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abril 28, 2010
Perspectivas sugestivas do Recife, Diario de Pernambuco
Matéria originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 26 de abril de 2010.
Exposição fotográfica que entra em cartaz hoje, na Casa Rosada, traz a impressão de 16 profissionais sobre a cidade
A exposição fotográfica Olhares sobre o Recife inaugura hoje o projeto Casa Rosada Cultural, na Casa Rosada Recepções. "Tem foto para todos os gostos, do Mercado de São José, pontes, praias, Torre Malakoff, das pessoas. São perspectivas bem peculiares, pois todos ficaram bem livres para escolher", garante o coordenador técnico da exposição, Ivan Alecrim.
A definição do tema se deu quando os organizadores perceberam que os fotógrafos recifenses têm retratado pouco a cidade. Foram pedidas a cada convidado duas imagens que representassem bem o Recife para eles. Alguns selecionaram do acervo, outros tiveram de produzir novas fotos. O resultado são olhares voltados para diferentes pontos e situações da cidade, ficando quase impossível não se identificar com alguma delas.
A coordenadora de fotografia do Pernambuco.com, Annaclarice Almeida, por exemplo, retratou os barqueiros que transportam turistas do Marco Zero ao Parque das Esculturas de Francisco Brennand, numa fotografia que mistura a imensidão do rio com as mãos e pés calejados de um homem cujo rosto não é mostrado. "Para mim, a expressão dele estava na mão, calejada, que trabalha. Eu quis mostrar o Marco Zero através dos pescadores, que vivem daquilo. O sustento desse pessoal", revela Annaclarice.
Além dela e de Ivan Alecrim, participam da exposição outros 14 profissionais, entre veteranos e iniciantes: Alexandre Belém, Ana Lira, Arnaldo Carvalho, Christian Cunha, Cristiana Dias, Edmar Melo, Gustavo Bettini, Heitor Cunha, Jarbas Jr., Joanna Calazans, Miva Filho, Priscila Buhr, Renata Victor e Sérgio Bernardo.
O lançamento, aberto ao público, será às 16h, com apresentação da banda Dom Angelo Jazz Combo e presença dos fotográfos. A mostra fica em cartaz até o dia 28. O horário de visitação é das 16h às 21h e a entrada é franca.
O projeto Casa Rosada Cultural foi idealizado por Raphael Cireno, diretor de projetos especiais da casa de recepções, e tem como objetivo estimular e divulgar a produção cultural da cidade. Outros projetos a serem lançados este ano são o Casa Rosada Sustentabilidade e Casa Rosada Social. (Luiza Maia, especial para o Diario)
Uma relação além da arte por Pollyanna Diniz, Diario de Pernambuco
Matéria de Pollyanna Diniz originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 20 de abril de 2010.
Marchand Carlos Ranulpho inaugura hoje mostra com obras do amigo Vicente do Rego Monteiro
O bilhete foi deixado por baixo da porta do apartamento do edifício Holliday, em Boa Viagem. Era fim da década de 1960. Do outro lado, ao ler o recado, Vicente do Rego Monteiro quis logo saber quem era o homem que o procurava. "A primeira coisa que ele me disse foi: 'o que é que o senhor quer comigo?'", recorda Carlos Ranulpho de Albuquerque. Dois anos mais tarde, em 1970, o pintor pernambucano faleceu, vítima de enfarte, mas a relação de amizade travada desde aquele encontro inicial foi fundamental na carreira do mais antigo marchand pernambucano.
Naquela conversa, Ranulpho, como se tornou conhecido no mundo das artes, convenceu Monteiro a fazer uma exposição no Recife, inicialmente com 20 quadros. "Ele achava que ninguém iria comprar as telas dele aqui. Depois de dizer o quanto ele era importante, avisei que não queria consignação. Iria comprar as telas. Ele disse que não queria me fazer perder dinheiro, mas começou a trabalhar", conta.
Dias depois, o pintorchegou à galeria, na Rua da Aurora, com três quadros. Mais alguns dias se passaram e, na próxima visita de Vicente do Rego a Ranulpho, os quadros já estavam vendidos. "Ele chegou com aquela 'boinazinha' e me olhou com muita incredulidade. Como era um sábado, fiz o convite para ele almoçar na minha casa. Depois daquela tarde, ficamos amigos". Antes mesmo que a exposição fosse aberta, em 1969, todos os 20 quadros já estavam vendidos. Monteiro pintou outros cinco, que foram comercializados logo na abertura da exposição.
"Gilberto Freyre fez um belo artigo no Diario de Pernambuco; na inauguração, a casa estava cheia, muitos amigos. Ele se sentiu revigorado", relembra Ranulpho. Depois dessa, o pintor aceitou o convite de Walmir Ayala, então crítico de arte do Jornal do Brasil, para fazer uma exposição numa galeria no Rio de Janeiro, em 1970.
Participou ainda de uma coletiva das dez exposições mais representativas do ano, também no Rio; nessa, um colecionador trocou um quadro por um apartamento modesto no bairro da Barra da Tijuca. "Ele então ficou com um ateliê lá e outro aqui. Nessa época, ele produzia muito, com muita rapidez. Já tinha idade avançada e queria que a família pudesse ficar com os quadros. Em 1970, fizemos a segunda exposição aqui no Recife. Ele tinha uns 70 anos, mas veio do Rio de Janeiro para o Recife, dirigindo um carro. Amarrou os quadros em cima do carro e veio. Uma loucura!". Uma semana depois da inauguração da exposição, o artista faleceu. O último trabalho do pintor, um São Francisco, fez parte dessa individual.
Exposição - Desde a morte do artista, Ranulpho é representante da família de Vicente do Rego Monteiro. Algumas das obras que ele deixou de herança, pintadas principalmente na década de 1960, quando ele voltou definitivamente de Paris ao Brasil, estão na mostra Revivendo Vicente, que será aberta hoje, às 19h, na Galeria Ranulpho (Rua do Bom Jesus, 125, Bairro do Recife).
São quadros que mostram a influência do cubismo e da arte indígena de Marajó. "No trabalho dele, o desenho é fundamental. Ele dizia que era um pintor que economizava, gastava pouca tinta", brinca o marchand. As telas compõem quase um degradê de cores térreas, marrom, vinho, nude, azul.
Além de Vicente, Ranulpho consolidou a sua carreira trabalhando com importantes pintores pernambucanos, como Wellington Virgolino, de quem foi representante por 20 anos. Nas paredes da sua galeria, obras de João Câmara, Francisco Brennand, Reynaldo, Virgolino, Mário Nunes.
Vicente do Rego Monteiro
Revivendo Vicente
Até 07 de maio
Ranulpho Galeria
Rua do Bom Jesus 125, Bairro do Recife, Recife - PE
81-3225-0068
Segunda a sexta-feira, 10-12h e 14-18h
Fomento às artes // Chuva de editais irriga cultura do país, Diario de Pernambuco
Matéria originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 24 de abril de 2010.
São Paulo - Uma série de editais de fomento à cultura está irrigando fortemente a área neste semestre. A Funarte lançoiu esta semana 34 editais de fomento às áreas de teatro, dança, circo, artes visuais, fotografia, música, literatura, cultura popular e arte digital. São R$ 54 milhões (o orçamento da Funarte para 2010 é de R$ 101,6 milhões, sete vezes maior que o de 2003, e o maior em vinte anos de história da fundação). Serão concedidos mil prêmios e bolsas de até R$ 260 mil, para projetos de produção, formação de público, pesquisa, residências artísticas, apoio a festivais e produção crítica sobre arte. As inscrições estão abertas em todo o país. Os editais, fichas de inscrição e mais informações estão disponíveis em www.funarte gov.br.
A Caixa Econômica Federal também vai destinar R$ 33,1 milhões para quatro editais de patrocínio cultural em 2011. Os projetos englobam as áreas de teatro, dança, artesanato, artes plásticas e patrimônio. A presidente da instituição, Maria Fernanda Ramos, disse que os recursos da instituição financeira destinados à cultura em 2010 deverão totalizar R$ 53 milhões, mesmo montante do ano passado. Se somados a esse volume, os R$ 48 milhões que serão absorvidos na instalação de novos espaços Caixa Cultural em Fortaleza, Recife e Porto Alegre, os investimentos ultrapassam R$ 100 milhões este ano. O montante é exclusivo da Caixa, sem uso de incentivos fiscais.
Entre os editais para 2011, o Programa de Ocupação dos Espaços da Caixa Cultural investirá R$ 26 milhões na seleção de projetos para ocupação dos espaços em Brasília, Curitiba, Rio, Salvador e São Paulo. O valor máximo de patrocínio por projeto será de R$ 300 mil.
''Vejo minha obra como otimista'' por Maria Hirszman, Estado de S. Paulo
Matéria originalmente publicada no Caderno 2 do do jornal O Estado de S. Paulo, em 27 de abril de 2010.
Grande nome da pintura americana, Alex Katz estreia em São Paulo
Chega a parecer estranho que Alex Katz, apontado como um dos grandes nomes da pintura norte-americana e com mais de 200 exposições individuais e 500 coletivas no currículo, tenha esperado mais de meio século para fazer sua estreia no Brasil. O artista, que atribui essa longa ausência ao fato de sua obra ser considerada "muito americana", acredita que as coisas acontecem em seu devido tempo. Reunindo 24 obras gráficas, a seleção feita por Katz e seu filho Vincent - que assina a curadoria da mostra, é modelo de vários dos retratos apresentados e publica uma série de poemas no catálogo da exposição - pode ser vista pelo público a partir de hoje na Luciana Brito Galeria. Mesmo enxuta, a mostra tem um caráter de retrospectiva, contemplando obras desde 1968 até nossos dias. Estão lá presentes os principais temas (retratos, paisagens) e evidenciados o caráter ao mesmo tempo experimental e elaborado de sua produção.
A crítica comumente aponta que seu trabalho se situa em campos opostos, entre a presença e a ausência, realidade e artificialismo, familiaridade (usando sua família e amigos como modelos) e distância (suas paisagens são marcadas pela neutralidade). Você acredita que essas tensões estão na origem de uma certa melancolia, do clima nostálgico que sentimos em alguns de seus trabalhos?
Algumas vezes me surpreendo ao ver como as pessoas percebem o meu trabalho. Acho que minhas pinturas são líricas, sempre as vejo como algo otimistas. Mas pessoas diferentes veem coisas diferentes. A visão de um lago vazio, sem ninguém, pode parecer melancólico para alguns, mas para mim é uma imagem poderosa. Na verdade estou interessado em capturar a luz particular de um determinado momento do dia. Se consigo isso, as pessoas farão suas próprias associações a partir daí.
Pode-se considerar essa mostra como uma retrospectiva de sua carreira?
Mesmo sendo em primeiro lugar um pintor, é possível ter uma visão bastante ampla de meu trabalho por meio das gravuras exibidas na Galeria Luciana Brito. A gravura é uma parte importante de minha produção e muitas vezes uma última visão refinada de uma mesma imagem. Na minha obra gráfica, a motivação fundamental é a experimentação no processo. Quero sempre experimentar algo novo a cada vez.
Você acredita na existência de uma "escola americana de pintura"? É possível identificar nos escritos sobre seu trabalho um leque amplo de referências, indo de Matisse, a Pollock e Hopper. Como você explica essa diversidade?
A pintura deve indicar o lugar em que foi feita. Alguns pintores trafegam por outras culturas, outros não. Eu diria que meu trabalho eventualmente faz esse transcurso. Realmente esses nomes que você citou tem relevância. Mas há muitas outras referências em meu trabalho: cartazes, TV, cinema, Utamaro, Thutmose, Monet, Manet, Cézanne, Bonnard. E um monte de pintores mais contemporâneos, como Kline e Rothko. Na verdade trata-se de uma base realmente ampla.
Você disse certa vez que gostaria de pintar mais rápido que o pensamento. Qual a relação entre esse comentário e seu uso de enquadramentos e cortes pouco usuais? Há algo bastante cinematográfico em seu trabalho não?
Eu queria tentar fazer uma nova pintura num contexto em que a visão das pessoas está dominada pela TV, pelos filmes e pela fotografia. Meus estudos pictóricos iniciais vêm da parte não consciente do cérebro. Se pinto tão rápido quando penso, então é o inconsciente que realiza a pintura. Isso me liberta da rigidez do meu passado. A visão é algo cultural, que muda a cada 20 ou 30 anos. Para ver algo novo, é necessário sair e trabalhar em cima disso. A visualidade de uma cultura diz às pessoas como ver e a maioria vê o mundo através de um monitor de TV; eles aceitam aquilo como realidade. No entanto, não existe uma realidade absoluta. A realidade é variável e continua mudando. E o que eu estou tentando é dominar a visão das pessoas, fazê-los ver algo diferente; estou tentando dizer às pessoas como olhar para as coisas.
SP Arte começa hoje com 80 galerias e cerca de 2.500 obras por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de São Paulo em 28 de abril de 2010 de 2010.
Feira venderá trabalhos raros de Maria Martins, Antonio Bandeira e Portinari
Faltam cinco meses para a Bienal de São Paulo, mas o pavilhão no parque Ibirapuera já está lotado. Na sexta edição da feira SP Arte, que começa hoje, 80 galerias vão brigar pela atenção de colecionadores e convidados com cerca de 2.500 obras de arte até o próximo domingo.
Depois da crise, o mercado anda eufórico, turbinado por vendas expressivas em leilões e demanda cada vez maior por peças raras. "Todo mundo quer uma obra importante", diz a galerista Luisa Strina, que leva pinturas de Cildo Meireles avaliadas em US$ 300 mil à feira.
Se as cinzas do vulcão islandês atrapalharam o desempenho do Brasil no leilão de arte dos Brics no último fim de semana em Londres, nada impede agora que galeristas vendam o que ficou no país a preços bem avantajados. Ou seja, tudo o que for importante parece ter batido a marca de R$ 1 milhão.
É o caso de "Tamba Tajá", obra da escultora Maria Martins feita nos anos 40, avaliada em R$ 1,5 milhão, a peça mais cara da SP Arte, que pode voltar ao país depois de pertencer à coleção do Malba, em Buenos Aires. "Constellation Noire, Paris", de Antonio Bandeira, pintor abstrato morto nos anos 60 e agora tema de uma retrospectiva na França, custa R$ 1,1 milhão, e "Morto", de Portinari, tem etiqueta de R$ 1 milhão.
Entre os contemporâneos, Adriana Varejão parece seguir os passos de Beatriz Milhazes, que teve a obra mais cara da SP Arte em 2008, vendida a R$ 1,5 milhão. Na atual edição da feira, um trabalho de Varejão, avaliado em mais de R$ 1 milhão, já tem fila de compradores.
"Quanto mais holofotes voltados para a arte brasileira, mais altos ficam os preços", diz Fernanda Feitosa, diretora da SP Arte. "Mas ainda assim brasileiros são baratos perto de estrangeiros do mesmo calibre." Desta vez, aliás, dez galerias estrangeiras, entre elas a poderosa Stephen Friedman, de Londres, participam da feira.
Uma cultura de direito por Naara Vale , O Povo
Matéria de Naara Vale originalmente publicada no caderno Vida & Arte do jornal O Povo em 22 de abril de 2010.
Em discussão no Brasil desde 2003, o Sistema Nacional de Cultura é o tema central do livro que o advogado e professor universitário Humberto Cunha Filho lança hoje, às 17 horas, na sede da AGU
Inspirado nos resultados do Sistema Único de Saúde (SUS), desde 2003, o Ministério da Cultura (MinC) vem discutindo a estruturação e implantação de um Sistema Nacional de Cultura (SNC), cujo objetivo é ``formular e implantar políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da federação e a sociedade civil``. Sete anos após o início das discussões, o sistema ainda não um formato definido, muito menos previsão para começar a funcionar no Brasil.
Algumas das principais questões que cercam o Sistema Nacional de Cultura são temas do livro Federalismo cultural e Sistema Nacional de Cultura: contribuição ao debate (Ed. UFC), que será lançado hoje, às 17 horas, na sede da Advocacia Geral da União (AGU). A obra é de autoria do advogado e professor Francisco Humberto Cunha Filho, cujo início dos estudos sobre o SNC data de 2003 e hoje já é referência nacional para o MinC, como um dos principais debatedores do assunto.
Compilados em 155 páginas, os textos do livro são adaptações de palestras e estudos realizados pelo autor entre 2003 e 2009. A obra está dividida em duas fases: na primeira, ao longo de quatro capítulos, o autor faz uma espécie de sondagem do que poderia ser o sistema integrado de políticas culturais no Brasil; já na segunda, em dois capítulos, o escritor discute o "o que está submerso nos discursos e análises até agora feitos sobre o Sistema Nacional de Cultura".
Segundo Humberto Cunha, entre as principais discussões da obra estão a própria implementação do SNC; o papel dos entes públicos e da sociedade civil nesse processo; as formas de conquistar verbas estáveis para que as políticas que venham a ser traçadas; e a implementação de políticas públicas que ultrapassem as políticas de Governo.
Uma das defesas do autor é de que o sistema cultural brasileiro não se espelhe em sistemas formatados para áreas que não têm o mesmo dinamismo da cultura, como é o caso do SUS, que rege as políticas públicas de saúde. "O SNC não pode ser uma simples cópia dos sistemas já existentes, dadas as peculiaridades da cultura", sustenta o autor. Parte dos estudos encontrados no novo livro de Humberto Cunha serviram de base para o MinC elaborar a Proposta de Estruturação, Institucionalização e Implementação do Sistema Nacional de Cultura, em 2009.
O documento adota a sugestão do pesquisador de se criar uma estrutura mista para o SNC, constituída por "um núcleo estático - instituído por uma legislação (Projeto de Emenda Constitucional e/ou lei) - e uma dimensão dinâmica - disciplinada por pactuações formalizadas pelas devidas instâncias de negociação, com período de tempo determinado, decorrentes das necessidades impostas pela organização e implementação das políticas culturais, nos entes federados".
Como o próprio título sugere, Federalismo cultural e Sistema Nacional de Cultura é uma contribuição às discussões sobre o SNC, com o objetivo de ``provocar, durante o tempo que for conveniente, o debate sobre o tema``.
Novo museu quer expor um Rio mais cosmopolita por Luiz Fernando Vianna, Folha de S. Paulo
Matéria de Luiz Fernando Vianna originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 22 de abril de 2010.
Projeto de Carlos Lacerda, que tinha ambições políticas e intenção de levantar a autoestima da cidade, é recuperado
Instituição conta com 22 coleções particulares, como as de Elizeth Cardoso e Jacob do Bandolim; espaço terá novelas de rádio e TV
O primeiro Museu da Imagem e do Som do país nasceu em 1965 sobre um interessante paradoxo. Na ressaca por perder o status de capital para Brasília, o Rio queria ressaltar suas características peculiares e mostrar o quanto era uma cidade nacional e cosmopolita.
Na locomotiva do movimento, um governador que planejava grandes realizações no recém-criado Estado da Guanabara -substituto do Distrito Federal e fundido em 1975 com o Estado do Rio de Janeiro- para se tornar presidente da República. No entanto, o regime militar suspendeu as eleições diretas e cassou os direitos políticos de seu ex-defensor Carlos Lacerda.
"Não somos uma capital decaída, somos uma cidade libertada", discursou Lacerda em 1960, no LP de campanha "A Redenção da Cidade", também acenando para o país. "Sabem esses brasileiros que somos uma região sem regionalismo, pensamos os nossos problemas em termos mundiais além de continentais, e continentais além de nacionais."
O MIS era fundamental neste projeto, pois documentaria o que é ser carioca, sem deixar de fornecer "o deslumbramento dos olhos, a diversão para os ouvidos", como destacou Lacerda na inauguração, no ano do quarto centenário da cidade.
A nova versão do museu quer restaurar o projeto inicial, já que na maior parte de sua história, por razões políticas e financeiras, o MIS se limitou a reunir documentos. Mas Rosa Araujo relativiza o protagonismo de Lacerda. "O MIS foi criado por uma geração, que viu a necessidade de se manter a memória do Rio", diz ela, embasada pela historiadora Cláudia Mesquita, que fala no livro "Um Museu para a Guanabara" no "empreendimento coletivo de políticos e intelectuais cariocas, voltados para a reafirmação do Rio como capital cultural do país".
O museu começou com os acervos do colecionador Mauricio Quadrio, do cantor, radialista e pesquisador Almirante e dos fotógrafos Augusto Malta e Guilherme Santos. Hoje, tem 22 coleções particulares, como as de Elizeth Cardoso, Nara Leão e Jacob do Bandolim, além de 1.600 da série depoimentos para a posteridade.
Um terço de seu acervo vem da rádio Nacional. No novo prédio, as novelas de rádio estarão na mesma sala das telenovelas, cedidas pela TV Globo -assim como os programas humorísticos, reunidos no ambiente do "espírito carioca".
Narrativas como uma que parte do filme "Rio 40 Graus", de Nelson Pereira dos Santos, para contar a história da rebeldia no Rio do século 20 serão outros destaques. A bossa nova terá sala semelhante a um apartamento, com vista para o mar e fotos do Rio projetadas.
Nos níveis mais baixos do edifício estarão a boate Noites Cariocas, que durante o dia contará a história da noite do Rio, e uma área de convivência em que as pessoas poderão ver as "manchetes" daquela data, extraídas do acervo.
O centro de documentação passará a ter 300 metros quadrados, com terminais de consulta e salas de pesquisa. Mas a maior parte do acervo não ficará em Copacabana, por razões de segurança e porque estará quase todo disponível digitalmente, inclusive pela internet.
Futurista, MIS do RJ olha para o passado por Luiz Fernando Vianna, Folha de S. Paulo
Matéria de Luiz Fernando Vianna originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 22 de abril de 2010.
Novo museu foca em maior público, interatividade e no legado cultural carioca
Operação é orçada em R$ 76,5 milhões; instituição terá prédio em Copacabana e Carmen Miranda como principal personagem
A arquitetura e os recursos tecnológicos apontam para o futuro, mas o novo Museu da Imagem e do Som carioca cumprirá uma missão do passado após sua inauguração, planejada para novembro de 2012.
Embora seja um grande centro de documentação, o MIS não conseguiu realizar de modo constante e consistente duas tarefas que tinha em 3 de setembro de 1965, quando o então governador da Guanabara, Carlos Lacerda, abriu suas portas: ser um lugar de produção de bens culturais e de exposição do acervo, não ficando restrito a pesquisadores.
"Ele agora será um museu total, exibindo seu acervo com um conceito e de forma interativa e atraente", diz a presidente da Fundação MIS, Rosa Maria Araujo.
Foi após visitar o Museu da Língua Portuguesa e o Museu do Futebol, em São Paulo, que o governador do Rio, Sérgio Cabral, convidou a Fundação Roberto Marinho para fazer algo semelhante com o MIS, dividido hoje entre dois prédios do centro da cidade carentes de reformas e poder de sedução.
Decidiu-se que ele seria o primeiro edifício público da orla de Copacabana, substituindo a boate Help, associada à prostituição e desapropriada por R$ 18,3 milhões -toda a operação do MIS está orçada em R$ 76,5 milhões, sendo R$ 20 milhões de empresas privadas.
Abriu-se um concurso, e o escritório norte-americano Diller Scofidio + Renfro venceu com um projeto que remete às curvas do calçadão que margeia a praia, criado por Burle Marx.
Onze conselheiros passaram três meses destrinchando o acervo para avaliar seu potencial e suas lacunas. Há um ano, o jornalista Hugo Sukman, curador do projeto, vem concebendo as 11 salas -ou "experiências" ou níveis, já que a divisão não é convencional- com Daniela Thomas e Felipe Tassara, responsáveis pela museografia do Museu do Futebol.
"É um museu do Rio de Janeiro, mas não é carioca no sentido bairrista", afirma Sukman, que tem Ruy Castro, Hermínio Bello de Carvalho e Sérgio Cabral, o pai, entre seus conselheiros. "O Rio é caracterizado por sua produção artística, que contribuiu para muito do que chamamos de cultura brasileira, com samba, choro, bossa nova, chanchadas etc., e chegou a outros países."
É o Rio como "capital da identidade do Brasil" que sustenta o conceito do MIS. "Os paparazzi do Leblon sabem do que eu estou falando", brinca Sukman, citando artistas que se radicaram no Rio para explicar melhor: "A música baiana não me interessa, mas Dorival Caymmi sim. O coco da Paraíba não me interessa, mas Jackson do Pandeiro sim".
Carmen Miranda
A principal personagem do novo MIS é Carmen Miranda. O acervo do já existente museu dedicado a ela foi incorporado e será ampliado. Carmen poderá ser vista em três etapas: a importante cantora que surge no Rio, sempre com imagens em preto e branco; o tipo que nasce no filme "Banana da Terra" (1938), no qual veste sua primeira baiana estilizada, já em cores; e a versão exacerbada que faz sucesso em Hollywood.
O público poderá folhear digitalmente esse álbum de imagens, muitas delas em movimento. "Ele escolherá qual momento da vida dela quer ver", diz Tassara, que criou com Daniela uma sobreposição dos figurinos de Carmen e das cenas em que ela aparece com eles.
A tecnologia será marcante em outras salas, como na do choro e do samba. O primeiro gênero, tido às vezes como chato e obsoleto, ganhará uma animação com imagens abstratas que procurará encantar o visitante, um tanto à maneira do clássico "Fantasia", da Disney. A mesma sala se transformará para a exibição de um filme sobre a história social do samba.
Já a história do Carnaval será narrada em forma de enredo de escola de samba. As imagens, raras como as feitas aqui por Orson Welles, serão projetadas nas paredes em 360º.
Rosa Araújo ainda quer seguir um exemplo que viu em Londres e permitir que o visitante leve para casa, num pen drive, a parte da visita que não fira direitos autorais, como algumas ações interativas.
Exposição traz capital como museu ao ar livre por Johanna Nublat, Folha de S. Paulo
Matéria de Johanna Nublat originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 20 de abril de 2010.
A estátua "A Justiça", uma mulher vendada encravada na praça dos Três Poderes, parece ter sido colocada na frente do Supremo Tribunal Federal para servir de cenário em dez entre dez protestos que clamam por justiça feitos em Brasília.
Também é ótimo pano de fundo o painel disposto no Salão Verde do Congresso Nacional, usado frequentemente nas entrevistas com políticos.
Longe de figuração, essas obras -a primeira, de Alfredo Ceschiatti, e a segunda, de Di Cavalcanti- fazem parte do vasto acervo em área livre ou em prédios públicos da capital que poderá ser (re)descoberto na exposição "Brasília -Síntese das Artes" a partir de hoje, no CCBB Brasília (leia quadro nesta página).
"As pessoas não têm a menor ideia do que são as obras com as quais elas convivem todos os dias", diz Denise Mattar, curadora da mostra, que ocorre em meio aos festejos do cinquentenário da cidade.
A curadora entende a capital como um "museu a céu aberto", composto por obras como as de Volpi, Maria Martins, Burle Marx, Franz Weissmann e Athos Bulcão, entre outros. "[Oscar] Niemeyer recuperou o ideal grego, com as artes integradas à arquitetura", afirma.
Mattar optou por apresentar essas obras ao público por meio de fotografias inusitadas e legendas explicativas sobre o autor, na primeira parte da mostra, que ainda traz uma tela inédita do próprio Niemeyer. Há outros dois núcleos: um com artistas contemporâneos e outro que fala da curta, porém inovadora, trajetória do Instituto Central de Artes, da UnB.
O ICA, como ficou conhecido, reuniu artistas de renome, como professores, entre 1962 e 1965, ano em que a universidade perdeu parte significativa do quadro numa demissão em massa em plena ditadura.
Segundo Mattar, o experimentalismo do ICA continuou influenciando os artistas de Brasília e do Rio de Janeiro, com a ida de integrantes do instituto para o MAM-RJ.
Ainda no rol das festividades dos 50 anos da capital, Brasília receberá a exposição "Lúcio Costa -Arquiteto", com estreia apenas em maio, no Museu Nacional da República.
A intenção da mostra é desvendar a trajetória de Costa, não só como urbanista mas também como arquiteto, para além de seu trabalho mais conhecido: a nova capital.
Para tanto, serão apresentados projetos de arquitetura (como as casas de duas filhas de Costa), de urbanismo (como a proposição para a nova capital da Nigéria) e de intervenções paisagísticas no Rio de Janeiro (Outeiro da Glória, monumento a Estácio de Sá no Aterro).
A concepção de Brasília, tornada possível a partir da bagagem do urbanista, também será esmiuçada. "Como qualquer pessoa, ele acumulou no seu "HD" interno a soma das experiências anteriores, muitas das quais afloraram na concepção de Brasília. O projeto do parque Guinle, por exemplo, está na origem das superquadras", diz Maria Elisa Costa, filha do urbanista e curadora da mostra.
"O corpo é tudo; o artista precisa estar presente" por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 19 de abril de 2010.
Marina Abramovic está presente. Todos os dias, desde que começou sua retrospectiva em março, ela vai ao Museu de Arte Moderna de Nova York para um encontro com estranhos. Fica sentada à espera de quem quiser dividir com ela um momento de silêncio no meio do furacão da ilha de Manhattan.
"Queria algo pequeno", diz ela. "A cidade é ruidosa, inquieta, mas, como todo furacão, tem um olho de calma no meio. Estou tentando criar essa calma."
Isso porque já soube incitar o caos até agora. Um dos maiores nomes da performance, Abramovic já se cortou, se congelou e se descabelou em obras passadas. Chegou a dar ao público instrumentos de tortura durante uma dessas ações -o trabalho terminou quando alguém apontou um revólver carregado para a cabeça da artista.
Mas este momento é outro. Antes de começar a mostra atual, em que 36 artistas refazem suas performances clássicas, Abramovic ficou cinco dias sem falar. Entregou telefones e computadores a seus assistentes e esqueceu a vida pessoal. "É preciso começar a viver dentro da performance; tudo desmorona", conta. "Crio uma infra-estrutura sem me mexer."
Ela quer formar uma galeria de performances, expor suas ações efêmeras como se fossem quadros. Quem for ao museu durante a mostra verá tudo acontecendo ao vivo. Mas como Abramovic é uma só, recrutou atores para repetir seus trabalhos -ela mesma já homenageou obras consagradas do gênero no MoMA, como a ação de Vito Acconci em que se masturbava sob o piso de uma galeria.
Na tentativa de garantir que tudo saísse do seu jeito, levou os performers atuais a um retiro no norte de Nova York, onde tem uma casa de campo. Lá, também ficaram sem seus telefones e qualquer tipo de acesso ao mundo real. Não podiam falar e acordavam todos os dias às seis da manhã para tomar banho no rio, nus e sem sabão.
"Performance tem a ver com foco, apagar o que está ao redor", afirma. "Você precisa encontrar seu centro na solidão."
No fim, é uma estética despojada a dela: corpos nus, ornamentos ausentes, o embate escancarado. Abramovic gosta de encarar o público, provoca pela dor que sente diante da plateia, pelo constrangimento que arquiteta no espaço. É a afirmação, segundo ela, de uma arte que não se vende num mundo em que tudo virou commodity.
"Aquele crânio de diamantes do Damien Hirst mostra esse excesso", diz Abramovic. "Na performance, não tem isso. É um momento refrescante."
E se faz performances mais longas agora, atos de resistência, é para enfatizar justo isso, a desaceleração em meio à voracidade do mercado. "O corpo agora é mais importante do que nunca", resume. "Isso é tudo que temos, o artista precisa ser real, precisa estar presente."
Abramovic se reinventa na retrospectiva de suas performances no MoMA por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 19 de abril de 2010.
Com 40 anos de carreira, artista passará cerca de 600 horas sentada de frente para visitantes do museu sem dizer nada
Desde a década de 1970, Marina Abramovic é uma das principais referências da performance. Com ações radicais, que investigam os limites do corpo, como gritar até perder a voz, em "Freeing the Voice" (liberando a voz), de 1975, contribuiu de forma decisiva para estender a compreensão e o papel da arte no final do século 20.
Nos últimos anos, a artista sérvia tem estabelecido novas formas de pensar a performance, superando as próprias regras iniciais, baseadas na tríade: não ensaiar, não repetir, não prever o fim. Foi assim em 2007, quando reencenou seis performances históricas, de artistas como Vito Acconci, Joseph Beuys ou dela mesmo, no Guggenheim de Nova York.
"Marina Abramovic, a Artista Está Presente", em cartaz até 31 de maio, no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), representa sua mais recente e mais radical reflexão sobre como levar antigas performances ao museu, já que se trata de uma ampla retrospectiva de sua carreira.
Ao longo da mostra, cerca de 50 trabalhos são apresentados sob diversas formas: documentações por fotos, objetos usados, vídeos, desenhos e, a parte mais surpreendente, a reencenação de cinco de suas ações por jovens artistas, além de uma nova dela própria.
No átrio superior do MoMA, dois pisos abaixo da própria mostra, Abramovic realiza "A Artista Está Presente". Durante os três meses da exposição, num total de 600 horas, sempre que o museu estiver aberto, ela estará sentada à frente de uma pequena mesa, com uma cadeira vazia do outro lado, na qual os visitantes podem se sentar. Por todo esse período, ela não sai da cadeira, não fala.
Do outro lado, o mesmo ocorre e há filas constantes, provocadas por aqueles que querem dividir parte de seu tempo com a artista. A ação pode ser vista ao vivo no site do museu (www.moma.org).
Como performance significa que espectador e artista precisam compartilhar tempo e espaço, uma das boas estratégias da exposição, com curadoria de Klaus Biesenbach, é a reencenação de performances sem negar o fato de que são reencenações. É o que ocorre com "Relação no Tempo", realizada por Abramovic e Ulay Frank Uwe Laysiepen, em 1977.
Na original, os dois ficavam de costas, com seus cabelos entrelaçados por cerca de 17 horas. No MoMA, os artistas que reencenam são vistos por um retângulo cortado na parede, transformando a performance numa visão bidimensional, o que remete a uma das formas de documentação desse tipo de ação. A exposição joga com o caráter ambivalente da reencenação. Como se trata de uma retrospectiva de uma artista da performance, não há dúvida que a presença física de outros artistas de fato consegue ativar o espaço, como ocorre com "Imponderabilia", de 1977.
Na original, Ulay e Abramovic ficavam nus na entrada da galeria e só poderia nela entrar quem por eles passasse. No MoMA, há dois percursos, um similar ao original e outro, por onde passa a maioria, sem ninguém. A presença dos artistas nus tem não só surpreendido visitantes quanto estimulado outros a tocarem nos artistas, gerando polêmica no museu.
Contudo, a polêmica e a provocação são de fato inerentes a esse tipo de ação e, com "A Artista Está Presente", Abramovic, após mais de 40 anos de carreira, consegue se reinventar, estendendo ainda mais a compreensão da performance.
Lygia Clark é destaque de leilão na Inglaterra por Júlia Bolliger, Folha de S. Paulo
Matéria de Júlia Bolliger originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 27 de abril de 2010.
Obras brasileiras arrecadaram 1 milhão em evento com peças de países do Bric
Fechamento de espaço aéreo europeu desfalcou lote e impediu chegada de trabalhos de Nelson Leirner e Artur Barrio, entre outros
A escultura "Bicho", da série de Lygia Clark, foi a mais disputada e a quarta maior venda do leilão de peças dos países do Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), que aconteceu na sexta e no sábado em Londres.
Os lances superaram rapidamente o preço máximo de 220 mil (aproximadamente R$ 591,8 mil) em que foi avaliada, fechando em 367,2 mil (R$ 987,7 mil), um dos mais altos da primeira noite.
O evento aconteceu na Saatchi Galery e foi organizado pela casa russa Phillips de Pury. Com o salão lotado para a primeira venda, dezenas de assistentes disputaram ao telefone lances em nome de grandes colecionadores.
De todo o leilão, o maior arremate foi o do quadro russo "Entrance-No Entrance", de Erik Bulatov, vendido por 713,2 mil (R$ 1,9 milhão), seguido por "Meeting Between Solzhenitsyn and Böll at Rostropovich's Country House", de Komar & Melamid, arrematado sob aplausos por 657,2 mil (R$ 1,76 milhão), cerca de quatro vezes o preço estimado.
No total, os rendimentos foram de cerca de 7,1 milhões (R$ 19 milhões).
Os outros destaques brasileiros da primeira noite foram "Maria, Esmeraldo, Pomela, Nacimento, Valdelios e Amildala", da dupla Osgemeos, e um dos "Metaesquemas", de Hélio Oiticica. O quadro dos grafiteiros foi arrematado por lance de 37,2 mil (R$ 100 mil) e o de Oiticica, por 103,2 mil (R$ 276,5 mil), ambos acima do valor esperado.
No sábado, quem queria ver obras de Lygia Pape, Cildo Meireles ou Wesley Duke Lee foi prejudicado, pois as cinzas do vulcão Eyjafjallajokull impediram o embarque de lotes brasileiros. Trabalhos de Artur Barrio, Nelson Leiner, Carmela Gross, Mira Schendel e Miguel Rio Branco ficaram de fora.
Quanto aos outros, um dos mais disputados foi "Sideboard", do designer Giuseppe Scapinelli, avaliado em até 5 mil (R$ 13,5 mil) e vendido por 21,2 mil (R$ 57 mil). A maior venda dos lotes brasileiros (a sexta de todo o evento) foi "Mulatas", de Di Cavalcanti, arrematada por 265,2 mil (R$ 713,4 mil), recorde para um trabalho em papel do artista.
Beatriz Milhazes teve o quadro "Sábado" vendido por 11,2 mil (R$ 30,3 mil) e o maior arremate por uma obra de Vik Muniz foi de 20 mil (R$ 54,2 mil), por "Pelé" -da série "Jogadores de Futebol".
Prejudicada pela ausência de obras, a venda das peças brasileiras teve renda total de 1,1 milhão (R$ 3 milhões). A China rendeu 2,9 milhões (R$ 7,8 milhões); a Rússia, 2,3 milhões (R$ 6,2 milhões), e a Índia, 806,2 mil (R$ 2,2 milhões). Os lotes ausentes serão leiloados em data a definir.
JÚLIA BOLLIGER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, EM LONDRES
Exposição esconde artista ousado por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 23 de abril de 2010.
Lado transgressor e polêmico de Flavio de Carvalho, que marcou sua carreira, fica ausente de retrospectiva no MAM
A retrospectiva "Flavio de Carvalho", em cartaz no Museu de Arte Moderna de São Paulo, com curadoria de Rui Moreira Leite, não faz por merecer o caráter ousado e transgressor de seu artista homenageado.
Flavio de Carvalho (1899-1973), que causou a ira dos fiéis católicos com sua "Experiência nº 2" (1931), ao caminhar sem chapéu e no sentido contrário de uma procissão; que desenhou retratos da mãe em seu leito de morte, na "Série Trágica" (1947); e andou de saia por São Paulo, na "Experiência nº 3" (1956), entre algumas de suas polêmicas ações, tem na mostra maior espaço para suas pinturas e desenhos.
Não que seu trabalho material não seja importante, mas não há dúvida que, na história da arte brasileira, é sua atitude que o coloca como uma das principais figuras e, nessa exposição, essa característica acaba por ser minimizada. A montagem asséptica, de paredes brancas e com vitrines para alguns de seus objetos, reforça ainda mais esse "enquadramento" de Flavio de Carvalho à instituição.
Agora, em 2010, previa-se um ano que poderia revelar um novo olhar sobre a obra de Carvalho, já que, além da retrospectiva no MAM, ele é figura central de uma mostra no Museu Reina Sofia, em Madri, e um dos destaques da 29ª Bienal de São Paulo. Contudo, a enfadonha mostra "Flavio de Carvalho", no MAM, não acrescenta nada ao que já se conhece sobre o artista.
Uma nova cidade
Por conta dessa fragilidade, ganha destaque "A Cidade do Homem Nu", mostra paralela que se utiliza de ideias de Flavio de Carvalho, na sala menor do MAM, com curadoria de Inti Guerrero. Com apenas 12 obras, o curador colombiano explora a ideia de Carvalho para uma nova cidade, onde existiria um homem "sem deus, sem propriedade, sem matrimônio... e sem tabus escolásticos, livre para o raciocínio e o pensamento".
Assim, ganha novo sentido a performance de Ney Matogrosso, enquanto estava à frente dos Secos e Molhados, nos anos 1970, e as imagens captadas de forma escondida em salas de cinemas pornô na Colômbia, de Miguel Angel Rojas, já que ambos colocam em prática os preceitos de Carvalho.
Outro destaque da pequena mostra é a série denominada "Rua Direita", de Claudia Andujar, que retrata a mesma via por onde o polêmico artista caminhou de saia. Para a série realizada nos anos 1970, Andujar postou-se no chão, capturando um olhar surpreso dos passantes. Ao menos na sala menor, Carvalho segue inspirando transgressão.
Masp exibe colagens de Max Ernst por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 23 de abril de 2010.
"Uma Semana de Bondade", série do artista publicada em livros nos anos 30, é um dos marcos do movimento surrealista
Obra com 188 colagens mostra construção do mundo em chave grotesca, denunciando os horrores do início do nazifascismo
É feito de barro, água, fogo e sangue o mundo de Max Ernst (1891-1976). Pelo menos a parte desse mundo que o artista retratou nas colagens da série "Uma Semana de Bondade", nome um tanto irônico para esse marco surrealista construído no levante do nazifascismo. No lugar da bondade, "a desgraça e a violência flutuavam no ambiente", escreveu Ernst. Ele passou três semanas de 1933 num castelo medieval recortando figuras de livros, jornais e revistas franceses para fazer as 188 colagens que publicou um ano depois em esquema de folhetim para donzelas.
Algumas delas não passaram pela censura da época e cortes da editora. A série inteira só foi exposta há dois anos em museus da Europa e está, também na íntegra, na mostra que o Masp abre hoje ao público. Se na Bíblia o mundo surge de ações épicas ao longo de sete dias, a separação da luz e das trevas, da terra e do firmamento, Ernst cria uma novela de costumes para expor numa semana grotesca os horrores da burguesia, mortes violentas, cenas de tortura e registros fantásticos de mazelas da psique.
Não descansa no domingo, dia associado ao barro. Mostra seus homens com cabeça de leão torturando pobres moças. Mulheres amordaçadas viajam em trens ao lado de figuras amarradas. Uma delas oferece os seios à língua do algoz. E elas não param de sofrer no segundo dia, quando um dilúvio arrasa Paris. No dia da água, elas afogam em seus quartos, morrem enforcadas em cascatas que invadem a cidade. É o retrato de uma sociedade impotente diante da natureza.
Ernst ironiza a futilidade da belle époque na terça-feira de sua semana, com homens e mulheres com asas e rabos de dragão. Senhores e senhoras viram répteis em palacetes burgueses, chorando dramas cotidianos, discutindo a relação. Nos retratos nas paredes, dragões observam a rotina. É o absurdo para revelar a violência domesticada, tragédia latente. Na cola desse horror, Ernst revisita o mito de Édipo no dia seguinte. Homens com cabeça de pássaro revivem o drama do filho do rei que não consegue escapar do destino: mata seu pai e se casa com a mãe.
Sonhos e pesadelos
Mesmo que as imagens pareçam inteiriças, com aspecto de gravura, esses homens-pássaro e mulheres-dragão denunciam a construção das colagens e se firmam como ponto alto do movimento surrealista, a reinvenção de um mundo fantástico com fragmentos do real, um tanto como fazem os sonhos.
Isso fica mais claro nos dias finais de sua semana. Vira a anatomia do avesso, desmembra corpos, alça suas mulheres histéricas a um voo libertário. Foi sua tradução em chave de sonho e pesadelo para um mundo de horrores com os pés plantados no chão.
abril 22, 2010
Clássico x Contemporâneo por Diego Rosa, A Notícia
Matéria de Diego Rosa publicada originalmente no jornal A Notícia em 12 de abril de 2010
*** Leia e assine o abaixo-assinado "Repúdio ao governo do estado de Santa Catarina pela implantação em Joinville da Escola de Belas Artes de Florença da Itália" ***
Sob a crítica da falta de diálogo, artistas encabeçam abaixo-assinado, descontentes com planos de instalação da filial da Academia de Belas Artes de Florença no estado
Um grupo de artistas catarinenses que integra um fórum de discussão virtual sobre arte contemporânea, cultura e artes visuais está mobilizando pessoas a assinar um abaixo-assinado (http://www.abaixoassinado.org/abaixoassinados/5913) contra a mobilização do governo de Santa Catarina em trazer para cinco cidades catarinenses, entre elas Joinville, uma extensão da Academia de Belas Artes de Florença. Em Joinville, a unidade irá se chamar de Liceu das Artes.
Os artistas envolvidos querem, com as assinaturas, fazer uma moção de repúdio à iniciativa. A justificativa apresentada é que a decisão do então governador Luiz Henrique foi arbitrária. O grupo alega que não houve um debate com profissionais da área, professores universitários, artistas e críticos sobre a real necessidade dessa escola no Estado. O grupo critica que a instalação da unidade italiana vai implantar metodologias europeias no ensino das artes e ignorar a produção contemporânea local e as características regionais. O manifesto defende que essa ação subestima a capacidade intelectual e artística dos profissionais da área das artes no Estado e indica uma recolonização cultural.
No artigo enviado por e-mail em 5 de abril, o grupo argumenta que se essa comunidade fosse ouvida, o governo poderia atender à demanda cultura no campo de ensino das artes visuais com a implantação do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Cerca de 150 pessoas assinaram o manifesto, e o número está aumentando.
A postura crítica apresentada pelos artistas contra a instalação da filial da Academia de Belas Artes de Florença foi rebatida pelo secretário de Articulação Internacional do governo do Estado, Vinícius Lummertz. Ele participa desde o início das negociações, há aproximadamente cinco anos.
Lummertz afirma que o Liceu das Artes – nome que será dado à estrutura – não vai desvalorizar os artistas locais. “Muitos professores da área serão capacitados e a maioria é de SC. Esses profissionais vão participar de uma seleção para atuar na escola”, destaca.
O secretário salientou que o objetivo da unidade é dar o ensino básico na formação dos artistas. As aulas serão direcionadas para jovens com idades entre nove e 15 anos e serão de graça.
O secretário diz que os artistas contrários à iniciativa estão levantando apenas hipóteses. Ele afirma que o Estado est do Instituto Investidor Profissional em parceria com o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro - MAM, o Prêmio Investidor Profissional de Arte - PIPA foi concebido para divulgar a Arte, Artistas no Brasil e a cidade do Rio de Janeiro, estimulando a produção nacional de arte contemporânea.
1.2 O Prêmio Investidor Profissional de Arte, doravante simplesmente PIPA, tem como objetivo selecionar um artista pelo Júri Oficial e um artista pelo Júri Popular, dentre os 4 (quatro) artistas finalistas, conforme definido no presente Regulamento.
1.3 A realização do PIPA é de responsabilidade do INSTITUTO INVESTIDOR PROFISSIONAL, com sede na Cidade e Estado do Rio de Janeiro, na Avenida Ataulfo de Paiva n° 255, 9º andar, Leblon, CEP 22440-032, inscrita no CNPJ/MF sob o n° 11.760.852/0001-04, doravante denominada INSTITUTO IP e do MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO DE JANEIRO, com sede na Cidade e Estado do Rio de Janeiro, na Avenida Infante Dom Henrique n° 85, Gloria, CEP 02021-140, inscrito no CNPJ/MF sob o n° 33.467.002/0001-44, doravante simplesmente denominado MAM.
1.4 Para fins deste Regulamento, são tomadas as seguintes definições:
1.4.1 Conselho do PIPA: órgão superior de gestão do PIPA composto por 5 a 7 membros, sendo dois representantes da IP, dois representantes do MAM e os demais convidados dentre renomados profissionais, nacionais ou estrangeiros, que atuem com arte contemporânea, possuindo as seguintes competências e atribuições:
(i) Contribuir para a credibilidade e visibilidade do PIPA, coordenando a sua gestão e execução.
(ii) Garantir o cumprimento das regras do PIPA, em especial deste Regulamento.
(iii) Coordenar o processo de seleção dos Indicadores e dos membros do Júri Oficial.
(iv) Discutir e propor eventuais mudanças no Regulamento do PIPA.
(v) Decidir, em última instância, sobre todas as eventuais omissões e sobre todos os questionamentos que porventura forem apresentados com relação a este Regulamento e ao PIPA.
1.4.2 Indicadores: conjunto de 30 (trinta) a 50 (cinquenta) renomados profissionais, nacionais ou estrangeiros, que atuem com arte contemporânea, convidados pelo Conselho do PIPA e que terão como atribuição realizar, cada um, até 5 (cinco) indicações de artistas brasileiros revelação para participar do PIPA.
1.4.3 Júri Oficial: grupo de 5 a 7 membros, convidados pelo Conselho do PIPA, sendo pelo menos um representante de artistas consagrados, um de colecionadores, um de galeristas e um de curadores e críticos de arte, que terá como função selecionar o vencedor do PIPA dentre os 4 (quatro) finalistas que serão selecionados pelo Conselho do PIPA a partir das indicações dos Indicadores.
1.4.4 Júri Popular: público visitante da exposição do PIPA no MAM que terá o direito de votar no seu artista preferido.
1.4.5 Secretário Executivo do PIPA: será o Diretor do Instituto Investidor Profissional, que terá como função coordenar a produção executiva do PIPA e secretariar e auxiliar todos os seus órgãos e instâncias.
2. SISTEMÁTICA E ESTRUTURA DO PIPA
2.1 A participação no PIPA é gratuita e somente será válida para fins de disputa pelos prêmios.
2.2 Não poderão ser aceitos como artistas participantes do PIPA os próprios Indicadores e membros do Júri Oficial.
2.3 A seleção dos artistas participantes do PIPA se dará da seguinte forma:
2.3.1 Cada Indicador irá indicar até 5 (cinco) artistas para o Conselho do PIPA tomando por base os seguintes critérios:
(i) Deverá ser um artista revelação, porém ainda não consagrado, ficando a critério do próprio Indicador avaliar e definir o que lhe pareça revelação.
(ii) A produção artística do Indicado desde o início de 2009.
2.3.2 O Conselho do PIPA irá selecionar, dentre os Indicados, 4 (quatro) finalistas, tomando como um dos critérios a quantidade de indicações recebidas.
2.3.3 Será concedido prazo para que os 4 (quatro) finalistas preparem obras para a exposição que será realizada no MAM.
2.3.4 Durante a exposição, o Júri Oficial irá avaliar todo o portfolio dos 4 (quatro) finalistas, incluindo as obras elaboradas para a exposição, e irá selecionar o vencedor do PIPA.
2.3.5 Em paralelo, durante a exposição no MAM, o público visitante poderá votar no seu artista preferido e o que obtiver mais votos receberá a premiação do Júri Popular.
2.4 Os artistas, em qualquer etapa, poderão concorrer com obras em qualquer mídia ou formato, tais como pintura, foto, escultura, urban art, vídeo, instalação, on-line, etc.
2.5 O PIPA será divulgado através de site próprio e nos sites da Investidor Profissional e do MAM.
2.6 A participação no PIPA importa na responsabilização pessoal e intransferível dos participantes, pela veracidade das informações fornecidas.
2.7 As informações fornecidas no cadastro dos participantes serão utilizadas para o envio de dados, comunicações importantes e outras que sejam julgadas necessárias pelo Conselho do PIPA. A inexistência destes dados, ou a impossibilidade de comunicação pelos organizadores será de responsabilidade exclusiva do participante.
2.8 As decisões do Conselho do PIPA e do Júri Oficial são finais e soberanas e não haverá possibilidade de revisões.
2.9 Os nomes dos vencedores do Júri Oficial e do Júri Popular, que poderão ser o mesmo artista finalista, serão divulgados no evento de premiação que será realizado no MAM.
2.10 Apenas os 4 (quatro) finalistas farão jus a uma ajuda de custo, no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para a preparação das obras para a exposição que ocorrerá no MAM, assim como para a cobertura de todas as despesas para a sua própria participação na mesma.
2.11 Cada um dos 4 (quatro) finalistas se compromete a doar uma das obras que compuser a exposição do PIPA para o MAM, sendo que o(s) vencedor(es) do Júri Oficial e do Júri Popular deverá(ão) doar, ainda, uma segunda obra para o Instituto Investidor Profisisonal.
2.11.1 Caberá ao MAM indicar qual das obras lhe deverá ser doada dentre as que compuserem a exposição do PIPA, tendo o MAM preferência em relação ao Instituto Investidor Profissional na escolha da obra que receberá em doação.
2.12 Os participantes se comprometem a desenvolver obras originais. O artista participante é o único responsável pela autoria das mesmas e será responsável inclusive judicialmente, no caso de plágio ou qualquer outro questionamento que diga respeito à veracidade da autoria informada.
2.13 O INSTITUTO IP e o MAM se eximem, com a expressa concordância dos participantes, de qualquer responsabilização, caso ocorram problemas técnicos, não previstos e que possam, temporária ou definitivamente, impedir ou alterar a divulgação de qualquer conteúdo objeto do PIPA.
2.14 O PIPA tem caráter exclusivamente cultural, sem qualquer modalidade de sorte, nem vínculo com a compra de produtos ou serviços e, portanto, independe de autorização de qualquer órgão oficial, nos termos da Lei 5.768/71 e demais dispositivos legais aplicáveis.
2.15 Todo o artista participante deverá assinar a respectiva autorização de participação, sendo que os 4 (quatro) finalistas deverão firmar, também, contrato específico para a participação na exposição do PIPA e na subsequente doação de uma ou duas de suas obras.
2.16 O INSTITUTO IP e o MAM se reservam ao direito de, a seu exclusivo critério, alterar os termos deste Regulamento, informando previamente os participantes do PIPA, através de avisos no site do PIPA, sempre se pautando pela legalidade e respeito aos participantes.
3. CRONOGRAMA
3.1 O PIPA terá o seguinte cronograma:
09/04/2010 Lançamento do PIPA e divulgação do Regulamento
14/04/2010 Entrevista coletiva na Pinacoteca do Estado de São Paulo
30/04/2010 Formação do Conselho do PIPA e definição do critério para inclusão dos Indicados no catálogo do PIPA
31/05/2010 Divulgação de Lista de Indicadores
15/06/2010 Limite para recebimento das indicações dos Indicadores
15/07/2010 Anúncio dos finalistas do PIPA
18/09/2010 Abertura da exposição do PIPA no MAM e divulgação dos nomes dos membros do Júri Oficial
28/10/2010 Cerimônia de Premiação
07/11/2010 Término da exposição do PIPA no MAM
4. PREMIAÇÃO
4.1 A premiação do PIPA será composta por:
4.1.1 Para os Indicados que preencherem os critérios definidos pelo Conselho do PIPA: inserção de seu nome e a imagem de uma de suas obras no catálogo do PIPA.
4.1.2 Para os finalistas que não forem contemplados nem pelo Júri Oficial e nem pelo Júri Popular: certificado de participação e inserção de seu nome, breve currículo e imagens de suas obras em destaque no catálogo do PIPA.
4.1.3 Para o vencedor do Júri Popular: troféu; inserção de seu nome, breve currículo e imagens de suas obras em destaque no catálogo do PIPA; e R$ 20.000,00 (vinte mil reais) em espécie.
4.1.4 Para o vencedor do Júri Oficial: troféu; inserção de seu nome, breve currículo e imagens de suas obras em destaque no catálogo do PIPA; e R$ 100.000,00 (cem mil reais), sendo R$ 75.000,00 (setenta e cinco mil reais) em espécie e R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais) para serem utilizados na participação do vencedor em programa de residência artística internacional, podendo o mesmo escolher uma das opções que lhe forem apresentadas pelo Conselho do PIPA.
4.2 Caso o vencedor do Júri Popular e do Júri Oficial sejam o mesmo artista, ele acumulará todos os prêmios.
4.3 O vencedor do Júri Oficial deverá se comprometer a utilizar os recursos relativos à residência artística internacional de acordo com o que for definido pelo Conselho do PIPA, sob pena de perda do prêmio.
4.4 O(s) finalista(s) que não preencher(em) os requisitos deste Regulamento será(ao) desclassificado(s) e perderá(ão) o(s) respectivo(s) prêmio(s).
4.5 O envio das imagens que comporão o catálogo do PIPA previstas como premiação, nos termos do item 4.1, será de única e exclusiva responsabilidade dos próprios Indicados, que deverão remeter o arquivo com a imagem em formato jpeg com resolução de 300dpi ou de acordo com solicitação da editora.
4.6 Os prêmios são individuais e intransferíveis.
4.7 O(s) vencedor(es) serão avisados do resultado na cerimônia de premiação.
4.8 Os participantes do PIPA, incluindo-se os vencedores, assumem total e exclusiva responsabilidade a respeito de todas e quaisquer eventuais reivindicações de terceiros que se sintam prejudicados pela sua participação.
4.9 Os participantes do PIPA, inclusive os vencedores, desde já, autorizam a utilização de seus nomes, imagens e voz, em caráter gratuito, desde que em divulgação direcionada ao PIPA.
4.10 A participação no PIPA implica na total concordância com o presente Regulamento.
5. CONSIDERAÇÕES GERAIS
5.1 Serão desclassificados e excluídos do PIPA:
(i) Aqueles que não se encaixarem nos quesitos de inscrição.
(ii) Trabalhos de autoria de terceiros.
(iii) Participantes que cometerem qualquer tipo de fraude.
5.2 Os critérios de julgamento e seleção são os definidos diretamente pelo Conselho do PIPA e pelo Júri Oficial, não cabendo qualquer contestação.
5.3 A perda do direito ao prêmio ocorrerá caso o ganhador esteja impossibilitado de receber o mesmo. Nesta hipótese o direito ao prêmio será transferido ao participante classificado subsequente.
5.4 Quaisquer dúvidas, divergência ou situações não previstas neste regulamento serão apreciadas e decididas pelo Conselho do PIPA, cuja decisão é soberana e irrecorrível.
Debate bem acalorado por Dariene Pasternak, Notícias do Dia
Matéria de Dariene Pasternak originalmente publicada na versão impressa do Notícias do Dia em 9 de abril de 2010
Artistas questionam a implantação no Estado da Escola de Belas Artes de Florença
O projeto de instalação da Escola de Belas Artes de Florença em Santa Catarina, iniciativa do ex-governador Luiz Henrique da Silveira, já ganhou um debate acalorado na imprensa e agora se multiplica pela internet. A classe artística do Estado se mobilizou numa carta de repúdio à implantação da instituição, que ganha, em tempos de redes sociais, volume de assinaturas e pega carona para disseminar nas estruturas já consolidadas de discussão das conferências de cultura. Desde segunda-feira, quando começou a circular, ultrapassa 140 assinaturas, só com nomes da cultura, entre artistas e curadores reconhecidos no país, entre eles Ricardo Basbaum, diretores de museus, entre outros.
A principal crítica dos artistas, no caso de Santa Catarina, representados na Assembléia Estadual de Artes Visuais do Estado, é pela forma que o governo traz a escola, sem consultar a classe. “Existem instâncias de discussão democrática que têm previsto uma série de prioridades para as artes visuais para os municípios, Estados e em nível federal. Em nenhum momento, tanto no Estado como em Joinville, foi colocado a Escola de Florença como prioridade”, enfatiza o artista, curador e o representante do Sul nas conferências do Sistema Nacional de Cultura, Charles Narloch.
“Na maioria dos Estados os artistas e a produção cultural está em diálogo com os governos, como o faz o Ministério da Cultura com os colegiados. Santa Catarina está em movimento contrário”, diz o artista Roberto Moreira, que mora hoje no Rio de Janeiro e dá apoio à discussão em nível nacional.
Em janeiro deste ano, o então governador Luiz Henrique da Silveira em viagem internacional idealizou um convênio com a Academia de Arte de Florença para instalar cinco unidades da instituição em Santa Catarina, começando por Joinville, na Piazza Itália.
O prazo para início da implantação é 2010. O liceu atenderá jovens entre 14 anos e 18 anos, no ensino de desenho, pintura, escultura, restauração e design na ideia de contraturno da escola. Ainda não há custos divulgados da implantação do projeto.
Governo fala em internacionalização
Outro ponto de debate é sobre os preceitos da escola italiana, que consideram ultrapassados para a produção atual de arte. “Os sistema de liceu é pré-industrial, de antes de 1400, antes da academia estar dentro das universidades”, considera a professora da Udesc (Universidade Estadual de Santa Catarina) e artista Yara Guasque.
O secretário de Articulação Internacional do Governo, Vinícius Lummertz, defende que a escola vem criar uma base que o Estado não tem atualmente. “O domínio de uso de cores, de palheta, de desenho, pintura, afresco, não temos este conhecimento de base hoje”, observa. Para ele, o movimento dos artistas é uma reação que se caracteriza xenofóbica. “Não estamos afrancesando a administração pública. É uma abertura, uma internacionalização”, diz, citando o exemplo dos cursos de engenharia da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), que hoje, como enfatiza, é referência graças ao know-how trazido da Alemanha. “Vão contra a um projeto que quer ensinar e que terá um impacto enorme na cultura de Santa Catarina”, opina.
Edson Machado, consultor internacional de Cultura da Secretaria de Articulação Internacional e atual presidente do Conselho de Cultura do Estado, lembra que a implantação da escola não exclui outros projetos de arte no Estado. “Este é um incentivo de cunho cultural, com uma direção social, mas continuam os projetos de promoção às artes contemporâneas e eruditas”, diz.
Sobre a ausência de consulta à classe, Lummertz justifica que é uma característica do sistema representativo. “È justo e correto o governador, com o seu mandato, fazer suas escolhas”, expõe.
abril 10, 2010
Exposição ressalta potência visual de Ferrari e Schendel por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 09 de abril de 2010
Ao trazer à tona semelhanças e diferenças entre artistas, mostra apresenta organização complexa dos trabalhos
"O Alfabeto Enfurecido" é uma exposição provocativa. Ela apresenta dois artistas que formalmente possuem semelhanças: o argentino León Ferrari e a suíço-brasileira Mira Schendel, que nasceu em 1919 na Suíça e morreu no Brasil em 1988, após 40 anos no país.
Ambos, de fato, trabalham com letras e palavras inseridas em suas obras, mas, se ficasse apenas aí, essa seria apenas uma bela exposição, já que os dois são visualmente potentes.
Contudo, há uma ótima tese por trás dessas semelhanças: ao contrário dos artistas conceituais norte-americanos e europeus, que, nos anos 1960 e 1970, usavam letras e palavras apenas pelo conteúdo, os latino-americanos iam além disso, trabalhando com as letras também como construção visual.
Organizada por Luiz Pérez-Oramas, curador de arte latino-americana do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), onde a exposição teve a primeira estação, no ano passado, a mostra, assim, procura levar a produção de Ferrari e Schendel a um novo patamar.
No catálogo da exposição, uma coedição do MoMA e da editora brasileira Cosac Naify, Pérez-Oramas chega a afirmar que os dois artistas nem sequer deveriam estar situados dentro do rótulo "arte conceitual".
Mas, pelo que se vê na mostra, tal afirmação chega a ser um tanto exagerada.
"O Alfabeto" ocupa dois pisos inteiros da Fundação Iberê Camargo, além do hall de entrada e de alguns dos polêmicos corredores vazios projetados por Álvaro Siza, o que cria uma nova dinâmica na instituição, já que esses espaços cortam as mostras de forma drástica.
Ao longo da exposição, fica claro que, se há semelhanças, há diferenças fundamentais também. Enquanto Ferrari tem uma militância anticlerical em suas obras, Schendel faz o oposto. Mas o fato de ambos serem obsessivos na construção de seus trabalhos, usando do acúmulo uma de suas estratégias, é outro ponto de aproximação visível na mostra, o que faz com que o formalismo da primeira vista seja superado pela complexidade de sua organização.
León enfurecido por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 09 de abril de 2010
Mostra de León Ferrari é aberta hoje em Porto Alegre; polêmico artista argentino, vencedor do Leão de Ouro em 2007, ironiza mercado de arte e ataca Jesus Cristo
O nome da exposição "O Alfabeto Enfurecido", que é inaugurada hoje, na Fundação Iberê Camargo (Porto Alegre), não trai a personalidade do argentino León Ferrari que, com a suíço-brasileira Mira Schendel, protagoniza a mostra. Em entrevista à Folha, na segunda, Ferrari, 89, não só chamou Jesus Cristo de fascista e ironizou o mercado de arte, como questionou o próprio local da exposição. "Eu não gostaria de entrar em um museu para um artista que matou alguém", afirmou, referindo-se a Iberê Camargo que, em 1980, matou um homem após uma discussão na rua.
Ferrari, que viveu em São Paulo entre 1976 e 1991, está acostumado a polêmicas. Em 2004, uma mostra sua em Buenos Aires provocou a fúria da Igreja Católica, sendo fechada e aberta diversas vezes, por conta de medidas judiciais. A mesma exposição, quando veio a São Paulo, em 2006, seria vista na Estação Pinacoteca, mas Ferrari não aceitou, argumentando que lá era um local de tortura de presos políticos. A mostra acabou realizada, então, na Pinacoteca do Estado. "Para nós, o passado está para trás. Estamos muito felizes em ter Ferrari conosco pela segunda vez. Em 2003, ele fez aqui uma gravura, exposta ano passado", disse Fabio Coutinho, superintendente cultural da Fundação Iberê Camargo. A atitude polemista de Ferrari, contudo, certamente lhe ajudou a conquistar o Leão de Ouro em Veneza, em 2007. Afinal, no mundo das artes plásticas, são raros os artistas com opiniões fortes, como se pode conferir a seguir.
FOLHA - O senhor tem obra e atitude muito políticas. Não é estranho que nessa mostra esse componente não esteja tão presente?
FERRARI - Eu também faço obras inofensivas [risos]. Agora mesmo, estou em meu ateliê fazendo obras inofensivas. Mas em relação à mostra, talvez seja culpa minha, eu deveria ter defendido mais essa parte. Mesmo a questão religiosa, que para mim não pode ser desvinculada da política, não está presente. Em 2004, aqui em Buenos Aires, provoquei uma grande polêmica por conta de minhas obras que abordam o catolicismo. Para mim, Jesus foi um intolerante. Quando ele disse "Quem não está comigo, está contra mim" revela-se um fascista, o que, aliás, foi mesmo usado pelo próprio Mussolini.
FOLHA - Em 2007, o senhor ganhou o Leão de Ouro, em Veneza, talvez o mais importante prêmio de artes plásticas atualmente. Isso mudou algo em sua vida?
FERRARI - Veneza é uma cidade especial para mim. Estive lá muitas vezes, a última para receber o prêmio. Meu pai, que era artista e arquiteto, trabalhou lá e fez muitas obras. Estamos organizando uma exposição de fotos do período, nos anos 20. Quanto ao prêmio, antes dele, minha obra não valia quase nada, era muito barata. Agora, ela vale muito mais do que eu mesmo acho. Aliás, pelos valores que estão aí, nunca compraria um quadro meu.
FOLHA - O sr. viu sua mostra com Mira no MoMA ou no Reina Sofia?
FERRARI - Não vi, não tenho viajado muito; é muito cansativo para minha idade. Em Porto Alegre, creio que três netas devem estar presentes.
FOLHA - Mas Buenos Aires é tão perto de Porto Alegre...
FERRARI - Olha, existe outra razão para não ir aí. Eu não gostaria de entrar em um museu para um artista que matou alguém. Não se pode ocultar isso. Eu sou contra isso. Saí da Argentina para São Paulo por conta da ditadura.
FOLHA - Mas o senhor permitiu a mostra.
FERRARI - Eu não sabia que ela iria para lá. No começo, era só Nova York e Espanha. Depois encontrei o diretor da Fundação Iberê Camargo, e disse a ele que não iria por essa razão.
FOLHA - O senhor conviveu com Mira Schendel, quando vivia em São Paulo?
LEÓN FERRARI - Participei, em 1980, de uma exposição organizada pelo Julio Plaza, na Pinacoteca do Estado, chamada "Gerox", um nome criado por ele, e ela também participou. Foi quando a conheci. Mas foi um contato rápido e nunca mais a encontrei...
FOLHA - E o senhor acha adequado serem vistos juntos?
FERRARI - De fato, acho que temos muitos pontos em comum.
FOLHA - No texto do catálogo, o curador da exposição aponta que ambos começaram com textos nas obras, no mesmo período (a década de 1960), sendo que o senhor teria motivação a partir da perda da audição e da fala de sua filha, em 1952.
FERRARI - É linda a comparação, mas não tinha pensado nisso.
FOLHA - Aos 90 anos, o senhor já deve ter ouvido muitas leituras surpreendentes de suas obras, não?
FERRARI - Sim, você não imagina quantas. Mas eu mesmo nunca digo minhas motivações justamente para permitir essas leituras e não cercear a imaginação dos outros.
abril 9, 2010
A arte de dizer a si mesmo por Carolina Marquis no Jornal do Comércio
Matéria de Carolina Marquis originalmente publicada no caderno Panorama do Jornal do Comércio em 09 de abril de 2010
Palavras têm corpo; têm peso e forma. A ausência ou presença delas constitui o discurso. O dito e o não dito estão presentes na exposição O alfabeto enfurecido: Leon Ferrari e Mira Schendel, que inaugura para convidados hoje à noite na Fundação Iberê Camargo (Padre Cacique, 2000) e fica aberta para visitação até o dia 11 de julho. Hoje também haverá uma mesa-redonda no auditório do museu para discutir as obras de Mira Schendel e Leon Ferrari. Luiz Pérez-Oramas, Andrea Giunta e Rodrigo Naves compõem a mesa em que o livro homônimo à exposição será lançado.
O compilado de obras do argentino e da sueco-brasileira, dois dos artistas visuais latino-americanos mais aclamados da segunda metade do século XX, teve sua retrospectiva organizada por Luiz Pérez-Oramas, curador de arte latino-americana do Museu de Arte Moderna de Nova Iorque (MoMA).
Depois de ter iniciado no MoMA e passado pelo Museu Nacional Centro de Arte Rainha Sofía, na Espanha, a exposição tem Porto Alegre como destino. “Por se tratar de uma mostra de dois artistas latino-americanos, fizemos questão de que as quase 200 peças chegassem até o Sul do continente americano”, disse o venezuelano Oramas. “Porto Alegre tem um significado especial para O alfabeto enfurecido”, completa. Esta foi a cidade que Mira Schendel, quando saiu da Suíça, escolheu como morada. As peças que estão expostas são acervo de colecionadores paulistas, argentinos, americanos e ingleses, e outras pertencem ao MoMA.
Mira e Ferrari iniciaram sua caminhada nas artes visuais na Itália da segunda metade do século XX, após a 2ª Guerra Mundial. Mais tarde, durante a ditadura militar na Argentina, Ferrari se exilou no Brasil e eles tiveram suas obras pensadas e executadas sob a bandeira verde e amarela. Ambos viviam na cidade de São Paulo, mas, mesmo assim, não chegaram a ter suas peças expostas entre as mesmas quatro paredes.
É justamente nos anos 1960 que os dois desenvolveram de forma mais concisa seus trabalhos de linguagem. Eles usam letras, palavras e até frases inteiras. Interpretam o corpo e o peso da palavra escrita e a miram como objeto artístico que ultrapassa seu significado. “Juntar esses dois artistas é incrível por diversas razões. Ambos viveram momentos históricos de violência política e suas obras giram em torno de dois pontos nevrálgicos: no caso de Mira, a linguagem e Deus, e no caso de Ferrari, a linguagem e o anti-Deus”, conta Oramas
Mira, com suas monotipias, e Ferrari, com as suas obras iconográficas, vivenciaram o mesmo problema sob diferentes prismas: pode-se pensar um problema através de sua afirmativa, ou sua negação. “O positivo e o negativo estão olhando sempre o mesmo ponto, mas sob diferentes ângulos.” Ferrari aborda as questões teológicas a partir do problema político, enquanto Mira olha sobre o ponto de vista filosófico.
O que faz a obra desses dois artistas universal é a maneira como, desde dois lugares diferentes, eles são capazes de compreender uma arte visual baseada na linguagem, em que o importante não é o que se diz, senão o ato de dizer. “Através dos quadros as coisas são ditas não apenas pelo que está escrito, mas pela composição do ato”, diz Oramas.
NY, Madri e Porto Alegre Por Fernanda Zaffari no Zero Hora
Matéria de Fernanda Zaffari originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal Zero Hora em 09 de abril de 2010
Mostra de León Ferrari e Mira Schendel será aberta hoje na Fundação Iberê Camargo
Quem não viu em Nova York, no MoMA, e quem perdeu em Madri, no Reina Sofía, pode visitar a partir de amanhã, em Porto Alegre, na Fundação Iberê Camargo, O Alfabeto Enfurecido – mostra de León Ferrari e Mira Schendel. A exposição abre a temporada do terceiro ano do museu com as respeitáveis credenciais listadas acima – acrescente-se que esta é a primeira grande mostra do MoMA (Museu de Arte Moderna) no Brasil –, e o mais relevante: traz à Capital generosa representação. São 180 obras de dois artistas venerados entre os mais importantes da América Latina.
– É um momento muito importante trazer à cidade o trabalho de uma das maiores artistas brasileiras e um dos maiores artistas argentinos – diz Fábio Coutinho, superintendente cultural da Fundação Iberê. – Agora estamos nos inserindo no circuito internacional.
Expor a obra de León Ferrari, argentino que aos 90 anos continua produzindo em seu ateliê em Buenos Aires, e Mira Schendel, suíça-brasileira morta em 1988, envolveu negociações de mais de dois anos e a integração de uma equipe internacional: curador, museóloga e restaurador vindos de Nova York.
Mostrar em conjunto as retrospetivas dos artistas foi ideia do venezuelano Luis Pérez-Oramas, curador de arte latino-americana do MoMA.
– Tem sido uma experiência desafiante instalar a mostra na arquitetura de Siza (Alvaro Siza, português autor da Fundação Iberê). O edifício é concebido para sua própria contemplação e destinado a abrigar uma coleção de pinturas permanente – explicou Oramas.
O Alfabeto Enfurecido é apresentada de maneira cronológica pelo átrio, segundo e terceiro andares do museu, provocando que o visitante encontre as semelhanças de linguagem e temática entre os artistas. Ambos começaram nos anos 1950. León, formado em engenharia, produziu cerâmicas na Itália. Mira, recém-chegada ao Brasil vinda da Europa pós-Guerra, desembarcou em Porto Alegre, onde permaneceu de 1949 a 1953, e seus primeiros trabalhos são naturezas-mortas.
León e Mira moraram em São Paulo na mesma época. Mira mudou-se em busca de maior visibilidade e integração com outros artistas, e León chegou em 1976, como exilado político durante a ditadura argentina – regime que vitimou um dos seus três filhos.
– Fui muito bem recebido e fiz bons amigos artistas, como a Regina Silveira – relembrou o argentino, na segunda-feira, durante entrevista a ZH em seu ateliê em Buenos Aires. – Conheci Mira rapidamente, mas não posso dizer que tivemos contato.
O encontro ao qual León se refere é uma coletiva de 1980. A exposição a ser aberta traz obras referenciais, como a série de esculturas Droguinhas (1966), na qual Mira enlaça delicados pedaços de papel japonês em cordões, e as esculturas abstratas de Léon, ao exemplo de Torre de Babel (1964), feitas em arames de aço inoxidável soldados. Os escritos produzidos por ambos, ora legíveis ora em grafias inventadas e/ou deformadas (foto), demonstram o uso da linguagem mais como uma matéria visual do que como meio de comunicação. Entre os temas recorrentes de León e Mira, uma forte visão crítica de política e religião.
Duas publicações acompanham a mostra, a do catálogo do MoMA, que recebe edição em português, e a do catálogo da exposição na Capital, parceria de Cosac Naify, MoMA e Fundação Iberê. Hoje, às 18h, haverá debate com o curador e convidados. A entrada é franca.
Fúria das letras ganha exposição, Correio do Povo
Matéria publicada originalmente no caderno Arte & Agenda do jornal Correio do Povo em 08 de abril de 2010
Obras de dois dos mais importantes artistas latino-americanos do século XX, León Ferrari e Maria Schendel, estarão reunidas na mostra "O Alfabeto Enfurecido", com abertura, a partir de amanhã, na Fundação Iberê Camargo (Padre Cacique, 2.000). Hoje, os participantes do catálogo da mostra, o curador Luis Pérez-Orama, a crítica argentina e historiadora da arte Andrea Giunta, e o crítico brasileiro Rodrigo Naves participam de mesa-redonda, com entrada franca, às 18h, no auditório do museu.
Pela primeira vez, uma mostra contrapõe o conjunto da obra da suíço-brasileira Mira Schendel (1919-1988) e do argentino León Ferrari (nascido em 1920), constituindo uma dupla retrospectiva. As 180 obras exibidas com exclusividade na Fundação chegam ao Brasil após temporadas no Museu de Arte Moderna de Nova Iorque e no Reina Sofia, em Madrid. As peças estarão distribuídas no átrio, terceiro e segundo piso do museu gaúcho.
"O Alfabeto Enfurecido" é uma oportunidade para apreciar a perspectiva comparativa que Luis Pérez-Oramas, curador de arte latino-americana do MoMA, depositou sobre a obra dos dois artistas. Donos de uma linguagem repleta de pontos em comum, Schendel e Ferrari viveram em São Paulo durante a mesma época e chegaram a colaborar um com o outro em uma exposição coletiva na Pinacoteca de São Paulo em 1980. Fizeram da palavra a sua prioridade, menos por seu significado imediato do que pela aparência visual. Pérez-Oramas descreve essa preocupação: "são artistas que nunca abandonam a palavra. Fazem-na centro da obra - a palavra como substituto ilimitado da voz humana. Ferrari e Schendel nos dão textos opacos como campos visuais; signos feridos, fragmentados, obsessivos; letras solitárias, abandonadas e delirantes".
Brasileiros por opção, Mira Schendel nasceu em Zurique em 1919, León Ferrari no ano seguinte, em Buenos Aires. Batizada como católica pelos pais judeus, foi expulsa da Università Cattolica del Sacro Cuore em Milão, onde estudava filosofia. O Estado fascista havia proibido a matrícula de "não italianos". Após um périplo pela Europa Oriental em plena Segunda Guerra, voltou para a Itália com o primeiro marido. O casal decidiu partir para a América do Sul. Aos 30 anos, em Porto Alegre, ela assistia a cursos de desenho e escultura. Por conta própria, lia filosofia e teologia. Segundo Geraldo Souza Dias, autor de "Do Espiritual à Corporeidade" (Cosac Naify), "apesar das dificuldades financeiras comprava tintas baratas e pintava apaixonadamente". Naquele momento, para ela, pintar "era uma questão de vida ou morte".
León Ferrari veio ao Brasil em 1976. Estudou engenharia em Buenos Aires. Na faculdade, desenhava e esculpia em cerâmica. Em 1953, mudou-se para Roma, onde conheceu o cineasta Fernando Birri, que se tornou amigo e colaborador. Enquanto buscava uma linguagem própria no desenho e na escultura, passou a fazer da escrita a matéria-prima dos desenhos.
abril 8, 2010
Os antropófagos não comem macarrão por Yiftah Peled, Carta resposta
Os antropófagos não comem macarrão
Carta resposta de Yftah Peled originalmente publicada no fórum SC artes visuais em 28 de março de 2010.
*** Leia e assine o abaixo-assinado "Repúdio ao governo do estado de Santa Catarina pela implantação em Joinville da Escola de Belas Artes de Florença da Itália" ***
Este texto é uma resposta ao artigo do Sr Vinícius Lummertz, secretário de Articulação Internacional do atual Governo do Estado de Santa Catarina, publicado no Diário Catarinense no dia 27 de março. O tema é relacionado com a proposta de implantação de uma Escola de Belas Artes de Florença no nosso estado.
O titulo acima é, claramente, uma provocação relacionada à citação que o Sr. Lummertz inseriu no seu texto quando relacionou, de forma equivocada, a antropofagia do modernismo brasileiro para promover um discurso de receptividade ao que vem de fora. Mas o seu discurso não tem nada a ver com o experimentalismo moderno e, além disso, existe uma diferença fundamental na idéia da antropofagia moderna que contradiz e torna vulnerável o texto supracitado.
Os modernistas brasileiros importaram estilos inovadores alimentando-se do espírito de modernidade radical, de agitação e de revolução cultural. Eles ansiavam por digerir os mais fortes da sua época e tinham aversão ao passado. O que o Sr. Lummertz quis induzir com a idéia de digerir a escola italiana é totalmente o contrário da operação do movimento moderno brasileiro. Hoje essa necessidade não existe mais. Não é mais preciso importar revoluções culturais.
Em tempos contemporâneos de valorização e resgate do local, o titulo da carta do Sr Lummertz, “Venha a nós a Europa ‘decadente’”, é um insulto a classe artística e ao povo do Estado. Sua forma exemplifica a atitude imponente e insensível que os dirigentes vêm praticando. Falta apoio para o que está embaixo de seus narizes. Existe atualmente uma produção de artes no Estado que vem rompendo com as ultrapassadas barreiras geográficas; são artistas sintonizados e comprometidos com o fazer artístico sem fronteiras e que poderiam representar o Brasil em qualquer lugar no mundo. Mas isso só pode acontecer se for acionado um profundo sistema de mudanças na formação cultural no estado e na valorização dos artistas catarinenses.
Seria um prazer estreitar relações com escolas européias e de todo o mundo e promover intercâmbios com nossas instituições culturais e acadêmicas. Queremos sim trocar, mas não precisamos de outra escola de artes importada que se torne referência das artes visuais, produzidas aqui com qualidade e potencial de diálogo com qualquer instituição do mundo. Temos uma universidade estadual de artes de qualidade, com especialistas e jovens artistas ávidos por recursos, espaços expositivos e oportunidades. Esses artistas não vivem mais as margens da cultura estrangeira. Estão sintonizados com o que acontece em todo lugar do mundo. As fronteiras do saber não mais isolam. O momento agora é de troca, de inteiração e, acima de tudo, de reconhecimento e apoio.
É também importante mostrar ao público catarinense qual o real custo desta implantação e o que isso representa em termos do valor do orçamento total destinado as artes visuais e aos artistas locais. É preciso ter transparência quando se trata de um empreendimento desse porte, especialmente em uma área que é recorrentemente lesada e abusada. Se o recurso destinado para a implantação de uma escola Italiana fosse investido nos parcos espaços de arte e no estímulo a produção artística local, teríamos de verdade uma revolução cultural.
O manifesto vindo de um representante dessa Secretaria mostra claramente o que está por trás da implantação de uma escola italiana no Estado. A proposta parece, acima de tudo, uma questão de promoção e articulação internacional que desconsidera a opinião da classe artística do Estado. Só que o produto em questão não é uma mercadoria de exportação ou importação para ampliar fronteiras comerciais. É cultura e diz respeito ao povo catarinense.
O fato de tal posição não vir de um órgão da área de artes e cultura mostra a desarticulação da política de produção cultural do Estado e é um reflexo da política arbitrária que o governador Luiz Henrique vem praticando durante seu mandato. O texto reverbera na proposta de um governo pouco democrático e minimamente consultivo que promoveu a escuta do meio cultural apenas como exercício demagógico. Isso ocorre na contramão do que vem sendo colocado em prática em nível federal, onde as necessidades do meio cultural e as criticas ao modelo de política cultural vigente foram acolhidas. Esse processo de participação tem gerado mudanças reais, como por exemplo, a modificação da Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei Rouanet) e a realização de Conferências Nacionais de Cultura e de Fóruns Setoriais reunindo especialistas das diferentes áreas de artes.
Os artistas e o povo querem participar do banquete. Que seja servido. Mas que a carne seja fresca e que favoreça primeiramente aos mais próximos.
Yiftah Peled
Artista plástico, doutorando no Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da Escola de Comunicação e Artes da USP. Representante do estado de Santa Catarina nas Câmaras Setoriais de Artes Visuais.
Venha a nós a Europa “decadente” por Vinicius Lummertz, Diário Catarinense
Venha a nós a Europa “decadente”
Matéria de Vinicius Lummertz originalmente publicada no caderno Cultura do jornal Diário Catarinense em 27 de março de 2010.
*** Leia e assine o abaixo-assinado "Repúdio ao governo do estado de Santa Catarina pela implantação em Joinville da Escola de Belas Artes de Florença da Itália" ***
Santa Catarina mantém relações com mais de 180 países e a sua política cultural internacional é eclética e ampla
“Só a Antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente”.
(Manifesto Antropofágico, Oswald de Andrade – maio de 1928)
Nada melhor para a democracia do que o fomento ao debate e o espaço na mídia para o controverso. Saudei, portanto, com alegria o artigo do professor Nildo Ouriques, da Universidade Federal de Santa Catarina, no Diário Catarinense do dia 20 de março, sob o título O governador europeu. Nele, o professor diz o que pensa sobre a política cultural dos governos de Luiz Henrique da Silveira e a acusa de ser “eurocentrista”, ou seja, “uma política a serviço do universalismo europeu contra a indústria cultural dos EUA”, com clara preferência pela França.
Ao recomendar que deveríamos ser mais cuidadosos com a divulgação da arte europeia entre nós, o autor diz que esta ação preferencial pela Europa – que em muitos domínios da arte e da ciência é claramente decadente (sic) – tem a marca de um exclusivismo inaceitável e, na forma, representa uma opção provinciana. A concluir pelo que diz o professor Nildo Ouriques, o balé Bolshoi, a Academia de Artes de Florença, o Museu de Saint-Exupéry, o ENA, a Escola Nacional de Administração, francesa e europeia, a Grande Escola de Engenharia de St. Etiénne, a Lusofonia com os Açores, representam conhecimentos e culturas que nos transformariam em apêndice de uma conspiração dos europeus para nos condicionar como “subprodutos” da cultura francesa.
Talvez por desconhecimento, o autor não fala da Escola Polonesa Mazowsze, do projeto do novo Centro Cultural França Brasil, da nova parceria que se desenvolve com a Ferrari. Na verdade, os países europeus têm um papel central na mais ousada estratégia de cooperação internacional que Santa Catarina empreendeu em toda a sua história. Seria isso ruim, como sugere o autor?
Na prática, temos cooperação com muitos outros países, além dos órgãos multilaterais; cooperação em segurança e alta tecnologia com os EUA, em especial com o MIT (Sapiens Parque); cooperação nas áreas agrícolas com Nova Zelândia; intensos esforços de integração com a Argentina e o Mercosul apoiando o ensino da língua espanhola em nossas escolas; e com o Japão, onde, diga-se de passagem, Santa Catarina vai assinar, nesta transição de governo, um empréstimo para obras de saneamento da ordem de R$ 343 milhões. Isto tudo sem mencionarmos o fato de Santa Catarina manter hoje relações com mais de 180 países, onde comercializamos US$ 18 bilhões anuais contra os US$ 3 bilhões de sete anos atrás. Foi esse sistema multilateral de comércio que maior impacto teve na alavancagem do PIB catarinense – de R$ 65 bilhões, em 2003, para os R$ 104 bilhões atuais.
Minha dúvida é saber se devo ou não relatar a “tese conspiratória” do professor Nildo Ouriques ao ministro do Turismo de Zimbábue, que recebemos, novamente, para tratar de bolsas na Udesc, cooperação com o Epagri e turismo, obviamente. Ou aos iraquianos e indianos com quem estamos discutindo investimentos, ou aos marroquinos que tratam conosco da parceria com o porto de Tanger e o Festival de Mágica de Marrakesh, realizado no ano passado e que já nasceu como o maior da América Latina – a mesma Marrakesh que recebeu tão bem nossa Copa Lord, e que ganhou o Carnaval com este tema. Cederei à tentação ? Como se vê, a política cultural internacional do governo de LHS é muito mais eclética, ampla, do que pensam – ou sabem – os que a criticam.
Voltemos à Europa, que o autor define como “claramente decadente” em “muitos domínios da arte e da ciência”. Não consigo, em primeiro lugar, entender o que é decadência da arte ou da ciência. A arte é de boa qualidade ou de má qualidade. A boa qualidade em arte não decai. Admitir a decadência da arte seria como dizer que a poesia de Baudelaire, produzida há 150 anos, não será mais capaz de nos sensibilizar ou que a França seria incapaz de gerar novos poetas da mesma qualidade, quando sabemos que o útero que gerou Baudelaire ainda é muito fértil. Já a ciência, todos sabemos, é transportada pela pesquisa – e o que faria um país como a França reduzir inversões para pesquisa no apogeu de seu enriquecimento?
Em defesa da Europa, certamente o professor Nildo Ouriques vai-me permitir ampliar o debate, alargando o entendimento para o sentido de cultura ocidental. A Europa, que já foi o centro do mundo, chegou a tal condição pelo Renascimento e pela Era das Luzes, que a tirou do sono da Era Medieval e do dogmatismo cristão, como ilustrado por Umberto Eco, em seu O Nome da Rosa. As culturas grega e romana, estocadas no Bizâncio, explodiram em Florença sob os Médici – e seguidas as revoluções científicas, comerciais, e a revolução industrial, a reforma protestante –, além das revoluções dos comuns na Inglaterra e dos burgueses na França, transformaram o mundo. Mesmo o socialismo e o marxismo são invenções claramente europeias. Freud e Einstein, também.
Assim, não se pode entender cultura como uma expressão estanque, que nasce e morre numa redoma. A cultura ocidental começa em Atenas, que, por sua vez, tem passado que remonta ao Egito, ao norte da África, à Mesopotâmia e às relações com o Oriente. A Grécia, por sua vez, está presente nos Estados Unidos, não só na ideia seminal de democracia, mas avulta na arquitetura neoclássica. Washington é uma cidade jefersoniana, neogrega, como são praticamente todas as universidades e escolas norte-americanas – o que não é grego reflete o gótico europeu, como em Nova York. Tudo é perene e, ao mesmo tempo, passa por grande transformação. Temos de admitir, professor Nildo, que os Estados Unidos não estariam transformados em potência não fossem essa continuidade e essa oposição. Isto é puro Hegel, lembra-se? Veja ainda o caso da Espanha: é europeia, mas é também moura. E assim são os EUA do folk e do jazz.
As escolas de gestão de economia e de engenharias dos EUA e da Europa estão mais lotadas de chineses, hoje, do que estiveram de japoneses e coreanos no passado. A mesma coisa ocorre nas escolas de música da Inglaterra e da Áustria, e de artes em toda parte. Os orientais não têm medo de levar o Ocidente para lá – toda esta ideologia começou com a revolução Meiji em 1880, quando o imperador japonês repetiu Pedro, o Grande, e foi buscar a cultura ocidental. A síntese das potências culturais de Índia e China com os elementos ocidentais é o maior fator vivo de transformação planetária, do qual esperamos muito. Das artes à tecnologia, o cerne de tudo é a busca da mais alta excelência. Assim a celebrada engenharia tem o DNA de Aachen, como a USP nasceu francesa.
Estamos nos homogeneizando com o Brasil, para o bem e para o mal, nas palavras de Ignacy Sachs – que, como Domenico de Masi afirma, apontam nosso Estado como o mais preparado para a era pós-industrial. Somos parte do Brasil Novo, do Sul, como diferenciou Darcy Ribeiro, e não nos envergonhamos de nossas raízes europeias, ao contrário. Nosso festival de dança, o maior do mundo, nossa Oktoberfest, quase uma Oktober-Carnaval, são manifestações culturais com grande legitimidade catarinense.
Ao final da apresentação do Bolshoi do Brasil na inauguração do Teatro Oscar Niemeyer em Ravello (Oscar, o amigo de Lecorbusier, o francês, que juntos projetaram o prédio das Nações Unidas) – um templo branco e curvo, brasileiro, incrustado em dois mil anos de história arquitetônica amalfitana –, com a técnica russa, nossas crianças dançaram Cazuza e arrancaram aplausos de pé de uma das mais cultas plateias da velha Europa. Bravo!
Não estamos, portanto, a fortalecer bandos em disputa. Nem queremos ser recolonizados por nós mesmos. Damos as cartas. Por fim, não estamos, enquanto defensores da linha dominante na política cultural do Estado, pretendendo evitar o debate, como argumenta o professor Nildo Ouriques – nem virar apêndice de ninguém.
Talvez seja mais fácil entender esta parte da política cultural do governo de LHS lendo o Manifesto Antropofágico. Nada fica impune nem imune à força cultural de transformação do Brasil.
O governador europeu por Nildo Ouriques, Diário Catarinense
O governador europeu por Nildo Ouriques
Matéria de Nildo Ouriques originalmente publicada no caderno Cultura do jornal Diário Catarinense em 20 de março de 2010.
*** Leia e assine o abaixo-assinado "Repúdio ao governo do estado de Santa Catarina pela implantação em Joinville da Escola de Belas Artes de Florença da Itália" ***
Eurocentrismo marca a política cultural posta em prática por Luiz Henrique da Silveira nos seus dois mandatos
Não pode existir dúvidas do apreço do governador Luiz Henrique da Silveira pela cultura europeia, pois ele é, muito provavelmente no país, seu mais importante promotor. Há poucas semanas, o governador anunciou que a Academia de Belas Artes de Florença promoverá aqui o Liceu de Arte Florentina e também a construção do museu do aviador e escritor francês Antoine de Saint-Exupéry. Antes dela, também desembarcou em nosso Estado, a convite do governador, a Escola de Mineração e a Escola Nacional de Administração Pública da França. Já deu frutos a Escola do Teatro Bolshoi, de Joinville, outro projeto de extração europeia.
Todas estas iniciativas em favor da cultura europeia possuem certo valor, não se pode negar. Mas essa predileção deveria ser objeto de debate público, antes que contemplação passiva ou aceitação domesticada. Deveríamos ser mais cuidadosos – e um governante brasileiro muito mais zeloso – com a divulgação da arte europeia entre nós, especialmente se a política cultural e científica do Estado não possui semelhante esquema de promoção da arte e da ciência catarinense no Brasil e no exterior. Como explicar esta ação preferencial pela cultura europeia senão como expressão do eurocentrismo, esta ideologia contemporânea que ainda julga a Europa como centro cultural do mundo moderno, de onde, supostamente, a cultura catarinense e brasileira encontraria as luzes para a afirmação de nossa identidade? Esta ação preferencial pela Europa – que em muitos domínios da arte e da ciência é claramente decadente – merece uma avaliação crítica. No contexto atual, ela tem a marca de um exclusivismo inaceitável e, na forma, representa uma opção provinciana! Por que exclusivismo? Porque não conheço um convênio semelhante realizado pelo governo do Estado com qualquer país africano; a marca do governo de LHS é, em relação à África, de desencanto e desconhecimento, a despeito de fato de que mais de 10% da população catarinense é negra. Tampouco existe uma ação cultural consistente em relação à América Latina ou mesmo limitada ao Mercosul. Após oito anos de governo, simplesmente nenhum projeto ambicioso, digno de registro nos artigos de imprensa do governador, surgiu entre nós por iniciativa do Estado.
Por que o governador ignora olimpicamente a cultura latino-americana e africana? Descarto, de imediato, a afirmação preconceituosa segundo a qual não existiriam projetos que justificassem um forte intercâmbio cultural com estes continentes. Neste contexto, como ignorar o trabalho extraordinário do Icaic cubano no cinema, escola em que Gabriel García Márquez ensinou produção de roteiro? Por que não aproximar a experiência mexicana no trato do patrimônio histórico e na construção de museus, áreas da cultura em que eles são simplesmente excepcionais? Acaso podemos desconsiderar as potencialidades culturais com a vizinha Argentina, um país que recebe mais de 1 milhão de turistas brasileiros por ano, cifra superior ao número de brasileiros que visitam os Estados Unidos? Como é possível que a ação estatal na área da cultura mantenha tal distância dos argentinos quando, inclusive, as cifras do nosso turismo indicam clara preferência pelo país vizinho?
Durante muitas décadas, a elite brasileira sonhou em transformar o Brasil numa extensão da Europa. Esta tentação colonial, sempre travestida de modernidade, criou o mito de que em Santa Catarina – em função da migração alemã e italiana ocorrida no século 19 – se produziu uma espécie de pequena “comunidade europeia”, destinada a reproduzir aqui a promessa das “luzes europeias”. Nada mais perverso e limitado culturalmente.
Um projeto cultural criador, aberto aos ventos do mundo, não pode ficar restrito às iniciativas europeias; não pode desconsiderar a cultura árabe – que também tem raízes em nosso Estado –, ignorar a presença africana e a comunidade latino-americana a qual, sem dúvida, pertencemos. O governo do Paraná, aqui ao lado, desenvolve com êxito a Mostra cultural de integração dos povos latino-americanos.
Além do eurocentrismo que marca a ação cultural do governador, é preciso insistir no fato de que a ação cultural do Estado precisa enfrentar a indústria cultural e não figurar como um organismo dela. Os países metropolitanos produzem a cultura como um instrumento de poder, ou seja, de hegemonia. Ignorar este dado elementar de nosso mundo é ignorar o essencial. Mais grave ainda se não esquecermos – e jamais poderemos esquecer – o fato de que nossos países sofreram três séculos de colonialismo (1492-1825). Este longo período é superado com as independências; mas estas, como também sabemos, consolidaram a característica mais importante de nossa formação social: a dependência, o subdesenvolvimento. Também por esta razão, a elaboração da política cultural nos países subdesenvolvidos como o Brasil possui um grande desafio, ou seja, aquele de desenvolver nossa própria cultura, alimentá-la com todas as tendências contemporâneas e não exclusivamente com a europeia e, especialmente, promovê-la “no mundo”. A falta de compreensão desta questão elementar, presente em toda política cultural produzida na periferia do capitalismo, reduz o entusiasmo pessoal do governador e a política cultural do Estado ao reforço do colonialismo e não, como pretensamente aparece, como abertura para o mundo. A manutenção desta orientação não fará menos do que reforçar nossas limitações culturais e representa política alienante que necessita severa reorientação. Enfim, antes do que viver das migalhas culturais da Europa é preciso que a política cultural do Estado experimente efetivamente os “ares do mundo”.
De maneira geral, os defensores desta política de corte colonial apresentam as virtudes francesas como expressão de uma “cultura universal”. No período recente, a cultura nacional francesa está a serviço do “universalismo europeu”, projeto cultural destinado a afirmar o poderio supraestatal europeu contra a indústria cultural estadunidense. A simples importação de projetos europeus – e muito especialmente franceses – fortalece um dos bandos em disputa e, talvez, somente marginalmente, somaria para a elaboração de um projeto cultural catarinense digno deste nome, com alcance de massa, articulado nacionalmente. Enfim, ainda que os defensores da linha dominante na política cultural do Estado pretendam evitar o debate sobre esta questão reduzindo nossas opções, estamos diante de duas possibilidades: nosso Estado se transforma num apêndice reprodutor da cultura francesa ou abre as portas para um projeto cultural de novo tipo, efetivamente universal, cujo objetivo não pode ser outro do que o fortalecimento de nossa própria cultura.
Florença vem para Joinville por Renato Igor, A Notícia
Florença vem para Joinville
Matéria de Renato Igor originalmente publicada no jornal A Notícia em 26 de janeiro de 2010.
*** Leia e assine o abaixo-assinado "Repúdio ao governo do estado de Santa Catarina pela implantação em Joinville da Escola de Belas Artes de Florença da Itália" ***
Filial da Academia de Belas Artes da cidade italiana será instalada em SC, segundo acordo assinado ontem
Até o final do ano, Santa Catarina deve ter uma filial da Academia de Belas Artes de Florença. A assinatura para formalizar o acordo aconteceu ontem na Itália, onde o governador Luiz Henrique lidera missão internacional.
O projeto-piloto será na Piazza Itália, em Joinville. O imóvel será alugado pelo governo estadual. A ideia é levar outras unidades da Escola Secundária de Belas Artes para mais cinco regiões catarinenses. O projeto será coordenado pelas universidades ligadas ao sistema Acafe. Alunos, prioritariamente de escolas públicas, vão estudar no contra-turno escolar, pintura, escultura, gravura, desenho e história da arte.
“Vamos copiar o modelo do Balé Bolshoi. Aqui, estudou Michelangelo e isso diz tudo. É como ter o Bolshoi da arte e da escultura no nosso Estado”, disse LHS.
O projeto vai atender a estudantes de nove a 15 anos. Um edital vai formar um comitê internacional para selecionar os candidatos. A Academia de Belas Artes de Florença começou em 1480, como escola de desenho. O pintor italiano Michelangelo ingressou nela quando tinha 15 anos. O projeto vai permitir também intercâmbio cultural com professores catarinenses, que terão aperfeiçoamento continuado.
A presidente da Fundação Catarinense de Cultura, Anita Pires, acredita que, pelo fato do Centro de Artes da Udesc ser de graduação, a Escola Secundária de Belas Artes de Santa Catarina vai trazer um avanço à produção artística: “Os nossos talentos são produtos de si mesmo. Vamos ampliar a arte aos jovens”, concluiu.
A professora da Universidade de Florença e coordenadora do projeto catarinense, Ambra Trotto, ressalta que a intenção é revelar talentos. Os alunos catarinenses poderão ir a Florença em projetos de intercâmbio. “Daremos a base e a técnica e, depois, a pessoa cresce com a sua identidade regional. Não queremos uma globalização cultural”, destaca a professora.
abril 5, 2010
Arte e mercado: uma estratégia de inserção por Guy Amado, Istoé
Matéria de Guy Amado originalmente publicada na Istoé em 27 de março de 2010.
1º Salão dos Artistas Sem Galeria/ Casa da Xiclet e Matilha Cultural, SP/ até 18/4
ZONA DE CONFORTO
Artistas sem galeria expõem na Casa da Xiclet
Iniciativa autônoma capitaneada pelo jornalista Celso Fioravante, o 1º Salão dos Artistas sem Galeria surge sob a premissa de proporcionar visibilidade e inserção comercial a artistas que, por motivos diversos, estão à margem do mercado de arte contemporânea. O formato é simples: a partir de um edital aberto, artistas que preenchessem o requisito – único – de não manter quaisquer vínculos oficiais com galerias inscreviam seus trabalhos, mediante o pagamento de uma taxa de R$ 100. O valor arrecadado com as inscrições seria a fonte de viabilização do salão. De um total de 258 inscritos de todo o País, foram selecionados dez artistas, que ganharam o direito de expor sua produção. A seleção foi feita por um júri composto por dois galeristas e um crítico/curador, que também premiou três artistas: Bartolomeo Gelpi, Amanda Mei e Bettina Vaz Guimarães, numa decisão sem surpresas. As exposições trazem conjuntos de trabalhos corretos, que chamam a atenção tanto pela boa média de qualidade como por certa, digamos, falta de ousadia.
Em sua maioria, as obras parecem situadas numa “zona de conforto” em suas formalizações – o que, se por um lado condiz com a premissa embutida de atrair galeristas, por outro decepciona em se tratando de uma iniciativa de caráter independente, da qual se poderia talvez esperar mais experimentação. Seja como for, a proposta do evento traz à tona questões relevantes no que tange às relações entre salões e mercado de arte, bem como a aspectos por vezes perversos na dinâmica que rege o sistema de arte contemporânea. Qualidade do trabalho, tempo de trajetória e comprometimento com a fatura nem sempre se traduzem em garantia de inserção ou aceitação no mercado; os critérios para tal podem ser mais pragmáticos, como sintonia da produção com tendências em voga e outros atributos mais friamente objetivos. A iniciativa deste salão, de resto bem-vinda, tem o mérito de explicitar alguns destes aspectos e propor com franqueza alternativas de inserção em um circuito onde as regras nem sempre estão ao alcance de todos. Já como se dará a transição do lado dos “excluídos” para o lado dos “aceitos”, se efetivada, bem, isso é com os artistas.
Guy Amado é crítico de arte e pesquisador em arte contemporânea
Museus brasileiros na era digital por Nina Gazire e Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Nina Gazire e Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 23 de março de 2010.
Ajude IstoÉ a avaliar os sites das nossas instituições de arte
Quando foi a última vez que você visitou um museu de arte? Uma pesquisa recente realizada pela Fecomércio-RJ, publicada em 22 de fevereiro, revelou que apenas 4% dos brasileiros visitaram museus ou espaços culturais ao longo de 2009. E um museu online, você já visitou alguma vez? As instituições de arte do Brasil dão os primeiros sinais de entrada na era digital. Seguindo a tendência de grandes museus do mundo – como o MoMA, de Nova York, que reformulou todo o seu site em 2009, criando um núcleo próprio de mídias digitais –, os principais museus e acervos nacionais começam a firmar presença em redes sociais e a criar seus próprios canais on-line.
Entre os acontecimentos que marcam os avanços na área, está o lançamento da rede wireless do Instituto Inhotim, de Minas Gerais, em parceria com a Embratel. Neste mês, o Masp (Museu de Arte de São Paulo) lançou um novo site no qual disponibiliza para consulta cerca 800 fichas técnicas de obras importantes e permite que o internauta localize cerca de 20 mil livros e catálogos de sua biblioteca física. Outro foco de atuação do museu é o seu canal no Twitter, que possui mais de 5 mil seguidores. Além desses eventos, o Projeto Era Virtual, a ser lançado no dia 26 de março, promete unir, através da rede, cerca de doze museus brasileiros de quatro Estados diferentes, que poderão ser visitados pela internet de forma gratuita.
Mas qual é a real situação dos sites dos museus brasileiros? Como eles estão utilizando as tecnologias digitais para estabelecer novos canais de produção, formação e circulação com artistas e o público?
O uso de ferramentas digitais em sites de diferentes instituições, como, por exemplo, o Museu da Imagem e do Som de São Paulo, permite a criação de novas experiências online, com as quais o museu passa a ser não apenas um mero lugar de armazenamento de informações sobre acervos ou exposições, mas também um veículo de troca de conhecimento e participação ativa do público. “Não basta que os museus se concentrem na visitação física”, comenta Patrícia Canetti, responsável pelo site do MIS-SP, que possui diversos canais online, como a Rede MIS, rede social própria do museu, criada para promover práticas artísticas e discussões teóricas.
Porém outros museus importantes, tanto no contexto nacional quanto no regional, nem sequer possuem um site próprio. É o caso do Museu de Arte da Pampulha, que oferece uma das principais bolsas para estudantes de arte do País e tem apenas uma página dentro do site da Secretaria de Cultura de Belo Horizonte.
Mas a presença dos museus na rede é um fato irreversível, que ganha cada vez mais interesse. Uma prova é o simpósio Museum and The Web 2010, que neste ano chega à sua 13ª edição e acontece em abril, no Colorado, EUA. Vai reunir profissionais de museus e especialistas de todo mundo para discutir a presença dos museus na internet e o uso de novas tecnologias de comunicação em seus projetos curatoriais.
Um tema que prevalece nesses debates é o crescente uso de estruturas do tipo wiki. Por meio delas, os usuários editam e compartilham as informações. Tecnologias como essa poderiam ajudar no fomento da participação ativa do público no âmbito digital e no aumento das visitações aos museus brasileiros.
Depois de saber tudo isso, fazemos duas perguntas a você, que lê este texto: como um museu online pode ajudar a mudar (melhorar) o museu real? Qual sua opinião sobre os sites dos museus brasileiros?
Veja a lista de sites que escolhemos e avalie o uso que eles fazem dos intrumentos online – acesso ao acervo, programação, história, redes sociais (blogs, Twitter, Facebook) e visita virtual – e responda na área de comentários do site:
1. O que falta aos sites de museus brasileiros?
2. O que eles tem de bom?
Lista de sites:
• Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM SP)
• Museu de Arte de São Paulo (MASP)
• Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC)
• Museu de Arte Moderna do Rio (MAM RJ)
• Museu de Arte Contemporânea de Porto Alegre
• Pinacoteca de São Paulo
• Museu Dragão do Mar
• Museu da Imagem e do Som de São Paulo (MIS SP)
• Museu da Imagem e do Som Rio de Janeiro (MIS RJ)
• Museu Nacional de Belas Artes (MNBA)
• Paço das Artes
• Museu de Arte de Santa Catarina
• Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM BA)
• Fundação Iberê Camargo
• Itaú Cultural
• Instituto Inhotim
• Fundação Inimá de Paula
• Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM)
• Museu Victor Meirelles
Críticos analisam obras da Pinacoteca em livro por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 27 de março de 2010.
Rodrigo Naves e Aracy Amaral são dois dos autores
Não se incomoda com o sol o caipira picando fumo de Almeida Júnior. Na tela de Anita Malfatti, uma negra, "caso teratológico em anatomia", faz contraste com abacaxis "bem-acabadinhos". Tarsila do Amaral aplica os contornos reluzentes de um Rolls Royce à sua visão de um vale do Anhangabaú deserto.
Em "Arte Brasileira na Pinacoteca do Estado de São Paulo", livro lançado hoje neste museu, críticos como Rodrigo Naves, Tadeu Chiarelli, Aracy Amaral e Luiz Camillo Osorio analisam a fundo algumas das obras mais emblemáticas do acervo.
Naves vê em "Caipira Picando Fumo", tela de Almeida Júnior feita em 1893, mãos e pés que "se deformaram, adquirindo um aspecto erodido e arredondado dos elementos submetidos à força dos elementos". Também compara técnicas de luz e sombra do brasileiro a obras do impressionista francês Claude Monet.
"Tropical", de Anita Malfatti, exemplifica, no texto de Chiarelli, um momento em que a artista refreou seu "ímpeto expressivo". Cita as críticas de Monteiro Lobato e Nestor Pestana às obras da artista, que oscilava entre a vanguarda e sua fase mais conservadora.
Contemporânea de Malfatti, Tarsila do Amaral e sua "São Paulo" entram como pontos de partida para uma reflexão sobre a urbanização da cidade em texto escrito por Aracy Amaral.
Também nesse texto, a autora conclui que, no lugar da "pauliceia desvairada" de Mário de Andrade, a artista quis uma modernidade mais neutra, o "espaço citadino desvestido da presença humana".
Uma geração depois, Flávio de Carvalho é visto por Luiz Camillo Osorio como um dos poucos brasileiros com a "rebeldia poética dos movimentos dadaísta e surrealista", numa obra alicerçada sobre a aliança entre estética, ética e política.
ARTE BRASILEIRA NA PINACOTECA DO ESTADO
Organizadora: Taisa Palhares
Editora: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, Cosac Naify e Pinacoteca do Estado de São Paulo
Quanto: R$ 60 (240 págs.)
Ofício enviado pelo MASP ao Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo
O MASP enviou um ofício ao Secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Antônio Ferreira Pinto, no qual aponta os transtornos causados por uma série de manifestações ocorridas no vão livre do Museu. O documento, assinado pelo Superintendente Administrativo e Financeiro, Fernando Pinho, e pelo Curador Coordenador, Teixeira Coelho, relata o enorme prejuízo financeiro, material e até mesmo emocional causado ao seus visitantes e colaboradores - impedidos do direito constitucional de ir e vir - com a concentração de eventos dessa natureza no vão livre.
São Paulo, 31 de março de 2010.
Ao Exmo.
Sr. Secretário de Segurança Pública, Antônio Ferreira Pinto,
Inúmeras vezes por ano, e freqüentemente várias vezes ao mês, o vão livre do MASP e, por conseguinte este mesmo Museu, são alvos de manifestações de caráter político, reivindicatório ou outro, de grandes proporções.
Alvo é bem a palavra a empregar, uma vez que, pelo menos no que diz respeito ao Museu, seus funcionários e seu público vêem restringido seu direito de entrar livremente nas dependências do edifício.
Esse lamentável episódio foi novamente vivido pelo Museu na última sexta-feira, dia 12 de março de 2010, quando uma multidão tomou conta do vão livre e tornou praticamente impossível a entrada nos espaços
expositivos e naqueles reservados aos funcionários do museu.
A situação assim criada é de risco para as pessoas que trabalham no museu ou nele estão e para as obras nele guardadas. Qualquer emergência pode colocar umas e outras em sérias dificuldades, com previsíveis danos a lamentar nas esferas pessoal e patrimonial.
Na impossibilidade de impedir-se a realização de tais atos, por não serem compatíveis com o local e sua situação numa cidade que já enfrenta sérios problemas de circulação, é fundamental que pelo menos a área fronteiriça à entrada do museu seja devidamente resguardada pelas forças de segurança, com o objetivo de fazer-se valer o direito constitucional de ir e vir.
Com nova manifestação anunciada para o local, nesta quarta-feira, solicitamos às autoridades públicas todo o empenho necessário para que a entrada no museu seja devidamente garantida, nos termos da lei.
Agradecendo a atenção que puder ser dispensada ao presente ofício,
Cordialmente,
Fernando Pinho
Superintendente Administrativo e Financeiro do MASP.
Teixeira Coelho
Curador Coordenador do MASP.
Mostra exibe seis vertentes de trabalho de Beuys por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 2 de abril de 2010.
Exposição aborda a produção italiana do artista alemão e será realizada em paralela à Bienal, em setembro, no Sesc
As instalações são apenas uma das seis vertentes da exposição; haverá também pôsteres, vídeos, fotos e ciclo de conferências
Em 1971, Joseph Beuys foi convidado pelo galerista Lucio Amélio a organizar sua primeira mostra na Itália, em Capri. Nessa exposição, ele criou o slogan "La Rivoluzione Siamo Noi" (A revolução somos nós), para abordar as mazelas da democracia italiana. Na abertura, um jovem estudante ficou fascinado com o que viu. "Havia tanta gente que nem todos conseguiram entrar na galeria, e eu mesmo nem compreendi direito o que vi, mas fiquei impressionado com o carisma do Beuys", disse Antonio D'Avossa à Folha, por telefone.
Quase 40 anos depois, D'Avossa prepara "A Revolução Somos Nós", que irá abordar a produção italiana de Beuys. "Depois da Alemanha, foi na Itália onde ele produziu a maior parte de obras. Vamos mostrar desde o pôster de 1971 até sua última instalação, "Terremoto", de 1985, criada quatro meses antes de ele morrer", diz o curador e autor de "Joseph Beuys - Difesa della Natura".
Além de "Terremoto", inspirada num terremoto real, ocorrido em Palermo, abordando assim o conceito de catástrofe, a mostra terá também a instalação "Arena", de 1972, realizada em Verona, outra obra que aborda a democracia.
Contudo, as instalações são apenas uma das seis vertentes da exposição. "Beuys é como um diamante. Ele tem muitas faces, mas todas estão conectadas: a pedagógica, a política, a ecológica e a escultura são algumas das mais importantes", diz D'Avossa.
As demais vertentes da mostra são: os múltiplos, numa seleção dos 600 que Beuys criou como forma de democratizar sua obra; os pôsteres, cerca de 200, apresentando a coleção do italiano Luigi Bonotto, que possui o conjunto completo; os vídeos, divididos em três sessões (documentação, discussão e documentários); fotos e ciclo de conferências.
Uma das curiosidades da mostra é a comparação que D'Avossa faz entre as viagens de Beuys pela Itália com as andanças de Goethe pelo mesmo país, entre 1786 e 1788, quando usou um pseudônimo para se misturar à população.
Beuys esteve na Itália muitas vezes -em Veneza, Roma, Milão, Nápoles e Verona, entre outras. "Assim como Goethe, quando ele estava em Nápoles, por exemplo, se transformava num napolitano. Por isso, todos os seus trabalhos italianos abordam questões locais, como a agricultura, onde criou o slogan "Defesa da Natureza", em 1977", diz o curador.
Durante a mostra, será ainda instalada em São Paulo a Universidade Livre, criada por Beuys e mantida por seu aluno Jochen Stuttgen. "O ciclo de debates e a Universidade Livre são fundamentais na mostra, pois duas das questões centrais no trabalho do Beuys eram a difusão e o debate de ideias", diz ainda D'Avossa.
Beuys vem aí por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 2 de abril de 2010.
Fora da 29ª Bienal, obra de Joseph Beuys, o mais importante artista alemão do século 20, ganha exposição no Sesc Pompeia
A 29ª Bienal de São Paulo, programada para ser aberta ao público em 25 de setembro, não vai apresentar a obra do artista alemão que melhor sintetizou a relação entre arte e política, Joseph Beuys (1921 - 1986), apesar de seu nome ter sido considerado pela curadoria, segundo apurou a Folha.
Faria todo sentido, afinal a Bienal tem por tema central justamente as aproximações entre arte e política, e Beuys abordou esse tema especialmente nas décadas de 1960 e 1970, período que vai receber atenção especial no Ibirapuera.
Mesmo assim, Beuys estará presente na cidade, na maior mostra já dedicada a ele no país, em exposição paralela à Bienal, organizada pela Associação Videobrasil e pelo Sesc São Paulo.
"Essa exposição é nosso aporte à Bienal, dentro da ideia do "São Paulo, Polo de Arte Contemporânea", em fazer com que instituições da cidade contribuam para adensar as propostas da curadoria da Bienal", diz Solange Farkas, diretora do Videobrasil.
Ela organiza a exposição dedicada ao artista alemão no Sesc Pompeia, mesmo local que abrigou "Cuide de Você", instalação de Sophie Calle, no ano passado.
Com o título "A Revolução Somos Nós", nome de um dos mais famosos pôsteres do artista, reproduzido à direita, a mostra terá curadoria de Antonio Davossa, da Academia de Arte de Milão, que acompanhou Beuys em muitas de suas viagens à Itália. A produção italiana do artista, aliás, será o foco da mostra.
Mostra de Warhol aponta esvaziamento de conteúdo por Paula Pasta, Folha de S. Paulo
Matéria de Paulo Pasta originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 2 de abril de 2010.
Exposição com obras do artista americano, um dos principais de nossa época, revela "espécie de terror" de um mundo que pode ser convertido em mercadoria
Visitar a exposição de Andy Warhol na Estação Pinacoteca me fez pensar muito na assim chamada pintura metafísica italiana. Na grande maioria dos trabalhos ali expostos, encontra-se, como na referida pintura, uma sugestão de tempo parado, de estranhamento, como se houvesse sido retirada do mundo parte da sua natureza vital. Não se trata propriamente de nenhuma novidade. É conhecido o fato de De Chirico ser um dos pintores preferidos de Warhol. Claro, existem diferenças enormes entre a escola metafísica e o pop genuíno do artista americano.
Por exemplo, o universo de De Chirico ainda é assombrado pelo peso simbólico da herança cultural das civilizações. Já a arte de Warhol, como se sabe, gostaria de dar ao museu o mesmo status de uma loja de departamentos.
Tornar a temporalidade evidente é uma das qualidades da escola metafísica. Ao assistir ao filme "Empire", no qual Warhol filma um conhecido edifício nova-iorquino e faz coincidirem o tempo do filme e o tempo real, a impressão é a de que o artista, além de sofrer sua influência, ampliou e atualizou o alcance daquele movimento.
Nesse filme, existe apenas essa fruição. A certa altura da projeção, nos perguntamos sobre o que estamos vendo. E então entendemos que, enquanto espectadores, estamos, na verdade, nos observando como sujeitos mergulhados no tempo. Tais estratégias se encontram presentes na exposição das mais variadas maneiras.
Um dos recursos mais caros a Warhol seria justamente este: o do esvaziamento dos conteúdos -pela repetição ou pelo apelo à impessoalidade das fotografias-, para recolocar a pergunta sobre a real natureza deles. Somos, assim, sempre tentados a nos perguntar pela existência do oposto da superficialidade posta ali.
Escrevendo sobre o movimento metafísico italiano, Giulio C. Argan alude ao fato de o cubismo possuir um "tempo de vida". Mas ressalva que a grande novidade, depois das descobertas de Picasso e Braque, ficava por conta da contraposição do "tempo de morte", da pintura de De Chirico.
Partindo dessa relação, uma outra associação poderia também ser feita entre o expressionismo abstrato americano dos anos 50 e alguns trabalhos da escola pop. Penso que poucas pinturas sugerem mais a ideia de vida do que as de Pollock, por exemplo. Se existe morte nelas, essa sugestão nasceria justamente do ímpeto de estar plenamente vivo.
Morte
O caso oposto ocorre com o pop de Andy Warhol: de todos os seus trabalhos exala um bafio de morte. A criação é detonada somente quando ele se manifesta. Seriam muitos os exemplos. As pinturas com as imagens de Marilyn Monroe e Jacqueline Kennedy são realizadas quando a primeira acabara de morrer e a segunda perdera, em um atentado, seu famoso marido (que também fez parte do repertório do artista).
Cadeiras elétricas, acidentes de carro, suicídios: esses temas são todos expostos ao lado de outros banais, como as conhecidas latas de sopa Campbell. E tudo feito por meio da fotografia, que ele serigrafava e na qual aplicava tinta à base de polímero sintético. Aliás, o próprio uso predominante da fotografia como linguagem nos levaria à percepção de um mundo congelado, já também esvaziado e convertido em pura imagem. Algo como um "ready-made" do mundo. Uma espécie de náusea começa a nascer a partir dessa constatação: tudo se repete e se esvazia, tudo se iguala, tudo é imagem e superfície.
Aquela vontade de livrar a arte de subjetivismos, que existiu em boa parcela da modernidade, ganha em Warhol uma inflexão particular, na medida em que ele o faz por meio do uso das imagens, de uma figuração, e não mais da abstração. E essa imagem -que parece nascer do seu próprio esvaziamento- faz repercutir e amplificar-se cada vez mais este último. Esta parece ser também a única verdade no universo glamouroso dos astros e estrelas ali retratados. O mundo pode ser convertido em pura mercadoria, e uma espécie de terror nasce daí.
Nessa operação, ao ser capaz de revelar isso, coerentemente com a linguagem empregada, onde "o que" e "o como" não se separariam, Warhol torna-se um dos principais artistas da nossa época. Dizia querer ser como uma máquina, e parece que, nessa sua declaração, para além do seu sarcasmo, existe uma vontade de tornar sua vida tão esvaziada como a das suas imagens. Algo como "tal vida tal obra", diferentemente do "uma vida para uma obra".
Para o crítico David Silvester, o que existe de magnífico na câmera fotográfica de Warhol é que ela é descerebrada e não organiza aquilo que registra: não o explica nem limita. Penso que o uso da cor por Warhol obedece a um sistema parecido. Suas cores, como as de Matisse, possuem autonomia e não expressam mais uma essência. Mas as semelhanças, acredito, param por aí. Podemos falar de otimismo e alegria em Matisse. É possível afirmar o mesmo das pinturas de Warhol?
PAULO PASTA é pintor, desenhista e professor.
Andy Warhol
Mr. America
Curadoria de Philip Larratt-Smith
20 de março a 23 de maio de 2010
Estação Pinacoteca
Largo General Osório 66, Luz, São Paulo - SP
11-3335-4990
www.pinacoteca.org.br
Terça a domingo, 10-18h
Arquitetura do som por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 5 de abril de 2010.
Anri Sala, albanês que é um dos principais nomes da próxima Bienal, questiona a política a partir de reverberações sonoras
Um casal se separa. As perguntas dela são murmúrios que se perdem no espaço. As respostas dele são solos violentos de bateria. Tambores abafam o discurso verbal e o som embaralha forma e conteúdo.
O casal no vídeo "Answer Me" (Responda-me), do artista Anri Sala, 36, tenta desfazer o romance dentro do domo erguido pelo arquiteto Buckminster Fuller sobre as ruínas da Berlim arrasada pela Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Era a antiga estação de espionagem dos Aliados, que tentavam decifrar o tráfego radiofônico vindo do outro lado do muro.
Toda a obra desse artista albanês, um dos maiores nomes escalados para a próxima Bienal de São Paulo, que começa em setembro, se estrutura em torno do som e de sua relação com a arquitetura na tentativa de aferir mudanças políticas.
Seu vídeo sobre a separação entre rajadas de tambor não estará na mostra paulistana, mas dá ideia do que será seu próximo trabalho, ainda em preparação. "É uma forma de fugir de simbolismos de linguagem, de escapar dos grandes temas, já que o som é menos construído, não pode ser emoldurado", afirma Sala em entrevista à Folha num hotel em São Paulo.
Essa moldura impossível do som é sempre um prédio ou um contexto explorado por seu tipo de acústica, mas nunca vazio de história. Se não o domo geodésico de Buckminster Fuller, pode ser, então, uma sala de música aposentada em Bordeaux ou a Casa de Vidro de Lina Bo Bardi, que o videoartista visitou no Brasil.
Ele não deve usar os projetos da arquiteta no trabalho que vai mostrar em São Paulo, mas garante que a nova obra tem a ver com o contexto da cidade e o tema de arte e política desta edição da Bienal. Sala antecipou à Folha que seu próximo filme também gira em torno de um prédio agora interditado, mas ainda "rico em memórias".
Filme mudo
"A música ressuscita o passado desse prédio; as novas melodias fazem o som do passado parecer mais atual do que o do presente."
Do mesmo jeito que explorou o eco dos domos em Berlim, Sala agora busca resquícios da sonoridade punk que encheu nos anos 60 a casa de concertos da Cité du Grand Parc, em Bordeaux, cenário do filme que estará na Bienal em setembro. "Estou interessado na ideia de fricção que o som pode criar."
Num de seus primeiros trabalhos, Sala buscou a mesma fricção. Encontrou um filme mudo de um discurso de sua mãe, uma militante comunista, feito na época do regime. Mandou então legendar o filme com as palavras perdidas, reinterpretadas por leitura labial. Diante das novas imagens, Valdet, a mãe do artista, não acredita na tradução das palavras e nega ter pensado daquele jeito.
Mais do que o resgate de um discurso perdido, a tradução da obra exalta a passagem linguística entre dois momentos históricos, a Albânia antes e depois do comunismo. "Mudanças políticas trazem uma mudança de sintaxe, o que parecia articulado nos anos 60 e 70 já não é mais hoje", diz Sala.
Também herança de um regime obsoleto, há mais distinções entre branco e negro na língua nativa do Senegal, país africano dominado pela França até os anos 60, do que para outras cores, como azul e vermelho. Sala explora isso num filme em que três crianças repetem os nomes dos tons entre o preto e o branco até virar uma espécie de melodia abstrata.
"Há algo muito importante nesse espaço intervalar, quando a língua se transforma em som puro", diz.
"São tão sensíveis à cor da pele que resistiram às cores tradicionais. Não havia motivo para brigar pelo vermelho, pelo amarelo. É essa linguagem desconhecida repetida até o ponto em que acaba se tornando melódica."
abril 1, 2010
Experiências secretas por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de São Paulo em 30 de março de 2010.
Folha visita arquivo inédito do artista Flávio de Carvalho que será base de mostras
Numa sala de luz fria, a arquivista usa luvas brancas para mexer nas pilhas de papéis. Um silêncio incômodo contrasta com os documentos de alta voltagem nessas caixas de plástico.
Depois de mais de dez anos de negociações, a Unicamp comprou a metade que faltava dos arquivos de Flávio de Carvalho (1899-1973), até agora na casa de um amigo do artista.
No fim de vida solitário que teve, Carvalho deixou com J. Toledo, autor do "Dicionário de Suicidas Ilustres", que depois se matou, quase tudo o que estava em seus arquivos na fazenda Capuava, em Valinhos (SP).
Juntou pó até agora esse conjunto de projetos arquitetônicos, filmes inéditos, manuscritos e textos sobre moda e psicanálise. Abertas as caixas, o silêncio sobre a figura ímpar de Carvalho, um dos maiores e mais polêmicos nomes do modernismo, começa a se dissipar.
Dessas caixas empoeiradas vai sair uma boa parte do que estará nas mostras dedicadas ao artista neste ano -da retrospectiva no Museu de Arte Moderna à Bienal de São Paulo, passando por exposição no Reina Sofía, em Madri- e um livro com reflexões sobre a moda.
Carvalho pensou atitude como forma por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de São Paulo em 30 de março de 2010.
Documentos no arquivo mostram provocações de um artista fragmentário com obra dividida entre produção e reflexão
Bienal de São Paulo quer reencenar sua peça "Bailado do Deus Morto", enquanto MAM faz retrospectiva e Madri recebe arquitetura
No "álbum dos comensais", como Flávio de Carvalho chamou seus recortes fotográficos e memórias pessoais, estão mensagens de Oswald de Andrade, Maria Della Costa, Eleazar de Carvalho e outros que passavam temporadas de ócio na fazenda Capuava, construção emblemática do modernismo no Brasil, que o artista projetou para ser a sua casa.
"Sem óculos, só posso ver com os olhos da alma", anotou o autor de "O Rei da Vela" num canto. "E os olhos da alma tenho sempre voltados para o antropófago Flávio de Carvalho."
Nos anos 50, quando jantares na fazenda em Valinhos tomavam ares expressionistas e festas à beira da piscina de luz vermelha arrebanhavam a nata intelectual do país, Carvalho já era a figura histriônica que irradiava a vertente mais libertária do pensamento modernista.
Àquela altura, já tinha desafiado uma procissão de Corpus Christi, indo contra o fluxo de boné e flertando com as devotas -a chamada "Experiência n. 2". Desenhos que fez de sua mãe morrendo, a célebre "Série Trágica", chocaram o público. Sua primeira exposição tinha sido fechada pela Delegacia de Costumes por causa dos nus e seu Teatro da Experiência, interditado pelas heresias da peça "Bailado do Deus Morto".
É a mesma peça que a Bienal de São Paulo pretende reencenar em Valinhos e transmitir em tempo real para o pavilhão no Ibirapuera em setembro.
Seu projeto arquitetônico para o palácio do governo do Estado de São Paulo, que está nos arquivos recuperados, tinha canhões de luz tão cenográficos quanto as máscaras de alumínio que inventou para o palco e pistas de pouso para aviões em terraços simétricos.
Era uma obra mais de atitude do que resultado formal. Carvalho falava numa "revolução estética" como "fenômeno de turbulência, com polarização de forças anímicas básicas".
E ele desenhou esse contraste no ato de se vestir. Quando encena sua "Experiência n. 3", de meia arrastão, saia e chapéu, está ao lado de senhoras comportadas em plena metade dos anos 50. Carvalho desfilou pelas ruas de São Paulo com seu "traje de verão", propondo uma nova arquitetura do corpo, no mesmo ano em que Juscelino Kubitschek lançou os planos para a construção de Brasília, utopia arquitetônica nacional.
Mas fica difícil entender que fragmento de cada uma das experiências era a obra em si. Depois de escapar ao linchamento na procissão de 1931, escreveu um livro de reflexões. As roupas que usou no verão de 1956 já foram exibidas como se fossem obra de arte, mas foi a caminhada em si, da qual restam só fotografias, que contou.
Na mostra que o Museu de Arte Moderna de São Paulo abre em meados de abril, documentos das performances, livros de sua biblioteca guardada na Unicamp, além de um recorte de seus desenhos e pinturas, vão tentar dar conta da história.
No Reina Sofía, em maio, detalhes de seus projetos arquitetônicos vão mostrar outra cara do ser fragmentário chamado Flávio de Carvalho.
Pesquisa leva a uma revisão do papel do artista no modernismo brasileiro, Folha de S. Paulo
Matéria originalmente publicada na Ilustrada da Folha de São Paulo em 30 de março de 2010.
Embora Flávio de Carvalho tenha entrado para a história da arte brasileira com o aposto modernista, ele está até hoje em situação marginal na narrativa do movimento que foi parar nas páginas dos livros.
Enquanto seus projetos arquitetônicos, sem dúvida, trabalham vários dos cânones do estilo, sua produção plástica em chave expressionista e a ênfase em atos performáticos como expressão artística levaram a incertezas em torno de seu papel na história da escola.
"Quando ele estava em atuação, era o centro das atenções", diz o pesquisador Marcelo Moreschi, que está escrevendo uma tese sobre a configuração histórica do modernismo brasileiro e agora estuda o arquivo recuperado de Carvalho. "Mas quando a história desse movimento foi escrita, ele sumiu."
Isso porque, segundo Moreschi, a história conhecida do modernismo no Brasil tem início numa conferência de Mário de Andrade, em 1942, em que define o movimento como tentativa explícita de atualizar as artes nacionais, com a vocação de inserir o país no plano internacional da vanguarda estética.
Mas Carvalho não estava interessado em nenhum tipo de "discurso nacionalista edificante". "Ele estava interessado em perseguir os interesses artísticos e intelectuais dele, não tinha um projeto nacional", afirma Moreschi. "Se você o considera modernista, é preciso repensar o que significa o modernismo brasileiro, mas ninguém problematiza isso."
Um dos motivos para esse desaparecimento de Carvalho no plano histórico é a própria desorganização do artista, que não fez questão de deixar um arquivo em ordem com suas reflexões estéticas -ao contrário do que fez Mário de Andrade, que tornou a própria produção em espécie de arquivo vivo. (SM)