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agosto 31, 2010
‘Fazer arte é se interessar por tudo’ por Suzana Velasco, O Globo
Matéria por Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno do O Globo em 28 de Agosto de 2010
Dono de uma obra inconfundível, que o transformou num dos mais importantes e singulares nomes da arte brasileira, Tunga leva trabalho monumental à Bahia
TUNGA e parte da obra “À luz de dois mundos”, que já passou pelo Louvre e pelo P.S.1, em Nova York, e está exposta a partir de hoje em Salvador uma viagem a Bangcoc, na Tailândia, Tunga foi parar num mercado de amuletos bizarros, como lagartixas trançadas e excrementos petrificados, entre outras bugigangas que deram um susto no artista plástico: Parecia que eu tinha ressuscitado ali.
Tunga viu ali parte do repertório de objetos míticos que desde os anos 70 compõe a sua obra, criada a partir de elementos que se contaminam e se alimentam: tranças, ímãs, serpentes, rãs, pentes, bengalas, ossos, crânios, redes e cálices repletos de gel, líquidos e substâncias que remetem a fluidos corporais. Com essa extrema presença física dos materiais, o artista criou uma obra que, hoje aclamada internacionalmente, trata de questões transcendentais.
A busca do anímico é uma forma segura de se falar de poesia e arte — afirma Tunga, aos 58 anos. — A arte que me interessa é a que articula os sentidos que não são passíveis de serem revelados por uma mediação crítica. O momento de calar é o momento em que a poesia fala.
Apesar de ressaltar o indizível de sua obra, Tunga fala sem pudor sobre ela, com sua multiplicidade de discursos. Em algumas horas, no intervalo da montagem da exposição “À luz de dois mundos”, em Salvador, ele fala sobre Winnicott, Tristan Tzara, Newton, Santo Agostinho, San Juan de la Cruz, Freud. Sobre psicanálise, filosofia, História da arte, religião, literatura, arqueologia, antropologia, erotismo:
Fazer arte é se interessar por tudo. O artista é uma espécie de clínico geral que lança mão dos seus especialistas quando necessário. Na hora de criar, me coloco na posição de sujeito múltiplo, como se dispersasse uma identidade. O que temo da postura da arte contemporânea é a presença excessiva de especialistas, que cria categorias empobrecedoras.
O interesse infindável se materializou numa obra inconfundível — sempre se vê Tunga numa obra de Tunga —, com a qual o pernambucano radicado no Rio se tornou um dos mais importantes e singulares nomes da arte brasileira. Tunga foi o primeiro artista contemporâneo a expor no Museu do Louvre, em Paris, onde cerca de quatro milhões de pessoas viram a monumental “À luz de dois mundos” sob a pirâmide do museu. A obra também já foi montada no P.S.1, centro de arte contemporânea do MoMA, em Nova York, e, inédita no Brasil, desde hoje está exposta no Palacete das Artes Rodin Bahia, em Salvador, no programa de escultura contemporânea Quarta Dimensão.
Ali, Tunga dispôs uma balança que equilibra, de um lado, um grupo de crânios, e, do outro, cabeças de esculturas (réplicas de peças do Louvre) presas por tipitis — cilindros usado pelos índios para espremer mandioca. Entre os dois mundos, um esqueleto negro sem cabeça deita numa rede. A obra ainda carrega objetos típicos do vocabulário de Tunga, como tranças e uma bengala e um pente gigantescos.
Na arte contemporânea, o Tunga é aquele que consegue dar força poética, materializar visualmente com muita força conceitos muito abstratos, questões filosóficas. Ele usa elementos imediatamente comunicativos e consegue criar uma escala espetacular sem espetacularizar a obra — diz o crítico de arte Paulo Sergio Duarte, que montou uma apresentação com imagens da produção e da exposição de “À luz de dois mundos”, exibida agora em Salvador.
Amigo do artista, Paulo Sergio acompanha sua obra desde o início, quando, como diz Tunga, não havia curadores como “chefes de orquestra”, muito menos galerias para representar os artistas.
Para os jovens artistas de hoje, é muito difícil pensar que não tínhamos galerias. E o tipo de arte que a gente fazia era muito difícil para aquela época. Para mover um castiçal, você tinha que empurrar a mesa toda junto — diz Tunga, que se formou em Arquitetura e trabalhou em escritórios. — Eu era de uma geração de classe média que não acreditava que arte era um meio de subsistência. Meu equívoco foi acreditar que podia fazer arquitetura em arquitetura.
Confirmando ser um materializador de conceitos, Tunga diz que continua fazendo arquitetura em suas esculturas, e logo consolidou um universo fantástico, de fábulas e mitos por vezes fantasmagóricos, que desestabilizam a normalidade. Às vezes, a escultura se expande para a performance, como em “Xifópagas capilares entre nós”, criada a partir da lenda inventada por Tunga de duas gêmeas presas pelos cabelos, que são decapitadas porque não querem se separar:
Chego à performance quando o pensamento parece pedir uma explicitação real. Ela contamina as coisas de atributos diversos. É o próprio princípio da alquimia, de transformação real do mundo.
Outras vezes, as fábulas pensadas pelo artista se transformam em filmes e vídeos — como ocorreu com “Xifópagas...” —, sempre com um caráter onírico, nunca de documentário ou videoarte.
Ele tem um universo original, reflexivo, que dispara um imaginário conceitual — diz o artista Arthur Omar, que fez com Tunga o vídeo “Nervo de prata”, em 1987.
Em performances ou vídeos, as obras de Tunga têm um sentido colaborativo e agregador, de contaminação entre estéticas e gerações, em que ele põe na prática a ideia de que “fazer arte é se interessar por tudo”. O cineasta Eryk Rocha, que ia à casa de Tunga quando criança, levado pela mãe, Paula Gaitán, certa vez recebeu um telefonema do artista pedindo que ele filmasse uma ideia sua. Assim, em 2004, surgiu o filme “Quimera”, que foi exibido em Cannes e em outros festivais pelo mundo, e era chamado por Tunga e Eryk de “sonhometragem”.
Quando ele me convidou, fiquei perplexo. Disse: “Não sei fazer isso, não tem nada a ver com o meu universo.” Estava fazendo filmes políticos. Ele me desafiou a fazer algo diferente de mim — diz Eryk, de 32 anos. — O Tunga sempre me deixou muito à vontade, nunca existiu um peso por ele ser um artista consagrado, ou por a gente ser de gerações tão diferentes. Os jovens têm uma relação sanguínea com ele.
Os dois ainda fizeram o curta “Medula” e o média-metragem “Laminadas almas”, filmado por Eryk na performance de mesmo nome que Tunga fez em 2006, no Jardim Botânico, junto com outros jovens: os artistas gêmeos Thiago e Matheus Rocha Pitta, estudantes de biologia e os bailarinos da companhia de Lia Rodrigues, parceira de performances.
Antes de uma performance no CCBB de São Paulo, fiquei impressionada quando vi o Tunga conversando com uns cem homens, desses que você contrata como figurantes. Ele sabe muito o que quer — conta Lia, que participou da performance de oito horas, que também teve participação de Arnaldo Antunes.
Outro companheiro de performances foi Daniel Rangel — assistente de Tunga entre o fim dos anos 90 e o início dos 2000 —, em seu primeiro trabalho com arte contemporânea. Uma década depois, Rangel é diretor de museus do Instituto do Patrimônio Estadual e Cultural da Bahia, e o responsável por levar “À luz de dois mundos” a Salvador. A exposição ainda reúne peças criadas a partir da escultura principal, como ossos, bengalas e pentes gigantes, desenhos do projeto da obra e vídeos sobre o artista.
Em breve, Tunga lançará o curta-metragem “Cooking” (“Cozinhando”), que integrará a versão brasileira de “Destricted”, filme coletivo de 2006 com episódios pornográficos assinados por artistas plásticos como Marina Abramovic, Matthew Barney e Larry Clark. Ali, ele leva às últimas consequências a corporeidade e a ideia de alquimia de sua obra, numa transformação de fluidos dos corpos dos amantes.
A manifestação da sexualidade e sua relação com o desejo sempre foram temas importantes para mim diz ele, que fez um filme de 15 minutos. — É o suficiente para contar uma história de amor. Não para vivê-la.
MAC divulga selecionados para duas exposições, Goiás Agora
Matéria originalmente publicada no Goiás Agora em 27 de agosto de 2010.
Seis artistas da nova geração de Goiânia, Santa Catarina, Rio de Janeiro e São Paulo foram selecionados pelo Museu de Arte Contemporânea de Goiás para as duas exposições marcadas para setembro e novembro deste ano. A seleção foi feita por meio de edital. Leandro Pereira (RJ), Natália Lopes e Yara de Pina Mendonça (GO) vão inaugurar mostra no dia 16 de setembro. Dalton Paula (GO), Roberta Tassinari (SC) e Cândida Coelho (SP) vão integrar a exposição que vai ser aberta no dia 4 de novembro.
Formada em Artes Visuais na Universidade Federal de Goiás, Yara de Pina Mendonça, 30 anos utiliza materiais do cotidiano, e pintura de objetos com carvão dissolvido. O trabalho de Natália Lopes, 32 anos, também graduada na Faculdade de Artes Visuais/UFG, consiste na intervenção com desenhos em fotografias antigas pinçadas dos álbuns da sua família. O carioca Leandro Pereira, 31 anos, faz intervenções em paisagens fotográficas que depois são fotografadas novamente, construindo uma nova imagem.
Artista premiado na Bienal de Arte de Piracicaba e no Salão de Arte Contemporânea de Santo André (SP), Dalton Paula, 28 anos, formou-se em Artes Visuais na FAV/UFG. No MAC de Goiás, ele vai apresentar uma instalação utilizando fotos do álbum de família. Seu trabalho vai ocupar toda a sala expositiva, que deverá ser pintada de preto e branco. Utilizando iluminação especial, a meta dele é obter um efeito que dê a conotação de álbum de retratos nas paredes.
Roberta Tassinari, 26 anos, vem de Santa Catarina participar da exposição no MAC. Formada em Artes Visuais na UDESC e Comunicação Social na Unisul, a jovem artista vai montar uma instalação nas paredes do museu usando materiais diversos a fim de conseguir um efeito tridimensional expandido, como se reconstruísse a pintura. A paulista Cândida Coelho, 45 anos, vai apresentar Desdobramentos Cromáticos, a partir de imagens de scanner manipuladas que geram desenhos cromáticos.
agosto 30, 2010
Diálogos póstumos por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé Independente em 27 de agosto de 2010.
Exposição em Porto Alegre faz estudo comparativo entre artistas abstratos brasileiros e venezuelanos atuantes entre os anos 60 e 90
A partir do acervo de uma das maiores coleções de arte contemporânea da América Latina, a Coleção Patricia Phelps de Cisneros, em parceria com a Fundação Iberê Camargo, de Porto Alegre, a exposição “Desenhar o Espaço” coloca em diálogo a arte abstrata produzida no Brasil e na Venezuela desde os anos 1960. Nas 88 obras expostas estão sugeridas comparações entre artistas como Jesús Soto, Lygia Clark, Carlos Cruz-Diez, Willys de Castro, Alejandro Otero, Mira Schendel, Gego e outros. “O diálogo entre movimentos, que nem sempre se deu historicamente, é mostrado nesta exposição quando comparamos as enormes diferenças entre as estratégias neoconcretas de Willys de Castro e Hélio Oiticica e os artistas venezuelanos Carlos Cruz-Diez e Alejandro Otero”, diz Ariel Jiménez, curador-chefe da Coleção Cisneros.
Se as diferentes estratégias criativas são perceptíveis no percurso da exposição, o tempo funciona como um fio condutor para alinhavar as semelhanças. Como em um jogo especular em que os opostos se atraem, são notáveis as similaridades entre os trabalhos embrionários de Lygia Clark e do venezuelano Jesús Soto. Os dois artistas iniciaram sua produção com uma pintura figurativa, de tratamento geométrico. Posteriormente, desenvolveriam uma arte que exige a interatividade entre público e obra, favorecendo diferentes perspectivas do uso do corpo. Tanto quanto as obras cinéticas de Soto, Lygia envolve o público com seus bichos manuseáveis. Se a brasileira provoca o movimento corporal do espectador que manipula sua escultura, as peças de Soto requerem a movimentação espacial do observador, para a visualização do cinetismo de suas formas e cores. Ambos viriam logo a modificar a linguagem concretista, expandindo suas criações para fora do quadro e inaugurando uma nova postura em relação ao objeto artístico. Talvez, não por coincidência, são hoje dois dos artistas latino-americanos em maior ascensão no mercado das artes.
29ª Bienal promete montagem inovadora por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 28 de agosto de 2010.
Exposição contará com disposição labiríntica das obras nos andares
Curadoria pediu espaço inspirado no livro "O Jogo da Amarelinha" do escritor argentino Julio Cortázar
Na porta da sala da curadoria, o cartaz faz a contagem regressiva: "Faltam 26 dias", podia-se ler na última quarta-feira. Já no pavilhão da Bienal, apenas quatro artistas trabalham em suas obras: Luiz Zerbini, Marcius Galan, Henrique Oliveira e Nuno Ramos.
Mas isso não significa que há atrasos. As paredes estão praticamente prontas, e "a previsão de entrada das obras é a partir da próxima quinta-feira", conta Marta Bogéa, arquiteta responsável pela expografia da 29ª Bienal de São Paulo.
Prevista para ser aberta a convidados no dia 21 de setembro, e para o público no dia 25, a mostra deve deixar o público atônito. Isso por conta da inovadora montagem no pavilhão de Niemeyer.
Em vez de salas que se sucedem uma após a outra, a disposição dos espaços lembra o cenário de um filme expressionista, com seus personagens em situações labirínticas. "Aqui, o visitante precisa reposicionar sua frontalidade o tempo todo", descreve a arquiteta.
NÃO LINEARIDADE
"Um dos pedidos da curadoria é que a montagem fosse como o livro "O Jogo de Amarelinha" [de Julio Cortázar], no qual não é preciso uma leitura linear", disse Bogéa à Folha. A arquiteta já cuidou da expografia da 27ª Bienal, "Como Viver Junto", com curadoria de Lisette Lagnado, em 2006.
Há quatro anos, "a ideia era a da transparência, a montagem não devia ter uma visibilidade, enquanto, aqui, a opacidade foi uma demanda e, com isso, a arquitetura se tornou um elemento ativo", conta Bogéa.
A entrada da mostra será pelo térreo, onde estarão poucos trabalhos e o espaço, amplo e generoso.
Mas, conforme o visitante segue por dentro do prédio projetado por Oscar Niemeyer, o caminho vai se tornando mais confuso, até alcançar o clímax no segundo andar, justamente aquele espaço deprimente na polêmica última edição, em 2008, que ficou conhecida como Bienal do Vazio.
Essa nova configuração foi definida, segundo Bogéa, na reunião geral dos sete curadores, em março passado. "Cada um deu uma sugestão importante, como o sul-africano Sarat Maharaj, que disse que era preciso multiplicar o sentido da errância no percurso", conta.
Entretanto, essa organização bastante complexa não é sufocante, pois está repleta de respiros. Primeiro pelos espaços livres nas laterais do pavilhão, que permite uma ampla visão da paisagem do parque do Ibirapuera. Depois por conta dos seis terreiros dispostos ao longo da exposição, parte da ideia curatorial em criar espaços de encontro durante a exposição, e que são organizados por outros arquitetos e artistas.
Até o momento, a mostra conta com 161 artistas contra os 148 anunciados anteriormente. Saíram nomes de peso, como o russo Ilya Kabakov, enquanto foram agregados outros também importantes, como o cineasta Jean-Luc Godard e o dramaturgo Samuel Beckett.
agosto 23, 2010
Bienal: guia de navegação por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé Independente em 20 de agosto de 2010.
O curador Agnaldo Farias diz que a 29ª Bienal de São Paulo tem poesia e política como motrizes
Paula Alzugaray
LUGAR DE DEBATE
Farias: “Política não é espaço, é prática”
Com o sugestivo título “Há sempre um copo de mar para um homem navegar”, verso emprestado de obra do poeta Jorge de Lima, a 29ª Bienal de São Paulo prepara-se para içar velas. Quando inaugurar em 25 de setembro, apresentando cerca de 200 obras de 148 artistas, quer não apenas espraiar seus efeitos nos visitantes da exposição, mas deixar marcas na sociedade, atingindo 40 mil professores de escolas públicas paulistas.
“A Bienal não é apenas sobre arte e política. Ela é um espaço político”, diz Agnaldo Farias, no leme do projeto, ao lado de Moacir dos Anjos.
Há um norte magnético para definir o conceito de “arte e política”?
Nossa ideia é criar um conceito-arquipélago, sem bordas nítidas.
Queremos escapar de uma noção literal do binômio “arte e política”, associada a uma tradição realista, e recuperar uma outra compreensão, de uma arte mais experimental, que ataca no âmbito da linguagem, levando a novas formas de sociabilidade e de compreensão do objeto artístico. Passamos por cima da tradição figurativa e dela só recuperamos o Goeldi, pelo inesperado que ele é. Porque ele faz um Brasil lúgubre, sombrio, faz uma desmontagem de uma certa noção de Brasil.
Associa-se à obra “Invenção de Orfeu”, de Jorge de Lima, a noção de hipertexto, polifonia. A diversidade é uma bandeira política da exposição?
Política é fundamentalmente isto. Contra o discurso monotônico, é o afloramento das mais diferentes vozes. É a tentativa de acordo, não de consenso. Isto está patente na própria estrutura da Bienal, que é toda multifacetada. A expografia cria toda uma tortuosidade, cheia de pontos de vista, angulações, com uma surpresa a cada passo. Cria praças, cubículos, vielas, passagens e o convívio de múltiplas
expressões. De pintura a instalação sonora. Há também os “terreiros”, que vão funcionar como respiros, espaços de repouso, paragens. Está evidente no espaço essa busca da diversidade, da polifonia da poesia. A Bienal tem a poesia como primado, sua guia, motriz.
Na Bienal anterior, “praças públicas” foram criadas para promover um encontro entre arte e público que, afinal, não aconteceu. Qual a diferença entre o terreiro e a praça pública?
A diferença é a demarcação. A praça remete ao ágora da pólis grega. A ideia de terreiro é eminentemente luso-brasileira, tem um dado do religioso, do profano, da dança. O terreiro é um espaço de resistência, tanto quanto o drible no futebol. A própria alegria é uma resistência.
O terreiro está em toda parte. Você o ilumina e o ocupa. A política não é um espaço, é uma prática. Estamos aqui propiciando espaços, mas, se eles não são usados, nada acontece.
A criação de espaços de convívio é parte do projeto de aproximar a Bienal da sociedade?
Há um desejo da Bienal de se aproximar da sociedade, mas, mesmo que ela atinja a meta de um milhão de visitantes, isso é muito pouco perto do que pode e deve fazer. Por isso, o nervo da Bienal é seu projeto educativo. Falar em exposição política sem discutir educação é conversa fiada. Montamos com a Stela Barbieri um caderno educativo com cartelas de 30 artistas contemporâneos e conceitos que estão na ordem do dia, apresentados por textos simples sem serem simplistas. São jogos a serem trabalhados nas salas de aula, que viram “terreiros” de debate.
A Bienal sempre foi uma janela para a arte internacional, mas agora divulga a intenção de olhar a arte contemporânea desde a ótica brasileira. Como equacionar essas intenções?
A Bienal pode ser simultaneamente espetacular e inteligente, atingindo diferentes públicos. A Bienal não é apenas sobre arte e política, ela é um espaço político, que privilegia encontros e deixa surgir as diferentes expressões. Ela é feita no Brasil, deve encarar que este é um país de grandes diferenças sociais e deve contribuir para a diminuição dessas diferenças. Isso significa ser eminentemente educativa. Agora, é preciso trazer a água para o nosso moinho. E pensar que nesse mundo não há centro. A história sobredetermina a geografia. Nos interessa pensar nossos contextos particulares e estreitar nossas relações com os colegas da América do Sul, que têm paralelismos que só agora começam a ser mapeados pelas histórias da arte. Não vamos ficar esperando o aval europeu e americano para valorizarmos as nossas discussões.
Arte Frankenstein por NIna Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé Independente em 20 de agosto de 2010.
FILE-FESTIVAL INTERNACIONAL DE LINGUAGEM ELETRÔNICA/Espaço Fiesp, SP/até 29/8 Emoção Art .ficial 5.0 - Bienal Internacional de Arte e Tecnologia/ Itaú Cultural, SP/ até 5/9
Desde os tempos mais remotos, foi necessária a elaboração de técnicas para qualquer criação artística. Da perspectiva clássica à máquina fotográfica, arte e tecnologia são duas faces da mesma moeda, mas hoje, por um mal-entendido, estão em conflito. É discrepante o fato de que exista uma separação categórica entre “arte e tecnologia” e “arte contemporânea”. Artemídia, arte eletrônica e arte digital são algumas das nomenclaturas que se popularizaram nos últimos 40 anos desde que a categoria da “arte e tecnologia” adentrou os circuitos das Bienais, ganhando um espaço separado, como se essa fosse uma filha bastarda. Exemplo é o caso da Bienal de São Paulo, que em 1964 chegou a um impasse diante da escultura cinética de Abraham Palatinik. “Cinecromático” era algo que estava entre a escultura e a pintura, mas trazia ali um maquinismo que fugia às categorias. Este incômodo, essa falsa falta de familiaridade criam uma necessidade de novas categorias artísticas. Para serem colocadas sob o guarda-chuva da arte, criam-se essas classificações como zonas de conforto.
Atualmente, São Paulo dá lugar a dois dos mais tradicionais festivais de arte e tecnologia do País: o Emoção Art.ficial 5.0 e o FILE. Os dois eventos tentam fazer um panorama desse tipo de arte numa espécie de bolha independente dos demais circuitos artísticos. Essa separação entre categorias produz filhos esquizofrênicos. São inúmeros os trabalhos que utilizam software art e que podem se encaixar nesse tipo de contradição. Um software não é nada mais que um conjunto de códigos que reproduzem uma função específica. É uma linguagem que pode ser usada para atingir um resultado estético, assim como a técnica da perspectiva – também um código – foi usada amplamente na arte renascentista e depois subvertida dentro da arte moderna. Mas, até que ponto, ao se limitar a processos de traduções do código digital, a arte com softwares não está recaindo precocemente em um maneirismo? Como podemos identificar uma linguagem artística dentro da linguagem dos softwares, em trabalhos que simplesmente se articulam como processos, deixando de lado a preocupação com resultados estéticos e com aquilo que é mais caro à arte: o questionamento aos contextos da produção artística dentro de um panorama mais global? Tudo bem, o FILE não traz em seu nome a palavra arte, é um festival de linguagens eletrônicas e em seu apanhado deixa isso claro. Mas então por que ainda tenta reproduzir os modos de exibição de exposições tradicionais de arte?
Marchande é acusada de valorização ilegal por Fernanda Mena e Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Fernanda Mena e Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S.Paulo em 23 de agosto de 2010.
O Ministério Público Federal está investigando o Instituto de Arte Contemporânea (IAC) e a galerista Raquel Arnaud, que até anteontem presidiu o instituto, por um suposto desvio de finalidade no uso de dinheiro público.
O inquérito civil partiu de uma representação do Sindicado Nacional dos Artistas Plásticos (Sinap), que acusa Arnaud de se beneficiar da valorização de obras de sua coleção pessoal ou de sua galeria expostas no IAC.
Segundo a denúncia, as obras expostas sofrem "grande valorização no mercado de arte". O texto cita como exemplo a exposição "Campo Ampliado", que captou R$ 780 mil de renúncia fiscal.
Das 67 obras expostas da mostra, 14 eram da coleção pessoal de Arnaud e nove pertenciam ao Gabinete de Arte Raquel Arnaud, galeria onde estariam à venda.
Desde 2007, quando abriu sua sede na rua Maria Antonia, em prédio cedido pela USP, o IAC captou R$ 2,738 milhões pela Lei Rouanet (de incentivo à cultura por meio de renúncia fiscal).
Procurada pela Folha, Arnaud disse que o inquérito é uma "maledicência que não tem fundamento nem provas" e afirmou que não vendeu nenhuma obra de sua coleção pessoal ou de sua galeria que foi exposta no IAC.
"O curador escolheu obras que, por acaso, eram minhas", justificou Arnaud.
Criado há 13 anos, o IAC tinha como objetivo difundir o legado de Sérgio Camargo, Willys de Castro, Amilcar de Castro e Mira Schendel.
Arnaud representa o espólio de Camargo (tema de mostra que será aberta hoje no IAC) e tem obras dos demais no acervo de sua galeria.
Amílcar de Castro e Mira Schendel são representados pelo galerista André Millan, que chegou a integrar a direção do IAC. "Resolvi me desligar do cargo, porque trabalho com mercado", disse ele.
A abertura do inquérito coincide com mudança de paradigma na instituição. Pedro Mastrobuono, empossado ontem como presidente, disse que foi convidado para mudar o perfil do IAC, que deve se tornar um laboratório para exame e perícia de obras de arte em parceria com o Museu Van Gogh.
agosto 19, 2010
Radiografia do novo MAC por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé Independente em 19 de agosto de 2010.
Sob a direção de Tadeu Chiarelli, o Museu de Arte Contemporânea da USP inaugura a sua sede e entra em nova fase
“O edifício do MAC é um monumento, que agora vai fazer parte da coleção do próprio museu”
(Tadeu Chiarelli)
Quatro andares para uma grande exposição permanente do acervo, dois andares para exposições de arte contemporânea e um anexo formatado para mostras de artistas em meio de carreira. No início de dezembro, quando o MAC USP inaugurar sua nova sede, no antigo edifício do Detran, terá à sua disposição um espaço de 32 mil metros quadrados para colocar em prática as linhas mestras de seu novo diretor, Tadeu Chiarelli: mapear, prospectar e “retrospectar” a arte.
“O foco do museu é sua coleção e tudo gira em torno dela”, afirma Chiarelli, que traz na bagagem a experiência de 27 anos como professor-doutor da USP e a curadoria-geral do Museu de Arte Moderna de São Paulo entre 1996 e 2000.
Com a mudança de espaço, muda o projeto do museu?
O MAC poderia mudar de sede e manter a mesma linha de atividades, mas nós queremos aproveitar essa mudança para transformar a perspectiva política do museu.
Em que medida o fato de o MAC ser um museu universitário influencia seu projeto?
O que distingue o museu é, primeiro, seu corpo estável de profissionais, que tem como foco o estudo da coleção. Por outro lado, uma coleção importantíssima, que nos últimos anos não tem tido oportunidade de ser mostrada com uma periodicidade interessante. Vejo nos museus uma tendência de acelerar muito a periodicidade das exposições. Por ser um museu universitário, o MAC não precisa entrar nessa corrente. O tempo da arte é um tempo desacelerado, voltado para a contemplação e a reflexão. O foco do museu é a coleção. Tudo gira em torno da coleção existente e das possibilidades de ampliação dessa coleção. Com uma visão sempre retrospectiva e prospectiva. Isso vem muito da experiência que tive de museu de arte universitário na minha formação. Quando eu estudava arte, o (Walter) Zanini era professor no departamento de artes plásticas e era diretor do MAC.
O MAC precisa de todo aquele espaço do novo edifício?
Precisa. Hoje o MAC só consegue mostrar em torno de 2% de seu acervo, que tem cerca de dez mil obras. É muito pouco.
O Zanini dizia que todo cidadão de São Paulo tem o direito de entrar na Pinacoteca para ver o “Caipira Picando Fumo”. O MAC tem uma belíssima coleção e a ideia é que essa coleção seja mostrada em sua grandiosidade na maior parte do espaço expositivo do museu, em uma grande exposição de longa duração, por mais de um ano. Outro aspecto é chamar a atenção para o que está por vir. Como museu de arte contemporânea, devemos assumir esse fator de risco.
O museu vai evitar mostras que não se enquadrem no seu projeto curatorial?
Exatamente. Hoje o circuito está muito sofisticado e, se você não tem ideias, vira um balcão de exposições. O MAC vai estabelecer suas diretrizes e, a partir daí, dialogar com o circuito, sem ficar refém das ofertas.
Podemos dizer que, mesmo com toda a visibilidade do novo edifício, seu projeto é “antiespetacular”?
O espetáculo é o edifício em si, porque é da década de 50, a melhor fase de Niemeyer. É emocionante. É um monumento que, por si só, vai atrair o público. O outro espetáculo é a coleção. Mas não faz parte da minha linha de compreensão da arte montar uma exposição de “obras-primas”. Se quiséssemos, o MAC conseguiria: tem o único autorretrato do Modigliani, tem um Matisse fabuloso. Mas queremos mostrar todas essa obras dentro de conflitos e questões. Interessa perceber Modigliani no contexto geral da obra do artista. Isso é educação. O MAC será um espaço de resistência em todos esses níveis. Por ser um museu público, deve propiciar um diferencial na fruição da obra e na experiência do público com a arte.
O MAC tem adquirido obras?
Com muita dificuldade. Quero negociar um programa de aquisição. O momento da minha chegada é o momento mais profícuo, em que estamos tentando estabelecer uma compreensão comum do que é o MAC, do que ele já tem e do que se quer. Não vou ficar à mercê do que está disponível. Se sei exatamente o que quero, vou criar condições dentro da universidade para conseguir.
Inaugura em setembro?
Não, a obra termina no final de agosto, mas consegui adiar a inauguração para dezembro. Achei que vocês queriam aproveitar a Bienal. Queriam. Mas não estamos disputando com a Bienal. O MAC tem um papel a cumprir dentro do circuito paulistano. Tem uma história muito importante, com altos e baixos, e agora ocupa um espaço físico onde vai poder redimensionar o seu espaço simbólico.
Carlito Carvalhosa e Philip Glass - Música das esferas por NIna Gazire, Istoé
Matéria de NIna Gazire originalmente publicada na Istoé Independente em 19 de agosto de 2010.
CARLITO CARVALHOSA E PHILIP GLASS - A SOMA DOS DIAS/ Pinacoteca de São Paulo, SP/ até 7/11
No início de agosto, o pianista norte-americano Philip Glass, conhecido por composições contemporâneas de estruturas bachianas, se apresentou juntamente com a Escola de Música de São Paulo – Tom Jobim, em um recital de piano um tanto diferente daqueles executados em salas de concerto. Glass tocou no centro de uma espiral de tecidos que conforma a instalação “A Soma dos Dias”, obra de Carlito Carvalhosa desenvolvido para o Projeto Octógono Arte Contemporânea da Pinacoteca de São Paulo. Separado do público por planos translúcidos, o músico apresentou uma seleção de suas peças musicais. A ideia surgiu de uma parceria entre os dois artistas em que música e espaço se integram em um espetáculo sensorial, em exposição até novembro. Eles comentam seus processos de criação.
Desde o início da carreira, nos anos 1960, o sr. já realizou várias colaborações com artistas plásticos, como, por exemplo, Richard Serra.
Como é para o sr. a integração da música e das artes visuais?
Philip Glass – A motivação artística do músico e do artista visual vem do mesmo lugar. Ambos esperam alguma participação do espectador. Aqui, a música é integrada ao espaço que Carlito desenvolveu e que não transmite significados prontos. O que vale é a experiência individual que cada um vai ter ao apreender o espaço. A instalação é um catalisador para que as pessoas tenham uma experiência ampliada pelo lugar físico. A música tem o mesmo papel. Ela só é completa quando alguém a escuta. A obra que fiz com o Richard Serra era uma escultura estática. Nessa obra de Carlito existe o movimento e o translúcido dos panos que me possibilitam ver o movimento das pessoas e suas reações. Há uma interação mais dinâmica.
Como surgiu a parceria?
Carlito Carvalhosa – Conhecemo-nos há mais de dez anos, no Rio, e nos tornamos amigos. Comecei a elaborar essa obra e pensei no Philip para fazermos o trabalho juntos. Ele ficou muito contente e desde o início a ideia não foi a de tornar a música um objeto incidental do trabalho. Os dois só funcionariam juntos, o espaço e a música, completando-se. São dois níveis de experiência que acontecem ao mesmo tempo e no mesmo lugar. Depois de ter um protótipo pronto, o apresentei para o Philip, que desenvolveu uma programação musical para a Escola de Música de São Paulo e outra para ele mesmo. Não estamos em momento algum tentando traduzir a música em peça visual ou vice-versa.
A música já esteve presente em outros trabalhos seus?
Carlito Carvalhosa – Sim, a primeira vez que usei a música foi em uma performance no Rio. Mas é a primeira vez que a música tem esse papel protagonista dentro da obra.
O sr. tem trabalhos inspirados em paisagens brasileiras, como “Itaipu” e “Days and Nights in Rocinha”. Como se dá a relação entre a música e os cenários culturais visitados?
Philip Glass – Bom, eu viajo muito ao Brasil e provavelmente até o conheça mais do que algumas pessoas que vivem aqui. Já toquei em Salvador, Porto Alegre e no Rio e o País possui uma cultura musical muito rica. Quando estou aqui, sofro o impacto da sua vida musical.
As idades de Anita por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé Independente em 19 de agosto de 2010.
Retrospectiva no CCBB Rio expõe as muitas faces de Anita Malfatti, de protagonista do modernismo ao retorno à ordem
É comum ver na biografia de artistas modernos, ativos na primeira metade do século XX, uma evolução do academicismo ao abstracionismo. Sempre se sustentou que era preciso conhecer a ordem para poder corrompê-la. A regra não se aplica, no entanto, a Anita Malfatti, reconhecida pioneira do modernismo no Brasil. Nos 40 anos que separam “O Farol” (1915) de “O Batizado”, a pincelada inquieta e expressionista acalma-se em um silencioso “retorno à ordem”. Autora de algumas das maiores e melhores obras polêmicas da arte brasileira, como “A Boba”, “O Homem Amarelo”, “O Homem de Sete Cores” e “Nu Cubista”, Anita teve várias personalidades artísticas que podem ser conferidas na exposição “Retrospectiva Anita Malfatti”, com curadoria de Luzia Portinari Greggio.
Os primeiros anos de trabalho mostram uma Anita naturalista-impressionista que pintava burrinhos correndo e retratos de familiares, mas que já demonstrava uma forte vontade de se desgarrar da previsibilidade da forma acadêmica. O segundo módulo apresenta a Anita expressionista, que escandalizaria a sociedade paulista entre 1915 e 1922, despertando a ira do crítico Monteiro Lobato e a adoração de um grupo de jovens rebeldes que promoveriam uma revolução cultural com a Semana de Arte Moderna de 22. A irreverência de Anita arrefece no período entre guerras, como acontece com boa parte dos artistas modernos europeus, e ela começa então a manifestar uma influência de Matisse e de Bonnard, produzindo uma pintura mais suave aos olhos e aprazível aos ânimos.
Essa guinada de volta à ordem não teria mais retorno e uma Anita bem-comportada predomina na produção dos anos 30, 40 e 50.
A paisagem interiorana, que nos anos 20 foi representada de forma tão inovadora por Tarsila do Amaral, volta apaziguada pelas cores pálidas de uma Anita naïf, amante dos temas florais, e de uma Anita academicista, autora de “Época da Colonização”, que tanto desagradou a Mário de Andrade.
Mas sua retrospectiva, hoje, não se presta a promover mais um julgamento de uma obra que já foi severamente escrutinada tanto
por Lobato quanto por Andrade. Com 120 trabalhos reunidos de 70 museus e coleções particulares brasileiras, configura-se aqui o mérito do mais amplo espectro de uma vida e de uma obra.
Depois do vazio, Bienal terá labirinto para a arte por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno de Cultura do jornal O Estado de S. Paulo em 19 de agosto de 2010.
Numa comparação que já se desenha inevitável, depois da ‘Bienal do Vazio’, de 2008, a 29.ª Bienal de São Paulo, que será inaugurada para convidados no dia 21 de setembro e dia 25 para o público, vai ser bem cheia. Convidada pelos curadores Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias para trabalhar a expografia desta edição, a arquiteta Marta Bogéa se lançou ao desafio de enfrentar o emblemático edifício projetado por Oscar Niemeyer: desta vez, o visitante da mostra vai se deparar com um labirinto fluido e de paredes com tonalidades e temperaturas diferentes do branco tradicional. Pensando em atrair o público para experiências diversas no espaço, ela batizou seu projeto de "arquipélago".
Para acomodar as obras de 148 artistas participantes no grande pavilhão do Parque do Ibirapuera e, ao mesmo tempo, promover um percurso instigante pela exposição, Marta propôs um trajeto pelos quatro pavimentos do prédio. No andar térreo, com entradas pelas laterais - uma delas, de frente para a marquise que acomoda o MAM - , o passeio começará mais aberto e feito apenas por algumas linhas. Depois, ele se adensa completamente, tendo o segundo andar como auge dessa experiência de agrupamento.
Neste segundo piso - que na 28.ª Bienal estava completamente vazio, estimulando o apelido que a mostra ganhou - o público vai se sentir como numa "cidadela medieval", diz Marta se referindo a um feliz comentário que escutou. "Na surpresa do percurso, encontraremos um ou outro núcleo - e isso nasceu nas primeiras conversas com os curadores, quando eles deram algumas chaves importantes do projeto da 29.ª Bienal: o espaço é contínuo, mas não precisa ser hierarquizado", conta a arquiteta, que optou pela concepção de "uma geometria a partir de uma malha de diagonais".
Referência. "Você pode se perder como em todo bom labirinto", ela brinca, mas vale ressaltar que, de maneira alguma, a experiência no espaço será claustrofóbica apesar da criação de núcleos com quinas e de uma quantidade grande de salas (vídeos e filmes são presença forte nessa mostra) e da determinação dos seis "terreiros" (espaços especiais da mostra) de 120 m² que se espalham por todo o edifício. Já é uma marca da arquiteta, em seu segundo trabalho em Bienal de São Paulo, criar projetos expográficos nos quais sempre o pavilhão de Niemeyer (com pilares e paredes envidraçadas) e o Ibirapuera são a referência para o visitante. "Quem quiser escapar do labirinto tende a ir em direção aos vidros, os caixilhos, para encontrar o eixo do edifício em sua dimensão completa."
"O Agnaldo (Farias) fez uma metáfora: é como no Rio de Janeiro, em que você vai para a linha do mar para encontrar a paisagem", diz ela ainda, completando que num tipo de exposição tão extensa, essa é uma maneira de "o público ter direito de escape". Outro artifício usado pela arquiteta foi o de criar paredes com alturas diferentes (de 3,10 m e de 4,10 m) e que nunca chegam ao teto dos pavimentos, fechando o que seria uma visada geral.
Em 2006, ela assinou o projeto expográfico da 27.ª Bienal, a convite da curadora-geral daquela edição, Lisette Lagnado, criando, na ocasião, uma das colaborações mais precisas e inteligentes daquela exposição (leia ao lado). "A diferença, como arquiteta, é que naquela vez o pavilhão era uma novidade para mim. É uma das grandes obras de Niemeyer, difícil de trabalhar na medida em que é um prédio encantador", diz Marta, que desde 1997, no Arte/Cidade 3, está se dedicando diretamente à arquitetura de exposições.
"Talvez a arquitetura mais difícil de se colocar uma presença é aquela que já traz em si uma potência. E, nesse caso, a de Niemeyer é linda, se resolve, constrói espaço atípico e variado. E seu vão é dos grandes espaços de verticalidade. Ele próprio já encaminha para visuais inesperadas quando você bordeja o vão", ela analisa.
Artes em campo expandido por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do jornal Diário do Nordeste em 19 de agosto de 2010.
Reunindo grandes nomes das artes visuais no Brasil, o CCBNB realiza hoje e amanhã seminário sobre as relações entre arte, cultura, natureza e tecnologia
Muito mais que um meio imutável a ser representado, a natureza passa a ser substância real com a qual alguns artistas contemporâneos realizam suas poéticas. Há algumas décadas, eles vêm migrando dos espaços convencionais da arte como ateliês, galerias e museus para se afrontarem com a imensidão dos espaços e tempos infinitos do território natural.
Vários exemplos podem ser encontrados pelos artistas ligados à "Land Art", tendência na qual o meio ambiente se torna o próprio campo de experimentação artística; como os trabalhos desenvolvidos pelos norte-americanos Robert Smithson (1938-1973) e Walter de Maria (1935).
Confrontando-se com a limitação criativa determinada pelas galerias, Smithson elegeu regiões remotas como suporte para um trabalho eminentemente artesanal, utilizando materiais naturais e ampliando a dimensão dos objetos para a escala da paisagem.
Já Walter de Maria considerava a extensão da arte ao contexto e à exploração das relações entre a obra e o lugar em que se insere. Desde o final da década de 60, o caráter efêmero e a forma de degradação da obra são elementos fundamentais de sua criação artística.
Seminário
Essa excursão dos artistas para fora dos meios e espaços artísticos convencionais, e as complexas relações entre arte, paisagem, cultura, natureza e tecnologia, norteiam as discussões do Seminário Avançado de Arte, que acontece hoje e amanhã, a partir das 18h, no Centro Cultural Banco do Nordeste (CCBNB). O evento reúne nomes de peso das artes visuais brasileiras como as professoras e curadoras Glória Ferreira e Marisa Flórido, e os artistas Jailton Moreira, Nelson Félix e o Grupo Nuvem.
Segundo Chang Chi Chai, que junto aos artistas Lin Lima e Begué constitui o grupo Nuvem, o seminário é uma oportunidade de mostrar ao público de Fortaleza alguns dos principais trabalhos que vem realizando a partir da imersão no ambiente em seu sentido mais amplo.
"Buscamos atuar em lugares que nos são desconhecidos. O grupo é ainda recente. Ficamos cerca de dois meses de imersão na Chapada dos Veadeiros, no interior de Goiás, a região é repleta de erosões... A erosão é uma ferida da Terra. Num esforço humano, inquebrantável e poético, fizemos uma costura dessas ´feridas´. Tentamos suturar a cicatriz da Terra".
MAIS INFORMAÇÕES:
SEMINÁRIO avançado de arte debate as complexas relações entre Arte, Paisagem, Cultura, Natureza e Tecnologia. Hoje e amanhã, às 18h, no CCBNB Fortaleza. Inscrições gratuitas na recepção do espaço até hoje. Contatos: (85) 3464.3108
agosto 13, 2010
Mostra Entre 6 amplifica a pintura por Pollyanna Diniz, Diário de Pernambuco
Matéria de Pollyanna Diniz originalmente publicada no caderno Viver do jornal Diário de Pernambuco em 12 de agosto de 2010.
Reunir seis artistas numa exposição que toma como ponto de partida a pintura. Pode parece lugar-comum, monótono até. Não foi o que aconteceu no Museu Murillo La Greca, em Parnamirim, na mostra Entre 6, que será aberta hoje, às 19h. Andrei Tomaz, Rodrigo Mogiz, Bruno Vieira, Flávio Lamenha, Thiago Martins de Melo e Elton Lúcio conseguem surpreender porque vão além, sugerindo ao público pontos de interseção entre a pintura e outros meios, como a fotografia e o vídeo.
A exposição é a primeira deste ano do projeto Amplificadores, que está comemorando cinco anos, dando visibilidade aos artistas mais jovens. São propostas de exposições normalmente capitaneadas por um curador, que tem a tarefa de reunir os artistas. No caso de Entre 6, foi o pernambucano Bruno Vieira, quem teve a ideia de se inscrever no edital e, para tanto, começou a reunir colegas que pudessem agregar novos formatos e visualidades. Pensou primeiro em partir da paisagem, como tinha feito em 2008, na galeria Mariana Moura, em Boa Viagem. Decidiu depois ampliar o conceito para pintura.
No seu trabalho, obras da série Vista inevitável, Vieira traz paisagens e a linha do horizonte. Uma visão plácida? Poderia até ser, não fosse pelo suporte utilizado: cortinas persianas. Um elemento desarticulador, desagregador. Se normalmente abrimos a cortina para apreciar a vista, aqui é o contrário. Ao fazê-lo, a obra está 'desfeita'.
Noutra parede, o mineiro Rodrigo Mogiz expõe um trabalho delicado, mas impactante. Eles fazem parte da série Mapas imaginários. O artista mistura desenho, bordado, pintura. Linhas, alfinetes, cortes e recortes num tecido fininho, de algodão, a entretela. Há inclusive algumas camadas deste tecido sobrepostas. O artista usa como referência o universo da obra Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. Usa a iconografia do interior, fala da natureza, da violência, do afeto.
Outro trabalho que também trata de afeto - e do contraponto, a solidão-, é do também mineiro Elton Lúcio. São pequenos quadros que partem do desenho, mas são pintados,em acrílica sobre papel. Trazem personagens únicos numa tela cheia de linhas, listras. Percebe-se a perspectiva, o horizonte, as formas, onde o vazio também está nas pessoas.
Complementam a mostra as fotografias de Flávio Lamenha (SP), a pintura de Thiago Martins de Melo (MA) e um vídeoinstalação de Andrei Tomaz (SP). De tanto registrar exposições, o fotógrafo Flávio Lamenha decidiu começar a experimentar - e foi convencido pelos amigos de que o que estava fazendo era arte. Ele é o próprio modelo, múltiplo, de suas fotos. Numa brincadeira que pode reproduzir a Santa Ceia ou uma galeria de arte. As pinturas de Thiago Martins de Melo parecem colagens, com várias camadas de tinta e planos. Ele usa a fotografia e leva ao quadro o autoretrato e a sua relação íntima com a esposa. Por fim, a vídeoinstalação de Andrei Tomaz vai desconstruir imagens do público, através de uma webcam. A visitação ao museu é de terça a sexta, das 9h às 12h e das 14h às 17h; e aos sábados, das 14h às 17h.
Mostra em SP reúne 30 obras raras de Sergio Camargo. estadão.com.br
Matéria originalmente publicada no caderno Cultura do estadão.com.br em 13 de agosto de 2010.
No ano passado, um relevo em madeira do escultor carioca Sergio Camargo (1930-1990), datado da década de 1960, foi arrematado por mais de US$ 1,5 milhão em leilão da Sotheby?s, em Nova York. É um fato, mas o curador e professor Paulo Venancio Filho quer acreditar que os altos preços alcançados atualmente pelas obras do escultor não sejam parte apenas de um fenômeno. "Que isso possa se traduzir em interesse de vê-lo", diz Venancio, completando que apesar de toda a aura de consagração de Camargo na recente história da arte brasileira, ele não é tão conhecido assim do público.
Por isso, a exposição "Sergio Camargo - Claro Enigma", que será inaugurada amanhã para convidados e a partir de domingo aberta a visitação no Instituto de Arte Contemporânea (IAC), em São Paulo, é uma oportunidade de se ver reunido um conjunto significativo de 30 obras do escultor, passando, de uma maneira fluida, por sua trajetória entre as décadas de 1950 e 1980. A mostra, com curadoria do próprio Venancio, ressalta, justamente, peças raras do artista, todas elas pertencentes a coleções particulares brasileiras - apenas uma escultura em mármore de Carrara, de 1978, é emprestada do acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo.
"Não é uma retrospectiva", diz o curador, completando que sua ideia foi evitar na seleção obras do espólio do artista porque "essas são sempre mostradas". Desde que o escultor morreu, há exatos 20 anos, sua última exposição individual de mais peso ocorreu em 1999, no Palácio do Itamaraty. O IAC, legalmente criado em 1997, foi fundado para institucionalizar a obra de quatro artistas, Sergio Camargo, Willys de Castro, Mira Schendel e Amilcar de Castro. "Claro Enigma" é a primeira individual que o instituto dedica ao escultor.
Além de esculturas, relevos, croquis e fotografias (fazendo menção à sua arte pública), a exposição se completa com a exibição do documentário "Se Meu Pai Fosse de Pedra", dirigido pela filha do artista, Maria Camargo. Estão previstos também um ciclo de palestras, com participação de Paulo Venancio Filho e de convidados como o crítico britânico Guy Brett (dia 17/9) - que teve grande contato com o escultor e foi um dos impulsores de criadores como Hélio Oiticica e Lygia Clark na Europa - e lançamento, em setembro, de livro de poesias e escritos de Sergio Camargo recolhidos por sua filha Maria e pela escultora Iole de Freitas e reunidos em edição feita pela Editora Bei e pela escritora Beatriz Bracher. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Museu Lasar Segall recebe lote de peças do artista, estadão.com.br
Matéria originalmente publicada no caderno Cultura do estadão.com.br em 13 de agosto de 2010.
O Museu Lasar Segall, na Vila Mariana, único museu federal em São Paulo, recebeu oficialmente em doação ontem, da família do pintor Lasar Segall, o último lote de expressivas obras, documentos, mobiliário, matrizes e objetos. Além da cessão definitiva da casa anexa, de 700 metros quadrados, projeto do arquiteto Jorge Wilheim. O lote passa a integrar agora o acervo da instituição, hoje com mais de 3 mil obras, que é público.
Atualmente gerido pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), ligado ao Ministério da Cultura, o museu foi idealizado por Jenny Klabin Segall em 1967 e implementado pelos filhos do pintor, Mauricio e Oscar Klabin Segall (já falecido).
Mauricio Segall, seus filhos e Beatriz Segall (nora do pintor), além de convidados como o ensaísta e crítico literário Antonio Candido, participaram da cerimônia de doação de todo o lote - 8 mil documentos, 5.304 fotografias, 501 objetos - incluindo peças pessoais de trabalho do artista -, 171 matrizes de gravuras, 12 móveis e mais 8 obras. Também presente ao evento, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, anunciou a doação de uma 9.ª obra: uma aquarela de 1956.
Oficialmente, desde janeiro o Museu Lasar Segall não pertence mais à família. Foi quando foram derrubadas as últimas salvaguardas que mantinham o patrimônio do museu ainda passível de ser retomado pela família - como a sede da instituição, projeto modernista de Gregori Warchavchik, residência de 1936, onde viveu Lasar Segall.
O ministro Juca Ferreira disse que Lasar Segall, que nasceu na Lituânia, poderia ter sido um artista de peso no ambiente de vanguarda da Europa, mas preferiu instalar-se no Brasil, onde "disseminou conhecimento técnico sofisticadíssimo" e demonstrou em sua obra grande comprometimento com a cultura brasileira. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
agosto 12, 2010
Coleção Pirelli se volta a artistas do Pará e da Bahia por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S.Paulo em 11 de agosto de 2010.
No vale do Amanhecer, fiéis se vestem como reis e rainhas. Guy Veloso extrai dessa devoção alegórica um preto e branco faiscante, luz que estoura os limites da fotografia e parece descascar a película até o pó de prata.
Suas imagens agora no Masp, entre as aquisições atuais da coleção Pirelli, resumem a força da seleção de artistas da Bahia e do Pará.
Veloso, paraense escalado para a próxima Bienal de São Paulo, registrou homens e mulheres de um dos templos da doutrina. Olhos abertos formam um contraponto entre a crueza da fotografia e a teatralidade barroca da seita.
São olhares em êxtase que ultrapassam os limites desse claro-escuro, numa vertigem quase colorida. É o mesmo salto de Bauer Sá, baiano negro que só fotografa negros. Preto sobre preto, suas construções lembram a pegada contraditória do minimalismo de Mario Cravo Neto, que oscilava entre densos monocromos e a volúpia do Carnaval e do candomblé.
Mas vai além dessa lembrança. Pele e olhos na obra de Sá vêm com a plasticidade de Robert Mapplethorpe e os excessos de Richard Avedon -hibridismo que ecoa a miscigenação do ponto onde a África se juntou à América.
É a mesma marca de Mariano Klatau Filho, paraense que funde em suas imagens sequências de fotografia real, reproduções de pintura e quadros de filmes e vídeos.
Uma paisagem marítima roça o retrato de um garoto à luz do sol. Noutra montagem, uma tela de Edward Hopper, mulher nua que olha pela janela, se separa de uma cena de "21 Gramas", com Sean Penn pelado e sozinho fumando um cigarro. Parecem estar todos naquele mesmo ponto entre a fantasia e a devoção.
Murillo La Greca inaugura exposição Entre 6, globo.com
Matéria originalmente publicada na seção Diversão do site globo.com em 9 de agosto de 2010.
Evento será nesta quinta-feira (12), às 19h; essa é a primeira das três mostras, selecionadas pelo projeto Amplificadores 2010, que acontecem ainda este ano
O Museu Murillo La Greca inaugura na próxima quinta-feira (12), às 19h, a exposição "Entre 6". Essa é a primeira das três mostras, selecionadas pelo projeto Amplificadores 2010, que acontecem ainda este ano.
"Entre 6" põe em foco a presença da pintura em outras mídias, o seu impacto na variedade de meios possíveis no campo da arte e a própria pintura atual. A proposta apresenta artistas que trabalham na fronteira entre esses meios e habitam áreas de interseção com a pintura como a fotografia e o vídeo.
A proposta dessa exposição coletiva “Entre 6” surgiu da tecla Enter das mensagens instantâneas, dos e-mails trocados, diálogos via msn, skype, debates, ligações, conexões via web, “Entre” significa estar entre uma coisa e outra, entre um discurso pictórico, de conceitos e de uma prática manual, a qual implica uma mistura de tintas, cores, formas.
O trabalho, que fica em cartaz até 10 de setembro, foi produzido pelos artistas Andrei Tomaz (SP), Rodrigo Mogiz (MG), Bruno Vieira (PE), Flávio Lamenha (SP), Thiago Martins de Melo (MA) e Elton Lúcio (MG).
Murillo La Greca realiza laboratório de mediação
Atividade é para elaborar plano de trabalho para visitas guiadas ao Museu para a exposição “Entre 6”, mostra de arte contemporânea que abrirá o projeto Amplificadores 2010
O Núcleo de Arte Educação do Museu Murillo La Greca, equipamento cultural da Prefeitura do Recife, realiza entre 7 e 12 de agosto, o Laboratório de Mediação – Eu Faria Assim... para a exposição “Entre 6”. A mostra de arte contemporânea abrirá o projeto Amplificadores 2010.
A atividade é voltada para educadores, estudantes, artistas e demais interessados em construir coletivamente as propostas de trabalho para a condução de visitantes na ocasião da exposição. Para provocar, mediar e contribuir com a sistematização das propostas, o Museu conta com a participação do arte educador Carlito Person.
As aulas acontecem nos dias 7 e 9, das 14h às 17h e 10, 11 e 12, das 9h às 12h. As inscrições são feitas por telefone e o laboratório é gratuito.
ENTRE 6
"Entre 6" integra a seleção de obras apoiadas pelo Projeto Amplificadores 2010, que busca evidenciar novos artistas e disponibilizar um espaço para discutir-se questões curatoriais. A mostra “Entre 6” é composta por trabalhos dos artistas Andrei Tomaz (SP), Rodrigo Mogiz (MG), Bruno Vieira (PE), Flávio Lamenha (SP), Thiago Martins de Melo (MA) e Elton Lúcio (MG).
Serviço:
Exposição Entre 6
Abertura dia 12 de agosto de 2010|às 19h
Visitação de 12 de agosto a 10 de setembro de 2010
De terça à sexta | das 9h às 12h e das 14h às 17h
Sábados das 14h às 17h
agosto 10, 2010
Fios de arte em alta tensão por Camila Molina, Estado de S. Paulo
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno Cultura do jornal Estado de S. Paulo em 10 de agosto de 2010.
Obra do americano Fred Sandback é exibida pela primeira vez no Brasil
É uma obra mínima, mas carregada de potência: a partir do simples ato de esticar linhas em espaços com apenas fios de lã ou cordas elásticas, o artista norte-americano Fred Sandback (1943-2003) propõe trabalhos a serem vivenciados pelo público, constrói lugares de fina tensão, opera na bi e na tridimensionalidade. "Uma linha tem direção - um ponto de origem e um ponto de término. Uma linha é ainda uma discreta entidade que existe ao todo em um mesmo tempo", definiu em 1970 Sandback conclamando as diretrizes de sua obra ao longo de uma trajetória de quase 40 anos.
"Ele construiu um paradigma do que se pode fazer com o mínimo de recursos, uma opção como uma ética", diz Lilian Tone, curadora brasileira do Departamento de Pintura e Escultura do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA) e, agora, da primeira mostra do escultor no Brasil: Fred Sandback: O Espaço nas Entrelinhas, uma grande exposição que se desmembra em três locais - hoje, será inaugurada para convidados o maior segmento dela, no Instituto Moreira Salles do Rio; e depois, dia 17, as outras duas ramificações no espaço paulistano da instituição e no Centro Universitário Maria Antonia, também em São Paulo.
A mostra se fez a partir de parceria entre o Instituto Moreira Salles (IMS) e o Fred Sandback Archive, espólio do artista, perpassando sua carreira entre 1968, quando ainda cursava a Yale School of Art, até sua morte, e reunindo não só uma amostra variada de suas esculturas espaciais como desenhos, gravuras e um relevo negro em madeira. Apresenta, de uma forma direta que, como já definiu o escultor e ressalta a curadora, "existe mais de uma maneira para desenhar uma linha" - infinitas, talvez, feitas por ele, a partir de 1974, majoritariamente, com fios de lã.
Austeridade. Sandback é um aclamado criador contemporâneo que, segundo Lilian Tone, se distinguiu na geração americana do pós-Guerra, mesmo que com a influência de criadores do chamado minimalismo, entre eles, Donald Judd e Robert Morris. "A clareza inefável exalada pelas esculturas de Sandback - com sua presença aérea e serena, sua reação fluida ao contexto espacial - permeia todos os aspectos de sua produção, assim como o convite aberto para o espectador navegar pela inter-relação da obra com o lugar", ela escreve em texto de apresentação. Lilian exalta, ainda, que a obra de Sandback nos revela hoje "um conceito de escultura expandida" particular: "Não é vazia nem plena" e a cada lugar em que é recriada, configura uma situação espacial única e ganha ainda cor, com o uso de fios coloridos."
É curioso relacionar na obra de Fred Sandback, com sua construção de volumes no espaço - desde a década de 1970, quando eclodiam no cenário artístico as chamadas instalações - e criações de brasileiros. "No Brasil há grupo de artistas que pensam a escultura via processo, construção", analisa Lilian Tone, que está no MoMA desde 1991. Ela destaca "aproximações conceituais" entre Sandback e Lygia Clark - até com Mira Schendel - no sentido da criação de uma obra que insere o espaço cotidiano, mas é possível ainda se pensar numa relação do escultor com Waltercio Caldas, que expandiu o conceito de objeto - e inclusive já criou obra com fios de lã soltos, fazendo "algo mais sensual". "Entretanto, Sandback nunca deixou o fio no ar, existe sempre uma geometria, uma austeridade", diz Lilian.
Por ser a primeira exposição de Sandback aqui, este é o momento de introduzir sua obra para os brasileiros. "Infelizmente, não teríamos espaço para fazer um diálogo com criadores nacionais", afirma a curadora. O IMS prepara alentado catálogo que vai incluir imagens feitas in loco e ainda os escritos do artista.
QUEM FOI
FRED SANDBACK
ESCULTOR
O artista nasceu em 1943 em Bronxville, Nova York, e morreu em 2003. Primeiro, estudou filosofia na Yale University, depois, escultura na Yale School of Art and Architecture (onde conheceu os minimalistas Donald Judd e Robert Morris). Entre 1981 e 1996, a Dia Art Foundation manteve o Museu Fred Sandback em Winchendon, Massachusetts, e em 2003 a instituição colocou permanentemente várias de suas obras na unidade de Beacon (NY).
FRED SANDBACK: O ESPAÇO NAS ENTRELINHAS
RIO DE JANEIRO
Instituto Moreira Salles. Rua Marquês de São Vicente, 476, (021) 3284-7400. 12h/ 20h (sáb. e dom., 11h/ 20h; fecha 2ª). Grátis. Até 24/10. Abre hoje, 19h30.
SÃO PAULO
Instituto Moreira Salles. Rua Piauí, 844, Higienópolis, 3825-2560. 12h/ 19h (sáb. e dom., 13h/ 18h.; fecha 2ª). Grátis. Até 24/10. Abertura dia 17/8, 19h30.
Centro Universitário Maria Antônia. Rua Maria Antonia, 242, Higienópolis, (11) 3255-2009. 10h/ 21h (sáb. e dom., 10h/ 18h; fecha 2ª). Grátis. Até 24/10. Abertura dia 17/8, terça.
PALAVRAS DELE
Ambiente
"Meu trabalho não é ambiental. É presente no espaço pedestre, mas não é tão forte ou elaborado a ponto de obscurecer seu contexto. A obra não toma conta do espaço, mas coexiste com ele. A arte ambiental cria um novo ambiente e encobre o anterior e isso está tão distante do que almejo assim como uma pintura realista." (1975)
Escultura
"Acredito que em minha obra, o tempo, para o espectador, tem papel diametralmente oposto ao de uma escultura mais ou menos clássica. No David de Michelangelo, por exemplo, você tem de andar em volta do trabalho para coletar os fragmentos individuais de informação necessários para a compreensão da obra como um todo. Isto implica que o processo de percepção dura até você chegar a uma sensação da unidade. Em contraste, nas minhas obras, a unidade é dada desde o começo, e o processo subsequente de percepção pode durar eras." (1975)
Mac abre sede em dezembro, Estadão.com.br
Matéria originalmente publicada no caderno Cultura do Estadão.com.br em 10 de agosto de 2010.
Museu se prepara para mostrar seu acervo no novo prédio no Ibirapuera
Na atual sede. O diretor do museu, Tadeu Chiarelli: atividades terão como eixo obras da coleção e suas lacunas, ele afirma "Supermuseu", com área expositiva de 10 mil m², anexos (um deles, um grande galpão) e um futuro jardim de esculturas, é como define Tadeu Chiarelli, diretor da instituição, o novo Museu de Arte Contemporânea (MAC) da USP, com a inauguração de sua sede, dia 4 de dezembro, no prédio onde funcionava o Detran (Departamento Estadual de Trânsito), no Ibirapuera.
O edifício, projetado por Oscar Niemeyer em 1954, ainda está em obras para se tornar espaço museológico - e uma previsão anterior dizia que sua inauguração ocorreria em outubro, durante a 29.ª Bienal de São Paulo. "Vale a pena perder a Bienal para fazer a inauguração com espaços expositivos", diz Chiarelli. Sendo assim, em dezembro, o novo MAC será aberto com grandes exposições. Por quatro andares do prédio estará abrigada Arte Moderna e Contemporânea - Séculos 19-21, com cerca de 1,2 mil das 10 mil obras da coleção do museu (e enfoque na arte conceitual); em salas pequenas, mostras monográficas dos artistas Di Cavalcanti, Yolanda Mohaly, León Ferrari, José Antonio da Silva, Rafael França e Julio Plaza (bem representados no acervo); no anexo (espaço para criação), exibições inéditas de Mauro Restiffe (de registros da reforma do prédio) e de Carlito Carvalhosa; e ainda em dois pisos do edifício, exposição de "artistas emergentes brasileiros" sob o título Arte Contemporânea 2000-2013. "É uma postura retrospectiva e prospectiva, que era a tônica do (Walter) Zanini (primeiro diretor do MAC, fundado em 1963)", afirma Chiarelli.
Encontros. Mas por agora, enquanto o museu ainda tem sua sede na Cidade Universitária, um ciclo de encontros públicos com artistas, a partir de hoje, dá início às atividades do novo projeto da instituição sob a gestão, até 2014, de Chiarelli, nomeado diretor do MAC em 21 de abril. A jovem artista Sofia Borges participa hoje, entre 17 e 19 h, do primeiro bate-papo, com entrada gratuita.
Em agosto, o ciclo ocorre todas as terças-feiras, no mesmo horário, no auditório do museu (Rua da Praça do Relógio, 160, tel. 3091-3559) tendo a presença, sequencialmente, a cada dia, dos artistas Marco Willians, Gilberto Mariotti e Guilherme Peters. A programação, semanal, ainda se estende por setembro - com falas de Felipe Prando, Deyson Gilbert, Marlon de Azambuja e a dupla Luciana Ohira/Sergio Bonilha; outubro - com Fábio Tremonte e Vitor Cesar; e novembro - com Fernando Piola e Pino. Mais informações podem ser consultadas pelo e-mail ceema@usp.br. O programa nasceu da vontade de se resgatar mais uma iniciativa de Zanini, a de trazer os artistas para o museu.
Planos. A obra de transformação do antigo prédio do Detran em museu está sendo financiada, com recursos em torno de R$ 54 milhões, pela Secretaria de Estado da Cultura. Pelo novo projeto, o edifício da Cidade Universitária será dedicado a atividades didáticas e a área que o MAC tem no Pavilhão da Bienal será devolvida à entidade. O trânsito de todo o acervo (que inclui coleções como a do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira) ocorrerá, acredita Chiarelli, até o fim do 1.º semestre de 2011. Ele afirma também que a manutenção do museu será de cerca de R$ 700 mil mensais e está ainda em discussão se esse montante terá apoio da Secretaria Estadual.
Obras de Matheus Rocha Pitta analisam circulação do dinheiro por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 10 de agosto de 2010.
Trabalhos de mais três artistas completam mostra na Vermelho
Um velho televisor aparece sem as entranhas elétricas. Na casca de plástico, estão coladas imagens de montanhas de dinheiro apreendidas em operações policiais. Cédulas têm a anatomia escancarada em monitores de vigilância. Matheus Rocha Pitta também criou um fundo falso para dinheiro de mentira atrás da Vermelho.
"Esses valores saem de uma circulação comercial e entram num esquema midiático", diz Rocha Pitta. "Vira uma imagem consumida como um emblema da lei."
Numa animação, o artista esmiúça as cores do logotipo da TV Globo, dando verniz perverso ao símbolo dessa circulação espetacular.
É uma descontrução que pauta também as obras de André Komatsu e Héctor Zamora, no andar de cima.
Enquanto Komatsu faz uma árvore atravessar uma mesa e constrói uma torre de entulho, Zamora recria tijolos em novos formatos. São tentativas mais ou menos sutis de subverter a ordem dos sistemas. Na arquitetura de Komatsu, tinta e azulejos antigos extrapolam os limites do quadro e desfazem a harmonia de suas placas e retângulos áureos. Fotografias de Zamora mostram um prédio modernista cheio de bananas prensadas contra as janelas. Começam ainda verdes e depois amadurecem num amarelo que destoa da paisagem.
MATHEUS ROCHA PITTA, ANDRÉ KOMATSU, HÉCTOR ZAMORA E JOÃO LOUREIRO
QUANDO abertura hoje, às 20h; de ter. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 11h às 17h
ONDE Vermelho (r. Minas Gerais, 350, tel. 0/xx/11/3138-1520)
QUANTO grátis
Arte, ensino e liberdade por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do jornal Diário do Nordeste em 10 de agosto de 2010.
Reflexões sobre a formação em artes visuais e as relações entre o capital e a cultura foram questões debatidas nos últimos dias do Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas, no Centro Dragão do Mar
O que se espera de um espaço dedicado ao ensino de arte? Onde começa a formação de um artista? Como construir uma visão crítica quando se está inserido num sistema de ensino engessado? Um balaio de questionamentos se formava à medida que as professoras Cláudia Saldanha, Ana Maria Tavares e Suely Rolnik aninhavam a plateia com suas reflexões, durante os dois últimos dias do Seminário Arte, Invenção e Experiências Formativas, do Núcleo de Formação do Programa Dragão do Mar Educativo, realizado na semana passada.
Com a proposta de apresentar ao público cearense um modelo de ementa em que as práticas artísticas são experimentadas sem restrições, com ênfase em seus aspectos interdisciplinares e transversais, Cláudia Saldanha trouxe à tona o trabalho que a Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV), no Rio de Janeiro, vem desenvolvendo ao longo de seus 35 anos. Responsável pela direção do espaço, destacou a importância conquistada pelo lugar como ponto de referência na formação de artistas de todo o País.
"A EAV foi fundada em 1975, em pleno período da ditadura militar. A ousadia já começava aí. Idealizada por Rubens Gerschman, a escola contou com a colaboração de grandes nomes das artes visuais brasileiras: Mário Pedrosa, Lygia Pape, Lina Bo Bardi e Celina Tostes. Ela é uma espécie de Éden da intelectualidade do Brasil, um espaço de troca de ideias, de conversas", ressalta Cláudia.
O espaço funciona na antiga residência, em estilo eclético, projetada pelo arquiteto Mário Vodrel em 1920, sob encomenda do armador brasileiro Henrique Lage, para sua esposa, a cantora lírica italiana Gabriela Besanzoni. O local já abrigou eventos culturais importantes, como a montagem da peça "O Rei da Vela" elaborada por José Celso Martinez Corrêa, uma exposição inédita de fotografias de Mario de Andrade, inúmeros shows musicais, com artistas como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, Cazuza, Fagner e Chico César, realizados no projeto "Verão a Mil", organizado por Xico Chaves.
"Em 1967, Glauber Rocha filmou Terra em Transe no Parque Lage, e, em 1968, a piscina ficou nacionalmente famosa, quando Joaquim Pedro de Andrade fez dela o grande caldeirão da cultura brasileira em ´Macunaíma´. O momento era de total efervescência e dois grandes cineastas brasileiros filmavam seus clássicos utilizando o palacete como locação, em plena ditadura militar", destaca.
Atualmente, a EAV oferece cerca de 60 cursos, direcionados não só às artes visuais, apesar de este ser seu foco principal, mas também a música, dança, teatro e literatura. Além do programa para artistas, há outros cursos destinados a historiadores, pesquisadores e demais interessados em aprofundar o conhecimento e o contato com a arte. "A escola não mudou muito... Ela é livre para incorporar em seu projeto as tendências atuais e, assim, vai se reinventando e se reestruturando conforme o ritmo da própria sociedade", conclui.
"Arte é investigação"
A artista plástica e professora da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), Ana Maria Tavares, também compartilhou suas inquietações, através da palestra "A Formação em Arte: O Artista Investigador e o Fortalecimento do Contexto-Acadêmico: 1970 - 2010".
Para a professora, o artista precisa de liberdade para experimentar suas propostas poéticas, mas as instituições de ensino, em sua maior parte, ainda apresentam uma estrutura curricular fechada ao novo. Ela destacou que a formação em artes deve envolver os museus, as instituições culturais e o público.
"A experiência da arte deve ser expandida, compartilhada e sentida. A arte em estado bruto é uma abstração. É o modo de sentir e de pensar do artista. A arte nasce do território da incerteza", enfatiza. "O próprio museu se coloca em xeque. Parte da tarefa do artista é questionar a instituição, a sua prática e o sistema. O artista é o inventor, o público o campo aberto, e a obra a porta de entrada entre os dois".
Capital e cultura
Para finalizar os cinco dias do seminário, encerrado no último sábado, a pesquisadora e crítica de arte Suely Rolnik teceu uma crítica ao sistema capitalista, que articula as experiências humanas e as manipula de forma a dinamizar o mercado. "O sistema capitalista opera, puxando-nos o tempo inteiro para o consumo de subjetividades ´pret-à-porter´. Isso ocorre na ânsia de nos repaginarmos, nos reinventarmos para lidar com nossas condições de seres angustiados - por não podermos alcançar os modelos projetados a partir dos braços desse mesmo sistema - tal como a mídia faz, por exemplo", explica. Nesse contexto, observa que a própria experimentação se tornou um modelo "prêt-à-porter", expressão que vem do francês "prêt" (pronto), e "à-porter" (para levar), mas que tal fato não significa que chegamos a um esgotamento. Nascem outras questões.
Formas do infinito por Adriana Martins, Diário do Nordeste
Matéria de Adriana Martins originalmente publicada no Caderno 3 do jornal Diário do Noredeste em 10 de agosto de 2010.
"O Número", exposição do artista pernambucano José Patrício, tem abertura hoje, no Centro Cultural Banco do Nordeste
Da fruição estética à reflexão sobre temas complexos como morte, infinito e vazio. Esse é o caminho percorrido pela obra do pernambucano José Patrício, cuja exposição "O Número" será aberta hoje à noite, no Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza. Com curadoria de Paulo Herkenhoff, a exibição reúne os principais trabalhos do artista nos últimos seis anos.
Em vez de tinta e pincel, Patrício foi buscar em matérias-primas menos ortodoxas o fundamento de sua arte. O pernambucano já trabalhou com papel, botões, peças de bijuteria, bonecos e outros objetos, utilizados como módulos que se repetem para formar diferentes composições geométricas.
Dentro de um processo contínuo de experimentação e pesquisa, em 1999 o artista adotou as pedras de dominó para a realização de suas composições. As pecinhas tornaram-se marca definitiva em sua obra.
"O módulo é um elemento que existe individualmente. Pode ser uma peça de dominó, um dado, um botão. Procuro então diversas formas de agrupar esses módulos para conseguir a ideia de totalidade, algo que represente o todo", explica.
Além das obras fixas, com peças de dominó coladas em suportes de madeira, há os enormes painéis efêmeros, montados e desmontados a cada exibição. "Aqui no BNB, por exemplo, temos uma instalação chamada ´Expansão Múltipla´, montada no piso de uma área ao lado do hall. O local é ideal porque a obra pode ser visualizada do primeiro andar, de forma mais inteira", ressalta o artista.
Dominós aos milhares
É a segunda vez que "Expansão" é exibida ao público - a primeira foi na Pinacoteca do Estado de São Paulo. "Uso milhares de pedras de dominó. Aqui elas foram montadas em quatro dias, com a ajuda de uma equipe", revela. Segundo Patrício, cada quadrado desse grande "tapete" é feito com jogos de 28 pedras iguais, separadas previamente (pedras só com os números 2 e 4, ou 5 e 3, por exemplo). "Assim, crio ritmos e estruturas distintas", detalha.
A aparente oposição entre matemática e arte é um dos aspectos interessantes do trabalho de Patrício, e ponto de partida para outras reflexões. "Para construir a obra, preciso fazer cálculos, ver quantos jogos de dominó vou precisar para fazer um quadrado, por exemplo. Se faltar uma única pedra, esse trabalho de precisão e concisão não é possível", enfatiza.
Ainda assim, segundo ele, a matemática entra como coadjuvante. "Temos uma regra básica, mas a distribuição das pedras é feita em total liberdade. Estamos lidando com duas coisas: o projeto, a definição do que vai ser a obra, e a liberdade dentro desse projeto. Assim, a peça torna-se completamente diferente a cada vez que for montada", justifica.
Além da grande instalação próxima ao hall, a exposição no CCBNB conta ainda com mais duas instalações. Uma delas, chamada "Jogo Cor", é interativa. "São quatro mesas coloridas, cada uma com quatro cadeiras, pintadas com quatro cores: amarelo, vermelho, azul e verde. Em cada mesa há um jogo de dominó. A ideia é as pessoas sentarem e jogarem, participarem da obra".
A segunda instalação chama-se "Zero Jogo" e traz exatamente o oposto da anterior. "Trata-se de uma mesa com dois bancos sobre a qual há um jogo de dominó apenas com peças de número zero. Isso remete à impossibilidade do jogo, não há espaço para o desejo de ganhar", explica Patrício.
Evolução
Além das instalações, a exposição reúne mais de vinte obras de parede. "Essa é a grande exposição da minha carreira, e a segunda vez que exponho em Fortaleza. A primeira foi em 2003, no Museu do Centro Cultural Dragão do Mar", recorda
Assim, ´O Número´ revela a evolução do trabalho de Patrício. "Trata-se de uma obra extremamente singular. Pensamos nessa exposição como uma síntese do momento de maturidade dele. O critério foi trazer as melhores peças e, ao mesmo tempo, mostrar a diversidade de linguagens", ressalta o curador Paulo Herkenhoff.
Ao revisar os últimos anos da carreira de Patrício, a exposição também contribui para revelar as principais reflexões suscitadas pelo artista. "Várias peças demonstram que ´tudo muda o tempo todo´, como diz a música. Isso é algo recorrente em meu trabalho. Uso as mesmas quantidades de pedras, mas o resultado final é sempre diferente".
Patrício também ressalta que as obras transitam entre o "um" e o "todo". Assim, elas apontam para a infinitude, "coisa que talvez não alcancemos em pensamento objetivo", analisa. Para Herkenhoff, há questões ainda mais complexas embutidas no trabalho do recifense. "Patrício compreende que o inconsciente numérico é parte da civilização moderna, com suas estatísticas, cálculos, percentuais", observa.
Para o curador, a "poética do número criada pelo artista sugere reflexões sobre temas existenciais. "Por exemplo, o zero refere-se ao vazio. Ora, não teríamos o vazio dentro de nós?", questiona. "Por outro lado, essa acumulação de pedras de dominó remonta ao indizível, ao infinito, que em determinado nível significa nosso próprio confronto com a vida e a morte".
FIQUE POR DENTRO
Trajetória
NASCIDO EM 1960, o pernambucano José Patrício estudou na Escolinha de Arte do Recife, de 1976 a 1980, orientado pela gravadora Thereza Carmen Dias. Cursou Ciências Sociais e, sob a orientação de outro gravador, José de Barros, frequentou o Ateliê Livre de Gravura em Metal, do Centro de Artes da UFPE. Realizou em 1983 sua primeira individual e, dois anos depois, recebeu prêmio de artista mais promissor do Salão de Artes Plásticas de Pernambuco. Entre 1994 e 1995 viveu em Paris, estagiando no Atelier de Restauration d´ Art Graphique do musée Carnavalet.
Elogio aos números por Isabel Costa, O Povo
Matéria de Isabel Costa originalmente publicada no caderno Vida e Arte do jornal O Povo em 10 de agosto de 2010.
A partir de amanhã (11), o público cearense vai poder conferir a exposição José Patrício: o número, com curadoria Paulo Herkenhoff. A mostra reúne trabalhos em cores, dominós e quebra-cabeças
O artista nasceu no Recife, Pernambuco, em 1960 e sempre viveu direcionado para a terra natal. Graduou-se em Ciências Sociais e estagiou no Atelier de Restauration d’Art Graphique do Musée Carnavalet (Paris). Já o curador tem vasta produção bibliográfica, foi diretor do Museu de Belas Artes do Rio de Janeiro e consultor da Coleção Cisneros (Caracas). Além de ter assumido, entre 1997 e 1999, a curadoria geral da XXIV Bienal de São Paulo. Dessa união de influências, correntes e experiências nasceu a exposição José Patrício: O número que será aberta nesta terça-feira (10), no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza.
José Patrício é o artista plástico que utiliza dominós, dados, números e quebra-cabeças de maneira inusitada. Uma das discussões desta mostra é a sociedade moderna onde quase tudo pode ser quantificado. Ele considera “importante a questão do lúdico que é gerada”. “A utilização do número da matemática cria essas obras dentro do conceito de liberdade”, explica, em conversa por telefone com o Vida & Arte. Mas ressalta que o público não precisa entender o material exposto apenas a partir dos algarismos, pois o olhar e a mensagem impregnada vão além disso.
O curador Paulo Herkenhoff destaca as questões sociais. “Você tem o zero. O que é o zero? O que é o vazio? Nos leva a nossa própria condição de refletir sobre um vazio interior”, pontua. Herkenhoff ainda completa: “Tudo se resume a números na sociedade contemporânea. O número vai se espalhando, penetrando a sociedade”.
O desenvolvimento da mostra começou há tempos. Paulo Herkenhoff estava no Recife e encontrou o artista. Logo surgiu a partilha entre temas e ideias e, depois, o interesse por realizar um projeto juntos. Aconteceram encontros no Rio de Janeiro e em Recife, conversas, anotações, estudos. Tudo sendo articulado aos poucos.
“O trabalho de construção dependeu muito da curadoria, pois ele escolhe as obras que vão participar”, considera José Patrício. Falando sobre sua própria atividade, Paulo Herkenhoff afirma: “Um curador, antes de tudo, tem que ser capaz de enunciar as razões das suas escolhas. Por isso uma curadoria não é uma espécie de decoração de interiores, nem é uma ação de shopping. Exige um trabalho de discernimento”.
Em uma das obras, existem 46.872 pregos convidando as pessoas para aguçar o tato. No intuito de entreter por alguns momentos e convidar também para uma reflexão existe a instalação Jogo Cor. Com suas mesas coloridas e convidativas, vai oferecer a oportunidade de realizar partidas de dominó no meio da exposição. Basta que os visitantes sentem e utilizem as peças dispostas sobre as mesas. Sem cerimônia, sem restrições. E assim são construídos os frutos de José Patrício. Sobressalto de cores, formas, comparações entre formas e volumes, algarismos e uma pitada de interatividade. Nas palavras de Paulo Herkenhoff “nós temos metáforas, analogias, metonímias”.
EMAIS
O curador Paulo Herkenhoff (foto) está preparando um livro chamado José Patrício: Cogitações sobre os números. A publicação vai reunir imagens, textos e materiais referentes a exposição. A previsão de lançamento é para antes do término de José Patrício: O número.
agosto 9, 2010
Visuais e livreiros debatem por Camila Molina, Estadão.com.br
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no caderno Cultura do Estadão.com.br em 5 de agosto de 2010.
Motivado pelo incidente envolvendo recentemente a família da artista Lygia Clark (1920-1988) e a 29.ª Bienal de São Paulo (a curadoria decidiu retirar a participação da criadora na mostra, a partir de setembro, por causa das imposições colocadas por seus herdeiros), o Ministério da Cultura realizou anteontem no prédio da instituição reunião para se discutir a contribuição do setor de artes visuais para a reforma da Lei de Direitos Autorais. Participou um grupo pequeno de curadores, críticos, artistas e diretores de instituições. A consulta pública da lei vai até o dia 31 e recebeu até ontem 4 mil sugestões.
"Não se pode legislar em cima das exceções", disse a coordenadora do site Canal Contemporâneo, Patricia Canetti, que esteve no encontro. "Existe excesso na maneira com que a família Clark, extremamente patrimonialista e mercantilista, trata a obra da artista, mas por que não se fala também da parcela das instituições?", ela indaga. A "radicalidade", como diz, do que ocorreu no episódio entre a 29.ª Bienal e a Associação Cultural O Mundo de Lygia Clark, dirigida pelo filho da artista, Alvaro Edwards Clark, serve para abrir o debate, que é mais amplo.
Na época de negociações para se fechar a lista de participantes da 29.ª Bienal de São Paulo, a curadoria do evento decidiu, "por questão de atitude" e não por dinheiro, como afirmou Agnaldo Farias, declinar da artista alegando que Alvaro Clark pediu "no mínimo" R$ 45 mil. Havia imposições sobre uso de imagem da criadora e sobre o autor do texto para o catálogo da exposição. Alvaro Clark afirmou ao Estado em junho que "simplesmente passou ao curador do evento, Moacir dos Anjos, o valor justo cobrado à participação da obra de uma artista do porte de Lygia, em mostra considerada a mais importante de nosso cenário cultural brasileiro". "Por telefone, fui informado pela curadoria do evento que a obra de Lygia não entraria por questões financeiras. E só."
"Ainda falta definir muitas coisas, mas é um projeto de lei que se adapta. As críticas são equivocadas porque o projeto não retira em nada os direitos de autores, mas tenta esclarecer", diz a crítica Glória Ferreira. "Um ponto que precisa ser melhorado e definido é a questão do uso de obras para recursos criativos", aponta ainda.
Já Patricia Canetti afirma que a lei não aborda o tema da arte digital. "Mas isso teria de ser estabelecido entre o Ministério da Cultura e o Ministério de Ciências e Tecnologia", diz. Outro problema, segundo Patricia, é que no projeto do MinC "a lei não entende que exposição pode ser considerada como obra de um curador, produtor e até de artistas", pondera. "Se uma mostra for vista como obra poderia se abrir uma brecha para se tratar dos excessos dos herdeiros."
Livros. Na segunda-feira, o Ministério da Cultura discutiu (a portas fechadas) a legislação com a Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivro), maior fatia editorial do mercado nacional, em São Paulo.
agosto 6, 2010
Quinta universal por Nina Gazire, Istoé
Matéria de Nina Gazire originalmente publicada na Istoé em 30 de julho de 2010
O artista Marepe realiza individual em que relembra a infância no interior da Bahia e resgata símbolos perdidos da cultura do sertão
Imagine encontrar, expostos como objetos de arte, os tão familiares filtros de barro, populares em qualquer cozinha brasileira, dentro de uma galeria em Nova York. “Eu me aproprio de objetos que fazem parte do imaginário brasileiro, são objetos do cotidiano que acabam se tornando universais”, reflete Marcos Reis Peixoto, o “Marepe”, sobre a própria produção artística. No início da carreira, no final da década de 1980, resolveu unir as três primeiras sílabas do nome e passou a usar a alcunha Marepe, em homenagem aos pais. Natural de Santo Antônio de Jesus, cidade do Recôncavo Baiano, já participou da Bienal de Veneza, expôs no Centro Pompidou, em Paris, e na Tate Modern, em Londres, realizando uma arte feita “à base” de itens da cultura popular nordestina, que acabam por ganhar o mundo ao ser deslocados de seus contextos de origem.
O artista usa constantemente os símbolos da cultura do Recôncavo Baiano, como suas famosas “Cabeças Acústicas”, inspiradas na Concha Acústica, local tradicional de shows de axé, em Salvador. Em sua nova exposição, “Os Últimos Verdes”, na Galeria Luisa Strina, em São Paulo, Marepe agora pensa a ótica da cultura popular sob o viés da ecologia e de memórias nostálgicas. Executa uma série de objetos e instalações que resgatam os símbolos de sua infância no interior, lembrando de suas visitas ao sertão onde a avó morava, bem como suas brincadeiras nos quintais dos vizinhos.
A mobília revisitada do passado inclui as “Camas de Vento”, ou camas dobráveis, que eram de uso comum em zonas rurais da Bahia, e das quais o artista se apropria colocando asas em suas cabeceiras. “Coloquei as asas nas camas para fazer uma referência também aos passarinhos da região – o sete-cores, os cardeais –, que eram aves comuns e não existem mais por aqui, bem como as camas, que não são usadas mais”, diz o artista.
Já “Pé de Chuchu” remete ao antigo costume de plantar o vegetal nos quintais das casas do interior e também aos bonecos feitos com a planta cortada em palito. Trata-se de uma instalação que apresenta um pé de chuchu artificial, em que os frutos são alimentados por energia elétrica. A intenção é fazer um paralelo entre o ambiente doméstico da infância e os quintais atuais, que são cimentados e possuem poucas plantas. “Lembro que na minha infância o vizinho tinha um pé. Entrávamos naquela cerca e para mim era fascinante ver os chuchus de vários tamanhos. A gente usava aquilo para brincar e para mim os pés tinham uma forma meio plástica”, comenta.
Pode-se dizer que a arte de Marepe é, antes de tudo, cria direta dos ready-mades de Duchamp e dos objetos pop da cultura americana de Andy Warhol. Como Marepe, outros artistas brasileiros, como Rivane Neuenschwander, Cildo Meirelles, Nelson Leirner e Hélio Oiticica, praticaram essa apropriação profana do popularesco adaptando seu gesto à cultura brasileira. Talvez o diferencial dos objetos deste artista esteja no fato de eles representarem um universo simbólico ainda mais periférico (aos grandes centros) e longínquo (da região Sudeste). Afinal, mesmo com todo seu sucesso artístico, Marepe continua vivendo em Santo Antônio de Jesus e seus “últimos verdes” afirmam-se como peças de resistência ao avanço da globalização e de uma arte da diáspora.
Philip Glass faz som para instalação intimista por Euclides Santos Mendes, Folha de S. Paulo
Matéria de Euclides Santos Mendes originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 4 de agosto de 2010.
Concerto do compositor minimalista integra obra de Carlito Carvalhosa na Pinacoteca
Uma espiral formada por uma alta e volumosa construção de tecido branco parece dançar durante o concerto para piano de Philip Glass, 73, na Pinacoteca do Estado, na última segunda-feira. O músico norte-americano executa os sons que embalam o movimento e dão sentido à instalação "A Soma dos Dias", do artista plástico Carlito Carvalhosa.
"Philip Glass fez um programa de composições suas para o trabalho. "A Soma dos Dias" não ilustra a música dele, nem ele fez uma trilha para o trabalho, são coisas que coexistem", diz Carvalhosa. A instalação, que envolve todo o espaço central da Pinacoteca, oferece um passeio acústico e visual pelo ambiente do museu.
O piano de Glass dá o ritmo do descortinamento de uma "cegueira branca" que, discretamente, cede lugar ao gesto de descoberta da potência sensível do visitante. "A Soma dos Dias" faz parte do projeto Octógono Arte Contemporânea e terá o acompanhamento, em horários preestabelecidos, da música de Glass executada por alunos da Tom Jobim - Escola de Música do Estado de São Paulo (www.emesp.org.br), acrescida pelo registro dos sons no ambiente reproduzidos em alto-falantes.
"A cada dia, um novo registro sobrepõe-se ao do dia anterior, incorporando-o. O acúmulo desses registros, a soma dos dias, constitui a memória da experiência e da passagem do trabalho pela instituição", ressalta o curador-chefe Ivo Mesquita.
Raul Mourão cria esculturas pendulares por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 4 de agosto de 2010.
Galeria exibe formas geométricas feitas em aço que balançam no ar num ritmo controlado pelo próprio peso
Artista carioca que já fez o presidente Lula de pelúcia muda para rota formalista com obras que falam sobre tempo
Uma vertigem metálica domina o espaço. São prismas, cubos e retângulos vazados, arestas de aço equilibradas em pontos fulcrais.
Balançam no ar, num ritmo ditado pelo próprio peso. Raul Mourão ocupa o espaço com seus esqueletos pendulares. Na individual que abre amanhã na Nara Roesler, suas obras adensam traços do desenho, materializam a forma ao mesmo tempo que emolduram o vazio.
"Tem esse caráter gráfico mesmo", diz o artista. "É um equilíbrio instável, uma ação que dá certa vertigem." É como se traduzisse para três dimensões as linhas desenhadas sobre o papel. Mas, nessa transposição, a forma se desdobra também em movimento, como se todo o potencial do traço fosse contido nesse vaivém geométrico. "Faço uma composição de formas", descreve Mourão.
"É a busca da beleza ali, empilhando um cubo no outro." Destoa de outras buscas desse artista, que já construiu carros e até a imagem do presidente da República em pelúcia. Mourão aqui muda para uma rota formalista, descarta resquícios literais.
Único dado concreto ou medida é o tempo. Cada escultura tem como título a duração em minutos e segundos do movimento pendular que percorre no espaço. De certa forma, "20'46"", "57'44"" e outros tempos são registros mensuráveis de algo efêmero, a tentativa de preservar um ato único, desafiando mesmo o acaso, como se atrito, fricção e temperatura não fizessem oscilar esses intervalos mecânicos.
Nesse ponto, sua vertigem silenciosa lembra "4'33"", célebre música sem música de John Cage, partitura que indicava à orquestra que não tocasse o instrumento ao longo de seus três movimentos.
Tempo aparece como a mais concreta das dimensões, dispensando, no primeiro, a medida espacial e, no segundo, o peso do som. "Tem um certo clima de concerto", diz Mourão. "São essas coisas se mexendo."
agosto 3, 2010
Mundos redescobertos por Pollyanna Diniz, Diário de Pernambuco
Matéria de Pollyanna Diniz originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 3 de agosto de 2010.
Inspiração // A passagem de Vicente Yáñes Pinzón pelo Brasil, antes de Cabral, é mote de exposição no Santander Cultural
Prepare-se para uma viagem. Daquelas que vão além das direções e trajetos apontados, por exemplo, na cartografia náutica. Que transcendem os limites geográficos, históricos e também espaciais. Qual a relação entre a chegada da embarcação do espanhol Vicente Yáñes Pinzón ao Brasil, cerca de três meses antes do português Pedro Álvares Cabral, e a arte contemporânea. Difícil? Não sob o olhar artístico. Relações objetivas e subjetivas que podem ser vistas a partir de hoje à noite, na exposição Novos mundos novos, que será aberta no Santander Cultural, antes Instituto Cultural Banco Real, no Bairro do Recife.
"Foi um desafio partir de um personagem pouco conhecido, falar de arte e rever fatos arraigados no imaginário da população", explica um dos curadores da mostra Gilberto Habib Oliveira, ao lado do historiador José Luiz Mota Menezes. Logo no início da exposição, aliás, a contribuição do historiador: mapas e registros da época em que a ciência se apropriava da artepara preencher um 'vazio' científico e cultural. Nesses mapas, espaços em branco tornam-se coloridos. Ganham araras, índios e até um camelo.
Mas o marco histórico é apenas uma referência para uma exposição que reúne 41 obras de 17 artistas nacionais e internacionais em vários suportes: pintura, fotografia, escultura, instalação, vídeo. Afinal, o que é o novo? O que, teoricamente é velho, pode ser muito mais novo. E o mundo novo se constrói de forma contínua num espaço temporal difícil de ser definido. Os cenários retratados pelo fotógrafo Caio Reisewitz, por exemplo, não precisam de uma data específica. Pode ser a Guanabara de 1500. Ou uma casinha de palafita cercada por rio e mata nos dias de hoje. "O artista constrói um olhar, mais do que registra o clique", analisa Oliveira.
Entre os artistas que participam da mostra, seis pernambucanos: Francisco Brennand, Eudes Mota, Samico, João Câmara, Marcelo Silveira e Paulo Meira. Eudes Mota, por exemplo, pinta As fases da lua, astro tão utilizado como guia nas navegações. Ou xilogravuras de Samico. Aqui os seres ganham ares mitológicos. "Se os mapas foram perdendo a imaginação, essas imagens vieram parar em obras como essas", complementa o curador. Há ainda a obra, uma acrílica e óleo sobre madeira, de João Câmara. Uma cabra que pousa na figura de Robinson Crusóe, tendo o mar no horizonte.
Reflexões mais abstratas podem ser vistas nas instalações da espanhola Ana Crespo, duas obras da série O banquete nupcial de Vênus e Canopus - Vênus, a morada de José, intérprete dos sonhos. Papeis de seda repousam no chão ou numa mesa. "Ana se baseia nos poemas persas, que era a literatura disseminada na época dos descobridores. E ainda fala do romance entre uma estrela e um planeta", diz. Outro espanhol que está na mostra é Antoni Muntadas, um dos mais renomados artistas contemporâneos espanhóis da atualidade. Sua videoinstalação La siesta/The nap/ Dutie se apropria de imagens feitas por um holandês contratado pelo Partido Comunista para filmar situações sociais em vários lugaresdo mundo.
No primeiro andar do prédio, um símbolo da cidade de Brasília. Que mais parece uma âncora no meio da sala. De um lado, lê se Novaes Mundus Brasília. Do outro, Brasília Teimosa. Novos mundos que talvez não tenham obtido tanto sucesso. Que criam e reproduzem outros por todo o país. "Nunca tinha vindo ao Recife, mas conheci Brasília Teimosa através do cinema e me marcou muito. Minha obra sempre faz referência a lugares e quando fui convidado, queria fazer uma relação com Pernambuco", explica o artista. Nessa mesma sala estão talvez as obras mais instigantes da exposição. As fotos do norte-americano Lester Weiss. Uma delas traz um olhar sobre o olhar. Da janela do ônibus, passageiros se voltam ao mar. Ou os reflexos captados na Avenida Paulista.
Também usando como suporte a fotografia, Choque Photos, como assina o artista, traz o resultado de seu trabalho acompanhando grupos de pixadores em São Paulo. Ou conflitos sociais. A imagem da cidade vista de cima. Seja do alto do prédio ou do conglomerado de favelas. Este novo mundo, como mostra o vídeo de Paulo Meira, têm marcos que são pessoais, individualizados. E as engrenagens se movimentam em várias direções. "Pensar um novo mundo sem pensar novas gentes e novos olhares é impossível", conclui o curador. A exposição estará aberta até o dia 31 de outubro. A visitação é de terça a quinta, das 14h às 20h; e de sexta a domingo, das 14h às 22h. A entrada é franca.
agosto 2, 2010
Consumidores da cultura ganham com a revisão da lei de direito autoral por Guilherme Varella, Cultura e Mercado
Matéria por Guilherme Varella originalmente publicada no Cultura e Mercado em 16 de julho de 2010
Está em discussão a proposta de revisão da LDA (Lei de Direitos Autorais). Esse debate tem relação direta não só com a proteção do autor, mas também com os direitos do consumidor. Para entender essa relação, primeiramente, é preciso ter clara a noção de consumo na área da cultura.
O consumo não pode ser visto como ato isolado, descolado de todo o ambiente sociocultural que o circunda, apenas como uma relação alienada de troca mercantil. A cultura consumeirista enxerga o consumo como exercício de cidadania. A aquisição de um produto, a opção por um serviço, a escolha de um bem são atos políticos, que abarcam valores e conceitos diversos em cada grupo ou sociedade.
Quando se trata de cultura, de economia da cultura, essa acepção valorativa de consumo torna-se potencializada. O consumo de bens culturais – de livros, filmes, música, espetáculos – é o consumo mais qualificado que existe por ter como objeto aqueles bens cujo componente simbólico é o principal elemento caracterizador. Entre o autor, o artista que cria a obra, e o consumidor, o público que vai consumi-la, há um meio-ambiente cultural, um sistema complexo de referências comportamentais, estéticas, éticas.
Entre esses dois pontos, que devem se ligar para que o consumo de cultura exista, há o patrimônio cultural de toda a sociedade, a que todos devem ter acesso, como cidadãos e como consumidores, por fazerem parte dele. Entre esses dois pontos, autor e sociedade, estão os direitos autorais. No elo delicado e importante da cadeia cultural que liga produção, circulação e consumo dos bens simbólicos.
Hoje, o Brasil possui uma legislação autoral que mais embola do que limpa esse meio-de-campo. Se são os direitos autorais a ponte de acesso entre o artista e o público, essa ponte no Brasil é das mais pedregosas que existe.
Vivemos o tempo da circulação de produtos culturais em plataformas digitais, de tecnologias que demandam novos arranjos produtivos, de modelos de negócios mais criativos, da internet como ambiente catalisado de trocas e da desmaterialização das obras culturais (ou precisamos ainda do CD físico para ouvir uma música?). Nesse novo contexto de consumo, a LDA como vige, rígida, restritiva, fechada, incomunicável com os outros diplomas legais – inclusive com o Código de Defesa do Consumidor – é quase um alienígena.
Na prática, ela mais atrapalha o desenvolvimento dessa nova e rentável economia da cultura do que ajuda. Fato lamentável, se considerarmos ser um setor que representa cerca de 7% do PIB nacional, segundo recente estudo do IPEA, e de ser considerado estratégico a ponto de vários países europeus, em plena crise, como é o caso do Reino Unido, não aceitarem qualquer corte orçamentário na área cultural.
A proposta de revisão da LDA, posta agora em consulta pública pelo Ministério da Cultura, parece atentar para isso. E mais ainda, se volta a questões que obstam práticas comuns e legítimas da sociedade no seu acesso.
Ela criminaliza o jabá, dinâmica que coloca em rádios – concessões públicas, diga-se de passagem – músicas pagas por grandes gravadoras e que retira do consumidor a possibilidade de contato com toda a diversidade musical brasileira; proíbe as restrições tecnológicas que impedem a execução de um CD ou DVD em diversos aparelhos e traz a previsão da interoperabilidade, de maneira que passar conteúdos de uma plataforma para outra (como do CD para o tocador de mp3) não seja mais considerado crime; expande as possibilidades de acesso aos bens para pessoas com deficiência; garante a cópia privada de produtos culturais para fins não-comerciais; e disciplina a licença compulsória, a obrigatoriedade de colocar uma obra em circulação, caso haja um impedimento desmedido por herdeiros titulares de direitos autorais ou nos casos de obras órfãs, de autor desconhecido.
Tudo isso é benéfico ao consumidor. E mais valioso ainda, para ele, é saber o quanto está pagando pelos direitos autorais quando adquire produtos ou serviços culturais. E, desse montante, quanto e de que forma isso chega aos artistas preferidos. A proposta de supervisão pública dos direitos autorais traz transparência às relações comerciais no campo da cultura, e vai obrigar os órgãos que recolhem e repassam os direitos a tornarem públicos os critérios de cobrança, comunicando o consumidor de forma satisfatória sobre eles. Transparência e informação que são princípios básicos de defesa do consumidor.
Nesse sentido, a proposta de revisão da lei de direitos autorais, em geral, é boa para o consumidor. Alguns pontos devem ser revistos, como a implementação de uma taxa para cópias reprográficas (xerox) e a necessidade de regulamentação do compartilhamento de conteúdos na internet. Mas é preciso que se diga que essa proposta contribui para que o direito autoral de fato seja consagrado, o que só ocorre quando o artista encontra o público e quando o consumidor acessa a obra.
Rebecca Horn questiona limites do corpo em mostra no CCBB por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria por Silas Martí originalmente publicadana Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 2 de agosto de 2010
Retrospectiva da artista alemã chega a SP após passar pelo Rio
Uma mulher se deita na cama com o amante e enrosca as pernas nas dele. No meio do Atlântico, pássaros esgotados da longa travessia despencam mortos no mar.
Não são coisas isoladas, pelo menos na obra de Rebecca Horn, artista alemã que abre hoje mostra no Centro Cultural Banco do Brasil.
Sua visão estende o corpo para além de suas dimensões. São próteses maquínicas que extrapolam toda a dor e o prazer que não cabem na superfície da pele.
Também por não caber toda no espaço, a mostra que estava no Rio chega em versão reduzida a São Paulo, mas sem grande prejuízo. No átrio, um piano de cauda está pendurado como um lustre.
Não ilumina, mas cospe fora e depois recolhe as próprias teclas num espasmo sonoro. É esperar para ver.
Horn cria um jogo de pausas e contratempos. Nada é imediato, como o afeto entre os homens. Hastes metálicas com facas que soletram "amor" se digladiam no ar com o "ódio". Penas se arrepiam num pavão mecânico.
Engrenagens jogam tinta sobre um quadro branco. Vozes saem de funis de cobre que parecem brotar de uma montanha de entulho. A presença humana se esconde atrás da parafernália metálica, de polias e roldanas.
Enquanto uma máquina de escrever soletra a palavra "amor", braços de ferro sustentam ostras abertas em oferenda. É o corpo ausente de Horn, na cama e no mar.
SP vê centena de obras de Keith Haring por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria por Silas Martí originalmente publicadana Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 31 de julho de 2010
Grafiteiro e nome central da pop art ganha maior mostra no país desde 1983, quando esteve na Bienal de SP
Exposição no Conjunto Nacional reúne raras ilustrações para "The Valley" e "Apocalypse", de William Burroughs
Não há entrada nem saída no vale. Estreito demais, tem luz do sol só por algumas horas do dia. Seus habitantes desenvolveram uma espécie de milho azul que cresce à noite. Alimenta, mas corrói a boca até matar. Só a música mantém vivo esse povo.
Keith Haring, numa de suas séries menos conhecidas, ilustrou a alegoria distópica de William Burroughs com traços mais duros do que as cores vibrantes e fantásticas de seus bonequinhos que dançam e fazem sexo. Discípulo do pop, vindo das ruas de Nova York, Haring tinha um vale pessoal.
Levou o gueto do grafite às galerias mais descoladas de Manhattan e fez de sua obra um manifesto nos anos mais duros da epidemia da Aids, doença que acabou tirando sua vida há 30 anos.
Suas ilustrações do poema "beatnik" e todo um panorama de sua produção -quase cem obras- estão agora na Caixa Cultural. Desde que esteve na Bienal de São Paulo em 1983, é a maior mostra dedicada ao grafiteiro no país.
Voltados para o lado de fora da galeria, no Conjunto Nacional, estão suas séries mais célebres, a iconografia de Haring reproduzida à exaustão em canecas, camisetas e todo tipo de suvenir.
Ele mesmo tinha uma loja, a Pop Shop, na rua Lafaeytte, em Nova York, onde vendia suas séries, numa fusão do espírito pop com a ideia de arte pública de seus murais nas estações de metrô.
Do lado de dentro, obras do começo da carreira, com traços mais crus, mostram que Haring manteve sua galeria de personagens-chave em sua visão de vida, sexo e energia, mesmo com o banho de loja que ganhou depois na condição de celebridade.
Estão lá o bebê, energia humana, o cachorro, energia animal, as pirâmides, energia ancestral, e os discos voadores, energia futurista -todos emoldurados por linhas de ação. Também dançam ao som da música que ajudou a manter vivo esse artista.
O artista plástico Rafael Campos Rocha está no Paço das Artes, Folha.com
Matéria originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de São Paulo em 31 de julho de 2010
Rafael Campos Rocha, 40, cartunista da "Ilustríssima" (leia mais aqui) expõe trabalhos em vídeo, cartuns digitais e outras "artes" (gibis e desenhos) até dia 29 de agosto no Paço das Artes, em São Paulo, dentro de seu programa de exposições.
Seus filmes, pequenas narrativas dos quais se vê somente os letreiros, são apresentados em dez telas de LCD de 7 polegadas. Em vitrines horizontais, o artista expõe impressões digitais de sua publicação (também digital) dos quadrinhos "O Poder do Pensamento Negativo - como destruir a sua vida e das pessoas que vc ama em 2 lições" e uma série de "desenhos de observação da paisagem", em que os objetos, ao invés de serem desenhados, são representados pelos próprios substantivos que os nomeiam, cujas palavras são escritas em caneta hidrocor.
No dia 21 de agosto, Campos Rocha e outros dois artistas, Pedro Varela e Ana Elisa Egreja, às 19h, os três darão palestra ao público interessado, para falar das obras ali expostas e do processo criativo e artístico de cada um.
O Paço das Artes tem também mostra coletiva do Ateliê Fidalga, com mais de sessenta artistas, entre eles, o próprio Rafael Campos Rocha.