de fezes brancas, caindo sobre as peças e sobre o chão, inicia novamente.
ANTIPENETRÁVEL
Mas o ponto crucial, acho eu, é que, apesar da monumentalidade do trabalho e da textura inacabada da areia, que solicitam o corpo do espectador, o público é mantido fora da obra, numa espécie de antipenetrável. A obra de certa forma já foi ocupada, já tem dono e por isso não podemos nos aproximar. A noite, as canções e os urubus são seus donos, e ao público resta assistir de fora a alguma coisa viva, que não precisa dele.
As canções e os bichos, forças ascensionais contra a inércia e o peso das esculturas, já tomaram conta da obra e a tela de proteção, que materializa o desenho do vão do prédio, marca essa passagem entre um exterior institucional e um interior ativo, fechado em si, mistura de cultura (canções), natureza (os urubus) e arquitetura.
As aves e as canções dão ao trabalho o seu agora, uma duração voltada para algo indiferente ao mundo lá fora. Daí que muita gente tenha me dito que se sentia observado pelas aves e não observador, dentro da grade e não fora dela. E que no meio de tanto tumulto, com certeza as três aves pareciam as únicas tranquilas.
Esta atividade interna autossuficiente está no coração deste trabalho e me acompanhou ao longo da balbúrdia destes dias difíceis. Fico feliz de perceber que de certa forma o trabalho já pressupunha isso, falava disso e defendia-se exatamente disso -queria estar consigo e não conosco, longe da barulheira que no entanto causava.
AUTOSSUFICIÊNCIA
Em vez da atividade do espectador, própria de tantas das melhores obras modernas, e que encontrou entre nós uma formulação extrema na ideia dos "Penetráveis" de Hélio Oiticica, a arte contemporânea parece estar se voltando para dentro, numa autossuficiência renitente.
Não é o lugar para desenvolver isto, mas, para dar dois exemplos memoráveis, acho que as "Elipses", de Richard Serra, apoiadas em si mesmas e não mais nas paredes das instituições, ou "O Ciclo Creamaster", de Matthew Barney, com suas infinitas dobras e relações internas, partilham esta característica. Meu trabalho acompanha de certa forma essa direção.
A institucionalização crescente da arte trouxe para junto dela uma pletora de discursos institucionais, todos perfeitamente centrados, seguros de si e disputando espaço na mídia e nas oportunidades orçamentárias.
Isso vem, talvez, do estilhaçamento das grandes noções universais que acompanharam a formação do mundo moderno: política, religião, burguesia, proletariado, luta de classes, direita, esquerda etc.
Com a quebra dessas noções universais, os particulares (ecologia, minorias étnicas, minorias sexuais etc.) firmaram-se, cheios de si, pontudos, zelosos de suas verdades. A arte talvez seja a última experiência universalizante, ou ao menos não simétrica à discursividade do mundo, e acho que tende a ser cada vez mais atacada, toda vez que discrepar, como soberba e como arbítrio. Mas penso que é isso mesmo que ela deve manter: sua soberba e seu arbítrio, para que possa continuar criando.
DESFAÇATEZ
Pois isso para mim foi o mais impressionante de tudo: a absoluta incapacidade, digamos, interpretativa de quem me atacou, a recusa de ver outra coisa, de relacionar o sentimento de adesão ou de repulsa que meu trabalho tenha causado com qualquer coisa proposta por ele, em suma, a desfaçatez com que foi usado como trampolim para um discurso já pronto, anterior a ele, que via nele apenas uma possibilidade de irradiação.
Para isso, é claro, o principal ingrediente é que fosse tomado de modo absolutamente opaco e literal, espécie de cadáver sem significação. Para que possa ser veículo estrito de discursos e de grupos, sem que utilize seus recursos, digamos, naturais (sedução, desejo, ambivalência), o trabalho de arte tem de estar, de fato, desde o início definitivamente morto. Daí, creio, a ferocidade com que fui atacado -uma espécie de operação higiênica preventiva, para impedir que qualquer germe de espanto, ambiguidade, beleza, estupor, pudesse aparecer, desqualificando o desejado consenso.
No fundo, acho que a frase famosa de Frank Stella, que jogou uma pá de cal nas ilusões subjetivas de começos dos anos 60 e inaugurou as poéticas minimalistas que duram até hoje, "What you see is what you see" ("O que você está vendo é o que você está vendo"), parece ter migrado da arte para o mundo. A literalidade das obras de um Carl Andre ou de um Donald Judd transferiu-se inteira para as instituições e para o público.
Por isso talvez caiba hoje à arte a tarefa bastante simples, mas tão difícil, de dizer exatamente o contrário: "O que você está vendo NÃO é o que você está vendo". Ou seja, sonhar. Ou, como diz a letra da canção, "Bandeira branca, amor".
Pichações e urubus por Lorenzo Mammí, Folha de S. Paulo
Matéria de Lorenzo Mammí originalmente publicada na Ilustríssima da Folha de S. Paulo em 17 de outubro de 2010
Cultura é regra, arte é exceção
Enquanto escrevo, os três urubus que compunham a obra "Bandeira Branca", de Nuno Ramos, já foram retirados da 29ª Bienal de São Paulo. Toda Bienal traz alguma polêmica que não é propriamente estética, e que acaba ocupando nos jornais um espaço equivalente ou maior do que aquele das resenhas críticas.
É normal, por se tratar de um evento de massa baseado em obras que não falam uma linguagem de massa. Em geral, são discussões que acabam tendo certa relevância, porque ajudam a avaliar o grau de aceitação que a arte contemporânea tem junto à opinião pública. Este caso, no entanto, me parece mais grave.
Na realidade, não é apenas de urubus que se trata. Já antes da Bienal, o autor da pichação, Djan Ivson, declarava ao repórter Diógenes Muniz que Nuno Ramos não teria direito de falar do "lado sombrio do Brasil", porque é um "burguês formado em faculdade" (folha.com/ilustrissima, 17/9).
Em 1º de outubro, a colunista da Folha Barbara Gancia sugeriu colocar o artista contra uma parede e lavá-lo com uma mangueira. E Ingrid Newkirk, presidente da organização não governamental para o tratamento ético dos animais (Peta) -a única, me parece, a ter uma motivação séria- falou na Folha (8/10) em obras criadas "unicamente com o intuito barato de chocar", esquecendo que quem criou o escândalo não foi o artista.
REAL
É óbvio que o mote "Liberte os urubus" não corresponde a nada de real: esses urubus nasceram em cativeiro, no Parque dos Falcões, em Sergipe, e para lá voltaram, para um espaço bem menor do que lhes era destinado na Bienal. É igualmente óbvio que nem eu nem a maioria dos envolvidos temos a menor ideia do que possa estressar um urubu. O laudo do Departamento de Parques e Áreas Verdes da Prefeitura de São Paulo não detectou nenhum sinal de estresse, o veterinário que acompanhava os bichos se manifestou no mesmo sentido.
O juiz que chancelou definitivamente a remoção o fez com base no princípio de que se pode revogar uma licença já concedida quando foram detectadas novas irregularidades. Não foi divulgado, que eu saiba, quais seriam essas novas irregularidades, nem se a direção da Bienal ou o artista se recusaram a corrigi-las. Aliás, a obra não é nova: já tinha sido exposta em Brasília, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), sem nenhum questionamento por parte dos órgãos responsáveis.
Se os espaços públicos brasileiros adotassem as regras propostas pela presidente da Peta, não poderiam ser expostas obras de arte que envolvam o uso de animais vivos. Ficariam fora muitos trabalhos importantes de Joseph Beuys, Jannis Kounellis e outros. Mas os filmes de John Ford, por exemplo, envolvem uso de cavalos vivos e ninguém sonharia em proibir sua exibição. Se a presença de animais num filme ou numa publicidade parece normal, é porque ali o bicho está "atuando", representando algo.
Numa obra de arte, ao contrário, o animal é apenas ele mesmo. Para nós, que estamos acostumados a frequentá-lo apenas sob forma de hambúrguer ou sendo penteado na vitrine de um pet shop, uma presença tão nua é vagamente inquietante. Somos levados a transferir para ele um desconforto que provavelmente é apenas nosso.
Mas se a destruição ou mutilação de uma obra de arte é determinada por motivações tão confusas e erráticas, é porque a obra é considerada irrelevante e arbitrária. Não se reconhece a ela o direito de nos incomodar.
CONSENSOS
Coco Chanel definiu assim a diferença entre arte e moda: a moda é o belo que se torna feio, a arte é o feio que se torna belo. Com isso queria dizer, acredito eu, que a moda parte de um consenso que se pretende natural, mesmo sendo construído artificialmente (este ano a moda é...); mas esse consenso deve ser rapidamente substituído (a moda do ano passado está fora de moda, deixou de ter valor).
A arte, ao contrário, especialmente a partir do modernismo, é a construção de um consenso sobre algo que não é óbvio de antemão. Para que uma obra de arte se torne relevante, é preciso que um grupo consistente de pessoas a insira num sistema de valores em que, à primeira vista, ela não deveria estar. Cada inclusão comporta a modificação do sistema inteiro.
Quando os quadros impressionistas passaram do estatuto de borrões ao de obras-primas, mudou o perfil das molduras, o mercado da arte, o colecionismo, mas também a maneira de olhar para as periferias urbanas, os "café-chantants", os circos, os bêbados e as putas. A arte exerce constantemente o papel de apontar para valores futuros, transgredindo os vigentes. É uma das formas que nossa civilização encontrou para se renovar.
Nuno Ramos é artista do caminho mais difícil, o que escolhe a solução menos esperada, a mais arriscada comercial e tecnicamente. Isso tornou sua carreira mais lenta, pelos parâmetros do mercado da arte, mas acabou tornando-o referência. Olha-se para a obra do Nuno não para saber o que se deve, mas o que é possível fazer.
É por isso, acredito, que a curadoria da Bienal lhe destinou o vão central do prédio. Mas é também por isso, por ser um artista atípico e imprevisível, que nele se concentraram os ataques.
NICHOS DE TRANSGRESSÃO
Na medida em que a sociedade perde a capacidade de transgredir a si mesma, de criticar seus procedimentos e valores, obras de arte que não caibam em categorias claras ou princípios já estabelecidos passam a ser vistas como provocações vazias. Em compensação, criam-se nichos de transgressão estandardizada, que não chegam a questionar valores universalmente compartilhados, mas apenas se instalam dentro deles, num lugar previamente destinado à rebeldia.
Há quase 30 anos, o rap surgiu como manifestação promissora de novos sujeitos sociais. De lá para cá, se tornou o setor mais lucrativo da indústria discográfica, mas parece incapaz de se renovar. Sua linguagem é de slogan, do "nós contra eles". Na música popular tradicional, o cantor era alguém fora do comum não apenas em relação à cultura oficial, mas também ao seu próprio grupo. O rap não evolui porque não permite esse tipo de distanciamento: não deixa espaço à autocrítica, à ironia ou ao desespero. Não seria capaz de produzir um Noel Rosa ou um Nelson Cavaquinho. Vale para ele o que o protagonista do filme "Uma Mente Brilhante" (de Ron Howard, 2001) diz da menina que lhe aparece em suas alucinações: não pode ser real, porque tem sempre a mesma idade.
PICHAÇÃO
O caso da pichação me parece semelhante. Os rabiscos que se veem nos muros da cidade são interessantes, embora alguns deles -como a suástica inserida numa estrela de davi, que recorre como vinheta no vídeo exposto na Bienal- proporcionem um calafrio na espinha.
Chamam-me a atenção, no entanto, os espaços escolhidos para as pichações. Mesmo antes da Lei da Cidade Limpa, raramente atacavam mensagens publicitárias: preferem as paredes brancas, ou então a obra de grafiteiros, que são seus concorrentes imediatos.
Numa sociedade de comunicação de massa, que tende a anular o silêncio, a pichação preenche, no fundo muito docilmente, os vazios. O inimigo não é o sistema, mas o vizinho, cujo espaço pode ser ocupado. E se antes o concorrente, nessa ocupação, era o grafiteiro, agora, com ambição maior, passa a ser o artista.
Quando uma obra de arte original é inserida num sistema de valores, é preciso repensar o sistema inteiro. Para a pichação, como antes para o grafite, isso não é necessário. É suficiente acrescentar mais um setor, sem interferir nos demais. Logo os pichadores terão suas associações, editais e linhas de financiamento do governo. Elegerão vereadores. Quando sua linguagem se tornar muito gasta, outra cumprirá o mesmo papel.
No pequeno vídeo que está entre as melhores dádivas desta boa Bienal, diz Jean-Luc Godard, nosso eterno mestre em transgressão: "A cultura é a regra, a arte é a exceção. Faz parte da regra querer eliminar a exceção". Vivemos numa época da regra, a sociedade está se enrijecendo em oposições simplórias. A arte incomoda mais, quando for boa, porque não há regra onde caiba. É provável que perca essa guerra. Que os urubus fiquem sossegados.
Excursões de escolas enchem pavilhão da Bienal de SP nos dias de semana por Juliana Vaz, Folha de S. Paulo
Matéria de Juliana Vaz originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 17 de outubro de 2010
Nos fins de semana eles não estão lá, mas durante os dias úteis os corredores da Bienal de São Paulo são tomados por grandes grupos de pequenos uniformizados.
Até o fim da mostra no Ibirapuera, em 12 de dezembro, a fundação espera receber 400 mil pessoas (40% do total estimado) só por meio de seu projeto educativo, a maioria delas vinda de escolas públicas.
Segundo a curadora do projeto, a artista plástica e educadora Stela Barbieri, já foram feitos até agora 203 mil agendamentos.
Embora o forte desta edição sejam os vídeos, chamam mais a atenção das crianças e adolescentes as esculturas e instalações.
Se na última Bienal era o escorregador de Carsten Höller que fazia a diversão em meio ao vazio, na edição da retomada os animais de bronze de Ai Weiwei e os pêndulos enigmáticos de Tatiana Trouvé estão entre os mais citados.
Na semana passada, uma turma de 8ª série da escola estadual Suzana Dias, de Cajamar (Grande SP), se confrontava com a série de desenhos em carvão "Inimigos", em que o artista Gil Vicente aparece degolando o presidente Lula e atirando contra outras autoridades.
"É diferente das matérias que vocês aprendem na escola. Na arte tudo é certo", dizia Tiely Cáceres, 22, uma dos 300 jovens selecionados pela Bienal para guiar as turmas de escola pela exposição.
Na visita guiada da moça, de uma hora e meia, obras controversas ou não recomendada para menores de 18 anos, por conter cenas de violência e sexo -como as fotografias de "The Ballad of Sexual Dependency", de Nan Goldin, ou a série "Suíte Safada", do mesmo Gil Vicente-, saem do percurso.
"Estou aqui mais por amor do que por dinheiro", afirmou a estudante de arquitetura, que ganha R$ 1.010 por mês por quatro horas diárias de trabalho na Bienal, incluindo os sábados.
"É muito gratificante. A gente consegue mudar alguma coisinha nas crianças", dizia, embora houvesse, entre seus guiados, alguns dispersos que se queixavam de dores nas pernas.
outubro 13, 2010
O valor do dinheiro, segundo a arte por Roberta Pennafort, Estadão.com.br
Matéria de Roberta Pennafort originalmente publicada na sessão Cultura do Estadão.com.br em 13 de outubro de 2010.
Matheus Rocha abre mostra no CCBB do Rio
No Centro Cultural Banco do Brasil do Rio, a Galeria de Valores é onde, há dois anos, está montada uma exposição permanente sobre a história do dinheiro, criada a partir do acervo de notas e moedas do Banco do Brasil. Fica no quarto andar do prédio histórico da Rua Primeiro de Março, no centro - e costuma receber crianças em excursão.
No segundo andar, o jovem artista plástico Matheus Rocha Pitta montou a sua própria galeria, e com seus próprios valores. Ele escolheu dar o nome Galeria de Valores à mostra, na novíssima Sala A Contemporânea desde a semana passada, justamente para brincar com o perfil do edifício, inaugurado como sede da Associação Comercial, em 1906, e depois transformado em Banco do Brasil.
É a primeira individual numa instituição deste porte do mineiro de 30 anos, cujo nome há dez ressoa no circuito das artes. No período, ele se mudou para o Rio e estudou História e Filosofia.
São trabalhos inéditos, que Rocha Pitta desenvolveu de 2007 para cá e que discutem questões como a relação entre o dinheiro e a fé. Os nomes das obras aludem à vocação da casa: Fundo Falso, Fundos Reais, Jazida.
Na entrada, pilhas altas de rolos de filme velhos, que ele conseguiu na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio, fazem as vezes de uma coleção de moedas gigantescas, de dimensões variadas.
Mais à frente, está o oratório de Rocha Pitta, no qual a imagem de santos é substituída pela de notas de dinheiro e notícias de jornal de casos de corrupção em que grandes quantias são apreendidas pela polícia, recortadas pequenininho, que ele coleciona há tempos. A estrutura é de uma carcaça de TV, e a aparência é de uma caverna, já que o que sobrou do sistema da TV foi recoberto de cimento.
"É como um gabinete de adoração particular", diz Pitta, que conviveu intensamente com a forte religiosidade de sua terra, a histórica Tiradentes: na porta de sua casa havia uma das famosas igrejas barrocas da cidade.
Num terceiro ambiente, vídeos em sete monitores de segurança esquadrinham notas de R$ 1, R$ 2, R$ 5, R$ 10, R$ 20 e R$ 50 e R$ 100, expondo os detalhes, bem de perto, que as fazem verdadeiras - mas que, olhados isoladamente, as tornam irreconhecíveis.
Ao lado, está a obra principal da mostra, uma escadaria cujos degraus são formados por blocos de isopor recobertos por notas falsas. Do alto do último degrau, olha-se para baixo e vê-se uma fonte dos desejos, onde os visitantes jogam moedas.
"É um momento em que a pessoa atribui valor ao seu desejo, e é como se estivesse avaliando a própria exposição. Todo mundo tem seu poder de avaliação próprio. Não é o fato de eu estar aqui no CCBB que diz que eu sou bom", acredita Rocha Pitta, que tem prazer em circular pelas salas e observar as reações do público diverso do CCBB.
"A aproximação com a questão do dinheiro foi através da noção de crença. Vivemos numa época em que o discurso econômico justifica qualquer coisa, é como se dinheiro fosse Deus."
A nova galeria - aberta para dar visibilidade à produção de jovens artistas brasileiros de talento reconhecido - tem curadoria de Mauro Saraiva e já conta com exposições programadas até junho de 2011: o revezamento começou com Mariana Manhães e Matheus fica até 7 de novembro; em seguida, vêm Ana Holck, Tatiana Blass, Thiago Rocha Pitta e Marilá Dardot.
GALERIA DE VALORES
Sala A Contemporânea,CCBB Rio.
Rua Primeiro de Março, 66.
Até 07/11
De terça a domingo, das 10 às 21h.
Grátis
outubro 11, 2010
Laurie Anderson, criadora multimídia desde a década de 80 por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 11 de outubro de 2010.
Cantora, compositora e artista pop abre primeira mostra no Brasil, uma retrospectiva de 40 anos de trajetória
"E se daqui a mil anos não for mais possível criar objetos artístico porque o homem terá pele e olhos supersônicos e uma mente mais aberta?" A divagação soa natural falada pela norte-americana Laurie Anderson, figura pop desde o grande sucesso da canção O Superman, em 1981. Experimental e multimídia, apesar de ter ficado mais conhecida pela música (tem diversos álbuns gravados e seu último é Homeland, de 2010) e pelas performances realizadas a partir da década de 1970, a artista Laurie Anderson é um mundo de criações ainda mais diverso e misturado do que se possa imaginar a partir de suas canções de atmosfera surreal, mas também mundana e política. É isso que se pode ver na mostra I In U/ Eu Em Tu, a primeira retrospectiva da artista no Brasil, a partir de amanhã, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) de São Paulo.
Cantora, compositora e violinista desde criança, com formação em história da arte e em escultura - e casada com o músico Lou Reed - Laurie Anderson, aos 63 anos, pode se valer de diferentes meios e linguagens em suas obras, mas todas têm o sentido puro do querer falar ao público de maneira simples. "É uma mostra sobre histórias, às vezes contadas em fotografias, em filmes ou em objetos. São sobre muitas coisas, como música, vida, comida, família, tristeza, amor", diz a artista ao Estado, sentada no café do CCBB. De fala doce, baixa e tranquila, Laurie, que já se apresentou duas vezes no Brasil - em 1989, no Rio, e em 2008, em São Paulo - afirmou que não quis uma exposição "acadêmica". "São 40 anos de trabalho; tentei misturar tudo".
Já na rotunda do centro cultural está a obra Handphone Table, em que histórias são contadas por vibração sonora (o visitante deve tapar os ouvidos e sente a voz de Laurie). Andando ainda mais pelas criações multimídias da artista, o público encontrará o Talking Pillow (travesseiro que conta sonhos); o Self Playing Violin (instrumento criado por ela e que toca sozinho); o Parrot (papagaio que fala em português, pela voz do ator Fabio Tavares); e uma versão de um de seus trabalhos mais recentes, a instalação Delusion, com grande projeção de imagens , sons e aqui com três narrativas (originalmente , segundo a artista, é apresentada em forma de espetáculo, participação de músicos).
A exposição reúne, assim, tanto obras (algumas, inéditas) que têm caráter mais interativo como 19 filmes, vídeos, desenhos e fotos. "A ideia era ser intimista", diz Marcello Dantas, produtor e curador da mostra - foi ele que trouxe Laurie ao Brasil em 1989 e em 2008 lançou ao CCBB o projeto dessa exposição, que chega ao Rio em março. Para a abertura da mostra, amanhã, a artista vai realizar, às 16h, a performance Duetos sobre Gelo, criada em 1975, e às 18h, uma palestra.
O produtor e curador da mostra I In U/ Eu Em Tu, Marcello Dantas, conta que o mais novo projeto da cantora, compositora e artista norte-americana Laurie Anderson em Nova York, onde ela vive, se chama "Escola da Vida". "Como ela disse, já existem escolas de arte suficientes pelo mundo." Por meio desse trabalho, Laurie vai colocar pessoas para falar sobre seus ofícios ou assuntos diversos – é que as histórias são o manancial dessa criadora, que inaugura amanhã sua retrospectiva no CCBB de São Paulo. Laurie tem uma obra multifacetada, mas ao mesmo tempo, seu grande interesse é "perguntar ao público ‘O que você pensa disso?’", como ela diz na entrevista a seguir.
Você usa a tecnologia há tempos e ainda revisita trabalhos anteriores para promover criações com novos dispositivos. Poderia falar sobre esse processo?
A tecnologia não é muito importante para mim. Ninguém está interessado em apenas apertar um botão, somos mais sofisticados do que isso. Uso a tecnologia apenas como um lápis.
Ao mesmo tempo, alguns de seus trabalhos são interativos e de alguma forma a tecnologia é uma aliada nesse segmento. Como considera a questão da interatividade?
Não diria que meus trabalhos sejam interativos. Interatividade é perguntar ao público: "O que você pensa disso?", não apertar botões. Por isso a exposição se chama I In U/Eu Em Tu. É uma maneira de encorajar pessoas a não serem apenas observadores passivos, mas que pensem "O que essa história significa para mim?". É um desafio, que pode ser muito físico também. Há os violinos que são esculturas do começo da minha carreira. Há instalações com sons. E tem uma sala é que uma espécie de filme em terceira dimensão, o meu mais recente trabalho, Delusion. Fiz também um texto sobre a parede, uma história escrita, como um grafite. Essa cidade (São Paulo) tem o melhor grafite do mundo. É como se as pessoas escrevessem suas histórias nos muros. Aí, sobre tudo que mostro, alguém pergunta: "Isso é arte?" Eu digo que não sei, mas é divertido de fazer. Na Austrália, fiz um concerto de música para cachorros.
E poderia falar sobre a performance em seu trabalho?
Não sou uma performer do tipo "Olhe para mim". Digo: "Olhe para isto!", ou "Para aquilo ali!" Meu trabalho é sobre mistura, sobre questões de identidade e sobre histórias. Por que você faz coisas? O que te motiva? Pelo o que você se importa? Com as obras, você pode entrar no seu próprio universo. Nós todos somos vítimas da sociedade de consumo. Todos querem o carro, computador, estão cegos. Acham que a vida está incompleta sem essas coisas. Eu estou mais interessada em jogar as coisas fora. É exaustivo, estressante para as pessoas. Porque a sensação é a de que nunca é suficiente. O que é isso? Não vejo mais muita alegria mais em viver na cidade. Mas eu posso escapar para a música.
Considera, então, a música a principal referência para suas criações?
Não. Para mim, agora, desenhos são os mais divertidos. Da próxima vez pode ser alguns sonhos. Mas sempre faço uma coisa de cada vez. E faço muito obsessivamente.
Já que a exposição é sobre histórias, você acha a narrativa importante na arte? Considera essas histórias que traz para seus trabalhos como narrativas?
Sim e não. Algumas não têm a forma de narrativa, são como uma divagação da mente ou uma combinação de imagens, sentimentos, sons. É uma experiência multimídia a que você tem em sua mente o tempo todo. A vida é uma bagunça e não temos um fim perfeito para as histórias. A vida é complicada. Deixo um pouco de bagunça porque penso que tento fazer um tipo de retrato da vida.
A relação entre arte e política é o tema da atual Bienal de São Paulo e gostaria de saber sua ideia sobre essa questão.
Gostaria de ir à Bienal de São Paulo assim que tiver um tempo. Essas mostras grandes me dão a impressão de não tratarem do mundo da arte, mas do mundo do mercado. Não lido bem com mercado. Meu mundo é mais da bilheteria: os que vão aos meus shows não são colecionadores de objetos, apenas compram um bilhete. Já fiz muitos trabalhos políticos em minha carreira e penso que quando se tem um governo conservador, faço trabalho político e quando o governo é liberal, faço poesia.
E como considera então este governo dos EUA, do presidente Barack Obama?
Considero entre (conservador e liberal). Obama não é exatamente tão liberal quanto nos disse. Mas tudo bem. Acho que a questão mais política que se pode pensar é: a arte pode mudar a situação política? Não sei. Penso em Bob Dylan (cantor e compositor americano), que escreveu canções nas quais romantizou os perdedores, o que se criou um sentimento de empatia. Isso muda a política porque, no sentido de que todas as coisas são políticas, pensamos: Como podemos nos relacionar com as pessoas, colaborar com cada um? Gradualmente, o ser humano vai ficando mais esperto.
Grande vagina impressiona visitantes na Bienal de SP por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 10 de outubro de 2010.
Senhoras mais pudicas cobrem os olhos, depois voltam para ver. Crianças demoram um tanto para entender e ficam eufóricas com a descoberta. Adolescentes adoram e brincam de entrar e sair.
Está no terceiro andar da Bienal de São Paulo a obra do artista Henrique Oliveira, longo labirinto de chapas de madeira que conduz visitantes de um lado ao outro.
Não seria nada mais que uma passagem tortuosa, um percurso cavernoso de 40 metros, mas a entrada, ou saída, deixam ver que essa gruta é uma grande vagina.
Oliveira é conhecido por instalações que alteram a arquitetura dos espaços expositivos, distorcem paredes, criam passagens secretas e ondulações que parecem extravasar as dimensões mais comportadas do concreto.
No pavilhão da Bienal, "A Origem do Terceiro Mundo" é uma referência ao clássico do realista francês Gustave Courbet, que no século 19, retratou, para o escândalo parisiense, uma mulher de pernas arreganhadas, com o sexo em primeiríssimo plano.
Um monitor tenta contar a história a um grupo de alunos do ensino fundamental, mas não consegue terminar a frase que começava com um longínquo "no século 19".
Meninas no Ibirapuera, em 2010, ficam espantadas. "Gente, cruz credo", diz uma. "Meu Deus, que é isso?", diz outra, tapando os olhos.
Meninos mais tímidos olham para o chão. Aqueles mais argutos demonstram um pensamento elíptico, sem passar pelos pormenores da anatomia. "Nascemos de novo", conclui um garoto de óculos, com cara de nerd.
Sacando câmeras digitais e celulares, outros se apressam para fotografar a "boceta", termo que empregam cochichando, escondidos dos monitores e da professora.
Um senhor desembarca da grande gruta e pergunta aos meninos se eles sabem o que é aquilo. Sem resposta, declara: "Isso é uma vagina!".
Duas moças, de mãos dadas, vão até a entrada com sorrisos no rosto. "É fantástico isso", diz uma delas. "Muito linda mesmo", diz a outra, no limiar dos grandes lábios.
Urubus saem da Bienal na madrugada por Juliana Vaz, Folha de S. Paulo
Matéria de Juliana Vaz originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 9 de outubro de 2010.
Por ordem da justiça, os três urubus-de-cabeça-amarela que faziam parte da obra "Bandeira Branca", de Nuno Ramos, em exposição na Bienal, foram retirados anteontem da mostra, por volta da meia-noite.
Segundo William dos Anjos, 32, veterinário do parque dos Falcões, as aves seriam encaminhadas diretamente para o aeroporto de Guarulhos e chegariam em Sergipe por volta das 6h de ontem.
"Os animais estão tranquilos", conta dos Anjos. "Não existia nada no relatório do Ibama que falasse em maus tratos. Foi mais uma questão política".
Rômulo Fróes, assistente de Nuno Ramos -que se encontra em viagem à Turquia até a próxima segunda-feira- atribui as polêmicas ao tamanho da Bienal. "No CCBB de Brasíla, onde a obra foi exposta antes, não teve absolutamente nada."
Desde a última sexta-feira, quando o Ibama de São Paulo deu um prazo de cinco dias para que os animais fossem devolvidos a seu local de origem, pairava a dúvida se elas sairiam ou não.
A Fundação Bienal chegou a entrar, na segunda-feira, com uma ação na Justiça Federal solicitando a suspensão da notificação, mas o juiz federal substituto Eurico Zecchin Maiolino, da 13ª Vara Cível Federal, não acatou o pedido da entidade, com a justificativa de que "mesmo após a concessão de autorização, o Poder Público está autorizado a intervir e rever o ato administrativo diante da constatação de qualquer irregularidade".
ÀS ESCURAS
Após o fechamento da exposição, às 22h de anteontem, o prédio foi evacuado.
Fróes chegou ao local pouco antes das 23h, com uma equipe técnica.
Eles entraram na instalação para retirar as aves. Em seguida, para evitar que os animais ficassem estressados, todas as luzes foram apagadas.
Os seguranças da Bienal dificultavam a visão dos jornalistas e chegaram a acender lanterna na direção dos olhos dos repórteres.
Mais tarde, os homens deixaram a porta dos fundos do prédio e entraram em um carro segurando uma caixa coberta por um pano preto.
O responsável pela obra, Nuno Ramos, diz estar ciente da decisão judicial e afirma que só comentará o fato quando voltar ao Brasil.
Ianês volta à Bienal em busca da voz por Silas Martí, Folha de São Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 9 de outubro de 2010.
Artista que viveu nu no pavilhão vazio há dois anos faz nova performance em que reúne relatos de visitantes
De plantão na Bienal, ele vai entrevistar o público sobre memórias com a linguagem e a sensação de falta dela
Maurício Ianês não esquece o dia em que aprendeu a desenhar os contornos da letra "A". Numa sala de aula, o artista teve o que chamou depois de sua primeira experiência com a linguagem.
Quando perdeu a mãe, aos 15 anos de idade, ficou mudo diante do fato. Estava forjada sua primeira experiência de falta de linguagem, sensação de não encontrar palavras.
Na Bienal de São Paulo, Ianês agora pergunta ao público sobre essas lembranças, tentando colecionar relatos de presença e ausência do verbo que serão lidos no fim deste mês numa grande performance, com leitores espalhados pelo primeiro andar do pavilhão no Ibirapuera.
"Me interessa esse momento da linguagem como a definição do mundo, nossas memórias são contaminadas pela língua", diz Ianês. "Tento lidar com esse jogo entre linguagem, memória e a construção de um mundo."
Ele também tenta construir agora uma enorme massa sonora de relatos anônimos. Lidos ao mesmo tempo, têm um impacto difuso, sons que se desmancham no ar com fragmentos de memória.
Todos os dias, Ianês pretende ficar de plantão na Bienal, sentado numa mesa, à espera de quem quiser dividir com ele suas lembranças. "Vou ficar ali como faísca para ativar os pensamentos", diz o artista. "Quero ver até onde vai a performance nesse diálogo com o público."
É uma estratégia mais sutil do que sua ação na última Bienal, quando morou no pavilhão deixado vazio pelos curadores há dois anos. Ele começou nu uma performance sobre a dependências dos outros. Em poucos dias, já tinha roupas, comida e tudo que precisasse para viver.
POLÊMICA FÁCIL
"Essa performance agora começa mais focada, sem a polêmica fácil da nudez", diz Ianês. "Ali a gente tinha focos de sensibilização mais agudos, agora são mais tranquilos, é a mesma discussão, mas a fórmula é outra."
No fim das contas, é como se tentasse encadear uma série de tentativas fracassadas de comunicação em monólogos sobrepostos. Em vez de falas soltas, Ianês acaba orquestrando um murmúrio que pode beirar a música.
"Quero criar com a voz uma paisagem sonora", resume o artista. "Fiquei muito tempo ligado à escrita e agora vejo na voz um fenômeno originário da comunicação."
Vestido, Ianês agora fala de outro tipo de nudez. É como se apontasse a crueza da linguagem que reverbera no espaço com a mesma dependência dos outros para que possa valer alguma coisa.
outubro 7, 2010
Curadores: mapeamento de olhares por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do jornal Diário do Nordeste em 07 de outubro de 2010.
Além de mediar a aproximação entre diferentes produções poéticas, o curador opera na formação de acervos institucionais e na produção de um pensamento crítico, afetando, dessa maneira, as diversas instâncias de legitimação da arte. Com o intuito de entender um pouco mais desse universo, os artistas visuais Pablo Lobato (MG) e Yuri Firmeza (CE) apresentam, hoje, a partir das 18h, a videoinstalação "O que exatamente vocês fazem, quando fazem ou esperam fazer curadoria?", no Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza.
O projeto
Os dois artistas viajaram o Brasil, gravando em vídeo as falas de 16 curadores convidados, a partir da pergunta que intitula o projeto, a refletir sobre o assunto. "Fizemos um mapeamento de sensibilidades acerca da questão. É tudo muito singular, em cada diálogo a gente percebeu um mundo de possibilidades de se desenvolver uma curadoria. Alguns a entendem como um ofício semelhante ao do cartógrafo. Outros, como o Paulo Herkenhoff, acreditam que o processo curatorial promove a apresentação de uma hipótese", explica Yuri Firmeza.
Para o mineiro Pablo Lobato, a parceria com Firmeza foi fundamental para aprofundar as questões que ambos discutiam desde a época em que participaram do 29º Salão Nacional de Arte de Belo Horizonte - Bolsa Pampulha, em 2008. "O que tem de mais especial nesse projeto é a natureza da fala dos pesquisadores. Os artistas pensam pouco em curadoria. A maior parte do público não sabe do que se trata, e o curador trabalha de forma isolada", afirma. "O material que coletamos tem uma dimensão muito grande sobre curadoria. Além da videoinstalação, vamos produzir um livro ... A previsão de lançamento é daqui a dois meses", diz.
Dinâmica
Após a filmagem, foi feita a edição e a programação da videoinstalação - montagem formada por cinco monitores de vídeo e organizada em círculo evocando uma mesa redonda. A cada momento a imagem e/ou a fala de um curador é disparada em um dos monitores. A alternância desses disparos sugere a dinâmica de uma conversa. "O material constitui um corpo audiovisual, nos aproximando dele através dos dispositivos escolhidos: as falas, provocadas por uma mesma questão e destinadas à composição de um espaço específico: o círculo de monitores instalados. Os vídeos dentro do círculo são recursos importantes para a criação de tal ambiente", destaca Firmeza.
Fique por dentro
Participantes
Entre os curadores convidados a integrar o projeto "O que exatamente vocês fazem, quando fazem ou esperam fazer curadoria?" estão: Paulo Herkenhoff, Moacir dos Anjos, Glória Ferreira, Daniela Castro, Gaudêncio Fidélis, Jochen Voltz, Júlio Martins, Lisette Lagnado, Luisa Duarte, Marconi Drummond, Marisa Morkazel, Ricardo Basbaum, Suely Rolnik, Solange Farkas, Bitú Cassundé e Clarissa Diniz. Os artistas Yuri Firmeza e Pablo Lobato já haviam atuados juntos, ao escrever o texto "Bordas para misturar", publicado no caderno "Pensar" do Jornal Estado de Minas, onde expressaram o interesse pela investigação de certos campos de poder do sistema da arte. A videoinstalação tem suas raízes nesse momento.
outubro 4, 2010
Jardins suspensos por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 4 de outubro de 2010
Penetráveis inéditos de Oiticica e projetos artísticos de paisagismo ocupam ruas e parques do Rio e São Paulo
Hélio Oiticica – Museu é o mundo/ Paço Imperial, Casa França-Brasil, MAM-RJ, Praça XV, Praça do Lido, Aterro do Flamengo, Centro Cultural Cartola, Central do Brasil, RJ/ até 21/11 Festival de jardins do MAM no Ibirapuera/ Parque do Ibirapuera, SP/ até 31/12
No campo fértil da arte contemporânea, há sempre um território novo a explorar. Com as primeiras chuvas da primavera, o “Festival de Jardins do MAM no Ibirapuera” coloca no coração verde de São Paulo seis projetos de paisagistas franceses e convida três artistas brasileiros a realizar seus primeiros jardins. O evento é uma parceria com o Festival de Jardins Chaumont-sur-Loire, da França, que se insere entre os mais conceituados eventos do gênero.
Beatriz Milhazes, Ernesto Neto e Pazé são os brasileiros convidados. “São artistas cuja obra me sugeria um diálogo com jardins. A proposta foi retomar a tradição de Burle Marx: um artista versátil que usava o jardim como uma técnica plástica entre outras, como pintura e escultura. Essa seleção marca a continuação de uma tradição de paisagismo brasileiro”, diz Felipe Chaimovich, curador do MAM que, com o festival, dá continuidade a uma linha de mostras com enfoque ecológico.
Mas, como jovens jardineiros, os brasileiros convidados são mesmo ótimos pintores e escultores. No jardim de girassóis de Beatriz Milhazes, não há sombra da exuberante profusão de cores e formas das suas pinturas. Já “Ovogênese”, de Ernesto Neto, é mais tímido que os incríveis jardins de malhas coloridas que compõem sua exposição individual “Dengo”, na Grande Sala do MAM.
No Parque do Ibirapuera, os jardins-instalações confundem-se com os canteiros que Augusto Teixeira Mendes criou na década de 50, com inspiração em Burle Marx. No Rio de Janeiro, situação semelhante acontece com quatro penetráveis inéditos de Hélio Oiticica. A caixa preta no meio da Praça XV chama a atenção de quem passa. “É uma obra de arte...”, começa a explicar a mediadora que permanece no local para acompanhar os visitantes e os transeuntes curiosos “...de Hélio Oiticica, um dos maiores artistas brasileiros”, acrescenta ela. E, por fim: “Essa obra é um penetrável.” A palavra acarreta mais curiosidade ainda. O que seria um “penetrável”? Simples: uma obra na qual o observador pode entrar nela, penetrar.
Desde 11 de setembro, áreas públicas do Rio ganharam ares de museu. A exposição “Hélio Oiticica – Museu é o Mundo” conta com quatro penetráveis que não foram vistos na mesma mostra em São Paulo, em maio. São eles: o “PN 16”, nunca exibido em tamanho natural; “Éden”, conjunto de vários ambientes que integrou a primeira exposição do artista na Whitechapel, em Londres, em 1969; “Mesa de Bilhar – Apropriação d’après O Café Noturno de Van Gogh”, montada pela primeira vez, na Central do Brasil; e o igualmente inédito “Bólide Área Água”, na Praça do Lido. O curador César Oiticica Filho conta que expor os penetráveis em lugares públicos do Rio foi tarefa mais fácil do que em São Paulo, onde não obteve autorização da prefeitura. “Não conseguimos montar na Praça da República, que era o local original do projeto “PN 16”, agora na Praça XV do Rio”, diz. A burocracia também engoliu a obra que o artista goiano Kboco montaria no Festival de Jardins. Segundo o MAM, ele teve seu “Jardim de Skate” vetado pelo órgão de patrimônio responsável pelo Ibirapuera, que considerou que o projeto impermeabilizaria uma grande área de solo do parque. O artista contesta. “A proibição se deve a um boicote aos skatistas. A mesma postura me levou também a modificar meu projeto para a Bienal.” Kboco é o autor do terreiro “Dito, Não Dito, Interdito”, na 29ª Bienal, alvo de pichações no terceiro dia do evento. Título sugestivo para uma obra que, segundo o artista, teria sido cerceada.
Colaborou Luciani Gomes, Rio
Bienal tem obras feitas de carne e osso por Juliana Vaz, Folha de S. Paulo
Matéria de Juliana Vaz originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 3 de outubro de 2010.
Instalações de Cildo Meireles, Livio Tragtenberg e Ana Gallardo utilizam pessoas e despertam atenção de visitantes
Trabalhos carregam conotações políticas, levantam memórias afetivas e pedem a participação do público
"Está desligado?" A pergunta veio de um visitante que se aproximava da instalação que Cildo Meireles criou para a Bienal. A resposta saiu de lá de dentro: "Não. A gente tá só descansando".
De longe é impossível ver, mas a força que faz funcionar "Abajur" é humana.
A obra, referência aos porões dos navios negreiros, é iluminada e ganha movimento à medida que pessoas escondidas por baixo dela (quatro de manhã e três à tarde) empurram manivelas.
"É suportável", diz Robson Alves, 34, uma das peças daquela engrenagem. Ele já foi garçom, estoquista e figurante do filme "Lula, o Filho do Brasil", entre outros.
"Infelizmente, ganho mais aqui do que com outros trabalhos", lamenta Franco Picciolo, 38, que apita jogos de futebol de várzea.
Jaula
No andar debaixo, o compositor Livio Tragtenberg quis representar a falência do artista-gênio encarcerando-se dentro de uma jaula. Vai ficar preso, como os urubus no viveiro de Nuno Ramos, até o fim da mostra, todas as terças e quintas.
"O compositor no sentido romântico, que expressa sua personalidade através da música, é um bicho em extinção", explica o artista.
Portanto, a obra "Gabinete do Dr. Estranho" depende da interação com o público, que é convidado a gravar sua voz através de um microfone instalado fora do cárcere. Em tempo real, o artista cria e devolve os sons aos visitantes.
"Uma coisa é improvisar com músicos, outra é improvisar com não músicos. O inesperado, o não qualificado me interessam cada vez mais", diz Livio, que já esteve na Bienal de 1985.
Improvisada é também a dança na instalação "Un Lugar para Vivir Cuando Seamos Viejos" (um lugar para viver quando formos velhos), da argentina Ana Gallardo.
Ela conheceu, na Cidade do México, onde viveu por anos, idosos que dançavam em uma praça e os trouxe para dar aulas de "danzón" e desenhar nas paredes da Bienal memórias de suas vidas.
"Eles não entendiam o sistema da arte contemporânea. Tive que explicar a eles o sentido do projeto. Eles aceitaram vir por uma questão de confiança e porque queriam conhecer um lugar fora do México. Nunca tinham ido ao exterior", explica a artista.
"Construo minha obra com fragmentos de vida dos outros, por isso é importante trabalhar com pessoas."
Bienal volta a ser epicentro das artes plásticas por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 2 de outubro de 2010.
Apesar de contradições entre obras, mostra reúne trabalhos excelentes
"Há sempre um copo de mar para um homem navegar." A 29ª Bienal de São Paulo revela-se uma mostra polifônica e aí reside sua força, e também sua fraqueza.
Em torno de arte e política -questão historicamente relevante, mas que sem um foco torna-se ampla demais- coexistem obras e propostas bastante diversas, com nexos difíceis de se compreender.
Numa exposição da dimensão do pavilhão da Bienal é compreensível que a curadoria, coordenada por Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos, opte por criar distintos eixos, mas podem-se constatar algumas contradições entre as obras, o que provoca enfraquecimento do tema.
Ocorre, por exemplo, na discrepância entre o que se pode chamar de artistas "históricos" e contemporâneos. As ações radicais, em sua maioria dos anos 60 e 70, dos argentinos Alberto Greco e do Grupo de Artistas de Vanguarda, de Paulo Bruscky, Lygia Pape e Hélio Oiticica, entre outros, reduz a produção atual, com algumas exceções, a um esteticismo pueril.
FORA DE CONTEXTO
Afinal, como se pode entender nesse contexto obras de artistas como Marcelo Silveira, David Cury ou Fernando Lindote, entre outros? Essa abrangência, por demais generosa, não só enfraquece o tema como põe em xeque a produção contemporânea, o que não parece ser a intenção dos curadores.
Contudo, essa Bienal, quando consegue realizar diálogos autênticos entre passado e presente, atesta sua pertinência.
Foi assim com leitura livre do "Bailado do Deus Morto", de Flávio de Carvalho, um dos artistas-chave da mostra, com 50 atores do Teatro Oficina, no último domingo.
Quando Zé Celso, que dirigiu a ação, vestiu uma versão do traje "New Look de Verão", de Carvalho, e esbravejou impropérios como metralhadora giratória, enquanto seu grupo movia-se praticamente desnudo, ele injetou um espírito anárquico e politicamente incorreto na Bienal, comportada demais.
Mas, felizmente, ele não é exceção e, graças à polifonia da mostra, há trabalhos excelentes e, por conta dos terreiros, especialmente os da performance, da literatura e do cinema, há uma energia vibrante no pavilhão.
Assim, apesar de conceitualmente a Bienal ser muito frágil, sua complexidade e diversidade compensam a falta de organicidade e tornam, novamente, o pavilhão da Bienal o epicentro do pensamento artístico no pais.
Site sobre cultura africana será lançado hoje na Bienal de SP por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 4 de outubro de 2010.
Buala.org reúne artigos sobre literatura, música e artes visuais
De olho na mais nova geração de artistas africanos, um site que será lançado hoje na Bienal de São Paulo tenta mapear a produção cada vez mais forte dessa região.
Batizado de Buala, termo no dialeto quimbundo que significa casa ou aldeia, o novo portal deve cobrir todos os tipos de manifestação cultural na África, de literatura e música às artes, com foco em países de língua portuguesa.
"Existe uma nova geração de artistas que nasceu no pós-independência e começou a criar um discurso próprio", diz a portuguesa Marta Lança, editora do Buala.org. "Estão mais conscientes de seu lugar no mundo, buscando uma nova africanidade."
Já de pé, em fase de testes desde maio, o site registra por volta de 10 mil acessos por mês e tem cerca de 50 colaboradores espalhados pelo mundo, em especial em Angola, Moçambique, Cabo Verde, Portugal e Brasil.
Para além da esfera lusófona, também há colaboradores no norte africano, no Senegal e na África do Sul.
"Para nós, interessa a situação atual, aquilo que é produzido hoje nesses países", diz Lança. "Não é uma África cristalizada no tempo. Interessam as grandes transformações das metrópoles."
Toda a reformulação urbanística de Luanda, por exemplo, é assunto para um amplo ensaio publicado no site.
Também há contribuições de escritores angolanos como Mia Couto e José Eduardo Agualusa, além da cobertura de fenômenos da cultura pop, como o estilo kuduro.
"É criar esse canal de informação entre o continente e a diáspora, usar a cultura digital para conhecer o continente", diz Lança. "Muitos dos próprios africanos não têm acesso ao discurso que está sendo produzido sobre eles."
outubro 1, 2010
Pichador da Bienal diz ser tão marginalizado quanto urubus da obra de Nuno Ramos por Márcia Abos, O Globo
Matéria de Márcia Abos originalmente publicada no Jornal O Globo em 29 de setembro de 2010
Djan Ivson, de 26 anos, assumiu a autoria da pichação 'liberte os urubu' (sic) na obra
"Bandeira branca" de Nuno Ramos na 29 Bienal Internacional de Arte de São Paulo. Djan, conhecido nas
ruas como "Cripta", junto com Raphael Guedes Augustaitiz, o Rafael Pixobomb, de 26 anos, e Choque,
fotógrafo de 23 anos, formam o coletivo que criou a representação do 'pixo' (com 'x', para se diferenciar
da pichação política dos anos 60 e da pichação poética da década de 70) paulistano na própria Bienal.
Djan disse que pichar a obra de Nuno Ramos foi uma decisão individual, não do coletivo. E explicou que fez
uma analogia entre urubus e pichadores, ambos marginalizados.
- Não consegui terminar de escrever a frase, mas pretendia escrever "liberte os urubus e os pixadores de
BH" (cinco pichadores estão presos desde agosto na capital de Minas Gerais, indiciados por formação de
quadrilha). Fiz uma analogia entre os urubus presos na obra e nós, pichadores. Também somos demonizados, enxergamos a cidade do alto dos prédios e sobrevivemos de migalhas da sociedade, assim
como a população da periferia - disse Djan.
Nuno Ramos decidiu não prestar queixa contra Djan, portanto, o pichador está livre e não responderá a
processo. Mas para Djan, a escolha de Nuno é indiferente.
- Não adianta nada não dar queixa e dizer que foi um ato atrasado. Nos menosprezar como pessoas
atrasadas e ignorantes. Atrasado é ele que precisa de animais vivos para fazer uma obra de arte. Queria
entender o mundo dele - disse Djan.
O artista plástico Nuno Ramos afirmou que jamais deu declarações menosprezando os pichadores.
- Não pode pichar uma obra de arte. Não quero ofender ninguém e não acho que é uma questão de classe. Considerei um ato individual totalmente equivocado, tanto dele quando de entidades de ecologia que criaram com desinformação um clima violento ali, o que acabou cooptando o pichador. O ato em si é errado. Mas não estou julgando ninguém por isso, nem o grupo, nem a pessoa - diz Nuno.
Djan contou que foi agredido pelos seguranças da Bienal, que quase o mataram após estrangula-lo por cerca de 30 segundos. O pichador disse não ter morrido graças ao chefe da segurança, que ao perceber que as agressões estavam fora de controle, abriu a porta e ajudou o pichador a fugir. Ele pretende processar os seguranças por lesão corporal.
Para ele, a repressão violenta dos seguranças da Bienal estimulou outra pichação, desta vez na obra dos artistas Kboco e Roberto Loeb, que fica do lado de fora do pavilhão. Um jovem de 18 anos de Osasco, identificado pelo apelido "Invasor", foi o responsável pela pichação. Segundo Djan, Invasor foi ajudá-lo enquanto era agredido por seguranças no sábado e acabou apanhando também.
'Reações desproporcionais'
Os curadores-chefes da Bienal, Agnaldo Farias e Moacir dos Anjos, se reuniram com Djan e Rafael na
tarde de segunda-feira para falar sobre as pichações ocorridas no final de semana.
- O pichador [da obra de Nuno Ramos] foi muito agredido pelos seguranças, o que também foi um abuso.
Foram reações desproporcionais. Uma coisa não justifica a outra. Ele teve uma atitude que aos olhos de
todos foi extemporânea, agressiva. Mas a agressividade para cima dele foi terrível. É constrangedor -
lamentou Farias.
Para Farias, a ação dos pichadores na cidade deve ser discutida, por ser uma manifestação relevante.
- São pessoas que nunca encontraram espaço. Nossa sociedade é muito agressiva, a má distribuição de
renda, a desigualdade provocam ressentimento, ignorância, fomentam ódio. Djan e Rafael são muito talentosos, é preciso reconhecer e construir algo maior. A Bienal sempre foi coisa de elite. Mesmo que oferte seu fino produto para uma elite intelectual, não significa que não esteja aberta e comprometida em fazer chegar este fino produto a um contingente cada vez maior. O dinheiro é grandemente público, portanto a finalidade da Bienal é formadora. Temos que correr estes riscos. Estes gestos não podem servir de desestímulo. Não temos prática de democracia. Gentileza gera gentileza - conclui Farias, citando o Profeta Gentileza, que se tornou conhecido por perpetuar seus pensamentos escrevendo livremente em muros do Rio de Janeiro.
Sesc expõe Lygia Clark ausente da 29ª Bienal por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 1 de outubro de 2010
"Caminhando" foi pivô de conflitos entre curadores e família da artista
Peça em que público recorta fita de papel é uma das principais de mostra que começa hoje no Sesc Vila Mariana
Grande ausência da atual Bienal de São Paulo, a obra "Caminhando", de Lygia Clark, é o trabalho central de uma exposição que começa hoje no Sesc Vila Mariana.
Clark estava na lista de artistas da 29ª Bienal com a reedição da performance de 1963 em que o público recorta uma fita de papel, desdobrando as formas da escultura "Unidade Tripartida", de Max Bill, num experimento tridimensional e efêmero.
Logo antes do lançamento oficial da lista de artistas, os curadores da mostra anunciaram a saída de Clark, alegando divergências com a família da autora, que cuida de seu espólio na associação O Mundo de Lygia Clark.
Segundo Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, os herdeiros da artista morta em 1988 cobraram R$ 45 mil, valor considerado "escandaloso e incompatível", para liberar a exposição do trabalho.
Também fizeram, segundo os curadores, exigências como determinar onde seria comprado o papel para a obra e escolher quem escreveria sobre ela no catálogo.
"Acho o fim da picada, o fim do mundo, uma traição à memória da artista", disse Farias antes da Bienal, comentando a ausência de Clark da mostra. "Essa obra tinha de estar lá, não é uma tristeza, é um escândalo."
Dos Anjos falou sobre o caso num dos debates antes da Bienal. "Havia um descompasso entre o que a obra exigia e exigências da família da artista", disse. "É evidente que isso faz falta, mas é uma ausência que pela própria ausência se faz presente."
PRESENÇA FÍSICA
No sentido físico, "Caminhando" poderá ser visto e experimentado por visitantes do Sesc Vila Mariana nos próximos dois meses, na mostra "Por Aqui, Formas Tornaram-se Atitudes", com curadoria de Josué Mattos.
"Cheguei antes da Bienal com esse projeto", conta Mattos à Folha. "Mas ele se realizou depois da Bienal."
Ele diz que pagou à família "o valor pedido por eles, um valor completamente normal". "Não foi pago nada de excessivo", afirma. "Não foi um problema pagar isso."
Embora não tenha revelado valores, Mattos diz que equivale ao que a família costuma exigir por exposições de médio porte e que foi menos de "metade da metade" do valor cobrado da Bienal.
Também disse que o papel usado na mostra é "um papel qualquer, bobina de caixa eletrônico", comprado no largo da Batata, em SP.
Mattos acrescentou que o projeto de sua mostra foi elaborado nos últimos dez anos. Ele estudava na Sorbonne e conheceu Álvaro Clark, filho da artista, em Paris, quando a família procurou um pesquisador para analisar obras da artista da época em que ela viveu na capital francesa.
Procurado pela Folha por telefone e por e-mail, Álvaro Clark, filho da artista, disse que não iria comentar o caso.
Clark, Pape e Oiticica são pontos de partida da mostra aberta hoje por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 1 de outubro de 2010
São três as âncoras da mostra que começa agora no Sesc Vila Mariana. Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica encabeçam um time pautado por desdobramentos da obra de arte no espaço físico e a transformação da exposição em experiência.
Invertendo o nome da mostra de 1969 em que o curador suíço Harald Szeemann postulava que atitudes se tornaram formas, esse recorte tenta mostrar que naquela mesma década artistas brasileiros faziam o oposto -trocavam a tela pela vida.
Mas a força desta que se configura como uma das mostras mais potentes no circuito off-Bienal não está só no caráter museológico, mas no fato de identificar com precisão herdeiros das estripulias daquele momento.
Oiticica, que está na mostra com sua mesa de bilhar num ambiente colorido, inserção do jogo na cor expandida no espaço, encontra eco orgânico em Theo Craveiro.
Esse artista paulistano constrói um viveiro de formigas que levam nas costas pétalas de rosa -"Parangolés" orgânicos- para alimentar fungos que crescem nas formas dos "Metaesquemas".
No mesmo embalo orgânico, Lygia Pape propõe a irrupção da forma a partir de três cubos de plástico. De dentro deles, dançarinos rompem a casca e entram no ritmo da cuíca e do pandeiro.
Laura Lima retoma isso no baile que viu na tela de um anônimo no Louvre. Ela reproduz o quadro e oferece ao público réplicas das roupas que aparecem na tela, que serão vestidas numa dança.
Enquanto ela surrupia a forma sem dono e materializa o baile, Pedro Victor Brandão expõe cromos de obras de artistas conhecidos à luz ultravioleta, destruindo seu conteúdo diante do público.
É a mesma erosão da imagem na série de autorretratos de Albano Afonso, que mostra o próprio rosto atrás das caras de Modigliani e Van Gogh em réplicas perfuradas.
Num passo além, Caetano Dias dá verniz antropofágico à explosão das formas com um Cristo de rapadura, deitado na cruz e exposto como banquete açucarado.
Justiça libera obra de Krajcberg no Ibirapuera por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 1 de outubro de 2010
Vizinhos do parque tentaram barrar ocupação da antiga serraria com esculturas do artista
Uma decisão da Justiça autorizou nesta semana a Prefeitura de São Paulo a seguir adiante com o projeto de instalar na antiga serraria do parque Ibirapuera esculturas do artista Frans Krajcberg.
Há dois anos, quando foi anunciado o projeto, a Sociedade dos Moradores e Amigos do Jardim Lusitânia, bairro vizinho ao parque, entrou com uma ação civil pública para impedir a ocupação da estrutura do antigo galpão com obras de arte.
Alegaram no processo que a reforma do galpão para abrigar as obras causaria danos ao ambiente, oferecendo risco aos pássaros que vivem ali, e prejudicaria a rotina de visitantes do parque.
Numa decisão unânime tomada na última terça-feira, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou improcedente essa ação.
"A turma julgadora entendeu que não há atentado contra o ambiente", disse à Folha o desembargador Márcio Franklin Nogueira. "Não há ilegalidade com a exposição naquele local."
Com o impasse, a prefeitura havia cogitado transferir o projeto de Krajcberg para o parque do Carmo, onde chegou a lançar uma pedra fundamental no ano passado, marcando o início das obras.
Segundo a Secretaria Municipal de Cultura, há dois projetos agora -um para o Ibirapuera, outro para o parque na zona leste. Mas ainda não houve uma decisão.
Embora a associação de moradores possa recorrer da decisão, a prefeitura já tem permissão legal para ocupar a serraria com obras de arte.
"Foi uma coisa justa que fizeram", disse Krajcberg. "Era absurdo inventar coisas para não instalar uma exposição ecológica no parque."
Presidente da Sociedade dos Moradores e Amigos do Jardim Lusitânia, Otávio Villares disse que estuda com seu advogado formas de evitar a ocupação do local.
Mexicano desenha o tempo dos presídios por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 1 de outubro de 2010
Antonio Macotela mostra quatro anos de sua relação com detentos
Em troca de visitar a família ou se vingar de alguém, artista pedia que presos fizessem desenhos e escrevessem
Dentro ou fora de uma cela, o tempo vale o mesmo. Pelo menos é o que tenta provar a obra obsessiva do mexicano Antonio Vega Macotela.
Ele expõe agora na Bienal de São Paulo um registro de 365 trocas de favor entre ele e alguns dos 4.000 detentos do presídio de Santa Marta, na Cidade do México. Por quatro anos, Macotela se infiltrou entre os presos para entender o tempo subjetivo da prisão.
"Essa é uma microssociedade, em que cada um conta o tempo que falta da pena a cumprir", diz Macotela. "Eles sabem o que é duração."
Embora a ação refaça o ciclo de um ano, o fato de ter levado quatro deles para ser concluída também revela a distorção de escalas entre o tempo morto lá dentro e a vida que transcorre lá fora.
Macotela serviu de canal para cada preso, emprestando mãos, olhos e o próprio corpo a anseios de cada um.
"No começo, tudo parecia loucura", lembra. "Um deles queria que deitasse na cama dele em casa e escutasse Luis Miguel olhando para o teto."
Essa cena está num vídeo exposto no pavilhão. É a trilha sonora da vida lá fora que embala a contemplação de outra parede, uma que pode ser trocada pela liberdade a qualquer momento, numa duração dilatada e não ritmada por prazos judiciais.
Em troca, Macotela pediu ao detento que escrevesse seus sonhos no lençol que usava na cama de sua cela.
GEOGRAFIA ORGÂNICA
Cada ação lá fora, como ouvir Luis Miguel, ficar bêbado no batizado de um sobrinho, presenciar os primeiros passos de um filho, tinha seu equivalente formal, e um tanto obsessivo, lá dentro.
Um detento mapeou três trajetos no presídio sob efeito de três drogas diferentes, maconha, crack e cocaína. Outro juntou unhas cortadas de seus colegas de cela. Também há coleções de fios de cabelo e pontas de cigarro.
Desenhos toscos, de traços sôfregos, catalogam batidas cardíacas ou mesmo a respiração ao longo de uma hora. Um livro de mil páginas aparece atravessado com fúria pelos dedos de um preso.
Macotela documenta sopros de vida desesperados entre quatro paredes, uma geografia orgânica e pulsante que se debate contra os muros de concreto. O artista descobre nesse exercício um tempo latente, desvelando um potencial interrompido.
"São sistemas de representação do tempo, esse tempo como cartografias do movimento e de caprichos", diz o artista. "Eles sabem que enquanto fazem qualquer coisa que eu peça, estou com a família deles, bebendo por eles, fazendo o que fariam."
Enquanto não sai, um dos presos rouba tijolos para construir um fogão. Macotela pediu que escrevesse neles até completar um ciclo do desaparecimento, transformando sobrevivência em algo perto da arte.