|
março 26, 2010
Regina Silveira refaz o céu em mostra por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 24 de março de 2010.
Artista se apropria de imagens de nuvens e estrelas para criar vídeos e instalações que expõe agora no Maria Antonia
Também estão no museu em São Paulo individuais dos artistas Décio Vieira, Carla Guagliardi, Fábio Flaks e fotografias de Karina Zen
Foi domesticado o céu. Está estampado numa cortina translúcida e projetado sobre um volume que salta da parede. Regina Silveira subjuga a escala celeste nas obras que mostra agora no Maria Antonia, em paralelo a outros quatro artistas. Estão sobrepostos numa instalação o céu da noite e o do dia, um véu de nuvens cortado em três partes contra um fundo escuro, tipo uma pele que se despega do ar e revela falhas como elemento construtivo.
No vídeo, desenha um movimento pendular. Adensa e rarefaz luz e ar para abrir e fechar o cerco à sucessão dos dias, como se encontrasse blocos de cor no passar das horas. Trava um diálogo sutil com as abstrações de Décio Vieira, na sala ao lado. São emaranhados de linhas, um tecido nervoso que se opõe à disposição rígida das manchas de tinta. Seus volumes dependem da cor para avançar ou recuar no espaço, contraste entre cheio e vazio que lembra a noite e o dia.
Esse mesmo jogo de oposições também define o trabalho de Carla Guagliardi. São tábuas equilibradas sobre balões de ar, embalagens infladas que sustentam o peso da madeira. É uma estrutura passageira, já que os balões definham com o tempo, uma decomposição da forma como expressão. Numa parede, Guagliardi monta uma estrutura de barras metálicas articuladas por fitas elásticas. Vai da simetria a ângulos tortos quase até o chão, num equilíbrio movediço.
Outros exercícios formais ganham contornos definidos na obra de Fábio Flaks, no mesmo andar. Aparecem nas telas caixas de papelão desdobradas, atravessadas de luz, garrafas de vidro de um realismo atordoante e amplificadores retratados em chave minimalista -o preto no branco não fossem as letras escritas e movimentos das linhas no meio do negro. São manchas gráficas que tensionam o espaço, como se existisse o som dos alto-falantes, ondas para desembalar as caixas, fazer tremer os vidros.
Também deslocam o real as fotografias de Karina Zen, que retrata imagens religiosas e animais empalhados, como que flagrados em atos de surpresa, comoção, ataque.
março 24, 2010
João Sayad se diz "feliz" por não trabalhar com secretaria da Educação por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 24 de março de 2010.
Para quem estava na plateia do debate ocorrido no Sesc Belenzinho, a sensação era de que os tradutores tinham dado algum tropeço. Mas não. O ruído não era de linguagem. E sim de visões culturais.
Após o discurso do diretor regional do Sesc, Danilo Santos de Miranda, que traçou uma linha histórica do trabalho da instituição, que busca atar esporte e cultura, o secretário de Estado da Cultura, João Sayad, desfez esse laço.
"Na secretaria de Cultura nosso foco são as artes. Não estamos preocupados com educação, que é um sistema congestionado, complicado. Estamos felizes pelo fato de estarmos separados dele", afirmou, fazendo alguns dos presentes se remexerem nas cadeiras.
"Também não queremos fazer turismo. Somos pressionados para atrair o turismo, mas nosso foco é a arte. Também não estamos preocupados nem com economia nem com emprego. Nossa preocupação é com o que não está na moda, com o que não chega às pessoas. Nos interessa tanto a Pinacoteca quanto o hip-hop."
Ao suceder o colega ao microfone, o secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil, não pôde deixar de referir-se à fala de Sayad. Ao tentar explicá-la, acabou por reforçá-la.
"A baixa institucionalização é um grande problema na administração pública brasileira. O João [Sayad] talvez tenha sido um pouco melancólico, mas tem razão. É praticamente impossível fazer qualquer coisa com a educação. Simplesmente, não conseguimos", queixou-se Calil que, como Sayad, é professor da USP.
Não sem uma ponta de ironia, o secretário municipal também jogou um balde de água fria sobre as ações culturais "do bem". "Não adianta criar orquestras com jovens que não querem tocar música", disse, provocando risos na plateia. "A cultura não vai tratar das mazelas sociais, do crime. Essas ações são, muitas vezes, uma maneira de compensar a má consciência, mas sempre com dinheiro público, é claro."
O papel do Estado foi outro tema central do debate. Sayad fez a defesa do modelo de Organizações Sociais, que entrega a entidades privadas a administração de instituições públicas. Calil, por sua vez, voltou a chamar as leis de incentivo de "abano com chapéu alheio".
"Política não é feita para os artistas" por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 24 de março de 2010.
Em visita a SP, diretor de departamento cultural da Inglaterra diz que Estado deve priorizar população e não produtores
Orçamento público para a cultura, no Reino Unido, é de 2 bilhões de libras, o equivalente a R$ 5,3 bi; MinC teve R$ 1,3 bi em 2009
Após passar por São Paulo, Michael Elliott, diretor de Cultura do Departamento de Cultura, Mídia e Esporte do Reino Unido, seguiu para o Rio, onde buscaria conhecer, sobretudo, projetos, como o Afro Reggae e alguns pontos de cultura, que mesclam ações sociais e culturais. "Temos uma política institucionalizada, mas nos interessa ver o que vocês têm feito no Brasil, até porque noto que há um debate em andamento, que divide regiões do país e também alguns tipos de produção."
FOLHA - O Brasil, há 20 anos, decidiu separar os ministérios da Cultura e da Educação. No Reino Unido essa hipótese alguma vez foi discutida?
MICHAEL ELLIOTT - É claro que vemos a cultura como algo, por si, importante, mas consideramos natural trabalhar em conjunto com nossos colegas da educação. Só assim conseguimos envolver as famílias e crianças em nossos projetos.
FOLHA - Ou seja, a criação de uma entidade autônoma para a cultura não é algo que se discuta.
ELLIOTT - Não, pela simples razão de que você só pode esperar o desenvolvimento cultural de uma sociedade se isso vier acompanhado de uma educação eficaz, que desperte, nas crianças, a apreciação pela arte.
FOLHA - Me dê um exemplo.
ELLIOTT - Neste momento, estamos trabalhando no direito de cada criança ter cinco horas semanais de atividades culturais. Elas vão aos museus, os museus vão às escolas, enfim, têm experiências com as instituições de cultura nacionais.
FOLHA - O programa é para as escolas públicas?
ELLIOTT - É para todas as escolas. Trata-se de dar oportunidades para que as crianças desenvolvam suas habilidades, seu gosto por literatura, música etc.
FOLHA - De que maneira esses recursos são distribuídos?
ELLIOTT - Temos programas diretos, como os de manutenção dos museus nacionais [como British Museum, Tate e Museu de História Nacional], e repassamos recursos para o Arts Council, que é agência responsável pelo desenvolvimento das atividades artísticas. Neste caso, damos os recursos e debatemos as prioridades, mas não interferimos nas decisões do Arts Council e no destino do dinheiro. Os membros do conselho definem que orquestra ou balé será beneficiado.
FOLHA - O senhor fala dessa relação como se ela fosse pacífica. Mas não há divergências sobre até aonde o Estado deve ir?
ELLIOTT - Nunca é uma situação preto no branco. Sempre houve, no Reino Unido, debates sobre a relação entre o governo e essas instituições. Mas a influência do governo sobre as decisões das instituições é cada vez menor, até porque os membros do Arts Council têm grande expertise, e temos investido na formação desses líderes no setor cultural. Como em todos os lugares, há pressões, mas tentamos estabelecer um diálogo para que as decisões sejam corretas e claras.
FOLHA - Como balancear demanda de artistas e interesse público?
ELLIOTT - Buscamos, o tempo todo, aumentar a participação da população nas instituições. O Arts Council procura entender as necessidades dos artistas, tanto em termos de criação quanto de dinheiro, mas o governo tenta estimulá-los a aproximar os seus trabalhos do público, a criar uma demanda pelo que fazem. A política não pode ficar excessivamente presa ao interesse dos produtores de cultura. O dinheiro governamental deve trazer benefícios reais para a população.
FOLHA - O lobby dos artistas e dos produtores é muito forte?
ELLIOTT - Muito. Mas não pensamos na cultura apenas como fruição, mas também como economia e educação.
Pra inglês não entender por Ana Paula Sousa, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Sousa originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 24 de março de 2010.
Chefão da cultura do Reino Unido espanta-se com o excesso do uso de leis de incentivo fiscal no Brasil e a separação entre ministérios
Na terra natal de Shakespeare, o "ser ou não ser", ao menos na cultura, não é uma questão. Lá, cultura é, sim, uma questão de Estado, ou seja, cabe ao governo destinar uma verba para a manutenção das artes.
No Reino Unido, a cultura é, também, uma questão de educação, ao ponto de, institucionalmente, estar ligada a um departamento gigante que cuida de cultura, mídia e esporte.
Foi, portanto, com surpresa - mesmo que recoberta pela discrição - que a delegação de gestores culturais britânicos em excursão pelo Brasil ouviu, na última segunda-feira, o rosário de dificuldades desfiado pelos administradores brasileiros durante um debate realizado na sede do Sesc São Paulo.
O encontro, fechado para convidados, reuniu desde produtores e intelectuais até diretores das mais importantes instituições da cidade, como Marcelo Araújo, da Pinacoteca do Estado, e Carlos Magalhães, da Cinemateca Brasileira.
Do lado britânico, estavam, entre outros, a diretora-executiva do Arts Council, Andrea Stark, secretária de cultura de Liverpool, Claire McColgan, e o diretor de Cultura do departamento de Cultura, Mídia e Esporte, Michael Elliott, nome-chave da instituição. Elliott, que havia visitado unidades do Sesc, visto um show de Jorge Mautner e visitado o teatro Oficina antes do debate, confessou, à Folha, estar pouco seguro de sua contribuição. "São experiências tão distintas, não?", perguntou, erguendo as sobrancelhas num sorriso levemente perplexo.
Leis de incentivo
As duas características brasileiras que não se encaixaram em seu pensamento ordenado foram, primeiro, a própria existência de um ministério da Cultura e, depois, a lógica das leis de incentivo, que transferem para mãos privadas o poder de decisão sobre o destino do dinheiro de imposto.
"Se você quer que a sociedade se envolva com a cultura, tem de partir do sistema educacional. As duas coisas estão interligadas", disse, após ouvir dos secretários do Estado e do município, João Sayad e Carlos Augusto Calil, que é impossível trabalhar com as secretarias da educação.
Mas nada soou tão desafinado para Elliott quanto a cantilena das leis de incentivo - que, como sempre acontece nos debates culturais no Brasil, foi tema repetido. "O benefício fiscal acarreta uma perda de arrecadação. Sempre entendemos que é preciso ter um orçamento público para a cultura."
março 23, 2010
Aberturas de Oiticica e Warhol atraem multidões por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 22 de março de 2010.
Milhares de pessoas comparecem a estreias em SP
Vestindo os "Parangolés" de Hélio Oiticica, atores do Teatro Oficina dançaram no último sábado entre convidados e garçons servindo vinho branco e minicuscuz. Era a abertura da mostra dedicada ao artista.
Em clima de festa, a Estação Pinacoteca recebeu VIPs pela manhã e teve filas na porta à tarde para ver a maior mostra de Andy Warhol já feita no país.
Gigantes da arte do Brasil e dos Estados Unidos, hoje estrelas mundiais, Oiticica e Warhol mobilizaram o mundinho das artes no último sábado, com aberturas simultâneas.
No Itaú Cultural, onde a mostra de Oiticica fica em cartaz até maio, mais de 2.000 pessoas se espremeram no hall de entrada e percorreram os três andares da mostra. Mas poucos saíram à Paulista, em frente ao prédio, para ver os atores com "Parangolés" e batom rosa-choque dançando na avenida.
Sob o sol do meio-dia, duas passistas da Mangueira sambaram no asfalto quente. Alguns cariocas que passaram por lá reclamaram da falta de praia.
Um deles era a artista Anna Bella Geiger, que não achou estranho o "Parangolé" versão 2010 e quis sentir o gosto da tinta nos "Relevos Espaciais" para ver de que tipo era.
No centro, depois do "brunch" para os "amigos da Pinacoteca", a mostra de Warhol foi aberta ao público. Pelo menos 3.500 pessoas passaram por lá. A fila se estendia por toda a lateral externa do prédio.
Lá dentro, grupos passaram mais tempo lendo os textos nas paredes sobre o artista americano do que olhando para suas obras. Ainda assim, uma mulher diante da imagem de Marlon Brando, feita por Warhol, suspirava: "É um espetáculo, é o homem mais lindo que já vi". Nos elevadores, o comentário: "Alegre, né? Tudo é tão alegre".
Oiticica, no Itaú Cultural, e Warhol, na Estação Pinacoteca, estão fechados hoje, mas reabrem de terça a domingo.
março 18, 2010
Mostra revela faceta crítica de Warhol por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 17 de março de 2010.
Exposição aponta sarcasmo do artista em relação aos mitos americanos e exibe obras experimentais, além das famosas
O rótulo "artista pop" é muito pequeno para definir Andy Warhol, como se pode perceber na mostra "Andy Warhol, Mr. America", que será aberta no próximo sábado, na Estação Pinacoteca.
A reportagem da Folha viu a exposição em sua primeira montagem, em Bogotá, na Colômbia, no ano passado.
Obviamente, estão nas obras, como nas gravuras de Marilyn Monroe e nas das latas de sopa Campbell's, os elementos que marcam a chamada arte pop, ou seja, o uso de elementos do mundo das celebridades e da publicidade -nessas imagens, Warhol sempre se apropriou de fotos de jornal.
Mas o que a exposição revela com intensidade é, em primeiro lugar, uma faceta crítica, que até então costuma ser atribuída apenas ao pop inglês, onde o movimento surgiu, com a famosa colagem "O que Exatamente Torna os Lares de Hoje Tão diferentes, Tão Atraentes", de Richard Hamilton, de 1956.
Se Warhol não usava ironias em seus títulos, elas estão presentes, contudo, em suas próprias construções. Suas celebridades são maquiadas com cores fortes e berrantes, outro elemento que o caracteriza como pop, mas exibidas após situações de fraqueza. Na série sobre Jackie Kennedy, por exemplo, ela surge não quando estava gerando um padrão de beleza para o país, mas no momento de luto.
É como se Warhol apontasse para o poder ambivalente da imagem que se torna impressa, afinal ela não é capaz de revelar tudo. Nesse sentido, o custo da fama revela-se perverso e sem glamour. Mesmo assim, ao colorir tais imagens, ele apela para a sedução, uma das razões que o tornou a ser tão reconhecido popularmente.
Outro caráter importante da exposição é exibir, junto com os trabalhos mais famosos, sua obra mais experimental, até então normalmente vista em pequenas mostras ou como trabalhos menores. Warhol produziu filmes alternativos em grande quantidade -há 17 deles na exposição- e trabalhou em vários suportes, chegando até a criar ambientes imersivos, como "Silver Clouds" (nuvens prateadas), de 1966, ou "Cow Wallpaper" (papel de parede de vaca), de 1972.
São trabalhos precursores das instalações contemporâneas, que o levam muito além da mera produção pop.
Finalmente, o curador Philip Larratt-Smith acerta ainda ao apontar o caráter sarcástico de Warhol em relação aos mitos americanos. O artista abordou a violência contra os negros, em "Confrontos Raciais", a miséria, em "Desastres do Atum Enlatado", retratou temas tabus como a homossexualidade, a obsessão pela morte e, como se não fosse suficiente, a sociedade do espetáculo.
Assim, quem observa apenas as cores fortes e as imagens sedutoras, fica apenas na superfície da obra de Warhol, mas quem quiser se aprofundar de fato nessas imagens, vai descortinar um mundo não colorido e tampouco atrativo, o que afinal é o retrato da América.
Estação Andy Wahrol por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 17 de março de 2010.
Maior mostra do artista no país explora tom político de sua obra e a relação com os EUA do pós-Guerra
O lado glamouroso e pop nas obras de Andy Warhol (1928-1987) já é bastante conhecido, seja nos retratos de celebridades, como Marilyn Monroe ou Elizabeth Taylor, e mesmo em seus autorretratos, que também prenunciam o culto ao egocentrismo em tempos de Facebook e Twitter.
Com a mostra "Andy Warhol, Mr. America", que será inaugurada neste sábado, na Estação Pinacoteca, outra faceta será explorada: as relações políticas vistas em sua obra, a partir da consolidação do império americano do pós-Guerra.
"Warhol encarnou e expressou vários dos pressupostos que levaram à construção do império americano: a relação entre desejo, fantasia e consumo, ou mesmo a persistência da morte por trás da essencialmente afirmativa iconografia da cultura pop dos EUA", afirma o curador canadense Philip Larratt-Smith, responsável pela exposição.
"Andy Warhol, Mr. America" começou a circular no ano passado, no Museu de Arte do Banco da República, em Bogotá, na Colômbia, seguiu para a Argentina, no Museu de Arte Latinoamericana de Buenos Aires, e termina seu périplo em São Paulo. O tema político da mostra, segundo o curador, foi escolhido graças ao circuito geopolítico: "Devido à longa história das intervenções norte-americanas na América Latina e ao papel fora do comum desempenhado pelas multinacionais americanas".
Para ilustrar a relação política na obra de Warhol, Larratt-Smith dá como exemplo as obras da carreira do artista nas quais ele passou a usar camuflagem, incorporando padrões militares. Nesses trabalhos, segundo o curador, "a camuflagem sugere que as aparências são enganosas, e que existem agendas escondidas". Assim, segue Larratt-Smith, "o império americano é um império travestido, que tem a pretensão de ser o que não é: um supervisor benevolente do sistema financeiro global ou o zeloso policial do mundo".
Nesse sentido, Warhol de fato seguiu na contramão da propaganda do governo dos EUA em defesa do expressionismo abstrato americano de Jackson Pollock e seus contemporâneos, que ainda continuam em voga: na semana passada, o correio norte-americano começou a vender selos de dez artistas desse movimento.
A turma de Pollock, aliás, nunca admirou Warhol. "De Kooning uma vez o chamou de "matador do belo", em uma festa, quando se encontraram", diz Larratt-Smith.
A mostra do artista na Estação Pinacoteca, a maior já vista no país, reúne cerca de 170 obras: 26 pinturas, 58 gravuras, 39 fotografias, duas instalações e 44 filmes, com ênfase para os trabalhos realizados entre os anos 1961 e 1968, período que Warhol trabalhou com intensidade em seu estúdio, a "The Factory", por onde circulava grande parte do meio criativo de Nova York, como Bod Dylan e Mick Jagger e Lou Reed.
Foi na "Factory" que Warhol criou grande parte de seus filmes experimentais, como "Empire", visto na mostra em uma versão curta de 50 minutos com imagens do Empire State Building (Nova York).
O deslumbre de Warhol com o brilho das luzes tem a ver com suas raízes, segundo o curador da mostra: "Um fora do sistema por sua classe social, orientação sexual e aparência, Warhol desejou, com intensidade patológica, viver o sonho americano e assimilar ele mesmo a complexidade dos mitos e narrativas da América".
Uma máquina pública por Pollyanna Diniz, Diário de Pernambuco
Matéria de Pollyanna Diniz originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 17 de março de 2010.
O casarão onde funciona o Mamam é de 1890. Numa época de bailes e flertes, a casa abrigava o Clube Internacional do Recife. Só na década de 1980 a Galeria Metropolitana de Arte Aloísio Magalhães passou a ocupar o local, transformado em museu em 1997. Desde então, quatro diretores passaram pelo local, grandes exposições foram realizadas, mas para todos eles ficou a lição de que o museu precisa ser prioridade na política cultural da cidade.
"O Mamam exercia um papel fundamental. Pernambuco sempre teve uma presença artística importante e a ausência de um museu era uma lacuna para movimentar esse cenário e fazer circular essa arte. A resposta do público também surpreendia, era muito boa. Depois do Mamam, a arte contemporânea em Pernambuco adquiriu mais força; era um canal que falava com os artistas, estabelecia um diálogo com a produção nacional e internacional e fazia com que a arte daqui circulasse".
Marcus Lontra, diretor do Mamam entre 1998 e 1999
" Avançamos colocando o museu definitivamente no cenário e dando o mínimo de estrutura física. Fizemos toda a catalogação do acervo e possibilitamos uma reserva técnica adequada. Publicamos um catálogo com o inventário do acervo, adquirimos muitas obras, como por exemplo, a coleção de gravuras de Samico. Por outro lado, o museu passou a propor exposições e não só receber. Cumpriu o papel de atualizar o repertório da população. Tivemos exposições de Cildo Meireles, Antonio Dias, Nelson Leirner. Os artistas daqui tiveram tempo e recursos para desenvolver trabalhos, como Marcelo Silveira, Gil Vicente, Carlos Mélo. Mesmo assim, as artes visuais não fazem parte de uma agenda de prioridade na sociedade. É uma dificuldade para tocar projetos por ser uma instituição ligada a um órgão público, que tem burocracia e pouca flexibilidade. O próprio fato da reforma ter durado dois anos e ainda assim termos pendências mostra que os problemas parecem continuar. Se as artes visuais ocupassem um papel fundamental, seria motivo para um escândalo o museu ficar fechado; mesmo que, parte desse atraso, seja por conta dos trâmites. Mas sou muito solidário e confiante com a atual gestão".
Moacir dos Anjos, diretor do Mamam entre 2001 e 2006
"Assumi a direção quase no fim da gestão municipal. Percebi na prática que os museus fazem parte de uma política mais abrangente; que quaisquer mudanças na gestão, no contingenciamento de recursos, influem diretamente. A ideia era levar adiante o fortalecimento do museu, mas já sabia dos problemas que enfrentaria, como a parte elétrica. Tinha um laudo que apontava risco de incêndio. Era uma perda de 40 lâmpadas por mês. Sabia também que faltava um projeto de acessibilidade. Conseguimos aprovação num edital do Iphan para fazer o elevador, mas não a parte elétrica. Além disso, no início do ano, em 2008, um ornamento da fachada caiu e a perícia concluiu que outros elementos poderiam cair. Então tivemos que fechar para não causar acidentes. Ainda tínhamos problemas com ar-condicionado. A partir daí, não pudemos continuar com exposições. Sempre tive um vínculo afetivo com o Mamam; porque criei repertório, quando comecei a estudar arte, com o Mamam e a Fundação Joaquim Nabuco. Então foi frustrante, não poder levaras melhorias que eu pretendia, mas foi importante notar que ele faz parte de uma rede, que precisa do suporte da máquina. Acho que os desafios continuam: fortalecer, ampliar e trazer a sociedade para o museu, que é um espaço público".
Cristiana Tejo, diretora do Mamam entre 2008 e 2009
Promessas para o segundo semestre por Pollyanna Diniz, Diário de Pernambuco
Matéria de Pollyanna Diniz originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 17 de março de 2010.
Depois que os outros dois andares do Mamam forem entregues ao público - a expectativa é que isso aconteça no segundo semestre -, estão previstas mostras sobre Lula Cardoso Ayres, Lygia Clark, Tomie Othake, Anna Letycia Quadros, além de uma exposição de fotografias produzidas por 12 coletivos internacionais.
A tarefa de decidir o que será visto no Mamam agora cabe a um conselho curatorial formado por Ricardo Rezende, diretor de Artes Visuais da Funarte; André Hernandes, curador independente e diretor executivo do MAM - SP; Marcelo Silveira, artista plástico pernambucano; e da própria Beth da Mata. "Isso me deixa mais confortável, são vários olhares. Além disso, não sou curadora", avalia Beth.
Além das mostras, o museu irá receber também exibições de vídeo e super 8; e será criado o Clube de Fotografia Mamam, inspirado no modelo do MAM-SP. "Todo ano vamos definir cinco fotógrafos que doarão uma obra inédita que será reproduzida para venda ao público", esclarece adiretora.
Falando em comercialização, está aberta a Loja Mamam; e o museu terá um programa de sócios, com contribuições anuais no valor mínimo de R$ 300. A entrada do museu, que antes custava R$ 1, agora é gratuita. "Esse valor não faz muita diferença e ao mesmo tempo não serve ao propósito de 'educar' o público, como dizem alguns", explica a diretora. O Mamam será aberto ao público de terça a sábado, das 10h às 19h, e aos domingos, das 10h às 17h.
Depois da estrutura, o conceito por Pollyanna Diniz, Diário de Pernambuco
Matéria de Pollyanna Diniz originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 17 de março de 2010.
No ano que vem, o Mamam deve receber a itinerância da Bienal de São Paulo, que acontece no segundo semestre de 2010 na capital paulista. "Foi uma sinalização do curador Moacir dos Anjos e já tivemos uma reunião", explica Beth. O curador que agora está no comando da Bienal já foi diretor do Mamam e é creditado como um dos grandes responsáveis por colocar o museu no circuito nacional. "Na época de Moacir, o museu fez ótimas aquisições para o acervo, que, aliás, ele começou a organizar", complementa.
Enquanto a itinerância da Bienal não sai, a expectativa é que o museu consiga movimentar o cenário das artes plásticas na cidade e ser reinserido no cotidiano cultural da população. "A reabertura de um museu é muito problemática, o prejuízo de um fechamento é grande, já que o público deixa de frequentar o local".
Para retomar o processo de formação de espectadores, a primeira exposição do Mamam pós-reforma (mesmo que inacabada) propõe a participação do visitante e um olhar crítico sobre o acervo do museu, que foi adquirido a partir dos anos 1990, mas herdou obras de décadas anteriores.
Contidonãocontido foi dividida em cinco blocos, de acordo com as décadas em que as obras foram produzidas. "A nossa ideia era mostrar a arte produzida em Pernambuco no século 20", explica a curadora Clarissa Diniz, que trabalhou ao lado de Maria do Carmo Nino e do educativo da instituição. "Temos um acervo irregular, que não cobre a historiografia da arte", comenta Maria do Carmo. "Há obras de nomes como João Câmara, Samico, Vicente do Rêgo, mas temos também 110 obras de Luiz Carlos Guilherme, um artista que não é conhecido. Em contrapartida, não temos Montez Magno, Daniel Santiago", pontua Clarissa.
A mostra terá quadros que representam as décadas e uma relação de artistas "não-contidos" na coleção. Caberá ao visitante pesquisar a vida e arte desses que não estão retratados, para ampliar os materiais disponíveis. "Nós teremos um computador, acesso a internet, scanner. Quem souber de um artista que não é representado, pode trazer documentos, materiais de jornais, fotografias das obras", diz Clarissa Diniz.
A mostra tem trabalhos de Cícero Dias, de integrantes da Oficina Guaianazes, como Luciano Pinheiro, de João Câmara, Samico, Gato Félix, da única obra do pintor José Claúdio, um desenho da década de 1950. Nesta noite de abertura da mostra será realizada ainda uma performance idealizada por Carlos Mélo, a única do acervo do museu.
De dois em dois meses, os trabalhos expostos serão modificados, para que várias peças do acervo (que possui 1.100 obras) possam ser vistas pelo público.
Além da exposição Contidonãocontido, o Aquário Hélio Oiticica (na entrada do prédio, pela Rua da União - antes só utilizada por funcionários, agora aberta ao público) recebe documentos, cartas, que tratam da visita de Oiticica ao Recife, em 1979, um ano antes do artista falecer. "Foi uma das únicas cidades onde ele apresentou os parangolés", explica Beth da Matta.
Capítulos de uma reforma por Pollyanna Diniz, Diário de Pernambuco
Matéria de Pollyanna Diniz originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 17 de março de 2010.
O Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), na Rua da Aurora, reabre hoje, às 19h, ao público. Mas a verdadeira novela da sua reforma, que dura mais de dois anos, ainda não acabou. Desde o dia 13 de janeiro de 2008, o museu estava fechado - e, mesmo assim, apenas o térreo do prédio será entregue à população da cidade.
Para fazer um resumo dos capítulos: durante mais de um ano, o museu gerenciado pela Prefeitura do Recife ficou fechado, mas as reformas simplesmente não aconteciam; noutros cinco meses, o museu esteve sem direção. "Quando cheguei encontrei uma reforma inacabada e processos muito confusos. A conversa era que a estrutura do prédio, a fachada iriam cair", explica a diretora Beth da Matta. Sem tragédias novelescas, técnicos realizaram avaliações, tiraram cupins, refizeram instalações elétricas e hidráulicas. Uma reforma que custou R$ 404 mil aos cofres públicos.
No mês de setembro do ano passado, tudo parecia finalmente pronto para a reinauguração, mas como nas tramas de Gilberto Braga, mais uma reviravolta: houve um problema na licitação da empresa que fazia manutenção no prédio, o que, naturalmente, impedia a reabertura."Era um contrato de um valor pequeno, cerca de R$ 15 mil, mas a gente não poderia reabrir", complementa a diretora.
Depois de tanto tempo, o público já pedia capítulos mais decisivos. Por isso, mesmo pela metade, o prédio será reaberto. Para a novela finalmente chegar ao fim parece que ainda falta muito. "Estamos esperando que o deputado Fernando Ferro (PT) apresente uma emenda parlamentar para conseguir a liberação de verba de R$ 300 mil para que as obras sejam concluídas", complementa a diretora.
Com esse dinheiro que seria liberado, o projeto de acessibilidade poderia ser concluído (foram instaladas rampas e os banheiros estão adaptados, mas o elevador ainda não está instalado), além de uma revisão e manutenção do acervo, a climatização da sala do acervo tridimensional e ainda manutenções no ar-condicionado da biblioteca e doauditório. "É o que a gente pode fazer dentro do sistema, de uma instituição pública. É jogo de cintura. Mas o ano do Mamam ainda não é 2010. É 2011".
Principais mostras
1997
Goya
1998
Basquiat
Gilvan Samico: 40 anos de gravura
Suite Vollard, de Picasso
2000
Auguste Rodin
2001
Geografia do Brasil, de Cildo Meireles
Ver é crer, de Vik Muniz
2002
Adoração, de Nelson Leirner
Azul e Preto e branco, de Alice Vinagre
Heteróclicos enquanto campo de ação, de Oriana Duarte
O país inventado, de Antonio Dias
2003
Brígida Baltar, Carlos Mélo, Carmela Gross, José Paulo e Sandra Cinto
Poética da distância, de Carlos Fajardo
2004
Marcelo Silveira
Emannuel Nassar
Iberê Camargo: diante da pintura
José Rufino, Jorge Molder e Oswaldo Goeldi
2005
O outro lado do Rio, de Gilvan Samico
Daniel Senise, Delson Uchôa e Eudes Mota
2006
Ronsângela Rennó
João Câmara
Vicente do Rego Monteiro
Acácio Gil Borsoi
2007
Estética da periferia: Diálogos urgentes
Fluxus (coleção de Paulo Bruscky)
Acervo em perigo por Pollyanna Diniz, Diário de Pernambuco
Matéria de Pollyanna Diniz originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 18 de março de 2010.
Quando o carro adentra o portão, o motorista solta a pergunta: "Este prédio está meio abandonado, né?". A resposta não é tão simples. O Museu Murillo La Greca, no bairro de Parnamirim, foi criado em 1985 para abrigar toda a coleção doada pelo pintor pernambucano à Prefeitura do Recife, mas hoje trabalha com estrutura precária, parcos recursos e falta de interesse governamental. Só para se ter ideia, o orçamento para projetos, exposições, cursos e oficinas (inclusive com a comunidade da Vila do Vintém, que fica no entorno do prédio) que devem ser realizados pelo museu este ano é de R$ 41,5 mil, quantia considerada mínima para quem trabalha com arte.
Desde dezembro do ano passado, o museu abriga a exposição [entre modernidades], trazendo à tona a obra do artista que dá nome à instituição e pretendendo traçar um paralelo entre as pesquisas modernistas desenvolvidas no Brasil e em Pernambuco a partir da década de 20 com os trabalhos de La Greca.
Para esse fim, além do acervo do museu, três obras foram 'emprestadas' pelo Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães (Mamam), que reabriu ao público ontem: Diana (Vicente do Rego Monteiro), A feira (Batltasar da Câmara) e Violon Couché (Louis Marcoussis). O problema é que, as obras, fundamentais no conceito da mostra, ficaram expostas durante 20 dias. Depois, tiveram que deixar o espaço. O motivo? Falta de segurança.
"A tela de Vicente do Rego é uma das mais caras do acervo do Mamam e nós não tínhamos como nos responsabilizar. No início da mostra, a segurança aumentou, mas depois tudo voltou ao que era antes", explica o diretor do museu, Bitú Cassundé. A segurança no Murillo La Greca é realizada por dois guardas municipais desarmados. Um deles fica durante o dia, o outro à noite. O detalhe é que, no acervo do museu, estão cerca de 1.300 desenhos, 300 pinturas e ainda mobiliário de um dos mais importantes artistas pernambucanos.
A forma como esse acervo está guardado também é problemática. Na reserva técnica, uma sala trancada à chave, parece que tudo está entulhado. Há quadros de tamanhos maiores encostados na parede, outros dispostos pelo espaço dividido ainda com mobiliário (que também é utilizado na sala de administração). A reserva não tem, por exemplo, um ar-condicionado e o equipamento que controle a umidade do local.
"Inicialmente precisamos fazer uma adequação física, retirar o mobiliário e depois fazer uma restauração dos materiais", explica Cassundé. Beth da Matta, que agora dirige o Mamam, foi responsável pelo Murillo La Greca por quatro anos e conta que a situação já foi ainda pior. "Nós não sabíamos nem quais eram os materiais. Conseguimos cuidar dos papéis, colocá-los em papel neutro, ganhamos duas mapotecas. Não estou dizendo que é o ideal. É o caos", comenta.
Diante de tantos problemas, a visitação é só mais um deles. No mês de fevereiro, contando com alunos de escolas, a frequência foi de cerca de 60 pessoas. "Isso é muito relativo. Mas às vezes numa tarde inteira não vem ninguém", explica um dos mediadores do museu, Daniel Uchôa. "As escolas municipais reclamam que falta ônibus para trazer os alunos", comenta Cassundé.
Arte contemporânea - Além de sua importância para a continuidade das pesquisas e recortes sobre a obra de La Greca, o museu tem uma vocação para as artes plásticas contemporâneas. O projeto Amplificadores, criado há cinco anos, seleciona através de edital nacional três projetos de curadoria de exposições coletivas que movimentam a pauta de exposições. Para realizar as mostras, os organizadores têm uma verba de R$ 4 mil - o que, às vezes, não custeia nem as passagens e hospedagem dos artistas. "Estamos tentando algumas parcerias, para que esse valor seja maior", adianta o diretor.
O edital do projeto deve ser lançado em abril e a primeira exposição está prevista para junho. Além do Amplificadores, deve ser lançada uma bolsa de pesquisa para estudos sobre a obra de La Greca. "Precisamos trabalhar a obra deste artista, mas dialogando com a arte contemporânea", avalia Bitú Cassundé. Nesse sentido, o diretor pretende construir uma galeria no quintal do museu, com espaço para que as produções contemporâneas possam ser realizadas lá. Boas ideias e intenções, mas que esbarram na falta de recursos e na morosidade do poder público.
Portas fechadas o ano inteiro por Pollyanna Diniz, Diário de Pernambuco
Matéria de Pollyanna Diniz originalmente publicada no Caderno Viver do Diário de Pernambuco em 18 de março de 2010.
Desde o último dia 9, o Museu da Cidade do Recife, no Forte das Cinco Pontas, está de portas fechadas. A decisão pareceu tão inesperada que alguns eventos até já estavam marcados para acontecer no local, como a comemoração do aniversário do Recife na semana passada. Depois de cumpridos os compromissos, o museu fechou definitivamente. Vai passar por uma reforma que deve durar o ano inteiro.
Na realidade, não é a primeira vez que o museu é fechado. Ano passado, em agosto, o prefeito do Recife João da Costa e o então secretário de Turismo de Pernambuco, Sílvio Costa Filho, assinaram a ordem de serviço para dar início às obras de requalificação do museu. Em setembro, a instituição foi fechada para que a reforma começasse. Só que, com a mudança de secretariado no governo do estado, as obras não foram iniciadas e o museu permaneceu inacessível ao público até o início de janeiro, quando a casa reabriu de maneira improvisada, provisoriamente.
Os impasses burocráticos só foram resolvidos agora, o que motivou o fechamento repentino. "Tivemos esse atraso e como era período de férias, reabrimos. Nós até gostaríamos de fazer uma reforma com o museu aberto ao público, mas isso não é possível por conta do risco de acidentes", explica a diretora Betânia Correia.
A reforma que vai custar R$ 2,7 milhões (recursos do Programa de Desenvolvimento do Turismo do Nordeste - Prodetur II) deve garantir climatização, restauro das cantarias, iluminação, estacionamento, requalificação dos espaços e acessibilidade. Enquanto isso, a restauração de mapas, por exemplo, está sendo feita no mesmo local onde funcionava o auditório e onde está a administração. Também deve ser concluída a digitalização do acervo e iniciada a catalogação.
Desde janeiro, o público que visitava o Museu da Cidade do Recife tinha acesso apenas a uma sala que abrigava a exposição de fotos antigas, imagens do Recife do tempo dos holandeses, um sino da Igreja dos Martírios. O restante já tinha sido guardado na reserva técnica, aguardando a reforma. "Já que o museu não tinha muito a oferecer, a nossa participação era importante, a questão falada", explica o mediador Kalhil Gibran. O museu é muito voltado aos turistas, mas também ao público infantil. "É muito importante a participação das escolas. Não existe cidade turística se o próprio habitante não conhece", pontua a diretora.
Enquanto a visitação não recomeça, apenas os pesquisadores têm acesso à biblioteca da instituição, que tem um importante acervo iconográfico com fotografias, mapas, negativos em vidro e livros sobre a história do Recife. "Para que os trabalhos não sejam paralisados completamente, vamos fazer o programa Museu Fora de Portas", adianta Betânia. Trata-se de uma exposição itinerante que será montada na Galeria do Minc, na Rua do Bom Jesus, sobre Pelópidas Silveira.
Resultado final da II CNC, cultura.gov.br
Resultado final da II CNC
Matéria originalmente publicada no sítio do Ministério da Cultura em 15 de março de 2010.
Delegados elegem 32 prioridades que nortearão as políticas públicas para a Cultura
Após três dias de debates, os participantes da II Conferência Nacional de Cultura (II CNC), realizada em Brasília, de 11 a 14 de março, elegeram as 32 prioridades e as 95 prioridades setoriais que nortearão as políticas públicas para o setor.
Presente ao Centro de Convenções e Eventos Brasil 21 durante os trabalhos na tarde deste domingo, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, reafirmou o grande mérito da Conferência: promover o acesso de todos à discussão e formulação das políticas públicas. “A democracia e a inclusão têm sido uma grande preocupação do governo e do Ministério da Cultura”.
As prioridades eleitas serão tratadas uma a uma, de acordo com sua natureza. Algumas poderão servir para incrementar políticas públicas já existentes, outras devem se transformar em projetos de lei para envio ao Congresso Nacional ou, ainda, integrarem ações interministeriais de estimulo a áreas afins, como cultura e educação, por exemplo.
“Esse é um momento de afirmação da cultura. Esse tema não será mais subalterno. Claro que todas as outras pastas são importantes, mas nada se realiza sem cultura”, afirmou Juca Ferreira, ressaltando que neste ano o Ministério terá orçamento recorde, o equivalente a 1% do total de impostos arrecadados pela União.
Ao todo, foram analisadas 347 propostas dentre as quais artistas, produtores culturais, investidores, gestores e representantes da sociedade de todos os setores da cultura e de todos os estados do País. Dos 883 delegados credenciados, 851 votaram por meio de cédulas nas propostas prioritárias.
Entre os destaques estão a formalização do trabalho na cultura, o incentivo ao ensino de arte nas escolas, o reconhecimento de um “custo amazônico” como fator que onera as iniciativas culturais devido a questões geográficas e logísticas da região, a ser incluído em editais de novos projetos, promover a ampliação do acesso a Internet e a necessidade de reformulação da Lei de Direitos Autorais.
A aprovação do marco regulatório da Cultura, que já tramita no Congresso Nacional, foi a proposta mais votada (754 votos). O marco é composto principalmente pelo Sistema Nacional de Cultura (SNC), Plano Nacional de Cultura (PNC) e proposta de emenda constitucional (PEC) 150/2003, que vincula à Cultura 2% da receita federal, 1,5% das estaduais e 1% das municipais. A proposta também explicita o apoio à aprovação do Programa de Fomento e Incentivo à Cultura (Procultura), que atualiza a Lei Rouanet.
“A Conferência aponta a urgência de se construir um marco regulatório para a cultura brasileira. É uma demanda legítima da sociedade, que prioriza a agenda cultural em todas as esferas de governo. É um grande passo para fortalecermos definitivamente a importância das políticas culturais para o desenvolvimento sustentável do país”, explicou a coordenadora executiva da II CNC, Silvana Meireles.
Os debates da II Conferência Nacional de Cultura seguiram cinco eixos temáticos: Produção Simbólica e Diversidade Cultural; Cultura, Cidade e Cidadania; Cultura e Desenvolvimento Sustentável; Cultura e Economia Criativa; Gestão e Institucionalidade da Cultura.
Moções
A Plenária Final aprovou 31 das 38 moções que serão encaminhadas eincluídas nos anais da Conferência. Confira aqui as moções aprovadas.
Pré-Conferências
Todos os estados realizaram suas conferências, elegendo 743 delegados ao todo. Mais de 200 mil pessoas estiveram diretamente envolvidas nas etapas estaduais e municipais. Novidade nesta edição, as conferências setoriais – 19 no total - tiveram 3.193 inscrições de candidatos a delegados. Além de deliberar, esses encontros têm o objetivo de estimular a criação e o fortalecimento de redes de agentes e instituições culturais do País. Confira as 95 propostas setoriais: por Eixo e por Setor.
I CNC
Em sua primeira edição, em 2005, 1.192 municípios realizaram conferências, o que representou 21,42% do total das cidades brasileiras. Nesta segunda Conferência, nas etapas municipais e estaduais, observou-se um significativo avanço no processo participativo, uma vez que, de agosto a outubro de 2009, aconteceram 3.071 reuniões, ou seja, mais da metade do total dos municípios do País estiveram envolvidos.
Confira todas as 32 propostas prioritárias.
Saiba mais sobre a II CNC: blogscultura.gov.br/cnc.
março 16, 2010
Intervenção de Srur contra vacas da CowParade dura sete horas na av. Paulista por Fernanda Ezabella, Folha de S. Paulo
Matéria de Fernanda Ezabella originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 16 de março de 2010.
O touro Bandido, famoso pela aparição em novela e morto há um ano, voltou em forma de projeto artístico para uma manifestação contra as vacas da CowParade, evento importado da Suíça que acontece em São Paulo.
Dois touros feitos de isopor, semelhantes a Bandido, foram montados em duas vacas de resina na madrugada de ontem, uma delas entre a av. Faria Lima e a av. Cidade Jardim, num posto de gasolina que é o principal patrocinador da parada bovina, e outra na avenida Paulista.
"Os organizadores vendem essas vacas como arte pública e eu quero discutir isso", disse o artista por trás da intervenção, Eduardo Srur, 36, conhecido pelas garrafas plásticas gigantescas instaladas no rio Tietê. "O Bandido representa o imaginário brasileiro, é indomável. É como uma inseminação artística nessas vacas, objetos estéreis, sem relação com o Brasil."
Ao contrário do trabalho no rio, os touros não eram autorizados e foram retirados de manhã pela CowParade. As vacas não foram danificadas, segundo a assessora de imprensa.
Cada uma das mais de 70 vacas custa cerca de R$ 40 mil e será leiloada em abril para entidades beneficentes. Vinte vacas tiveram de sair das ruas na semana passada por fazerem alusão direta a marcas patrocinadoras.
Museu deixa só mulheres no acervo por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 16 de março de 2010.
Em cartazes que pregaram nos ônibus de Nova York nos anos 80, o coletivo Guerrilla Girls perguntava se as mulheres tinham de ficar peladas para entrar no museu. Acresecentavam os dados da coleção do Metropolitan: só 5% dos artistas no acervo eram mulheres e 85% das mulheres retratadas nas obras apareciam nuas.
Agora o Centre Georges Pompidou, em Paris, dá a resposta. Não, elas não precisam ficar peladas, talvez sofrer um pouco em performances, pegar em armas e ganhar terreno no campo da abstração.
Num gesto radical, o museu parisiense reformulou a disposição de seu acervo. Retirou obras de todos os artistas homens e encheu todo o quarto andar só com trabalhos de mulheres, entre eles o pôster das Guerrilla Girls.
Nessa primeira ala um tanto militante do novo recorte, está também um dos quadros de Niki de Saint Phalle em que descarrega balas de um revólver sobre a composição.
Mais adiante, Orlan, a performer conhecida por se desfigurar em cirurgias plásticas, aparece em registros de suas ações no próprio Pompidou -numa delas, beijava os visitantes por cinco francos.
A performance em que Valie Export entrou nua num cinema pornô armada com uma metralhadora também orienta um núcleo da mostra sobre a dimensão do corpo na obra das artistas mulheres.
Ana Mendieta está num vídeo em que mata uma galinha, Marina Abramovic se descabela em cena e Gina Pane corta os pés e as mãos subindo uma escada feita de farpas metálicas.
Só depois é a que dor cede espaço à angústia imaterial. Nan Goldin escancara a intimidade em cenas de êxtase e felicidade condenadas ao passado.
Na última sala, Dominique Gonzalez-Foerster documenta sua visita a um parque vazio de Taipé e perde o mapa da cidade, que aparece depois encharcado na chuva. Aponta um novo rumo para a arte do sexo nada frágil.
Paris recebe mostra de Lucian Freud por Alcino Leite Neto, Folha de S. Paulo
Matéria de Alcino Leite Neto originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 15 de março de 2010.
Considerado o maior pintor vivo, artista britânico é tema de exposição com 55 telas no Centre Georges Pompidou
Mostra é a primeira grande do neto de Sigmund Freud na França em 22 anos; foco é a experiência do ateliê na obra do artista britânico
Para uma parte da crítica, ele é o maior pintor em atividade no mundo. Para outra, não passa de um acadêmico consagrado. Para o mercado de arte, sua obra é uma mina de ouro. Para os museus, trata-se de um sucesso garantido de público, como se vê nas salas lotadas de "Lucian Freud - O Ateliê", aberta na última quinta em Paris, no Centre Georges Pompidou.
É a primeira grande mostra de Freud na França em 22 anos. Com curadoria de Cécile Debray, reúne 55 telas, algumas consideradas obras-primas, e a maioria pertencente a coleções particulares, o que torna a exibição (que vai até 21/7) ainda mais atrativa. Dela consta o quadro "Benefits Supervisor Sleeping", arrematada há dois anos por US$ 33 milhões (R$ 58 milhões) -um recorde para um artista vivo.
Neto do fundador da psicanálise, Lucian Freud nasceu em Berlim, em 1922. Sua família migrou para a Grã-Bretanha em 1934, e ele se naturalizou inglês em 1939, o mesmo ano da morte do avô Sigmund. Começou a estudar artes bastante jovem, mas foi o encontro com Francis Bacon, em 1945, que libertou a sua pintura das convenções que a dominavam.
Como ocorreu com Bacon e outros nomes da "escola de Londres", Freud passou, a partir dos anos 60, a pintar quase só no ateliê. Seu método de trabalho é baseado na observação detida do modelo, num processo lento de produção, com quatro ou cinco telas por ano, as quais ele pinta sempre de pé.
Dividida em salas, o foco da mostra é a experiência do ateliê na obra de Freud, o modo como ele transformou tal espaço em seu universo pictórico.
Na primeira, "Interior/ Exterior" predomina o "embate" entre o mundo da rua e o ambiente fechado do ateliê, situado atualmente no bairro Notting Hill. Ali, estão expostas raras paisagens urbanas feitas por Freud, quase hiperrealistas, mostrando terrenos vazios e fundos de prédios.
A sala "Reflexão" agrupa uma série de autorretratos em diferentes épocas, inclusive o famoso "Painter Working, Reflection" (1993), em que ele se pintou nu, aos 71 anos. O isolamento no ateliê transforma o próprio artista em tema crucial e o estimula a refletir sobre a sua relação de poder com o modelo, às vezes com ironia.
As releituras de clássicos que Freud admira, como Cézanne e Chardin, dominam a seção "Retomadas". Mas a sala de maior impacto é "Igual à Carne - Cenografias e Composição", com nus extraordinários que fizeram a fama de Freud.
Os modelos surgem em total entrega ao pintor, tombados em camas ou no chão, gordos, estranhos, desidealizados, dessublimados. As pinceladas firmes e densas acentuam os estragos feitos no corpo pelo tempo e pelo uso. "Eu trabalho a pintura para que ela seja igual à carne", disse o pintor.
É como se, para Freud, a carne fosse o último tema da pintura figurativa, a expressão derradeira do controvertido naturalismo do artista, sobre o qual o próprio amigo Bacon emitiu um dos juízos mais severos: "O problema com a obra de Lucian é que ela é realista sem ser real".
março 15, 2010
"Warhol foi, ao mesmo tempo, um idealista apaixonado e um cínico homem de negócios" por Paula Alzugaray , Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 12 de março de 2010
Confira a entrevista com o curador Philip Larratt-Smith sobre a mostra "Andy Warhol, Mr America", em cartaz na Pinacoteca do Estado de São Paulo, a partir de 20/3
IstoÉ - Qual o objetivo da exposição “Andy Warhol, Mr. America”: apresentar a amplitude da produção do artista durante a década de 60 ou focar em aspectos específicos de seu trabalho?
Larratt-Smith - “Andy Warhol, Mr. America” explora as intersecções da cultura popular e política dos EUA no trabalho de Warhol. Em sua vida e em sua obra, o artista encarnou o sonho Americano em sua lógica subjacente e em suas contradições internas. Ele foi, ao mesmo tempo, um idealista apaixonado e um cínico homem de negócios.
O título da mostra se refere às competições de halterofilismo que costumavam acontecer na Costa Oeste do país. Havia uma propaganda que prometia transformar um fracote de 44 kg em um homem-músculo, um herói que poderia recuperar sua garota perdida para o grandalhão. Warhol gostava de dizer que ele tinha um “problema” com os códigos estabelecidos da cultura gay. Ele não era atraente, tinha baixa estatura, a pele feia e começou a ficar careca cedo. Filho de imigrantes do Leste Europeu, ele era originário da classe trabalhadora e cresceu em uma vizinhança que parecia ter sido tele-transportada do meio da Eslováquia. Para conseguir se estabelecer na América, teve de encontrar uma maneira de converter suas fraquezas em força. Essa mostra conta a história de como Warhol alcançou status na sociedade americana e como ele viveu sua versão excêntrica do sonho Americano.
Os anos 1960 foram o momento em que ele executou suas descobertas e gestos mais radicais. Por isso, “Mr. América” dá ênfase a esse período. Trabalhos icônicos como as “Jackies” e “Marilyns” são justapostos aos trabalhos menos conhecidos, como seu portfólio de gravuras (“Flash”, 1968) sobre o assassinato do presidente Kennedy ou os filmes “Empire” e “Blow Job”. No entanto, a lista de obras para a mostra inclui obras recentes, como as magníficas e camufladas “Self-Portrait” (1986), e o último trabalho realizado pelo artista, a gravura “Moonwalk” (1987).
IstoÉ - É notória, na produção da década de 1960, uma proximidade dialética entre glamour e tragédia. Sabe-se que por detrás das pinturas das Marylins, Jaquelines e Elizabeths há histórias dramáticas. Como esses aspectos (e o próprio engajamento do artista com a morte) aparecem nessa exposição?
Larratt-Smith - Você está certa em dizer que o conhecimento das tristes realidades que estão por detrás da vida de Marilyn Monroe – o abuso de drogas, a vida amorosa conturbada, e outros fracassos pessoais – dão às imagens de Warhol uma compleição patética e trágica. De fato, estes acontecimentos são parte da identificação apaixonada e intensa do artista por Monroe (também com Liz Taylor e Jackie Kennedy). Claro, Warhol era um devoto de Hollywood e sempre adorou o pano de fundo, as fofocas, os furos de reportagem. Ele era fascinado pelo investimento emocional do público nessas personalidades do show business. A idéia de que um filme poderia se tornar um grande sucesso apenas pela presença de Marilyn Monroe o atraía fortemente. A partir dessa lógica, conduziu filmes em seu estúdio-atelier, a Factory (1965), e elegeu a socialite Edie Sedgwick como sua estrela. Como Liz e Marilyn, Edie tinha o que hoje chamamos de uma “bagagem de peso”: ela tinha questões emocionais e psicológicas complicadas que a acompanhavam e, eventualmente, a levaram à sua trágica e prematura morte. Apesar disso, foi por essas mesmas questões que atuava tão livremente em frente às câmeras. Nos filmes, ela tinha o “It”, aquela mistura indefinível e incontável de características que faziam dela uma estrela nata. E na visão de Warhol, se você tivesse “It”, você não necessitaria de mais nada.
Warhol amava as imagens construídas de Hollywood, precisamente, porque elas eram dissimuladas. Certa vez, comentou que preferia o artificial ao real. A beleza é um dom natural e pode ser cultivada, porém não melhorada. Da mesma forma considerava que o glamour poderia ser adquirido, conferido, comprado e vendido. Esse tipo de alquimia era o que buscava: celebridade no sentido de proximidade, ou puramente a promoção de objetos de valor de troca. Dessa forma, seus materiais de trabalho foram sempre os ícones, alvo de milhões de olhos e, ao mesmo tempo, uma tela branca para a projeção da fantasia do público. No nível psicológico, o ícone possui um tremendo valor de uso como instrumento que ensina ao sujeito a estabelecer as coordenadas de seu próprio desejo. De maneira dialética, os trabalhos de Warhol englobam as polaridades entre realismo e idealismo. As pinturas em silk-screen de Jackie, por exemplo, são pinturas figurativas escorregadias porque são baseadas em fotografias que o artista encontrou em revistas, jornais (aqui entram os readymades de Duchamp). A função indexada da fotografia, o fato de o fotógrafo estar na cena do acidente ou do suicídio, aumenta o senso de realidade.
IstoÉ - Warhol agia de forma dialética na vida artística e pessoal, na medida em que era ao mesmo tempo um “artista comercial” (como designer gráfico e ilustrador) e “artista underground” (como realizador de filmes)?
Larratt-Smith - Em sua vida, ele certamente transitou entre uma extrema auto-exposição e uma reticência radical. Ele viveu de maneira insistentemente pública e ao mesmo tempo privada. Apesar de a Factory ser o estúdio-atelier mais famoso e boêmio, isso também permitiu a Warhol manter sua vida privada separada. Poucos freqüentadores do lugar sabiam onde ele e sua mãe viviam. Há algo de o “Grande Gatsby” no seu desejo em dar festas e manter uma distância segura, enquanto as pessoas ao redor bebiam, se drogavam e transavam no banheiro. Seus filmes revelam que ele era um voyeur assumido. A aproximação, o envolvimento pessoal ou a perda de controle ameaçavam sua sensação de segurança.
Warhol era o mais bem sucedido ilustrador comercial de Nova Iorque nos anos 1950 e continuou a fazer trabalhos comerciais até 1964 para subsidiar seus primeiros trabalhos Pop. Alguns podem argumentar que todos os seus trabalhos de arte são extensões das estratégias e estilos de suas ilustrações comerciais, e que ele meramente aplicava as idéias da moda ao contexto dos filmes e da pintura. Sua atitude em relação ao dinheiro era de devoção e mistificação; ele nunca compartilhou da premissa burguesa de que o dinheiro corrompe ou prejudica a arte: ele colocava o dedo na ferida ao sustentar que a economia do gosto tinha a ver com o sucesso. Como bom proletário, não compartilhou com a classe média a descrença nos ricos e famosos; com sua visão experiente de mundo, ele não tinha paciência para os sermões hipócritas da burguesia sobre os males da riqueza nem para a esquerda modista e política da cultura hippie. O que Warhol queria era curtir a festa e as implicações políticas que fossem às favas.
Sobre sua relação com o underground, eu tendo a pensar que ele foi uma das figuras-chave na vida cultural Americana que trouxeram o underground ao mainstream. Em 1963, quando começou a fazer filmes, o filme de Jack Smith, “Flamming Creatures”, havia sido apreendido; homossexuais e travestis eram ocultados pela mídia (veja: “Quanto mais quente melhor”, 1959) ou ignorados. Quando o filme “Cowboy da Meia Noite” (1969) saiu, e também “O Último Tango em Paris” (1972), com cenas explícitas de sexo inimagináveis uma década antes, Warhol já era uma figura libertadora. Ele foi um profeta de nossa era de Youtubes, Facebooks, Twitters e American Indols.
IstoÉ - No texto do catálogo, você escreve que Warhol entendeu a importância da renovação das embalagens de um produto, especialmente se o produto fosse ele mesmo. Quantas versões do artista poderão ser vistas nessa exposição?
Larratt-Smith - Ao longo de sua carreira, Warhol tinha um olho afinado para o que estivesse prestes a se tornar popular, e ele não se intimidava, ao associar-se com artistas mais novos como Jean-Michel Basquiat ou Keith Haring, nos anos 1980, nem quando apropriava de idéias do cinema underground ou de seus predecessores Pop nos anos 1960. Se nos anos 1960 ele se cercava de freaks para atrair a mídia e brincava com os papéis marginais da sociedade, nos anos 1970 (justamente quando a contracultura estava no ápice) ele se converteu em um homem de negócios (um artista de negócios) e participante hedonista do jet set. Conviveu e fez auto-retratos de estrelas do rock, aristocratas entediados, ditadores e novos ricos. Nos anos 1980 ele se remodelou como um velho mestre e cultivou uma geração de jovens admiradores. Warhol tinha o hábito inquietante de utilizar a fama dos outros, por meio de osmose, e tornar-se famoso em conseqüência.
No léxico da ecologia, Warhol é comparável a uma fonte renovável e infinita. Tendo atingido um status icônico, ele também se tornou uma tela branca que está aberta para a projeção dos sonhos e fantasias dos outros. Certo crítico considera-o um crypto-marxista, cuja reprodução mecânica problematiza o status do trabalho de arte como um objeto único de valor estético. Outro vê sua “fábrica” – linha de produção de arte – como reflexo do credo americano de que quanto mais, melhor. Ele transcendeu barreiras da arte e fez-se famoso e celebrado nos mundos do cinema, rock, negócios e publicidade. O que o público vê nos trabalhos de Warhol é na verdade um auto-reflexo, como as pinturas de Rorschach que o artista realizou no fim da carreira. “Mr.America” consiste em 26 pinturas, 50 gravuras, 40 trabalhos em fotografia, 2 instalações e 43 filmes. Deste modo, a mostra apresenta uma retrospectiva dos aspectos mais importantes da carreira do artista. A reinvenção está no coração do sonho americano, e nenhum artista do período pós-guerra reinventou a si mesmo mais do que Andy Warhol.
Conto de fadas americano por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 12 de março de 2010
Exposição mostra como Andy Warhol inventou uma estética a partir de sua visão excêntrica da sociedade de consumo
Era uma vez um patinho feio. Filho de trabalhadores imigrantes do Leste Europeu e criado na periferia de Pittsburgh, na Pensilvânia, durante a grande depressão americana, Andrew Warhola – nome de batismo de Andy Warhol (1928-1987) – foi um garoto franzino e sem- graça que acabou protagonizando o conto de fadas mais imprevisível de todos os tempos. Depois de se consolidar como um bem- sucedido ilustrador comercial na Nova York dos anos 50, de ajudar a vender muito sapato e de entender a importância de renovar a embalagem de um produto, ele assimilou que poderia não apenas reinventar a si mesmo como alterar o rumo da arte contemporânea. “Para ‘fazer a América’, ele teve que encontrar uma forma de converter sua fraqueza em força”, diz Philip Larratt- Smith, curador da mostra “Andy Warhol, Mr. America”, que depois de fazer 200 mil espectadores no Malba, de Buenos Aires, traz para a Pinacoteca de São Paulo cerca de 170 obras do mais célebre e festejado dos artistas pop.
“A exposição conta a história de como Warhol ganhou presença na sociedade americana e sustentou sua própria e excêntrica versão do sonho americano”, diz o curador. Vinte e seis pinturas, 50 serigrafias, 40 fotografias, duas instalações e 43 filmes apresentam a produção exuberante e multimidiática com que Andy Warhol irrompe no fechado circuito das belas artes americanas dos anos 1960, então bastante viciado nas questões formalistas do expressionismo abstrato. Esses são os anos mais radicais de Warhol, em que ele explora as imagens icônicas das estrelas de cinema e de sucessos comerciais, como a lata da sopa Campbell’s e o sabão em pó Brillo, ao mesmo tempo que expõe as mazelas e os avessos da sociedade de consumo. Amante confesso das imagens construídas de Hollywood, Warhol declarou preferir o artificial ao real e ajudou a construir o que hoje conhecemos como a “cultura da celebridade”.
No entanto, as obras expostas na Pinacoteca nos levam a suspeitar que há muito mais por trás de seus retratos de celebridades do que o artista nos faz crer em uma de suas máximas: “Se você quiser saber tudo sobre Andy Warhol, veja a superfície das minhas pinturas. Não há nada atrás.” Quem vê as pinturas da série “Death and Disaster”, que reproduzem imagens jornalísticas de suicídios, acidentes automobilísticos, confrontos raciais e criminosos condenados à cadeira elétrica, precisa saber que também há uma bagagem dramática por trás da fachada glamourosa das estrelas. Afinal, a série de retratos de Jacqueline Kennedy apresenta as expressões de alegria e tristeza flagradas por fotojornalistas no rosto da então primeira-dama dos EUA, no ano do assassinato de John Kennedy.
Quando, em 1967, Warhol se apropria da imagem de divulgação de Marilyn no filme “Torrente de Paixão”, de 1953, a musa está longe do ápice, experimentando problemas com álcool e drogas, que a levariam à morte. Se, por um lado, Warhol foi “um bom proletário, que não compartilhou com a classe média a descrença nos ricos e famosos”, segundo o curador Larratt-Smith –, por outro, foi o artista que atentou para a sombra da imagem, para o que poderíamos chamar de “o lado negro do consumo”, ou o avesso do sonho americano. A exposição mostra como Warhol foi, ao mesmo tempo, um calculista homem de negócios e um idealista passional.
Na sociedade que ele inventou e divulgou para o mundo a partir de sua The Factory – ateliê, estúdio de filmes e ponto das festas mais quentes da cidade –, eram consideradas celebridades tanto aristocratas, socialites e outras estrelas da sociedade de consumo quanto as drag queens, os roqueiros, os gays, os drogados, os artistas underground, os desajustados, os personagens da contracultura. “Por essa relação com o underground, tendo a pensar que Warhol foi uma figura-chave, que elevou o underground ao mainstream da cultura americana”, afirma Larratt-Smith.
"Tinta Fresca" na Mariana Moura por Isabelle Barros, Folha de Pernambuco
Matéria de Isabelle Barros originalmente publicada na Folha de Pernambuco em 15 de março de 2010.
Fazer um recorte da produção de artes plásticas que chama a atenção do mercado do eixo Rio/São Paulo. É essa a intenção da mostra "Tinta Fresca", em cartaz a partir de hoje na Galeria Mariana Moura. Foi a própria galerista que esteve à frente da escolha das obras, e a opção de escolher artistas jovens, por volta dos 30 anos, com foco na pintura e crescente penetração no circuito comercial, também foi classificada pela marchande como uma "alternativa de investimento para o futuro por parte dos colecionadores". No total, foram oito os selecionados: Ana Elisa Egreja (SP), Bruno Miguel (RJ), Bruno Vilela (PE), Marina Rheinganz (SP), Renata de Bonis (SP), Rodolpho Parigi (SP), Rodrigo Bivar (DF/SP), Tatiana Blass (SP).
É a primeira vez que todos esses artistas se juntam em uma só exposição, e também é difícil ver pontos de contato entre obras tão diversas. Tendo a pintura como maior condutora, se exploram os mais variados temas: o retrato, mas de forma mais "esquisita", com enquadramentos fora do usual, incluindo desde cores mais frias e sóbrias e composições cuja perspectiva é quase infantil, evocando um plano de memória. O suporte agora tem um revival de mercado e cada vez mais jovens pintores engajados em recuperar uma perícia técnica pouco explorada nos últimos anos.
O pernambucano Bruno Vilela, por exemplo, traz o desejo e o erotismo em sua nova série, com um exemplar em exposição na galeria. Por outro lado, isso também convive com a exploração do kitsch feita por um artista como Rodrigo Parigi, cujas pinturas trazem à memória uma saturação de cores e imagens muito semelhantes a um certo conceito de "mau gosto" associado aos anos 1980.
Visita a museu britânico desperta raiva e mea-culpa por Fernanda Mena e Luciana Coelho, Folha de S. Paulo
Matéria de Fernanda Mena e Luciana Coelho originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 15 de março de 2010.
Esculturas, painéis e frisos ocupam maior e mais disputada sala dentre os 95 espaços expositivos da instituição londrina
Visitantes gregos do British Museum reconhecem mérito na preservação dos mármores do Parthenon, mas querem peças de volta
"Você não vai achar um grego que não apoie a volta das peças para seu lugar de origem." A frase dita por um diplomata à Folha é espelho da percepção que ecoa na imprensa grega.
As peças do Parthenon retiradas por lorde Elgin ocupam a sala de número 18 do British Museum. É o maior espaço expositivo do museu, que conta com 95 salas e sete milhões de objetos que remontam a história do homem e da cultura.
"É difícil descrever o que sinto quando entro neste espaço", disse o engenheiro grego Manolis Giakoymogiannakis, 27, em sua primeira visita à sala 18.
"É uma mistura de frustração e raiva. Essa história pertence ao meu país, e deve ser devolvida a nós. Não precisa ser tudo, mas quase tudo."
O engenheiro ateniense já havia visitado o Novo Museu da Acrópoles. "Fica evidente que ali estão faltando muitas peças. É esquisito", afirmou.
O estudante Kyriacos Nicolaou, 22, também defende o retorno das peças à Grécia. Sentado diante dos frisos do templo na sala 18, ele destacou a importância do "sequestro" dos mármores para sua preservação. "Foi bom que as esculturas tenham vindo para cá a fim de serem preservadas. Os ingleses tinham mais recursos para isso." Para ele, no entanto, as peças funcionam hoje como uma grande atração turística.
"O British Museum argumenta que não cobra entrada para visitantes. Mas quantas pessoas vêm ao Reino Unido para ver essa riqueza?"
O museu de Londres recebeu em 2009 mais de 5 milhões de visitantes.
Para Bob Jezzard, 63, membro da Sociedade de Amigos do British Museum, o nível de distribuição dos tesouros históricos deveria ser mais equânime: "Fico pensando quantos tesouros originais do Reino Unido existem aqui no museu".
A professora britânica Honor Beesley, 69, admite que se sente "levemente culpada" ao visitar as peças gregas no museu britânico. "Ainda assim, tenho a impressão de que os mármores ficarão aqui."
Outra peça da coleção do museu que está em disputa é o Cilindro de Ciro. O artefato feito em barro traz registros de decretos do rei Ciro (559-530 a.C.), e o museu vem descumprindo um calendário de empréstimos da peça ao Irã, que rompeu relações com a instituição britânica. O museu alega que novas descobertas sobre a peça impediram seu empréstimo.
Compradores viajam atrás de artistas por Ana Paula Souza, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Souza originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 14 de março de 2010.
Os colecionadores de arte popular têm traços comuns: conhecem, de trás para a frente, a biografia dos artistas e, não raro, percorrem longos quilômetros de terra para conhecer o lugar de onde saem as peças.
Tomar contato com essa produção é conhecer, também, o país que a geografia torna distante. "Se você nasceu com os dois olhos abertos, você se encanta", diz o advogado João Maurício Pinho. "Não entendo por que as pessoas penduram um pano da Birmânia na parede e não uma peça feita por um índio."
Cabe aqui o parêntese. Encaixa-se na definição de arte popular o trabalho indígena - aquele não repetitivo - e também o que as cidades, à margem, produzem. O profeta Gentileza, que escreveu nos viadutos do Rio, é um dos nomes do "Pequeno Dicionário da Arte do Povo Brasileiro", de Lélia Coelho Frota.
Pode-se dizer, ainda assim, que essa arte está quase sempre ligada à natureza e que é mais praticada por homens - Izabel Mendes da Cunha e Zica Bergamin são algumas das exceções. É também a faceta ligada à terra a que mais atrai colecionadores.
O chef Alex Atala, por exemplo, começou a coleção comprando, à toa, peças de índios e caboclos que encontrava em viagens. "Comprava o que achava bonito, mas agora estou entendendo o trabalho do artista, a expressão, a continuidade", diz.
A distinção entre habilidade manual e arte só mesmo o treino do olhar, a intuição e o gosto ensinam. "Para os artistas, aquilo é pura necessidade de expressão. A gente é que diz o que é arte", define César Aché, que tem mais de mil peças. Outros conhecidos colecionadores são Fernão Bracher, João Moreira Salles e Jarbas Vasconcelos.
SP terá museu popular; mostra exibe, a partir de abril, parte do acervo por Ana Paula Souza, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Souza originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 14 de março de 2010.
Enquanto o mercado embala, para consumo, as peças produzidas pelos artistas populares, a prefeitura de São Paulo promete, finalmente, tirar do papel o plano de criação de um museu que se chamará Pavilhão das Culturas Brasileiras. A largada para o projeto será dada no dia 10 de abril, quando será aberta, no antigo prédio da Prodam, no parque Ibirapuera, a mostra "Puras Misturas".
A exposição reunirá parte do acervo do futuro museu - que inclui material colhido durante a Missão de Pesquisas Folclóricas de Mário de Andrade, em 1938 -, mas também peças de designers como os irmãos Campana, de estilistas como Ronaldo Fraga e fotos de Maureen Bisilliat. Nas artes plásticas, os "populares" Artur Pereira, Alcides Pereira dos Santos, João das Alagoas e J. Borges dividirão as paredes com Alex Flemming, Vicente do Rego Monteiro, Leda Catunda e Alberto da Veiga Guignard.
"As categorias popular e erudito não têm mais muita razão de ser", diz Adélia Borges, responsável pelo conceito do museu que terá projeto arquitetônico de Pedro Mendes da Rocha. "Não criei essas interfaces como chamariz ou tática. Essa mostra anuncia a ideia do que será o museu."
Arte popular conquista novo status por Ana Paula Souza, Folha de S. Paulo
Matéria de Ana Paula Souza originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 14 de março de 2010.
Galeristas convidam grifes da arte contemporânea para assinar catálogos; peças representam 15% do volume de leilão
Trazido do interior de Sergipe para vernissage em São Paulo, o escultor Véio é a feição desse movimento que começa a se desenhar
Sandália de couro nos pés, toco de madeira nas mãos, Cícero Alves dos Santos tem os olhos baixos quando a reportagem da Folha chega à galeria Estação, em Pinheiros. Passam-se alguns segundos até que ele erga o rosto e, após uma última talhada no miúdo tronco de imburana, explique: "Se fico parado, fico meio neurótico. Tô sempre fazendo uma coisinha. Desde menino sou assim. Quando tinha 5 anos, trabalhava com cera de abelha e, escondido do meu pai, modelava uns bonequinhos".
É assim, frase ao léu, que Santos, conhecido como Véio, encurta o caminho que leva à origem da chamada arte popular. Feita por autodidatas vindos das camadas simples da população, essa arte, de difícil conceituação, não raro é tomada por artesanato ou, no máximo, como manifestação pitoresca. Naify. Primitiva.
Pois Véio, na última quinta-feira, ao conduzir uma visita guiada seguida de coquetel, começava a desvencilhar-se dessas palavras para saltar para outro verbete: arte. "Era um antigo sonho. Tratar esses artistas como artistas. E ponto", diz a galerista Vilma Eid, artífice do movimento que busca dar novo status à arte popular.
Ela chamou o pintor Paulo Pasta para escrever sobre o ex-cortador de cana José Antonio da Silva (1909-1996), o curador Rodrigo Naves para refletir sobre o escultor sertanejo José Bezerra e Paulo Monteiro para avalizar Véio. "Com essas aproximações, estamos chegando a um novo público."
Seja ou não graças à mão de verniz, a arte popular tem visto os preços subir. Em São Paulo, onde durante muitos anos uma só galeria especializada existia, a Brasiliana, hoje há outras duas: a Estação e a Pontes. "Proporcionalmente, foi a arte mais valorizada nos últimos cinco anos", diz a leiloeira Soraia Cals. Até 2005, essas obras não ouviam o barulho do martelo. Hoje, representam 15% das peças leiloadas. Mas o dinheiro ainda é mínimo.
Mesmo os nomes mais valorizados, como os escultores Vitalino (1909-1963) e G.T.O. (1913-1990) e os pintores Heitor dos Prazeres (1898-1966) e Silva, custam pouquíssimo se comparados à arte dita erudita. Um quadro de Prazeres não ultrapassa os R$ 40 mil. Uma boa peça de Vitalino, o colhedor de algodão que viu seus bonecos partirem das feiras de Caruaru para os salões de arte, sai, no máximo, por R$ 25 mil.
"Há um preconceito em relação à arte feita por quem está na base da pirâmide social", diz Roberto Rugiero, da Brasiliana. "Tanto que, muitas vezes, quem compra essas peças ainda as deixa reservadas à casa de campo. Mas houve um tempo em que não era assim."
Rugiero refere-se ao modernismo e ao desejo de fusão entre popular e erudito. Foram os modernistas que festejaram Silva e Vitalino e se deixaram levar por temas tipicamente populares - basta lembrar dos sambistas de Di Cavalcanti e dos retirantes de Portinari.
"Não consigo pensar em popular ou não popular, e sim em bons e maus pintores", diz Pasta. "O Silva tinha faro para a questão do plano, inteligência do olho, intuição." Parece que o diálogo existente nos anos 1930 e 1940 e depois silenciado volta a sussurrar. "Passamos muito tempo vendo essa arte como pitoresca", diz, numa espécie de mea-culpa, o crítico Rodrigo Naves. "Me parece que a arte contemporânea está cada vez mais acadêmica, repetitiva. Também por isso a originalidade do Zé Bezerra me atraiu."
A galerista Edna Pontes arrisca outra explicação: "A arte popular está sendo beneficiada pela valorização da brasilidade". Rugiero, por sua vez, acha boas as adesões, mas mantém um pé atrás. "A ausência de uma referência crítica dá margem a blefes. Outro risco é transformar o artista em mico de circo e enxergar autenticidade no que é só repetição."
Nuno Ramos, que não havia pousado os olhos sobre arte popular até ser apresentado a Bezerra, gostou do que viu, mas teme generalizações. "Temos que tomar cuidado com o discurso populista do "vamos dar uma chance" ou "olha que história incrível a dele'".
Esse temor estende-se, inclusive, aos artistas. "Tem vezes que só querem que a gente fale que trabalhou na lavoura, essas coisas", diz o pintor Nilson Pimenta que, quando menino, na roça, desenhava em cercas e árvores e hoje vive de arte. "Mas se virem também o que eu pinto, aí já tá bom."
março 8, 2010
História em branco por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Istoé em 5 de março de 2010
Com livro sobre fotografias furtadas da Biblioteca Nacional, Rosângela Rennó contribui para o debate sobre a manutenção do patrimônio cultural
Rosângela Rennó chama a atenção para crimes não resolvidos
Em plena folia do Carnaval 2006, quando o bloco das Carmelitas agitava o bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, quatro homens armados com granadas invadiram o Museu Chácara do Céu, no ponto mais alto do bairro, e levaram telas de Pablo Picasso, Henri Matisse, Salvador Dali e Claude Monet. Até hoje sem solução, o crime está, segundo o FBI, entre os dez maiores roubos de obras de arte do mundo. Alguns meses antes, 946 peças foram furtadas da Divisão de Iconografia da Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Entre elas, 751 fotografias de autores como Marc Ferrez, Juan Gutierrez e Henschel & Benque, doadas por dom Pedro II após a Proclamação da República, em 1889. Passados quatro anos, essa investigação criminal tampouco foi concluída e apenas 101 fotografias foram recuperadas. De acordo com dados do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), há hoje 1.558 bens culturais desaparecidos. Mas, como o Iphan só leva em conta os bens tombados – o que não era o caso das fotos furtadas da FBN –, calcula-se que os números sejam bem mais expressivos.
“Entre 2005 e 2007, houve vários roubos consideráveis. Todos ainda sem solução e milhares de fotos não recuperadas”, afirma a artista Rosângela Rennó, que acaba de editar o livro “2005-510117385-5”, título que se refere ao número do inquérito policial do caso da Biblioteca Nacional. Em vez de reproduzir as imagens que documentavam a capital imperial no século XIX, o livro reproduz apenas os versos das 101 fotografias recuperadas, juntamente com a legenda descritiva de cada imagem que não é mostrada para o leitor. São páginas de imagens “em branco”, que, metaforicamente, remetem ao desaparecimento de boa parte do patrimônio nacional e ao esquecimento a que esse tipo de crime é relegado no Brasil. “Para mim, apontar os brancos e as amnésias é mais interessante que falar em memória”, diz Rosângela, que desde os anos 1980 desenvolve uma obra a partir de imagens descartadas e esquecidas pela sociedade. Seu livro de fotografias em branco ecoa, por exemplo, o documentário “Vera Cruz” (2000), premiado no 13º Festival Internacional de Arte Eletrônica Videobrasil. Baseado na carta escrita por Pero Vaz de Caminha, o projeto se fundamenta na impossibilidade de um documentário sobre o Descobrimento do Brasil: em vez de imagens representativas da história, o espectador tem acesso apenas à imagem de uma película desgastada, que teria sofrido um processo de apagamento.
Diante da inoperância policial em crimes sobre o patrimônio cultural, resta-nos a contribuição de artistas com a verve investigativa de Rosângela. Ela aponta que, alguns meses antes do furto, outro setor da FBN foi vítima de um golpe de outra natureza: do Laboratório de Fotografia e Digitalização da FBN foram furtados os principais discos rígidos dos computadores, nos quais vinham sendo arquivadas todas as reproduções digitais do acervo da Divisão de Iconografia. “Os dois crimes nunca foram oficialmente relacionados. Mas tudo parecia muito bem orquestrado”, afirma. Com uma tiragem infelizmente limitada a 500 exemplares, o livro “2005-510117385-5” foi um dos projetos ganhadores do edital Arte e Patrimônio 2009. Já que todos os exemplares serão doados a bibliotecas brasileiras, é como se parte desse imenso patrimônio perdido nos fosse restituída.
Galeria expõe obras de artista vetadas por família de Oiticica por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 8 de março de 2010.
Venezuelano Jorge Pedro Núñez faz trabalhos com imagens do brasileiro
Um dos artistas selecionados para o polêmico Panorama da Arte Brasileira "sem brasileiros", com curadoria de Adriano Pedrosa, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, no ano passado, não mostrou as obras previstas para a mostra.
O venezuelano Jorge Pedro Núñez apresentaria colagens e fotomontagens que se apropriam de trabalhos de Hélio Oiticica (1937-1980), como os Metaesquemas e as Cosmococas, mas a família de Oiticica não autorizou sua apresentação por considerá-los plágio.
O MAM optou então por não comprar uma briga. No catálogo da mostra, contudo, estará a carta em que Núñez tentou convencer, em vão, os Oiticica a autorizar a exibição. As obras "não autorizadas", além de várias outras que se apropriam de outros artistas, como os quadrados de Josef Albers, estarão expostas, a partir de amanhã, na galeria Luisa Strina.
Apropriação é uma das modalidades mais praticadas na produção contemporânea. Ela pode ser vista nas colagens e gravuras de Rauschenberg, até recentemente em cartaz no Instituto Tomie Ohtake, e mesmo no trabalho de Oiticica, que para criar suas Cosmococas utilizava fotografias, capas de discos, jornais e livros, como "Notations", de John Cage.
Em sua carta, Núñez explica que se trata de uma "homenagem" ao artista e que sua série de Cosmococas foi feita a partir do catálogo "Quasicinemas", da retrospectiva de Hélio Oiticica organizada pelo argentino Carlos Basualdo no New Museum, em Nova York. "Nem consultei a família Oiticica porque acho que esses trabalhos não têm nada a ver com plágio", disse Luisa Strina na montagem da mostra, anteontem. A Folha tentou falar com Cesar Oiticica, mas não obteve resposta. Além de Núñez, Strina apresenta também a série de 12 desenhos do argentino Matías Duville, "Esto Fue Otro Lugar".
Feitos em grande escala e apresentados no térreo da galeria, os desenhos lembram imagens de ficção científica criadas no início do século 20.
Evento terá "terreiros" entre a exposição por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 6 de março de 2010.
Em 1998, com a antropofagia como tema central, o curador Paulo Herkenhoff, da 24ª Bienal de São Paulo, tornou o tema uma referência internacional. Para a 29ª edição, Agnaldo Farias, o cocurador brasileiro da mostra, diz que já encontrou o mote que vai marcar essa Bienal: a noção de terreiro.
"Essa é uma bienal que pretende celebrar a política, mesmo enquanto os políticos a desmoralizam. Não poderíamos organizar uma mostra que fosse simplesmente contemplativa e, por isso, vamos ter seis terreiros, que é o lugar da festa, do sagrado e do profano, como espaços para encontro em meio à exposição", conta Farias.
A ideia surgiu na primeira reunião do time curatorial, a partir da canção de Assis Valente, "Brasil Pandeiro", que se popularizou com os Novos Baianos, e tem o verso "Brasil, esquentai vossos pandeiros, iluminai os terreiros/ que nós queremos sambar". Segundo Farias, "foi no morro que o Oiticica criou os parangolés, e o terreiro é uma construção essencialmente brasileira, o que faz todo sentido para o caráter que queremos dar à mostra".
Assim, no pavilhão do Ibirapuera, em meio à mostra, serão dispostos seis terreiros, cada um organizado por um artista, de acordo com os temas usados na 29ª Bienal. Ernesto Neto, o único até agora confirmado, será o criador do terreiro da "Lembrança e Esquecimento", uma reflexão sobre o papel do monumento. Os demais temas são "Dito, Não Dito e Interdito", uma tribuna para debates, inspirada em Guimarães Rosa; "Pele do Invisível", o espaço para projeção de filmes; "Longe Daqui, Aqui Mesmo", que irá abordar as utopias; "Eu Sou a Rua", espaço para palestras e debates; "O Mesmo, o Outro", o lugar das performances, a partir de um texto de Jorge Luis Borges. "Durante a Bienal vamos ter entre 200 e 300 ações acontecendo nesses espaços, seja a apresentação do coro da Osesp, seja uma peça de dança contemporânea", diz Farias.
Na próxima quarta, um ciclo gratuito de palestras dá início à programação da 29ª Bienal. Organizado por Helmut Batista, coordenador do projeto Capacete, o primeiro debate será com o artista albanês Anri Sala, no teatro Arena. No dia seguinte, o brasileiro Amilcar Packer e o britânico Jeremy Deller irão abordar suas trajetórias artísticas, no mesmo local. "O Arena foi cedido ao Helmut pela Funarte e toda a programação dele, durante esse ano, terá apoio da Bienal. Creio que essa é uma forma de mostrar o que entendemos por política, adensando o debate e colaborando com outras instituições, em vez de ficarmos apenas no Ibirapuera", conta Farias.
Fundação já possui verba para Bienal por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 6 de março de 2010.
Instituição captou R$ 23 milhões para 29ª edição da mostra, em setembro; situação rompe com crise iniciada em 2000
Presidente da Bienal espera chegar a R$ 30 milhões; evento passou a ter grande investimento da iniciativa privada em vez da União
Não se ouviu o espocar de rolha saltando de uma garrafa de champanhe, mas o clima da reunião da diretoria da Fundação Bienal de São Paulo, na última segunda, era próximo à felicidade entorpecente provocada pelo espumante francês.
Nela, Heitor Martins, presidente da instituição, anunciou que já havia captado R$ 23 milhões para a organização da 29ª Bienal de São Paulo, com inauguração prevista para 21 de setembro, quando a estimativa mínima para o evento era R$ 20 milhões. Só em caixa, Martins já conta com R$ 11 milhões, o equivalente ao que foi gasto na última edição, em 2008, a chamada "Bienal do Vazio", que deixou um rombo de mais de R$ 4 milhões, também já pagos pela nova direção.
Essa situação rompe uma histórica crise, que teve início em 2000, quando a Bienal passou a ter dificuldades de captação e levou Ivo Mesquita a renunciar ao cargo de curador, quando se propôs o adiamento do evento. "A Bienal nunca se recuperou daquele choque. Creio que as últimas duas edições foram interessantes, mas não se comparam às anteriores", diz o curador costarriquense Jens Hoffmann, que dirige o Instituto de Arte Contemporânea Wattis, em São Francisco, e pretende visitar também a próxima edição.
Outros curadores estrangeiros, que não visitaram a última edição, como Agustín Perez Rubio, do Museu de Arte Contemporânea de Leon (Espanha), estão comprando suas passagens para SP. "Curadores como Chus Martínez e Yuko Hasegawa ajudam a dar prestígio à nova Bienal", diz Rubio.
Retomada
Assim, ao que tudo indica, é o momento da retomada da Bienal. "Creio que nos últimos anos, a Fundação era mais hermética, e nós conseguimos nos aproximar mais da sociedade, pois temos um projeto bem estruturado e estamos fazendo um esforço de comunicação", diz Martins, à Folha, que espera chegar aos R$ 30 milhões, valor considerado como ideal para organizar a 29ª Bienal.
Itaú Unibanco, Fiat, Oi, Deutsche Bank, Votorantim e Klabin são algumas das empresas que estão investindo na Bienal, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, revertendo o perfil da última década, marcada basicamente por investimento direto da União, um dos fatores que gerava atrasos. "Conseguindo endosso do patrocinador, criamos um engajamento e um maior controle de qualidade. Nossa perspectiva é criar agora vínculos de longo prazo", explica Martins. Pode parecer incrível, mas até agora a Bienal sequer tinha uma setor de captação. "Nós revertemos o perfil da Fundação, que até agora tinha mais funcionários envolvidos com funções administrativas do que com a preparação da própria Bienal", conta o presidente. Assim, foi terceirizada, por exemplo, a contabilidade e criadas três novas áreas, captação, design e relações institucionais, além de ter reforçada a produção. "Creio que tudo isso está sendo possível, pois a instituição nunca teve uma diretoria como essa, com perfis muito distintos. Temos advogados, financistas, professores e até organizadores de outras bienais. Posso ser o que mais aparece, mas não sou o que mais trabalha", diz Martins.
Apoio
O clima de otimismo, não vem só do parque Ibirapuera. Desde que foi lançado candidato a presidente, numa situação de vácuo enquanto a Bienal se afundava em dívidas, Martins já tinha o apoio das entidades culturais da cidade. "Nós o apoiamos, pois ele tinha uma história de relação com a arte contemporânea e acredito que fazia parte do projeto dele o contato com as outras entidades", conta Marcelo Araújo, diretor da Pinacoteca do Estado.
Essa mobilização inicial, concretizada numa carta de apoio, foi motivada pelo Ministério Público (MP), que chegou a indeferir a posse de Martins, já que sua mulher, Fernanda Feitosa, promove a SP Arte no prédio da Bienal. Mas o MP voltou atrás, após a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que proíbe ingerências de Martins no contrato de Feitosa com a Bienal.
Reunidas agora no "São Paulo Polo de Arte Contemporânea", um fórum que visa programar as atividades paulistanas durante a Bienal, as instituições museológicas da cidade, cujas reuniões contam até com o secretário estadual de Cultura, João Sayad, recolocam a instituição como figura central na cultura visual da cidade.
Em algumas edições recentes, é bom que se lembre, as mostras paralelas eram mais elogiadas do que a própria Bienal. "A Bienal agora tem a capacidade ser novamente o polo articulador dessa ação", diz Araújo.
março 3, 2010
Museus comemoram a instituição do Sistema Estadual de Museus do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro
Matéria originalmente publicada no site da Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro
Foi assinado e publicado o decreto nº 42.306, de 22 de fevereiro de 2010, que institui o Sistema Estadual de Museus do Estado do Rio de Janeiro. A proposta para a criação do Sistema Estadual de Museus foi apresentada durante o I Fórum de Museus, em março de 2009, com a finalidade de discutir diretrizes que iriam nortear as ações do Sistema, articular interesses da área museal e, sobretudo, garantir uma política de ação desse sistema.
Através da Superintendência de Museus da Secretaria de Estado da Cultura, o Sistema Estadual de Museus já atendeu a mais de 25 municípios do Rio de Janeiro, realizando 29 visitas técnicas, oito oficinas e seis atendimentos aos municípios, de maneira a fazer um mapeamento das instituições museológicas existentes, prestando assessoramento técnico e estimulando a criação de novas unidades museológicas.
Segundo Márcia Bibiani, Superintendente de Museus da Secretaria de Estado da Cultura, é uma alegria ver o reconhecimento da importância dos museus na cultura fluminense.
- O Sistema hoje se torna realidade e planejamos para o ano de 2010 uma série de ações em todo o Estado, concluindo as visitas técnicas, realizando mais oficinas, e elaborando diretrizes para o desenvolvimento de uma política para os museus do Rio de Janeiro, voltadas para a preservação do patrimônio e da memória e valorizando a diversidade cultural.