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fevereiro 25, 2010
Salas de livros e páginas de exposições por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 19 de fevereiro de 2010
Salas e abismos/ Waltercio Caldas/ Cosac Naify/ R$ 120
Em “Manual da ciência Popular” (cosac Naify, 2008), publicado em 1982 e reeditado há dois anos, o artista Waltercio caldas e o crítico Paulo Sérgio duarte atualizavam questões lançadas por Walter Benjamin em “a obra de arte na Era de sua reprodutibilidade Técnica” (1936). ao tratar a relação entre o objeto de arte e sua reprodução fotográfica, indagavam sobre o fato de imagens não serem trabalhos, mas reportagens sobre trabalhos. o próprio Waltercio caldas inverteria essa ordem das coisas, ao trabalhar com livros de artista, uma modalidade de obra de arte que se aproxima dos múltiplos. Esse é o caso de “Velázquez”, lançado em 1996, com edição de 1.500 exemplares assinados pelo artista. Editado inteiramente fora de foco, o que seria uma monografia sobre o pintor espanhol é na realidade uma obra de arte em si.
O novo lançamento “Salas e abismos” conta com textos críticos de Paulo Venâncio Filho, Sônia Salztein e Paulo Sérgio duarte, mas não é catálogo, compêndio, monografia, ensaio teórico ou mesmo livro de artista (já que não é assinado). diferentemente dos anteriores, o livro que sai com projeto gráfico de Waltercio caldas pode ser considerado um “espaço expositivo”. assim, cada página corresponderia a uma sala, um quarto, um ambiente – já que o artista tende a intitular boa parte de seus trabalhos como salas, quartos, lugares. As obras são, portanto, “instaladas” em páginas duplas, sucedendo-se umas às outras como em espaços de um edifício. Participam dessa “mostra” 25 instalações, ou “salas”, datadas de 1985 a 2009. Nessa curadoria, reverberam especialmente aqueles trabalhos que se referem à linguagem artística. “a Série Negra”, por exemplo, além de, indiretamente, remeter às fases cromáticas de pintores como Picasso e Goya, faz referências explícitas a léxicos da arte: com objetos intitulados de “a Natureza-Morta” e “a Paisagem”. outros trabalhos que dissertam sobre a história da arte, seus códigos, seus gêneros são “Meio alto” (foto) e “a Série Veneza”. Se livros podem ser obras de arte, a recíproca também é verdadeira.
Como reconhecer um "Metaesquema" por Fernanda Assef, Istoé
Matéria de Fernanda Assef originalmente publicada na revista Istoé, em 8 de fevereiro de 2010
Na semana do incêndio do acervo de Hélio Oiticica, foi anunciada com algum alívio a recuperação de todos os exemplares da série "Metaesquema"
Na semana do incêndio do acervo de Hélio Oiticica, foi anunciada com algum alívio a recuperação de todos os exemplares da série “Metaesquema” (foto), armazenados com a família. Agora, segundo o Projeto Hélio Oiticica, todos os “Relevos” também serão recuperados.
A exposição “Da Estrutura ao Tempo” é uma boa oportunidade para visualizar esses dois grupos de trabalhos, já que reúne 12 “Metaesquemas”, três “Relevos Espaciais” e um “Relevo Bilateral”, garimpados de coleções particulares. Os “Metaesquemas” são a célula original da obra de Oiticica. São pinturas do final dos anos 50, definidas pelo autor como uma “obsessiva dissecação do espaço”. Representam um período de pesquisa radical, que levou o artista a invadir com a pintura o espaço tridimensional.
Na terça-feira 17, um “Metaesquema” foi vendido em leilão da Christie’s por US $ 122,5 mil, o dobro da estimativa inicial. Talvez já um efeito da destruição. Organizador da mostra, o IAC é um centro aberto à pesquisa de arte, que trabalha exemplarmente na conservação de acervos. “Percebo a necessidade de armazenar obras e documentos de forma específica.
É necessário um cuidado especial com a documentação que é composta de materiais muito frágeis e podem, facilmente, pegar fogo”, diz a galerista Raquel Arnaud, que concebeu o IAC em 1997. Além de guardar a documentação de Willys de Castro e Sergio Camargo, o centro cuida de obras dos dois artistas e de Mira Schendel e Amilcar de Castro.
O material é guardado em uma sala aprovada em detalhe pelo Iphan. “Você deve contar com espaço climatizado, monitoramento e vigilância, sistema contra incêndio customizado para obras de arte e documentos, mobiliário específico e uma equipe com dedicação integral”, diz Roberto Bertani, diretor-executivo do IAC.
Criador e criatura por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 19 de fevereiro de 2010
Eduardo Kac celebra 30 anos de carreira com um trabalho de bioarte, que mistura seu próprio material genético com a flor petúnia
O espectador desavisado, diante dos quatro “Biotopos”, estruturas de acrílico e metal que compõem a série “Espécime do Segredo sobre Descobertas Maravilhosas” (2006), exposta no Oi Futuro do Rio, poderia pensar tratar-se de pinturas abstratas, realizadas em algum momento da década de 50 do século XX. Talvez uma abstração lírica. Mas, ao saber que, em vez de feitos de tinta e pigmentos, esses trabalhos estão sendo “pintados” em tempo real por microorganismos vivos, a coisa muda de figura. Descobre-se que se está diante de um exemplar autêntico de bioarte. Seu autor, o brasileiro Eduardo Kac, professor titular do Departamento de Arte e Tecnologia do School of Art Institute de Chicago, e referência mundial na área, polemiza: “Não me vejo como um artista pesquisador, mas como um artista contemporâneo.
Da mesma forma que um pintor precisa comprar tinta para pintar, eu acesso o laboratório de engenharia genética para criar.” Com três exposições simultâneas no Brasil, esse é o momento para conhecer dois extremos de sua carreira: os primeiros anos, em que fazia performance, poesia digital e “pornopoemas”, e o novo trabalho em bioarte e arte transgênica, no qual se destacam as “Edúnias”, mistura da flor petúnia com material genético do artista. “O projeto genoma revelou que nós sempre fomos transgênicos, nosso gene vem de outros seres, como bactérias, plantas e animais.
Nesse sentido, a monstruosidade do transgênico passa a ser nossa também”, diz o criador da polêmica coelha Alba, o animal concebido em laboratório com genes fluorescentes de água-viva, em 2000. Nas “Edúnias”, exibidas no Brasil em fotografias, graças à mudança da lei sobre transgênicos no País, Kac aplicou o DNA extraído de seu sangue às veias da flor. Aqui, ele é criador e criatura. O resultado, segundo a curadora americana Christiane Paul, é um novo conceito de autorretrato. Efetivamente, Kac propõe novas formas para antigos conceitos. Esse é o caso de um dos projetos da série “Lagoglifos”, em que o artista transmite mensagens gráficas para uma constelação longínqua, que será atingida só em 2038.
Esse projeto sem materialidade física na Terra, mas em movimento no espaço, atualiza conceitos de land art que, nos anos 60, projetavam a obra de arte na paisagem natural, longe dos centros urbanos e das instituições de arte. Ainda segundo Christiane, os “Lagoglifos” são parte de um “sistema de signos criado para um alienígena”. Mas nem só cientistas e alienígenas são os interlocutores de Eduardo Kac, que afirma que sua linguagem é fundamentalmente poética. Em Belo Horizonte, uma seleção de seus poemas gráficos e sonoros, feita pelo curador Alberto Saraiva, mostra de que forma a atividade poética de Kac deixou de ser verbal para abranger muitas outras linguagens.
Novas instalações fazem de Inhotim paradigma para arte contemporânea por Fábio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cipryano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 25 de fevereiro de 2010.
Nove novas instalações transformaram radicalmente Inhotim, o centro de arte contemporânea criado por Bernardo Paz, em Brumadinho (Minas Gerais), em 2005. Se até então os pavilhões seguiam o modelo cubo branco, com obras que mantinham pouco diálogo com o entorno do complexo museológico -os abundantes jardins que tiveram início com o paisagismo de Burle Marx-, agora a transparência dos novos espaços propiciou uma nova perspectiva.
Esses novos locais de fato escapam do paisagismo um tanto comportado das antigas instalações para revelar a mata e a paisagem de forma fascinante.
É o caso do pavilhão criado para "De Lama Lâmina", do americano Matthew Barney, uma cúpula geodésica no estilo do arquiteto Buckminster Fuller (1895-1983). Transparente, ela acolhe o trator, peça central de seu filme, "De Lama Lâmina", gravado no Carnaval baiano de 2004, ao mesmo tempo em que faz com que ele pareça um objeto perdido na mata de tempos imemoriais.
Perto dali está o "Sound Pavilion" (pavilhão sonoro), de Doug Aitken, outro espaço transparente, no cume do terreno de Inhotim, que permite uma ampla visão das montanhas mineiras. Ele acolhe a instalação que transmite sons captados a 200 metros de profundidade, criando um ambiente sonoro que só se torna potente graças à sua localização.
Já "Beam Drop Inhotim" (jogando vigas em Inhotim), de Chris Burden, é composto por imensas vigas de ferro jogadas, como num jogo de palitos, sobre a terra, em outro cume do terreno, também permitindo que obra e contexto dividam um só espaço. Mesmo "Folly", de Valeska Soares, que está dentro de um pavilhão espelhado, justamente por sua configuração, acaba mimetizando o entorno. Criando mais raízes locais, Inhotim se torna um novo paradigma para a exibição da produção contemporânea.
Arquitetos criticam projeto do Masp Vivo por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 25 de fevereiro de 2010.
Críticos veem "fisionomia empresarial" em reforma que elimina fachada original
Após veto de projeto original, com megatorre, desenho é adaptado, tem aprovação nas esferas estadual e municipal e passa por crivo da Lei Rouanet
Não é certo ainda que o Masp Vivo terá essa casca de vidro como prevê o projeto aprovado e obtido pela Folha. No estágio inicial das obras, também fica difícil saber como será a cara final do anexo do museu, mas os croquis da reforma, com a extensão de pé-direito triplo no topo da laje original, já despertam críticas dos arquitetos.
Feito por Julio Neves, arquiteto que ficou 14 anos no comando do Masp, o projeto foi adaptado e conseguiu a aprovação dos órgãos de preservação do patrimônio histórico nas esferas estadual e municipal.
Embora não seja tombado, o Dumont-Adams precisa de aval público para passar por reformas porque fica no entorno de um bem protegido, no caso, o edifício modernista desenhado por Lina Bo Bardi nos anos 60.
Na tentativa de evitar a descaracterização da região, o projeto inicial, com a torre gigantesca, foi vetado pelo município e um novo desenho só foi aprovado em 2007. Mas arquitetos ouvidos pela Folha não veem melhoras na versão que começa a sair do papel agora.
"É uma pena que o Masp, que já teve duas sedes vanguardistas projetadas por Lina Bo Bardi, tenha de se contentar com essa arquitetura de fisionomia empresarial", diz Renato Anelli, conselheiro do Instituto Bardi, que cuida do espólio da arquiteta. "Vai na contramão do que ocorre com projetos de museu do mundo todo."
Gesto desesperado
Embora não veja como "má ideia" a construção de uma torre com mirante ao lado do museu, o crítico de arquitetura Guilherme Wisnik vê problemas nos motivos por trás da obra, que considera um "gesto desesperado de "salvar" um museu que ficou decadente, enfatizando seu lado comercial".
"É evidente que o museu se depauperou, se descaracterizou e perdeu prestígio e representatividade", diz Wisnik. "Quer dizer então que uma obra como essa não viria no sentido de coroar um processo de crescimento do museu, como nos casos do Louvre, MoMA, da Tate e do Reina Sofía."
Críticos também apontam a contradição da reforma numa cidade como São Paulo, afeita à construção de neoclássicos. Exemplo desse estilo arquitetônico, o Dumont-Adams, em vez de preservado será recoberto por uma capa de "arquitetura corporativista", nas palavras do arquiteto Paulus Magnus.
Ponto central da discórdia, essa fachada de vidro, que deve custar R$ 3,5 milhões, mas que também pode ser substituída por uma versão mais modesta, levanta outra polêmica.
Na opinião do arquiteto Álvaro Puntoni, professor da FAU-USP, o anexo em forma de torre envidraçada arrisca ofuscar o prédio horizontal de Lina Bo Bardi. "Acho que o edifício atual deveria ser preservado", diz Puntoni. "O receio é que parece que o anexo compete com o Masp, em vez de construir uma relação serena."
Mas como tudo pode na Paulista, uma avenida longe da harmonia almejada por arquitetos, há quem prefira não criticar. "É antiético dizer que o projeto é ruim", diz o arquiteto Carlos Lemos. "Se tudo fosse térreo, seria questionável, mas não é. A Paulista tem dessas coisas."
O Masp mora ao lado por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 25 de fevereiro de 2010.
Museu reforma prédio abandonado doado pela Vivo para criar anexo com pele de vidro, orçado em R$ 15 milhões
No barulho das marretadas que derrubam as velhas paredes do Dumont-Adams, um dos diretores do Masp ergue a voz. "É uma maravilha isso", diz Luiz Pereira Barreto, arquiteto que coordena a reforma do que servirá de anexo para o museu. "Quando vi esse prédio, pensei que o bom seria morar aqui."
Na avenida Paulista, ao lado do edifício desenhado por Lina Bo Bardi onde funciona o maior museu da América Latina, um velho prédio de apartamentos, abandonado há 20 anos, passa por reformas para abrigar um polêmico anexo.
Polêmico porque faz quatro anos que a empresa de telefonia Vivo doou R$ 13 milhões para que o Masp comprasse o prédio, pedindo em troca que se instalasse no topo dele uma antena gigantesca com um logotipo luminoso da marca.
Órgãos de defesa do patrimônio histórico então vetaram o mirante e Vivo e Masp travaram uma batalha na Justiça. Sem a torre, a telefônica queria de volta o dinheiro desembolsado. Em novembro passado, chegaram a um acordo.
E só em janeiro deste ano foi aprovada a captação de mais R$ 15 milhões pela Lei Rouanet para transformar o Dumont-Adams em Masp Vivo. Sem o mirante da discórdia, a empresa se contentou em batizar o espaço pelos próximos 25 anos.
No térreo, ficará uma galeria de exposições temporárias patrocinadas pela Vivo. Também vai migrar para lá a área administrativa do museu. Os sete andares acima vão abrigar uma escola de pós-graduação em museologia, história da arte e restauro que o Masp deve criar.
Acima da laje original do edifício, um cubo branco, com pé-direito de 15 metros, deve receber outras mostras. No topo de tudo, querem construir um café, que já conta com um patrocínio de R$ 2 milhões da Nestlé.
Pele de vidro
A expansão vertical acaba aumentando a altura atual do prédio, de 54 metros, para 70 metros, altura máxima permitida para construções na região da Paulista. Em sintonia com os epigões do entorno, o Dumont-Adams repaginado também vai ganhar uma "pele de vidro", nas palavras de Pereira Barreto.
"Estamos pegando um prédio deteriorado e transformando para o museu", diz o arquiteto. "Vamos ampliar, temos que usar o peso da marca do Masp."
E a Vivo também está de olho nessa marca. Já se comprometeu a doar mais R$ 3 milhões ao museu quando as obras terminarem, em 2012, para implantar mais "projetos de sinergia", como adianta Marcelo Alonso, diretor de relações institucionais da empresa telefônica.
Entre as propostas que circulam, além de afixar a placa Masp Vivo, estão um sistema de visitas guiadas por celular, mostras de arte tecnológica feita com os aparelhos e até mesmo a exposição de obras do Masp na galeria da sede da Vivo, na zona sul da cidade.
Pereira Barreto arremata, dizendo que o museu "não é só um lugar para guardar preciosidades". "Tem que ser dinâmico em todas as áreas", diz. "Queremos fazer uma coisa moderna."
fevereiro 23, 2010
Arco quer renovar sua identidade artística por Silas Martí, Folha de São Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 22 de fevereiro de 2010.
"Personalidade ibero-americana" seria saída para crise
No meio da enxurrada de críticas que vem recebendo por esta edição da Arco, a diretora da feira, Lourdes Fernández, parece se aferrar à ideia de uma "personalidade ibero-americana" para devolver o vigor perdido ao evento.
Faz quase 30 anos que a feira funciona como exposição e mercado de artistas em Madri, mas é consenso entre galeristas europeus que a Arco saiu perdendo na concorrência com a Art Basel Miami Beach, criada há oito anos.
Fernández, em meio a boatos de que pretende se demitir do cargo, aposta na representação maciça de latino-americanos como uma saída para sua feira enfraquecida. "Precisamos criar ainda uma grande personalidade", diz ela. "E essa personalidade é ibero-americana. É uma oportunidade para arte latino-americana entrar na Europa, esse deve ser o papel da Arco, mas não se cria uma coisa dessas da noite para o dia."
Mesmo com todo o esforço, galeristas e analistas de mercado acreditam que não há interesse tão forte de colecionadores espanhóis para sustentar esses novos planos. "Está havendo muita atenção das instituições, mas isso passa longe dos colecionadores", diz Alejandro Zaia, diretor da Pinta, feira de arte latina que terá uma edição em Londres em junho. "Museus servem para gerar tendências de mercado, mas não sustentam uma feira."
Paralela à Arco, a feira Just Madrid aponta outra possível saída para a crise. No lugar dos gigantescos galpões de sua concorrente tradicional, vazios em tempos de recessão, o evento que estreou neste ano concentra poucas galerias, cada uma com três artistas, num espaço mais enxuto. Também com latino-americanos como foco, acabou virando uma vitrine rápida da produção sem o desânimo de muito pavilhão para pouca obra.
Presença conceitual preenche vácuo de negócios por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 22 de fevereiro de 2010.
Ficou vazio por todo o primeiro dia da Arco o estande da Helga de Alvear, uma das maiores galerias espanholas.
Isso até que homens entraram no pavilhão carregando duas letras de madeira, formando a palavra "no" (não) em tamanho gigante. Nem Santiago Sierra, o artista por trás da ação, nem ninguém da galeria deu as caras por lá.
No espaço vizinho, a cubana Tania Bruguera mandou polir uma reprodução do letreiro que ficava na entrada do campo de concentração de Auschwitz, gerando uma chuva de faíscas sobre o símbolo nazista, aquele roubado há pouco.
Essa presença conceitual, o que uns chamam de "gordura" numa feira, foi o ponto alto da Arco. Se colecionadores andam mais tímidos, curadores não arredaram pé do pavilhão dos Solo Projects, a parte da feira na qual galerias exibem um recorte sucinto da produção de um só artista escolhido.
Enquanto pelo menos 50 galerias abandonaram o evento nos últimos dois anos, e o preço da obra mais cara despencou da casa dos 20 milhões para 1,6 milhão, os recortes individuais dispostos ali têm outro potencial. Atestam o frescor dessa produção e têm apelo direto para as instituições.
Na cena árida em que se tornou o mercado espanhol, projetos menos comerciais, como os de Sierra e Bruguera, deram carne ao esqueleto das vendas.
Descobriram a América por Silas Martí, na Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 22 de fevereiro de 2010.
Museus na Espanha e em Portugal investem em arte latino-americana para reler passado modernista e concretista
Nem mesmo a neve que caiu sobre Madri nos últimos dias fez a Espanha perder a cara de América Latina que tenta plasmar agora a todo custo. Enquanto a Arco, feira de arte que terminou ontem na capital espanhola, atravessa uma grave crise, o circuito de museus na península ibérica reforça outro lado da equação.
Se artistas latino-americanos ainda são presença tímida nas salas e corredores das mansões da cidade, suas obras estão em todos os museus, do Porto até Barcelona. Em busca de um nicho para chamar de seu, instituições da região competem com o resto do circuito global ancorando mostras em torno de nomes latinos.
Está em cartaz agora em Madri, no Reina Sofía, uma ampla retrospectiva do argentino León Ferrari e da brasileira Mira Schendel. Em maio, o museu abre uma grande exposição que terá obras de Flavio de Carvalho e de Lina Bo Bardi. O Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, que recebeu Cildo Meireles no ano passado, abre espaço ao peruano Armando Andrade-Tudela.
Perto dali, o Instituto Valenciano de Arte Moderna prepara uma mostra com mais de cem brasileiros como Vik Muniz, Ernesto Neto e Carlos Vergara. Parte da explicação do fenômeno está numa releitura da linguagem de artistas da região, revistos à luz das utopias modernistas e de seus desdobramentos concretos.
Enquanto curadores redescobrem esses movimentos, dão margem à fetichização dessa arte. Sem uma bienal e em plena decadência de sua maior feira, a Espanha aposta em museus para se reerguer no circuito com nomes da moda.
"Estamos loucos pela América Latina", diz Consuelo Ciscar, diretora do Instituto Valenciano de Arte Moderna. "A Espanha tem esse papel, é um ponto de representação mundial para a arte latino-americana."
No coração do país, o Reina Sofía tem como meta declarada realizar pelo menos uma grande exposição por ano com latino-americanos. "Queremos ser o museu referência para isso na Europa", afirmou Maria José Salazar, diretora de patrimônio do museu, à Folha.
Do outro lado da fronteira, Ricardo Nicolau, do Museu de Serralves, no Porto, em Portugal, afirma que está de olho em artistas emergentes do Brasil. "Há uma revisão em curso e um certo fetiche em torno dos anos 60 e 70", afirma.
Nesse ponto, museus ibéricos aproveitam a brecha das frágeis relações entre instituições latino-americanas para incrementar suas coleções e redesenhar parte da história. "Já houve esse interesse no passado, mas agora a dinâmica é outra, com uma vontade de releitura", resume Mauro Herlitzka, diretor do Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires. "A Espanha quer se tornar o país chave para o reposicionamento da arte latino-americana na região."
Mas isso não quer dizer que vai conseguir. Mesmo com a euforia, há quem veja nessa movimentação uma tentativa desesperada de se reequilibrar na geopolítica aguerrida das artes visuais.
"São Paulo tem mais chance do que a Espanha de virar esse centro", diz Rodrigo Moura, curador do Instituto Inhotim. "É natural querer esse papel, mas eles não estão agora em condições de ser o centro de nada. Não é assim tão fácil."
fevereiro 22, 2010
Documentário sobre trabalho de Vik Muniz com lixo estreia em Berlim, no globo.com
Matéria originalmente publicada no globo.com em 13 de fevereiro de 2010.
Veja o trailer de 'Lixo extraordinário', premiado no Festival de Sundance.
Filme mostra um dos maiores aterros sanitários da América Latina.
O trabalho do artista plástico Vik Muniz em um dos maiores aterros sanitários do mundo - o Jardim Gramacho, em Duque de Caxias, no Rio de Janeiro - virou um documentário que será exibido pela primeira vez neste sábado (13), no Festival de Cinema de Berlim.
Co-produzido pela O2 Filmes e pela produtora inglesa Almega Projects, o filme “Lixo extraordinário” (“Waste Land”), com direção de João Jardim, Karen Harley, Lucy Walker, venceu o prêmio do público de melhor documentário internacional no Festival de Sundance.
O documentário entra na mostra "Panorama", paralela à disputa ao Urso de Ouro. O co-diretor João Jardim e o produtor Hank Levine estarão no Festival acompanhando as sessões do longa, que também será exibido nos dias 14, 19 e 21 de fevereiro na capital alemã.
Com direção conjunta de João Jardim (“Janela da alma” e “Pro dia nascer feliz”), da cineasta Karen Harley e da documentarista inglesa Lucy Walker, produção de Hank Levine e produção executiva de Fernando Meirelles e Andrea Barata Ribeiro, “Lixo extraordinário” relata a trajetória do lixo dispensado no Jardim Gramacho, maior aterro sanitário da América Latina localizado na periferia de Duque de Caxias (RJ), até ser transformado em arte pelas mãos do artista plástico Vik Muniz e seguir para prestigiadas casas de leilões internacionais. Obras que, muitas vezes, retornam ao Rio para compor as paredes da alta sociedade carioca.
“É surpreendente encontrar tamanha beleza no meio de tanto lixo, descaso e esquecimento. O trabalho do Vik funciona como um bálsamo no meio disso”, observa a produtora executiva.
Feira tem força em espaços pequenos e conceituais por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 20 de fevereiro de 2010.
Ficou vazio por todo o primeiro dia da Arco o estande da Helga de Alvear, uma das maiores galerias espanholas. Isso até que homens entraram no pavilhão carregando duas letras de madeira, formando a palavra "no" em tamanho gigante. Nem Santiago Sierra, o artista por trás da ação, nem ninguém da galeria deu as caras por lá.
No espaço vizinho, a cubana Tania Bruguera mandou polir uma reprodução do letreiro que ficava na entrada do campo de concentração de Auschwitz, gerando uma chuva de faíscas sobre o símbolo nazista, aquele roubado há pouco.
Essa presença conceitual, o que uns chamam de "gordura" numa feira dedicada às vendas, foi o ponto alto da Arco. Se colecionadores andam mais tímidos, curadores não arredaram pé do pavilhão dos Solo Projects, parte da feira onde galerias exibem um recorte sucinto da produção de um só artista escolhido por um curador.
Enquanto pelo menos 50 galerias abandonaram o evento nos últimos dois anos e o preço da obra mais cara despencou da casa dos 20 milhões para 1,6 milhão, preço de um autorretrato de Francis Bacon, os recortes individuais dispostos ali têm outro potencial. Atestam o frescor da produção ibérica, que essa feira tenta representar por excelência, e têm apelo direto para as instituições que costumam fazer compras ali.
No resto dos mais de 200 estandes da feira, galerias não ousaram muito. Venderam o que tinham de consumo fácil: edições de fotografias, pinturas em pequeno e médio formato. A seleção de Los Angeles, cidade homenageada nesta edição, trouxe alguns medalhões da cena californiana, como John Baldessari e David Hockney, e artistas que caminham para o estrelato, como Catherine Opie e Lari Pittman, também em versões mais baratas de suas obras. Na cena árida em que se tornou o mercado espanhol, projetos menos comerciais, como os de Sierra, Bruguera e Felipe Cohen, deram carne ao esqueleto das vendas.
Espanha quer se tornar referência em arte latina por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 20 de fevereiro de 2010.
Sem bienal expressiva, e com maior feira de arte em queda, país aposta nos museus para se reerguer no circuito global
Reina Sofía compra obras e tem como meta declarada realizar ao menos uma exposição a cada ano com nomes latino-americanos
Uma lâmpada solitária que pende do teto, instalação de Felipe Cohen na Arco, ou as tranças de papel japonês que Mira Schendel faz quase desaparecer no espaço contrastam com o peso que artistas latino-americanos têm conquistado na agenda de exposições de alguns dos maiores museus espanhóis e portugueses.
Parte da explicação do fenômeno está na linguagem discreta, das utopias modernistas e seus desdobramentos concretos. Enquanto curadores redescobrem esses movimentos, também dão margem a crescente fetichização em torno desses artistas. Sem uma bienal expressiva e em plena decadência de sua maior feira de arte, a Espanha aposta nos museus para se reerguer no circuito com nomes que viraram moda.
"Estamos loucos pela América Latina", diz Consuelo Ciscar, diretora do Instituto Valenciano de Arte Moderna.
No coração do país, o Reina Sofía tem como meta declarada realizar pelo menos uma grande exposição por ano com latino-americanos. "Queremos ser o museu referência para isso na Europa", afirma Maria José Salazar, diretora de patrimônio do museu, à Folha. "Estamos levantando um fundo para isso, comprando muitas obras."
Do outro lado da fronteira, Ricardo Nicolau, do Museu de Serralves, no Porto, diz que está de olho em artistas emergentes do Brasil, não só nos consagrados. "Há uma revisão em curso e certo fetiche em torno dos anos 60 e 70. Temos modernistas desalinhados, que não correspondem ao que deveria ser o moderno."
Nesse ponto, museus ibéricos aproveitam a brecha das frágeis relações entre instituições latino-americanas para incrementar suas coleções e redesenhar parte da história. "Já houve esse interesse no passado, mas agora a dinâmica é outra, com uma vontade de releitura", resume Mauro Herlitzka, diretor do Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires. "A Espanha quer se tornar o país-chave para o reposicionamento da arte na região."
Mas isso não quer dizer que vai conseguir. Mesmo com a euforia, há quem veja uma tentativa desesperada de se reequilibrar na geopolítica aguerrida das artes visuais. "São Paulo tem mais chance do que a Espanha de virar esse centro", diz Rodrigo Moura, curador do Instituto Inhotim. "É natural querer esse papel, mas eles não estão agora em condições de ser o centro de nada, não é assim tão fácil."
fevereiro 18, 2010
Feira internacional começa reduzida por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 16 de fevereiro de 2010.
Após conflitos entre galeristas e administração, 29ª edição da Arco, em Madri, terá menos expositores
Quase não acontece a edição deste ano da Arco, feira de arte contemporânea que começa amanhã em Madri. Um dos eventos mais tradicionais da Europa, a Arco chega à sua 29ª edição depois de atravessar conflitos internos e em meio à turbulência da crise econômica que atinge a Espanha.
Desde dezembro, galeristas vêm travando brigas com a nova direção da Ifema, órgão que administra o pavilhão do evento. A situação só voltou ao normal após um acordo em janeiro, mas o imbróglio provocou baixas de peso. Deixaram de participar as gigantes londrinas Lisson e Anthony Reinolds e o madrileno Pepe Cobo. Também ameaçam sair Helga de Alvear e Juana de Aiuzpuru, duas das maiores casas de Madri. "Teve algumas baixas, sim", relativiza Eduardo Leme, dono da galeria Leme e membro do comitê de seleção da Arco.
A presença brasileira também encolheu neste ano. Leme, Casa Triângulo e Luciana Brito, galerias paulistanas que costumam participar da Arco, contiveram os gastos e vão dividir o espaço de um só estande. Decidiram reduzir sua presença ao setor de projetos especiais as galerias Marília Razuk e Vermelho. No lugar de um estande tradicional, levam um só artista à Arco, numa parte da feira organizada por curadores.
"A Arco é cara, então diminuí um pouco minha participação", diz a galerista Marília Razuk. "Acho importante participar, como vitrine, mas, na Espanha, a crise pegou em cheio."
Na mesma ala em que Marília Razuk exibe obras de Felipe Cohen, a Vermelho expõe uma instalação de Carla Zaccagnini, mas decidiu levar trabalhos para outra feira, que acontece ao mesmo tempo em Madri. Na primeira edição da Just Madrid estarão obras de Marcelo Cidade, Lia Chaia e Nicolás Robbio.
Se a Arco não costuma atrair grandes colecionadores, é conhecida pela forte entrada no circuito institucional, com vendas para os museus espanhóis. Mas a crise também bateu neles. Manuel Borja-Villel, diretor do Reina Sofía, já mandou o recado: vai às compras com muito menos dinheiro.
A feira quer aumentar o número de colecionadores que recebe mudando de país homenageado para cidades. Com Los Angeles como tema, recebe galerias badaladas da metrópole californiana, como Acme, Peres Projects e Regen Projects.
fevereiro 14, 2010
Fundação Bienal vai divulgar arte do Brasil no exterior por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Fundação Bienal vai divulgar arte do Brasil no exterior
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 13 de fevereiro de 2010.
Com convênio de R$ 1,8 mi com o MinC, instituição oferecerá editais para que artistas realizem residências, publiquem livros e participem de mostras fora do país
A partir do próximo mês, a Fundação Bienal de São Paulo se transformará em uma agência de divulgação da arte brasileira no exterior.
No início de março, serão divulgados quatro editais que permitirão a concessão de verbas para artistas realizarem residências artísticas, participarem de mostras e publicarem livros com subsídios da Fundação, através de um convênio que foi firmado com o Ministério da Cultura (MinC).
"No ano passado, visitamos a Inglaterra, a França e a Espanha e conhecemos os órgãos daqueles países que fomentam a arte no exterior e achamos que esse tipo de ação tem a ver com a Bienal, que produz muitos vínculos entre a produção nacional e o exterior", diz Heitor Martins, presidente da Fundação Bienal.
Segundo o diretor de estudos e políticas culturais do MinC, Afonso Luz, o convênio com a Bienal foi possível por conta da Portaria 61, assinada pelo ministro da Cultura, Juca Ferreira, em agosto de 2009, criada com "o objetivo de estabelecer instrumentos à internacionalização da arte contemporânea brasileira". "A Bienal foi a primeira entidade a apresentar uma proposta de convênio, mas iremos estabelecer outras parcerias", contou Luz à Folha.
No total, o MinC está repassando R$ 1,8 milhão à Fundação Bienal, que irá alocar, como contrapartida, mais R$ 200 mil para o projeto, sendo que o total deve ser gasto até o fim do ano. Serão disponibilizados prêmios de R$ 10 mil para que 50 artistas participem de mostras, R$ 12,5 mil para 15 residências artísticas e R$ 25 mil para apoio a 15 publicações em línguas estrangeiras.
As solicitações deverão ser feitas diretamente pelos artistas no site da Bienal, que também será lançado no próximo mês. O programa prevê ainda 20 prêmios de R$ 6,5 mil para textos acadêmicos que abordem arte contemporânea brasileira e economia da arte, além de três estudos a serem encaminhados ao MinC: o mercado de arte no exterior, a circulação de obras de arte e o regime tributário.
Com isso, a Fundação Bienal se torna uma espécie de Conselho Britânico, órgão público inglês que fomenta arte no exterior. E o que levou o MinC a terceirizar essa função? "Esse é um debate de uma década atrás. Se o setor público quiser fazer tudo sozinho, ele já não consegue. Parcerias são necessárias e a Bienal tem sido a ponta de lança da arte brasileira no exterior", afirma Luz.
Além de lançar esse novo programa, Martins comemora o pagamento de todas as dívidas da fundação, de cerca de R$ 4 milhões, além de ter R$ 9 milhões em caixa, com a garantia da captação de R$ 20 milhões, o que chegará perto dos R$ 30 milhões (orçamento da 29ª Bienal de São Paulo, programada para setembro).
fevereiro 12, 2010
Certezas abaladas por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 12 de fevereiro de 2010
Novos paisagistas rompem tradições e reinventam a representação da natureza
Como uma montanha que desaba sob a ação de forte erosão, a escultura “Paisagem”, de Cristiana Camargo, exposta na coletiva “Trans_Imagem”, é uma obra sintomática do momento de transição que vivemos hoje. Assistimos a um mundo em ruínas: seja nos morros que desabam sobre casas, seja na terra que se abre sob os nossos pés ou nos conceitos que extraímos do mundo. “A ideia de um mundo centrado, objetivo e organizado em uma totalidade harmônica ruiu”, afirma a artista Regina Johas, curadora de “Trans_Imagem”. O mundo idealizado pela perspectiva renascentista, que iluminou a razão ocidental por cinco séculos, começou a ser abalado no modernismo e agora busca novos paradigmas, na era da informação digital. “Paisagem” mostra, afinal, essas certezas abaladas. Cristiana construiu a palavra com pó de gesso e a fragilidade do material faz com que a obra desabe pouco a pouco. “Na medida em que a palavra se desfaz, deixa de ser signo para virar a própria paisagem”, interpreta Regina. Sobre esse tema – a paisagem e sua relação com a cultura – dissertam as obras da mostra coletiva na galeria Virgilio e a mostra individual da artista Gabriela Albergaria, na Galeria Vermelho. Se o paisagista romântico tinha uma relação contemplativa e colocava-se como observador distante (quase platônico) da cena documentada, o artista contemporâneo é um agente construtor da paisagem que desenha.
Se na paisagem tradicional o espaço era organizado em perspectiva dentro de um quadro, agora ele é retalhado, desdobrado, torcido, empilhado ou sobreposto, assumindo formas quase sempre fragmentárias. Via de regra, fragmento é a palavra-chave quando se fala em representação do espaço real. “Hoje vemos o mundo com os filtros da fragmentação”, explica Regina, ao comentar o tríptico fotográfico de Ana Mazzei. “Ao variar o ponto de vista da mesma cena, a artista coloca o espectador em uma situação instável, gerando uma ‘paisagem cinemática’.” A fragmentação também rege a pesquisa da artista portuguesa Gabriela Albergaria, que tem sua segunda individual no Brasil. A artista se serve do procedimento de recortar a cena em pequenos quadros, de forma a articular diferentes conceitos. Composto em 16 partes, em desenho e fotografia, o políptico “Tapada das Necessidades” (2009) representa duas árvores originárias de duas partes distantes do mundo plantadas em um mesmo jardim. Uma asiática e a outra europeia, ambas crescem entrelaçadas, convivendo em “tolerância”. “Sempre me interessei pela colonização das plantas em outros lugares. É possível traçar mapas geopolíticos a partir da observação de jardins”, diz Gabriela, que pesquisa em jardins de dentro e de fora da Europa como as diferentes culturas moldam a natureza. Seus trabalhos – aos quais refere-se como “ficcionais”, nunca documentais – apresentam um eterno confronto entre o estado selvagem e a natureza controlada.
Hélio Oiticica e Lygia Clark por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 11 de fevereiro de 2010.
Heróis da arte dos anos 60 e 70 inspiram, com suas ideias libertárias, coletivos de artistas de Rio e Minas
Numa troca de cartas, Lygia Clark resumiu com uma frase o caráter da arte que queria fazer naqueles anos 60: "Arte agora é arte de colhões". Escrevia de Paris ao amigo Hélio Oiticica, reclamando da arte "morta" que via por lá, tão longe do que estavam tramando no Brasil.
Do Rio, Oiticica respondeu: "Hoje sou marginal ao marginal, marginal mesmo: à margem de tudo, o que me dá surpreendente liberdade de ação". Arrematava dizendo "podemos botar fogo neste continente".
Mais de 40 anos depois desses escritos, e da morte de Clark e Oiticica, nos anos 80, desponta uma geração de jovens artistas que tentam reacender a brasa dos programas ambientais e da arte participativa e a potência libertária que eles deixaram como legado.
Processados pela academia, digeridos pela crítica e alçados, enfim, à condição de gênios da arte contemporânea no circuito global, Clark e Oiticica são da estirpe de heróis dos anos 60 e 70 que impulsionam coletivos de artistas em todo o país.
Pensavam uma arte que dependesse das reações do público, que fosse além do espaço expositivo e que tivesse como motor a liberdade extrema, sem concessões. Mais do que obras, criavam ambientes, vestimentas, um caldeirão estético.
"Fazemos uma coisa que se quer para fora, para além do bidimensional, que é a discussão que o Hélio travou, a Lygia também", resume Alex Topini, do Filé de Peixe, grupo carioca surgido em 2006. "Existe uma absorção contínua de tudo que está ao redor, o mercado popular, o camelô, o transeunte."
Violando os espaços convencionais, abominados pelos neoconcretistas, o Filé de Peixe ficou conhecido pelo "Piratão", ação em que vendem cópias ilegais de clássicos da videoarte, de Yoko Ono a Andy Warhol. Questionam a galeria e o valor atrelado ao objeto de arte.
Juntos há cinco anos, os cariocas do Opavivará também reduzem valores e ritualizam as trocas. São atos no espaço público, longe do cubo branco, que aposentam o objeto em si. Inventaram uma moeda de cerâmica que pode ser trocada por tudo, de coisas dos espectadores a performances, danças.
Paisagem e ritual
Eco dos ambientes imersivos de Oiticica, como as "Cosmococas", inventaram espaços de convivência, uma espécie de moita gigante, e atos coletivos, um narguilé de 20 canudos, que só funciona quando todos são tragados ao mesmo tempo.
"É um objeto que necessita da participação do público para funcionar", diz Daniel Toledo, do Opavivará. "Acaba proporcionando um ritual, o fumo entra no corpo e faz com que alterem a relação com o mundo."
Também alteram a relação com os espaços os artistas do grupo Nuvem. Caem na estrada e procuram Brasil afora os ambientes que serão transformados em instalação. Costuraram com cordas uma fissura na terra em Goiás, como se remendassem uma falha geológica. Instalaram tubos de alumínio montanha acima, criando um canal para a circulação do vento -a passagem do ar cria uma trilha sonora para a paisagem.
No espaço urbano, o grupo mineiro Lotes Vagos negocia a ocupação temporária de terrenos baldios. Não sobra nada para chamar de obra, mas durante a ação oferecem serviços, criam um jardim, uma horta, fazem as unhas de quem aparecer por lá.
No fim, é mais uma questão de atitude do que de relações formais específicas. Nenhum desses grupos parece usar Clark e Oiticica como bandeiras para garantir sucesso. No lugar de uma apropriação banal, indevida, operam movidos por reverência e saudades de uma época que não viveram.
Distantes do conceito e próximos da vontade, artistas do Barracão Maravilha, grupo surgido no Rio, resumem em parte esse espírito. Alternam o trabalho nas próprias obras de arte com a atuação nos barracões de escolas de samba, onde ajudam a construir esculturas, adornos e alegorias carnavalescas. Estão certos de que arte e vida, mesmo em tempos de Carnaval, andam sempre juntas.
Pra comemorar? por Ana Cecília Soares, Jornal Diário do Nordeste
Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do Jornal Diário do Nordeste, em 9 de fevereiro de 2010
O MAC do Dragão do Mar comemora 10 anos de atividades com a exposição "Pra Começo de Século". Altos e baixos, polêmicas e marasmos marcam sua trajetória
Em uma década de existência, o Museu de Arte Contemporânea (MAC) do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura tem escrito sua história em meio a marasmos, saltos e, claro, não poderia faltar, várias polêmicas.
Das quatro gestões vivenciadas pela instituição (dirigida duas vezes pelo artista plástico José Guedes, incluindo, a gestão atual; pela crítica de arte Luiza Interlenghi, quem iniciou o intercâmbio do museu com outras instituições de arte do país, e pelo curador Ricardo Resende), mudanças profundas sucederam em sua linha de atuação. Do projeto inicial para se tornar mais um museu de arte no Ceará, à ênfase na produção contemporânea, o MAC tem hoje foco direcionado para as artes realizadas por artistas latino-americanos.
Há de se falar, ainda, o destaque dado ao trabalho de artistas brasileiros de renome internacional, e o fato de a produção local ter sido resguardada ao segundo plano.
Paradoxos
Para José Guedes, diretor do Mac, durante esses quatro anos de sua gestão, aumentou o número de visitantes e a quantidade de obras adquiridas pelo acervo do museu (mais 900 trabalhos, segundo ele). Mas, será que isso é o suficiente para o desenvolvimento da instituição e, principalmente, para impulsionar o trabalho dos artistas cearenses?
Em conversa por telefone com Ricardo Resende, ex-diretor do MAC (2005 à 2007), na época em que assumiu o cargo, por meio de seleção realizada por edital público, o museu não funcionava como tal. De acordo com ele, não havia equipe treinada, reserva técnica e uma política de comunicação com o público e com os artistas.
"Foi um trabalho bastante árduo, tivemos de fazer o museu, realmente, existir. Começar, mesmo, pelo começo. Convidamos profissionais sérios nas áreas de museologia e artes em geral. Montamos seu acervo, quando deixei a direção em 2007, o museu já contabilizava 600 obras. Lembro que criamos um boletim eletrônico para divulgar as atividades do MAC para todo o Brasil".
Quanto a realidade do MAC hoje, Resende comenta: "Acho que o museu deixou de ter uma atuação nacional. Como responsável pelo núcleo de artes visuais da Fundação Nacional de Artes (Funarte), senti, por exemplo, a falta do MAC em no nosso edital Marcantonio Villaça para aquisição de obras. A premiação era de R$ 90 mil. Valor suficiente para se comprar trabalhos locais. Acho que enquanto houver essa política de apadrinhamento haverá limitações para arte".
Contra-argumentando o depoimento de Resende, Guedes explica que pelo MAC ser uma Organização Social (OS), ele é administrado como uma empresa privada, ligada a uma entidade pública. Daí a participação da instituição em editais de aquisição é limitada.
"Somos uma OS, o Instituto de Arte e Cultura do Ceará (IACC), que é uma associação na forma da lei, pessoa jurídica de direito privado sem fins econômicos e sem fins lucrativos, de interesse coletivo, é responsável pela administração do Dragão que presta contas à Secretaria de Cultura do Estado do Ceará (Secult). A limitação vem disso, e no caso do prêmio Marcantonio Villaça, recebemos a correspondência sobre o projeto atrasada", explica Guedes.
A exposição "Pra Começo de Século", que será inaugurada hoje, às 19h, comemora os dez anos do MAC.
Curadoria
A mostra que tem a curadoria de José Guedes, reúne 12 artistas e traça um panorama da produção contemporânea da primeira década do século XXI no Ceará, no Brasil e em outros países da América Latina.
Cada um dos artistas participantes teve sua produção deslanchada na virada do século. Eles abordam várias questões, tendo como base diversas técnicas e recursos. A exposição conta com a presença de quatro cearenses: Euzébio Zloccowick, Marina de Botas, Sabyne Cavalcanti e Weaver Lima. "Os artistas do século XXI encaram o passado mas ainda vêm os seus rostos. Sem grandes rompantes ou manifestos e com uma liberdade nunca antes vivenciada, certamente conquistada pelas posturas mais contestadoras. As grandes rupturas, bem digeridas, resultaram na expansão das linguagens", diz Guedes.
*Ana Cecília Soares é Editora também do site Reticências...crítica de arte (http://www.reticenciascritica.com/ )
fevereiro 10, 2010
Mostra revela importância de Matta-Clark por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 10 de fevereiro de 2010
A Bienal de São Paulo tem sido responsável, desde sua origem, pela atualização do público na produção contemporânea, mas, como exposição de grande porte, raramente consegue se aprofundar nas poéticas individuais. Gordon Matta-Clark foi um dos pilares da 27ª Bienal, de 2006, mas só com "Desfazer o Espaço" será possível compreender de fato toda a sua importância.
A atualidade de Matta-Clark está em discutir temas que seguem fundamentais na sociedade, como a ocupação de espaços públicos e privados, a alimentação e o pensamento ecológico por meio de obras que seguem com forte apelo visual.
Expor artistas como Matta-Clark, com muitos trabalhos que dependem em grande parte de documentação, poderiam tornar a exposição enfadonha, mas não é o que ocorre.
As curadoras Gabriela Rangel e Tatiana Cuevas, na mostra organizada pelo Museu de Arte de Lima, optaram por um correto equilíbrio entre trabalhos e projetos, obras mais teatrais com outras que demandam maior atenção. De certa forma, isso se inspira no próprio artista, que apresentava muitas de suas ações na arquitetura por meio de colagens fotográficas, tirando do registro um mero caráter documental.
A exposição traz muitas obras de Matta-Clark pouco conhecidas, como a série de desenhos "Árvore da Energia", que produz um intenso diálogo com o registro da performance "Tree Dance" (dança na árvore), de 1971, também na mostra. É nas intervenções arquitetônicas, contudo, que a mostra aponta de fato a relevância de Matta-Clark. Em Paris, Berlim e Nova York, suas ações repensaram edifícios icônicos, e seguem repercutindo nas novas gerações de artistas.
O arquiteto da destruição por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 10 de fevereiro de 2010.
Americano que repudiou o urbanismo com fendas nas paredes, Matta-Clark tem retrospectiva em SP
Um rasgo na lateral de um prédio traz a brisa para dentro e revela a demolição do lado de fora. Dava para ver o esqueleto do Pompidou, em Paris, enquanto retroescavadeiras arrasavam o bairro de Les Halles.
Três anos antes de morrer, em 1978, Gordon Matta-Clark retalhou o vizinho do museu que trouxe discórdia ao centro parisiense. Fazia de seus cortes um interrogatório de estruturas urbanas. Aguçava o olhar para o fracasso da arquitetura."Ninguém sabia o que ele estava fazendo, só mais tarde viram que havia uma lógica na obra dele", lembra à Folha Jane Crawford, viúva do artista tema da retrospectiva que o Museu de Arte Moderna de São Paulo abre amanhã. "Seus amigos todos se contradizem."
Ela conheceu Matta-Clark no vernissage de uma exposição em Nova York. Moravam num SoHo pré-especulação imobiliária e boutique da Apple, um lugar com dois bares e artistas conceituais famintos, tipo Richard Serra. Viveu três anos com Matta-Clark, arquiteto de formação, filho do surrealista chileno Roberto Matta e afilhado de Marcel Duchamp.
"Pediram para fazer um projeto na galeria onde eu trabalhava", conta Crawford. "Ele quis construir um túnel subterrâneo que ligasse a galeria ao prédio do outro lado da rua, que era o banco Chase Manhattan. Não deu certo, mas a gente se deu muito bem."
Matta-Clark, aliás, não conseguiu realizar boa parte de seus projetos. Terminavam sempre num acordo com autoridades, curadores, burocratas. Mas conseguiu rachar uma casa ao meio, perfurar um prédio de escritórios em Antuérpia e mergulhar nos subterrâneos de Paris e Nova York.
Urbanismo e Freud
"Sua relação com a arquitetura era quase freudiana", resume Gabriela Rangel, curadora da mostra. "Era o fim da Guerra do Vietnã, ele promoveu uma mudança de paradigma: a cidade como paisagem política."
Enquanto o fim do conflito lastreava o foco no corpo de seus contemporâneos, a bala no braço de Chris Burden, a masturbação de Vito Acconci, Matta-Clark violava as construções. Queria denunciar utopias que fracassaram antes mesmo de existir e os absurdos da especulação imobiliária.
Em "Fake Estates", comprou lotes de terra diminutos -e inúteis- em Nova York. Eram espaços vazios espremidos entre terrenos já vendidos. Manteve as escrituras dos lotes até morrer. Sua viúva, sem dinheiro para pagar impostos sobre esses terrenos-manifesto, doou tudo ao traficante do bairro.
No MAM, esses lotes aparecem agora em fotografias ao lado das escrituras, documentos que atestam o poder de uma ação que ficou só na memória. Quase todos os cortes de Matta-Clark também foram demolidos, sobrando só vídeos e fotografias para contar a história.
"Esses documentos têm a força de um mito", diz Rangel. "Não é preciso ver a ação, só saber que foi algo contundente."
Têm mesmo poder inegável as fotografias de casas rachadas, frestas abertas à força em blocos de concreto. Mas quem andou por ali sentiu algo mais. "Quando atravessava aquele vão, de um lado para o outro da casa cortada, sabia que havia algo muito errado", lembra Crawford. "Aquele desconforto alertava mais para o perigo, fazia acelerar meu coração."
fevereiro 9, 2010
Celebração ao visível por Carolina Santos, diariodepernambuco.com.br
Matéria de Carolina Santos originalmente publicada no diariodepernambuco.com.br, em 09 de fevereiro de 2010
Jeims Duarte é um artista que trabalha rápido. Em menos de 15 dias ele fez os desenhos e as instalações que compõem sua nova exposição, Crux. São trabalhos que continuam a explorar o tema urbano que marca a carreira desse artista paraibano de 34 anos. Em Crux, a urbanidade está mais presente que nunca: desenhos realistas de postes, fios, instalações de tapumes de construção.
Desenhos e instalações reunidos em Crux, nova coleção de Jeims Duarte, estão em exibição no Mamam no Pátio. Foto: Cecilia de Sa Pereira/DP/D.A Press
"A exposição é uma homenagem ao que eu vejo. Por mais banal, mais rotineiro que seja. É um reconhecimento da estima que tenho pelo que vejo no dia a dia. Uma celebração ao visível", conceitua o artista. A exposição pode ser visitada de terça a sexta-feira, das 9h às 19h; e nos sábados, das 9h às 15h, no Mamam no Pátio (Pátio de São Pedro, casa 17). Nesta semana, devido ao carnaval, só funciona até a quinta-feira e reabre na quinta seguinte.
O artista foi convidado em janeiro para montar a exposição, a primeira do ano no espaço. "A partir dali comecei a pensar no tema que eu iria trabalhar. Ea imagem de um poste não saía da minha cabeça. Um objeto tão banal, mas que eu me reconhecia nele", explica o artista. Nas paredes do Mamam no Pátio, Jeims usou corretivo, grafite, tinta, caneta e outros materiais para desenhar três postes. O primeiro, com uma base com patas, mãos e garras; o segundo, com raízes e o terceiro com tudo que faz parte de um poste jogado na base, ficando erguida apenas uma cruz. "Mas não a cruz como símbolo e sim como forma. Somente uma horizontal e uma vertical. Livre de todos os excessos", explica. A construção dos desenhos não foi programada. "Vou desenhando direto na parede. Tenho apenas uma ideia vaga do que vou fazer", diz. Um esboço de um poste, há muito guardado numa gaveta, foi emoldurado e divide a outra parede com mais três desenhos de postes. "Quis valorizar esse esboço. É como uma lembrança de que o tema estava já presente há algum tempo", afirma.
Projetos - A exposição de Jeims Duarte marca o início de uma nova dinâmica do Mamam no Pátio. "O espaço nasceu para valorizar as residências artísticas e as performances. Mas a partir deste ano vamos também abrigar a produção local", afirma Cristiane Mabel, coordenadora do local. Para este ano serão selecionados três artistas para expor e duas performances. "O processo de escolha será simplificado, através de uma análise do portfólio dos artistas", explica Mabel. O programa de residência também sofreu alterações. Dois artistas pernambucanos vão ser escolhidos para passar dois meses no Centro Dr. José Lourenço, de Fortaleza, ou na Usina Cultural Energiza, de João Pessoa. Um processo de intercâmbio que também vai trazer artistas dessas duas capitais para o Recife. O processo de seleção dos artistas deverá ser aberto após o carnaval.
Exposição "Gordon Matta-Clark: desfazer o espaço" por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 05 de fevereiro de 2010
Confira a entrevista com as curadoras Tatiana Cuevas e Gabriela Rangel. Mostra entra em cartaz no Museu de Arte Moderna de São Paulo a partir de 12 de fevereiro
Em que medida, ao intervir em espaços urbanos abandonados e em edifícios com identidades históricas e culturais bem definidas (como os edifícios parisienses da área do Plateau Beaubourg) a atuação de Gordon Matta-Clark é também sobre a história, ou sobre os critérios de formação da história?
Os edifícios que tiveram intervenção de Matta-Clark não tinham identidades históricas ou culturais definidas, pois eram ruínas urbanas (ou suburbanas, no caso de “Splitting” ou “Bingo”), sem atributos nem valor estético. Daí a importância de seu gesto alegórico efetuado em lugares destinados, por sua função e história, à desaparição. Por outro lado, esse gesto desmantela as noções do que se considera e se valida como histórico e a idéia de monumento. Por isso, Matta-Clark nunca considerou intervir em um edifício de Le Corbusier ou Mies van der Rohe, mas sim mostrar as camadas invisíveis de formação histórica a partir de espaços anônimos, fantasmáticos e sem memória. Um excessão foi, sem dúvida, o Muro de Berlin, onde o artista realizou uma performance, na medida em que não pode intervir na estrutura, por razões óbivas; ou “Window Blow Out”, onde literalmente atentou contra o establishment da arquitetura ao disparar contra os vidros das janelas da sede do Instituto de Arquitetura e Estudos Urbanos de Nova York. Foram trabalhos mais explicitamente políticos e, não raro, relaizados no mesmo ano de 1976.
Matta-Clark já teve suas intervenções urbanas e arquitetônicas comparadas à land art e ao dada (a influência pode ter surgido depois dele ter trabalhado como assistente de Jan Dibbets, Hans Haacke, Dennis Oppenheim, Robert Smithson, entre outros, na montagem da exposição “Earth art”, em 1969). Mas é possível pensar sua obra hoje dentro do escopo da ecologia e de causas pro-sustentabilidade?
Comparar a obra de Matta-Clark com a land art oferece um marco conceitual impreciso e confuso, pois a problemática de suas intervenções alegóricas sobre edifícios se inscreve exclusivamente ao tecido urbano (ou suburbano, no caso de Humphrey St, New Jersey e Niagara Falls) e às interações sociais que ocorrem nele. A land art, ao contrario, concentrou seus esforços em ampliar a idéia de escultura inscrevendo-a na paisagem natural, mesmo que Robert Smithson tenha notavelmente estabelecido uma importante distinção teórica entre o site e o non-site, permitindo-o fundamentar a operação de deslocamento de elementos naturais à galeria de arte ou ao museu. Esse talvez seja um elemento que une a obra de Smithson à de Matta-Clark: o deslocamento de suas extrações arquitetônicas do edifício em ruínas ao museu ou galeria de arte.
Por outro lado, as preocupações de Matta-Clark sempre apontarm para uma busca de soluções auto-sustentáveis, desde “Garbage wall”, obra feita de resíduos e dejetos, até o projeto inacabado de “Loisaida”, com o qual ele obteve a bolsa Guggenheim e que propunha o treinamento de jovens de baixos recursos de Nova York em ofícios de alvenaria e tarefas de construção, o que permitia-os fabricar suas próprias vivendas ou melhorar suas condições de vida. A consciência ecológica também pode ser encontrada em seus escritos e em suas preocupações alquímicas (“Agar-Agar”, “Glass Brick”, “Lead pieces”) ou sobre a reciclagem (“Winter garden: mushroom and wastebottle recycloning cellar”), correspondentes ao período (em que viveu em) 112 Greene St, assim como durante a gestão das idéias sobre “anarquitectura”.
Um “Garbage wall” foi exposto na 27ª Bienal de São Paulo. Mas que intenção Matta-Clark tinha com esse projeto, ou com outros como as “Basket houses”: eram objetos escultóricos para ser exibidos em espaços expositivos ou eram projetos anti-institucionais, concebidos para terem aplicação prática em contextos urbanos dos Estados Unidos ou de outros países?
“Garbage wall” é um trabalho que recupera a idéia de reciclagem e pode ser realizado em qualquer lugar, seguindo as especificações do artista. “Basket houses”, ao contrario, foi um projeto utópico, ou seja, um projeto sem lugar, não realizado e, portanto, é difícil considerá-lo nesses termos.
A exposição vai trazer à tona a dimensão teórica de Matta-Clark, exibindo meditações filosóficas do artista?
Uma parte importante do trabalho de Matta-Clark é sua relação com a escritura, equiparável de alguma forma àquela que Helio Oiticica teve com a escritura (mesmo que menos desenvolvida no caso de Matta-Clark). Não é coincidência o artista ter estudado literatura na França nos anos 60, durante um Período fundamental para sua formação. Nesse sentido, a influencia do conceitualismo surgido nos anos 60 é considerável na recuperação da escritura como instrumento de inscrição e ao mesmo tempo como vetor lingüístico.
Mesmo que Matta-Clark não tenha deixado escritos teóricos extensos, sua escritura fragmentária, quase aforística, anotada em cartões e cadernos, e suas meditações sobre os projetos que ia desenvolvendo, dão conta de sua importância na consolidação de uma poética própria. Por outro lado, os títulos irônicos que dava aos seus trabalhos (às vezes vários para uma só obra) evidenciam o peso da escritura.
E como será explorada na exposição a dimensão coletiva de seu trabalho, promovida, entre outros momentos, no restaurante “Food”, que ele abriu com amigos, em 1971, no SoHo novaiorquino e era considerado um trabalho artístico?
“Food” será apresentado dentro do contexto das investigações alquímicas de Matta-Clark. A dimensão coletiva desse projeto será mostrada através de vídeos, fotografias e documentação disponível sobre o restaurante, que serão dispostos em ordem cronológica, em relação a obras performáticas como “Tree dance”, “Open house” e “Fresh air cart”, ou mesmo à série de fotografias de “Anarquitetura”, que foram feitas coletivamente por Matta-Clark e um grupo de amigos, colocando em questão a idéia de autor. Nesse sentido, “Anarquitetura” é um conceito que Matta-Clark foi desenvolvendo através de um conjunto de opiniões residualmente formadas por um coletivo – o mesmo que colaborou em “Food” e que foi se desmembrando à medida em que o artista começou a fazer intervenções em edifícios.
fevereiro 8, 2010
Visões de um anarquiteto por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 05 de fevereiro de 2010
Primeira retrospectiva de Gordon Matta-Clark na América do Sul revela uma obra com consciência ecológica e soluções autossustentáveis
Quando Nova York vivia seu boom imobiliário e financeiro, fruto do crescimento econômico que consolidou os Estados Unidos como potência mundial, Gordon Matta-Clark (1943-1978) formava-se em arquitetura. Naquele final de década de 60, no entanto, o jovem arquiteto interessava-se menos por torres que escalavam os céus do que por estruturas abandonadas da periferia e por sistemas subterrâneos da cidade. Em vez de construir, seu projeto era “cortar” edifícios, ou “desfazer espaços”, como diz o título de sua exposição retrospectiva itinerante, que chega a São Paulo depois de passar por Santiago do Chile e antes de seguir para Lima. Matta-Clark interessava-se pela situação paradoxal de um contexto urbano em que conviviam modernização e abandono. Em 1971, quando Wall Street investia na construção das torres gêmeas do World Trade Center para estimular o crescimento econômico do sul da ilha, Matta-Clark documentava a miséria das pessoas que viviam na região, no filme “Fire Child”. Foi quando começou seus projetos de perfurações de edifícios condenados ao desaparecimento e a gestar suas ideias de “anarquitetura”. “Como estes edifícios existiam fora da sociedade e não se inseriam dentro dos objetivos de proteção da propriedade, estavam aí para quem quisesse. Os cães selvagens, os drogados e eu utilizamos estes espaços para resolver algum problema vital; no meu caso, a falta de um lugar de trabalho socialmente aceitável”, declarou o artista em entrevista, em 1977.
Seus primeiros cortes foram subversivos, já que não conseguia permissão oficial para projetos de intervenção urbana. Mas o artista não tardou a ter o trabalho reconhecido pelo sistema de arte internacional. Em 1975, ele foi convidado pela Bienal de Paris a cortar dois edifícios do século 17, que seriam demolidos na área do Plateau Beaubourg, próximo ao novo edifício do Centro Pompidou – que, por sinal, foi construído debaixo de muita polêmica. Hoje, as imagens documentais de “Conical Intersect” integram o acervo do museu francês, constituindo uma espécie de memória de sua pré-história. Para combater a monumentalidade da arquitetura moderna, Matta-Clark inventou o conceito do “no nument” (algo como não monumento). “As preocupações de Matta- Clark sempre apontaram para uma busca de soluções autossustentáveis, desde ‘Garbage Wall’, feita de resíduos e dejetos, até o projeto não concluído em que propunha o treinamento de jovens de baixos recursos de Nova York em ofícios de alvenaria e construção”, afirmam por e-mail as curadoras Tatiana Cuevas e Gabriela Rangel.
Em vez de aderir a programas oficiais de renovação – que previam a demolição de áreas históricas deterioradas –, o artista tinha ideias para melhorar a qualidade de vida de populações excluídas dos planos especulativos de Wall Street. Entre essas populações, incluíam-se também povos do Equador, Chile, Peru, Haiti, México e Guatemala. Filho do artista surrealista Roberto Matta, de origem chilena e residente nos EUA e na Europa, Gordon Matta-Clark conhecera o Chile ainda menino.
Catálogo apresenta todas as instalações de Waltercio Caldas por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 6 de fevereiro de 2010
Livro sobre exibição no Museu Vale, em Vila Velha (ES), organiza obras do artista compondo uma nova exposição
Catálogos de exposição costumam restringir-se apenas às obras expostas ou, no máximo, a usar outras obras como referência. Mas "Salas e Abismo" é muito mais que um catálogo normal. O livro será lançado até o fim deste mês, por ocasião da mostra de Waltercio Caldas, com o mesmo nome da publicação, no Museu Vale, em Vila Velha, no Espírito Santo.
Além de imagens das nove instalações de Caldas no museu, o catálogo apresenta todas as instalações já realizadas pelo artista, num total de 25, em importantes mostras, como a Bienal de Veneza e a Documenta de Kassel (Alemanha).
Algumas delas são inéditas no Brasil, como "Quarteto Amarelo" e "Quarteto Azul", ambas de 1999, expostas no Centro Galego de Arte Contemporânea, em Santiago de Compostela (Espanha). O livro traz ainda três textos críticos: de Paulo Venâncio Filho, curador da mostra em Vila Velha, Paulo Sérgio Duarte e Sonia Salzstein.
Caldas, num dos típicos procedimentos da arte contemporânea, costuma realizar um intenso diálogo com a história da arte, sem, contudo, gerar uma mera ilustração dessa temática.
É assim, por exemplo, que ocorre com "Maçãs Falsas" (2008), exposta na Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa, na qual maçãs são dispostas em mesas com vidros entre elas, multiplicando suas imagens, num debate sobre a natureza-morta como gênero da pintura.
Já na série "Veneza", exposta na Bienal de Veneza de 1997, as referências se tornam mais explícitas. Em fios metálicos, que criam formas como vasos e copos, Caldas cola pequenos apêndices com nomes de artistas como Picasso, Renoir, Duchamp e Bosch. Em seu texto, Salzstein detém-se na análise dessa mescla entre palavra e imagem: "Esse trânsito desimpedido entre "ler" e "ver", que faz pensar na provável afinidade do artista com a tradição das correspondências sinestésicas da poesia simbolista e com os jogos entre signos gráficos e visuais tão ao gosto de Mallarmé, por certo influi no modo peculiar como "bidimensionalidade" e "tridimensionalidade" se comutam livremente em seu trabalho."
Nesse trecho, pode-se perceber uma das questões centrais na obra de Caldas, que é a discussão sobre representação, muitas vezes criando, com suas instalações, simples desenhos no espaço, como ocorre em "Próximos", de 2005. No livro, as obras não seguem uma ordem cronológica, mas foram organizadas a criar uma sequência que aproxima a publicação de uma nova exposição. Catálogos assim deveriam se tornar mais comuns.
Brinquedo simula mercado de arte por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 7 de fevereiro de 2010.
Galeristas ficam por último e curadora vence partida do jogo de tabuleiro que simula vendas de obras em leilões e galerias
"O jogo inteiro é baseado em sorte, não na inteligência", avalia Márcia Fortes, da Fortes Vilaça, que jogou Mercado de Arte a convite da Folha
Numa tarde ensolarada, dois curadores, duas galeristas e dois artistas se juntaram numa briga para ver quem sai ganhando no mercado de arte.
Encarnando peões coloridos num tabuleiro, onde lances de dados decidem os rumos, Márcia Fortes, sócia da Fortes Vilaça; Eliana Finkelstein, dona da galeria Vermelho; Felipe Chaimovich, curador do Museu de Arte Moderna; Fernanda Lopes, do Centro Cultural São Paulo; e os artistas Claudio Bueno e Gui Mohallem simularam a luta a convite da Folha.
Jogaram uma partida do recém-lançado Mercado de Arte, brinquedo que tenta imitar os mandos e desmandos do dinheiro sobre a criação artística.
Isso tudo numa escala reduzida, é claro. Não tem obras de Cildo Meireles, Beatriz Milhazes ou Nuno Ramos. Não tem Sotheby's ou Christie's. Muito menos o Masp ou a Pinacoteca. O jogo se ancora na figura de uma única -e quase desconhecida- artista chamada Sônia Menna Barreto, suas obras de arte e até sua produção de xícaras, pôsteres e objetos afins.
Preside sobre a sorte dos jogadores a ira ou a benevolência do banco Menna Barreto, que distribui dinheiro, determina o valor das obras e aplica multas aos que blefam nos leilões.
"Esse banco é terrível", exclama Felipe Chaimovich, a certa altura do jogo, vítima de um desfalque financeiro. Passado um tempo, já detentor de uma loja de xícaras e da tela "Cinderela", ele controla a grana: "É verdinho em cima de verdinho, é assim que se faz".
No placar final, o curador do MAM não foi bem. Escolhas duvidosas acabaram deixando Chaimovich com um patrimônio tímido e pouco dinheiro no banco, mas ainda bem à frente de sua rival Márcia Fortes.
Na vida real, ela é sócia da galeria mais poderosa do país e representa os reais e muito conhecidos Nuno Ramos, Beatriz Milhazes e Adriana Varejão, para citar alguns. No jogo, Fortes não comprou quase nada, rejeitou boa parte das obras, que achou de "estilo duvidoso", e incitou a concorrência entre os outros participantes.
"Esse jogo só vai prestar para a reavaliação de rumos", desabafa ela, em tom jocoso. "Quer um emprego como diretor de galeria de arte? Tem várias viagens internacionais, champanhe", oferece aos adversários.
Nesse momento, disputava com o artista Gui Mohallem uma tela que estava nas mãos de Eliana Finkelstein. Mohallem, jovem artista na vida real, dominava o jogo, com o maior volume de obras e dinheiro em caixa. Finkelstein, também não muito capitalizada na ficção, esperava aumentar as ofertas para decidir o destino da obra.
"A gente não pode fazer um "deal'? Você me dá sua obra e eu dou a minha, um "business'", pedia Finkelstein. "O negócio é esperar a hora em que o cara está mal de grana para comprar o que você quer", ensina.
"A Eliana está se revelando uma loba", disse Fortes, depois de perder a longa disputa. "Não é à toa que faço análise."
Artistas e banqueiros
Mas os conselhos do terapeuta não evitaram que a marchand bem-sucedida terminasse o jogo em penúltimo lugar. "O jogo inteiro é baseado em sorte, não na inteligência", avalia. "Eu sempre disse que tinha que sair desse negócio."
No fim das contas, Mohallem, artista, terminou em segundo lugar, atrás de Fernanda Lopes, curadora do CCSP. Se a ficção imita a realidade, faz sentido, já que o poder dos curadores, acima de galeristas e artistas, está mais do que consolidado no circuito global.
Não é nem preciso lembrar que Hans Ulrich Obrist, curador da Serpentine Gallery, em Londres, foi eleito número um da lista das cem pessoas mais influentes no mundo das artes plásticas pela revista "Art Review". Lopes tem menos fama, mas arrasou no tabuleiro.
Em sintonia com artistas de sua geração, acostumados com um mercado vigoroso e valores avantajados, Mohallem chegou ao fim da disputa com uma fortuna em mãos. "Quando quero falar de arte, eu ligo para um banqueiro", resume Fortes. "Quando quero falar de dinheiro, ligo para um artista."
Escolha e disposição das obras revela falta de ousadia por por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 6 de fevereiro de 2010
A exposição "Coleção sob Guarda Provisória do MAC USP" é bastante representativa do que significou o mecenato privado na última década: apenas sob decisão judicial coleções importantes, com raríssimas exceções, foram entregues a museus.
Enquanto no resto do mundo grandes colecionadores tornaram-se parceiros de museus existentes, como o empresário Eli Broad, que doou US$ 60 milhões para o Los Angeles County Museum abrigar parte de sua coleção, por aqui, e principalmente através da Lei Rouanet, continua sendo o Estado o grande provedor dos museus públicos e privados.
No entanto, a exposição "Coleção sob Guarda Provisória do MAC USP" poderia ser uma excelente oportunidade para uma entidade como o MAC -que ainda neste ano deve ocupar parte de sua nova sede, no antigo edifício do Detran- debater o papel atual do mecenato.
Nada seria mais apropriado, afinal o próprio MAC surgiu a partir da impressionante coleção particular de Ciccillo Matarazzo, além do acervo do Museu de Arte Moderna de São Paulo, uma das estranhas histórias da arte brasileira.
Em vez disso, os curadores do MAC organizam uma exposição burocrática, que trata os três acervos recebidos (do Banco Santos, de Edemar Cid Ferreira, do megainvestidor Naji Nahas e do narcotraficante Juan Carlos Ramírez Abadía) de forma envergonhada, sem assumir, com um debate necessário, sua questionável origem.
Às vésperas de ocupar um espaço com reais condições museológicas e adequadas a seu acervo, o MAC, com essa exposição, sinaliza sua maior fraqueza: a falta total de ousadia. Esse desânimo se espelha na mostra e pode ser conferido também na seleção e na forma de disposição de suas 118 peças: cada coleção apreendida possui uma cor distinta na legenda das obras, e só.
Segundo a exposição, Nahas teria o acervo mais requintado, com modernistas de peso como os brasileiros Di Cavalcanti e Portinari, além do espanhol Joan Miró.
Mas, das mais de mil obras do Banco Santos, a impressão é que se optou pelas mais pitorescas, com algumas exceções como Cildo Meireles, Leda Catunda e Amilcar de Castro. Assim, não é de se estranhar que coleções privadas fujam dos museus públicos.
Juiz diz que descobriu arte por meio de Edemar, Naji Nahas e Abadía por Fernanda Mena, Folha de S. Paulo
Matéria de Fernanda Mena originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 6 de fevereiro de 2010.
Quando entrou pela primeira vez no depósito da rua Mergenthaler, que guardava as obras da Cid Collections, de Edemar Cid Ferreira, o juiz da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, Fausto De Sanctis, pensou que a tela do norte-americano Frank Stella ali guardada era uma cortina.
"Até aquele momento, sabia pouco de arte. Mas quando vi aquela quantidade de quadros e esculturas, percebi que precisava me informar", lembra.
Admirado por uns, criticado por outros, o juiz faz parte de um grupo de titulares de varas especializadas em crimes financeiros, e introduziu a prática de alienação antecipada de bens de condenados.
Depois de apreender e encaminhar a museus sob guarda provisória a coleção de Edemar, considerada uma das mais importantes do hemisfério Sul, De Sanctis deu o mesmo destino às obras do investidor Naji Nahas e do megatraficante Juan Carlos Ramirez Abadía.
"No meu entendimento, lugar de obra de arte é no museu", disse o juiz à Folha.
FOLHA - O senhor gosta de arte?
FAUSTO DE SANCTIS - Eu gosto muito de arquitetura e sempre gostei de arte, apesar de nunca ter sido profundo conhecedor.
FOLHA - Seu interesse mudou após as apreensões de obras pela Justiça?
DE SANCTIS - Totalmente! O contato com diretores de museus e as explicações que me eram passadas sobre as obras e sua importância me fizeram vê-las com outros olhos. Vi uma tela de Frank Stella de 16 metros de altura e achei que fosse uma cortina. Depois que fui entender a importância dessa obra e também da coleção de fotografias, que preencheu lacunas do acervo do MAC.
FOLHA - Qual coleção apreendida mais o impressionou?
DE SANCTIS - Fiquei impressionado com os dois Boteros que o Abadía tem na Colômbia. E, obviamente, com a coleção do Banco Santos, que impressiona também pela dificuldade em administrar tudo aquilo.
FOLHA - Tem artistas preferidos?
DE SANCTIS - Esses mais modernos aí. O próprio Frank Stella e o Damien Hirst [artista britânico], que me interessou muito e cujo trabalho passei a seguir.
"Não sou apegado a bens materiais", diz Edemar por Fernanda Mena, Folha de S. Paulo
Matéria de Fernanda Mena originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 6 de fevereiro de 2010
Ex-banqueiro costuma visitar mostras que tragam obras de sua coleção de arte
Condenado por fraude e formação de quadrilha, ex-controlador do Banco Santos teve 12 mil obras apreendidas pela Justiça
Toda vez que vai aparar os cabelos no Jassa, o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira tem de encarar duas esculturas do italiano Galileo Emendabili (1898-1974) que pertenceram a sua coleção, mas que hoje estão expostas na praça Luís Carlos Paraná, no Itaim Bibi, zona oeste de São Paulo.
São duas das cerca de 12 mil peças que compunham a célebre (e bilionária) coleção de arte do ex-controlador do Banco Santos.
Condenado sob acusação de fraude e formação de quadrilha, ele teve parte da coleção sequestrada pela Justiça Federal em 2005 e colocada sob guarda provisória de diversos museus de São Paulo, entre eles, o Museu de Arte Contemporânea (MAC) -que exibe 83 obras de sua coleção desde janeiro- e o Museu de Arte Sacra.
Desde que deixou a prisão, em agosto de 2006, após 89 dias encarcerado, Edemar mantém uma rotina de visitas às exposições em que figuram obras da coleção que mantém em nome da empresa Cid Collections.
"Visitei todas, menos esta de agora, porque não sabia que ela existia", disse, por telefone, à Folha. (FERNANDA MENA)
FOLHA - Como são suas idas a museus para ver obras da sua coleção?
EDEMAR CID FERREIRA - Eu sinto um prazer imenso em vê-las expostas. Primeiro porque não sou um colecionador que tem sentimento de propriedade. Segundo porque sempre quis mostrar a cultura brasileira.
FOLHA - Então não sente falta de tê-las em sua casa?
EDEMAR - Não. Não tenho saudades de nenhuma. Não sou apegado a bens materiais. Sou desprendido. Tenho apego apenas por um quadro da minha mãe, que, mesmo amadora, pintava bem. Embora essas obras sejam minhas -minhas não, das empresas que eu administrava-, desde que estejam sendo expostas, está ótimo.
FOLHA - O sr. não se importaria se as obras fossem mantidas nos museus onde estão hoje?
Edemar - Não! Mas acho que tem um aspecto jurídico: a decisão está errada porque não devo esse dinheiro que dizem que eu devo. Se elas ficarem nos museus, não tem o menor problema. Se forem a leilão, acho que as coleções de mapas, de cerâmica etc. não deveriam ser fracionadas porque elas perdem o valor do conjunto.
FOLHA - O mercado de arte serve para lavagem de dinheiro?
EDEMAR - Não vejo assim! Desde que tenha origem, recibo, não tem lavagem. Mas obra de arte, em geral, não exige recibo. Cadê o recibo? Cadê a declaração? Não se faz! Talvez venhamos a fazer por uma questão de educação fiscal. Mas essa história de lavagem de dinheiro é uma grande besteira. Nunca tinha ouvido falar disso daí. Não acho que o Naji nem o Abadía nem eu fizemos isso. O Naji é um homem "clean".
FOLHA - Por que, então, suas obras estão expostas com as deles?
EDEMAR - Acho que é um trabalho político, no sentido de mostrar que a justiça está sendo cumprida eficazmente.
Mercado de arte pode lavar dinheiro ilícito por Fernanda Mena, Folha de S. Paulo
Matéria de Fernanda Mena originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 6 de fevereiro de 2010
A falta de controle rigoroso nas transações de compra e venda de obras de arte é o que torna esse mercado fértil para operações de lavagem de dinheiro de origem ilícita.
Segundo o presidente do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), Antônio Gustavo Rodrigues, há uma resolução do órgão de 1999 que criou procedimentos a serem observados numa transação envolvendo bens artísticos e antiguidades. Ela determina que operações suspeitas (que envolvam dinheiro em espécie, em que o comprador resiste a ser cadastrado, em que haja pagamento com recursos vindos do exterior etc.) devam ser comunicadas ao órgão.
No ano passado, apenas duas transações de obras de arte foram apontadas ao órgão como suspeitas. Para se ter uma ideia, o setor imobiliário, no mesmo ano, comunicou 3.142 transações suspeitas; o setor de joias, 23.
"Falta essa consciência entre galeristas", diz Rodrigues. "O que muitos não sabem é que a não comunicação dessas transações pode acabar envolvendo o vendedor da obra na ação criminal como cúmplice", alerta.
Arte daqui pra frente por Júlia Lopes, Opovo
Matéria de Júlia Lopes originalmente publicada no Opovo, em 8 de fevereiro de 2010
Para marcar os dez anos do Museu de Arte Contemporânea, a exposição pra começo de século abre, amanhã, reunindo artistas de diversas origens do Brasil e da América Latina
Um apanhado diverso, com muitos suportes, ideias variadas, todas sob o imenso & e por vezes mal compreendido & conceito da arte contemporânea. O que pode a arte? Abre amanhã, às 19h, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, a exposição Pra Começo de Século, com possíveis respostas. A ideia que conduziu a escolha dos 12 artistas convidados, segundo o curador e gestor do Museu, José Guedes, traça um paralelo com os 10 anos de existência do MAC, comemorados este ano: artistas ``que deslancharam nessa virada de século, que abordam muitas questões de expansão das técnicas``. E mais: ``Acredito que o recado que eles estão dando hoje vai contribuir pra construção de um alicerce pras gerações futuras``.
Dos 12, quatro são cearenses, dois vieram de São Paulo, um do Rio de Janeiro e mais um do Distrito Federal. Os últimos quatro são de países da América Latina & Paraguai, Bolívia, Uruguai e Cuba. ``Procuramos, na escolha dos artistas para essa exposição, acompanhar uma linha de trabalho que já desenvolvemos``, coloca Guedes. Ou seja: intensificar o intercâmbio com a América Latina. Ele indica, ainda, outra linha que pode sugerir uma ligação entre os trabalhos. ``Existe uma questão do desenho. Os espinhos do Euzébio Zloccowick, por exemplo, têm um desenho, expandidos para uma amplitude tridimensional``. Mas os trabalhos sempre sugerem diversas leituras. A do próprio artista, por exemplo, aponta para outro caminho.
``Você está numa sala, dentro de um museu, que é um lugar de proteção. Mas a sala toma sentido contrário: se você vacilar, pode se machucar``, conta Euzébio. Ele teve para si dois espaços do MAC, que encheu de espinhos colhidos no sertão alagoano. ``No Natal de 2009 fiz a colheita, no sítio em Major Isidoro, pequena cidade de Alagoas. E passei a trabalhar durante um mês``, detalha. O problema da desproteção é recorrente nos trabalhos do artista: estátuas de santos já foram cobertas de espinhos, gaiolas foram forradas deles.
Um processo também laborioso foi o de Sabyne Cavalcanti, que escavou uma das entradas de grama da Praça Verde do Dragão, no Projeto Acampamento. O mesmo desenho que foi cavado ficou ao lado do buraco, como uma espécie de bolo de três andares. ``Podemos pensar esta descida como um encontro entre vida e morte, é só lembrarmos, que para os Astecas, a terra é a mãe criadora, mas também aquela que se alimenta dos mortos, sendo, portanto também destruidora``, escreveu ela no blog que mantém para divulgar o projeto (www.projacampamento.blogspot.com).
Outro destaques da mostra é a boliviana Narda Alvarado, que chega a Fortaleza depois de ter exposto na única edição da Bienal Ceará América, em 2002, que aconteceu no Dragão, nos galpões da RFFSA e na Casa Boris. ``Estou trazendo trabalhos de diferentes anos, mas de um mesmo temas de ideias``, explica a artista. ``Trabalho essas ideias como matéria prima, e tento formar um todo com essas elas. Há um vídeo animação, também tem um power point e desenhos, muitos desenhos de ideias``, indica, por telefone. Ela já estava em Fortaleza para a montagem da exposição na semana passada.
Acervo
A trajetória do MAC, apesar da história recente, já conta com algumas polêmicas, altos e baixos. Ao sucesso da mostra que trouxe reproduções das obras do francês Auguste Rodin ao Ceará, em 2000, seguiu-se um período de menor visibilidade. A curadoria daquele período também estava a cargo de José Guedes, que ficou de 1999 a 2003. Com a saída dele, assume a critica de arte Luíza Interlenghi. Ela deixou o cargo em 2005, quando passa a gestão para o curador Ricardo Resende, escolhido através de um conselho curador. Ricardo dirigiu o MAC com o auxílio desse conselho, formado pelos críticos Rodrigo Moura, Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias. Naquele ano de 2005, o acervo contava com 55 obras.
Um dos projetos de Ricardo era ampliar esse acervo, parte fundamental para a existência de um museu. Em dois anos ele conseguiu transformar o número, deixando, em 2007, o Museu com 600 obras. José Guedes, numa indicação do irmão do governador, Ivo Gomes, volta a ser o gestor do Museu, saindo, portanto, Ricardo. Na época houve protestos dos artistas que pretendiam a permanência deste.
Hoje, o MAC conta com 900 obras na sua reserva técnica. Mas o número está longe de ser o ideal. O Museu de Arte Moderna de São Paulo, por exemplo, tem cerca de seis mil itens, enquanto no Museu de Arte Contemporânea da USP são quase oito mil. O número de exposições também não é animador. Segundo Guedes, nesses dez anos foram 136 mostras, 39 delas feitas em parceria ou totalmente custeadas por outras instituições, como a mostra Arte Pop, que foi feita com investimento estadual. ``O orçamento do Mac é de R$ 14 mil. Quando não é suficiente, recorremos a outras fontes``, esclarece Guedes.
Sob custódia por Fernanda Mena, Folha de S. Paulo
Matéria de Fernanda Mena originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 6 de fevereiro de 2010
Exposição reúne obras das coleções do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, do investidor Naji Nahas e do narcotraficante Juan Carlos Ramirez Abadía no MAC do Ibirapuera
Há 20 dias, o Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, no parque do Ibirapuera, inaugurou uma exposição inusitada sem coquetel nem divulgação. "Coleções sob Guarda Provisória" reúne as coleções que um dia decoraram mansões ou escritórios do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, do megainvestidor Naji Nahas e do narcotraficante colombiano Juan Carlos Ramirez Abadía.
É a primeira vez que o MAC reúne os três acervos em uma grande exposição: são 108 quadros e esculturas que abrangem obras de Joan Miró, de artistas brasileiros de renome, como Di Cavalcanti, Portinari, Cildo Meirelles e Amílcar de Castro, e de outros menos conhecidos.
A diretora do MAC, Lisbeth Rebollo, consegue decifrar o perfil de cada colecionador sub judice a partir das obras que recebeu: Edemar teria perfil nacional e internacional, Nahas cultivava gosto especial por arte brasileira moderna e Abadía investia apenas em arte brasileira contemporânea.
Apesar disso, segundo ela, não há uma problemática estética por trás dessa montagem. "Tanto é que elegemos um título genérico para a mostra."
Estética da lavagem
Para o juiz Fausto De Sanctis, titular da 6ª Vara Criminal Federal de São Paulo, responsável pelo sequestro das obras do ex-banqueiro, do megainvestidor e do narcotraficante, qualquer lógica estética pode ser substituída por uma leitura curatorial de cunho, digamos, criminal (leia quadro ao lado).
"Essas obras de arte foram compradas com dinheiro ilícito. Elas são a concretização do crime da lavagem de dinheiro", explica De Sanctis.
O juiz, que integra um grupo de titulares de varas especializadas em crimes financeiros, entregou as coleções sob guarda provisória de sete instituições culturais de São Paulo, entre elas o MAC. A destinação permanente das coleções só pode ser dada após o término dos processos.
A exposição seria, portanto, fruto de um mercado que não preza pelo controle, tornando-se vulnerável a operações de lavagem de dinheiro.
Obras no exterior
Depois de apreender as três coleções, a Justiça Federal fez acordos de cooperação internacional para trazer ao país obras de Edemar e de Abadía encontradas, respectivamente, nos EUA e na Colômbia.
Na Colômbia, foram localizados dois quadros de Botero, avaliados em cerca de US$ 400 mil (R$ 750 mil) cada, e mais de 70 obras de latino-americanos de pouca expressão.
Nos EUA, foram encontradas cinco pinturas de propriedade da Cid Collections, empresa que administra a prestigiosa coleção de Edemar, que haviam desaparecido depois que o ex-controlador do Banco Santos passou a ser investigado por fraude e lavagem de dinheiro.
Entre elas está "Hannibal", de Jean Michel Basquiat, avaliada em US$ 8 milhões (cerca de R$ 15 milhões).
As obras estavam prontas para serem repatriadas quando uma decisão do STJ (Supremo Tribunal de Justiça) do ano passado emperrou o processo ao determinar que é o juiz responsável pelo processo de falência do Banco, Caio Marcelo de Oliveira, e não o juiz federal criminal, é quem decidirá o destino definitivo das obras.
Com isso, a coleção tende a integrar a massa falida do Banco Santos (empresa que é formada no momento da decretação de falência de uma empresa) e ir a leilão para o pagamento de credores do banco.
"Se você tem uma dívida e um Picasso, vai vendê-lo para pagar o que deve. No caso de um banco é a mesma coisa.", diz Vânio Aguiar, interventor no Banco Santos. "Existe um conflito de competência."
Ainda assim, a Advocacia Geral da União (AGU) entrou com um recurso no STF (Supremo Tribunal Federal) para que a coleção não seja integrada à massa falida do banco, permanecendo nos museus, que aguarda julgamento.
Museu x leilão
Enquanto o debate prossegue nos tribunais, no limiar entre questões jurídicas e culturais, especialistas e instituições defendem que as obras permaneçam nos museus. Um dos argumentos já utilizados pela reitoria da USP é que foram investidos até hoje mais de R$ 1 milhão com restauro, manutenção, armazenamento e exposição das peças apreendidas.
Mário Chagas, diretor do departamento de processos museais do Ibram (Instituto Brasileiro de Museus), órgão ligado ao Ministério da Cultura, as obras do Banco Santos "têm dimensões de interesse coletivo com função social pública". "São peças de valor cultural, histórico e artístico, algo muito mais importante que seu valor financeiro. A idéia de irem a leilão é um perigo."
Para o curador Ivo Mesquita, as obras deveriam ter acesso público garantigo. "Obra de arte é uma forma de capitalização, mas eu sou um patrimonialista e acho que obras importantes deveriam permanecer nos museus."
fevereiro 5, 2010
Curadores da 29ª Bienal de SP debatem os rumos da mostra por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 4 de fevereiro de 2010
Após mais de dez horas de debates, anteontem, com toda a equipe curatorial da 29ª Bienal de São Paulo, o curador geral da mostra, Moacir dos Anjos, e a espanhola Chuz Martinez, curadora assistente da mostra, além de curadora-chefe do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, falaram por cerca de uma hora com a Folha. Leia a seguir a íntegra da entrevista:
Folha - A diretora-geral da Documenta de Kassel, Carolyn Christov-Bakargiev, disse em entrevista à Folha, que bienais são laboratórios, vocês concordam?
Chus Martínez - Durante os anos 1990, falava-se muito em laboratório de experimento, e é um termo muito usado, mas que ainda têm significado. Quando se fala de experimento, não quer dizer que não saiba o que se faz, de sorte que não se sabe e nem se queira saber o resultado exato de onde se quer chegar, mas que se joga com alguns parâmetros possíveis de controle para se estudar algo. Nesse sentido, a Bienal de São Paulo é ultraespecífica, o que significa muito, não só para as pessoas de São Paulo, como para todo o continente e o resto do mundo. É uma bienal que não possui só eventos, mas tem uma vida histórica que se repete, e de certa forma reverbera em cada uma de suas edições. É normal pensar que não é só um laboratório mas uma academia para expor, pensar e refletir como se constrói a história da arte no país, no continente latino-americano e como é a história da recepção entre os próprios países. É um lugar fundamental para estudar a produção artística, como se relaciona essa produção com sua própria história, e como sua história se relaciona com a produção de outros. Assim, é um momento fundamental de sincronização de muitas energias, maneiras de fazer, de um evento que vai muito mais além de um momento festivo, eu diria para todos, mas, sobretudo, para o continente. Nós, de fora, vemos isso com mais força, porque existe a Bienal de Veneza, a Carnegie International [nos EUA] e a Bienal de São Paulo e há poucas outras com essa história, além da Documenta, e todas refletem não o "branding" (a criação da marca) de uma cidade, como ocorreu nos anos 1990, mas uma história da vontade de uma comunidade artística em posicionar uma produção e pensá-la de forma sistemática. A cada dois anos, com isso, são criados pontos de encontro e por isso a possibilidade da Bienal de São Paulo desaparecer a foi um escândalo, já que ela representa muito mais que uma exposição.
Folha - E o que será, então, a 29ª Bienal?
Moacir dos Anjos - Há vários aspectos em que a Bienal vai exercer esse papel de pensar as questões de um modo, como Chus falou, não de uma maneira anárquica, mas de uma maneira investigativa, um laboratório tem esse aspecto de investigar aquilo que não se sabe ainda exatamente o que é, mas que ainda assim é importante buscar.
O que temos trabalhado muito nesses dias é investigar novas formas de construir formas de relação entre o público e a obra. Outra questão que norteia nossas discussões é como pensar a arte internacional a partir de um país como o Brasil, que nesse momento passa por uma situação especial na geopolítica do mundo, em conjunção com uma série de outros países que também assumem papel crucial. E não é apenas uma mudança de forças geopolíticas, mas a emergência de forças que não atuavam, o que muda a equação e fazer uma exposição no Brasil, nesse momento, tem um significado especial.
Folha - A casa de leilão Phillips de Pury vai organizar um leilão dedicado, pela primeira vez, apenas com obras de países do BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), em abril. É a essa nova cena que vocês se referem?
Dos Anjos - A definição do BRIC passa por outros fóruns que não é a da reflexão artística e nós não estamos, de forma alguma, amarrados a essa necessidade de afirmar um bloco formado por esses quatro países. Nosso papel, aliás, é desenhar outras possibilidades de associação.
Martínez - Não é uma questão desde onde, mas de que falamos. Uma vez que se saiba o que se quer falar, ficará muito claro para quem. Não se busca primeiro as pessoas para se começa a conversar, mas primeiro é preciso ter algumas preocupações e então buscar parceiros para um diálogo sobre tais assuntos. Há muitas confusões, por um lado as pessoas estão cansadas de falar do mundo globalizado e da mundialização, mas, por outro, de formas mais raras e diferentes, se volta à noção de estado-nação e nacionalidades. E creio que a arte, se tem algo, é questionar essas noções estritamente políticas de fronteiras e separar realmente as perguntas e não os passaportes.
Folha - Nesse sentido, depois de dois dias discutindo o projeto da Bienal, que perguntas vocês querem fazer?
Martínez - De forma geral, o interessante nessas reuniões é que as pessoas estão preocupadas em como se faz um projeto substantivo, em como se relaciona um projeto substantivo, que tenha significado para o momento em que se abra ao público, com a mesma história desse projeto. E, finalmente, como se reverbera o que se faz em São Paulo em outras comunidades fora da cidade. Nesse sentido, a discussão tem se focado em novas formas de falar, novas formas de investigar, novas formas de ser substantiva. Ter a coragem de, desde uma exposição, apelar a formas de investigação que vão além da arte de mostrar, mas que quer recorrer ao pensar, à escritura, à academia, à própria memória histórica. Nesse sentido é um dicionário de preocupações que não tem ainda nome e sobrenome, mas tem um itinerário sólido de que não seja apenas um evento.
Dos Anjos - Resumindo, uma questão fundamental que se quer fazer é qual a relevância de organizar a Bienal de São Paulo, hoje. Não é simplesmente organizar uma mostra, mas é algo além disso: criar uma forma de entendimento do mundo, uma forma de geração de conhecimento e afirmar a necessidade da arte para pensar o mundo. Essa é a ambição.
Martínez - É aproximar o público, qualquer que seja sua filiação, de moradores de rua a envolvidos na academia, familiarizando-os com os modos e métodos de trabalho dos artistas. Os artistas não apenas proporcionam uma imagem ou um resultado final, eles são agentes duplos, eles são dos poucos personagens que habitam muitos mundos e por conta dessa capacidade, eles são os melhores investigadores.
Folha - Essa preocupação parece muito pedagógica, em aproximar a arte das pessoas, o que poderia parecer contraditório ao papel que vocês apontam para a Bienal que é fortalecer o meio artístico...
Martínez - Ao contrário, não precisamos aproximar a arte das pessoas, ela já está ai. Estamos em muitas crises, mas não nessa. Existe um entendimento tácito, não falado, não é preciso levar a arte às pessoas, a Bienal é um lugar de relações e a arte se ocupa de se aproximar das pessoas, não é preciso uma terceira mão que empurre, as próprias obras se aproximam. Mesmo na Espanha onde questiona a relação entre público e arte contemporânea, o museu [Macba] ganha visitantes o tempo todo e nós temos um dos programas mais duros e conceituais da Espanha e mesmo assim ganhamos gente. Há uma aproximação da obra, as pessoas pensam, o espectador é corresponsável no mundo em que vive. Nós não somos um "delivery service" (serviço de remessa).
Dos Anjos - Há duas coisas aí. A Bienal de São Paulo é profundamente exitosa, porque talvez seja a exposição mais visitada do planeta, com a exceção da última edição que é um caso à parte. Há uma participação intensa do público. Por outra lado, é preciso distinguir o projeto educativo, que é uma preocupação institucional, em potencializar essa exposição, a dar acesso ao máximo de participação do universo escolar, num país onde estudantes não têm acesso aos museus como a Bienal. Isso tudo não se confunde com o poder que a arte tem de comunicar, de falar da vida das pessoas, de criar uma forma de conhecimento que não se reduz a nenhuma outra forma.
Martínez - É preciso por na mesa que a arte, além de ter um componente estético, sempre é uma produção que pensa, que pensa através dos sentidos. E ao pensar através dos sentidos dos sentidos se produz um conhecimento que, atualmente, é fundamental para entender o mundo. E é ai que entra o público, porque em um mundo tão complexo, a complexidade da arte em lugar de ser um problema é onde as pessoas se sentem mais cômodas. O entusiasmo que se percebe no público da Bienal de São Paulo, e de qualquer tipo de público, é o entusiasmo de encontrar-se com uma realidade que não se parece e não mimetiza a sua própria e lhe dá capacidade de liberdade e pensamento que não existe no dia a dia.
Dos Anjos - Quando dizemos que estamos interessados na relação entre espectador e obra é porque a arte, o tempo todo, propõe novas formas de relação com o mundo e estamos interessados nessa relação produtiva, que gera conhecimento quando o público se depara com essas formas que não mimetizam o dia a dia. Nesse sentido que a arte é política.
Folha - Como vocês vão repensar o pavilhão da Bienal?
Martínez - Dentro do pavilhão nós vamos criar outros seis pavilhões, a ser projetados por arquitetos e artistas, o que irá representar momentos de suspensão na mostra, onde será possível ver vídeos, performances, encontrar pessoas, para assim alterar o ritmo da visita. Interessa-nos muito criar formas distintas para a compreensão da mostra. Será como uma pele dentro de outra pele. Vão ser pausas produtivas.
Folha - Vocês têm essa reunião agora e...
Dos Anjos - Novamente em maio, quando, creio, vamos ter uma clareza muito maior, inclusive em termos físicos, porque falamos fisicamente da Bienal, mas em termos abstratos, pois não temos a lista final dos artistas nem a lista de obras. Discutimos mais em termos de atmosfera, no sentido geral da exposição, mas é impossível saber com ela será concretamente, agora.
Folha - E com tantos curadores, como a mostra deve ser organizar, vão existir curadorias específicas?
Dos Anjos - Não, a ideia é ter uma só exposição e não várias, nós somos um time. Por isso é tão prazeroso, mas ao mesmo tempo tão cansativo. Têm sido muito interessante as discussões, pois questões emergem e amadurecem, algumas são descartadas e outras adicionadas, até que exista uma plataforma partilhada de ideias e intenções que possam dar uma cara integrada à exposição.
Folha - Até onde chegaram as discussões, o que se pode esperar da 29ª Bienal?
Martínez - É uma equipe que está tentando com muitas ambições que superam um passeio do que sucede na arte contemporânea, será algo além disso. Queremos convidar o espectador a participar de um panorama de perguntas que, creio que lhe vai interessar, porque têm a ver em como se educa o indivíduo contemporâneo, que posição tem o sujeito dentro do sistema de liberdade e coação, quais a relações possíveis entre os mil mundos que vivemos, desde o mundo cotidiano até o mundo que chega pela televisão, em todos os tipos de plano. Será um intento de engrandecer a experiência do espectador, de criar uma viagem mental que seja agradável. Será uma Bienal que terá muitas velocidades: quem quiser ver rápido poderá ver rápido, mas terá também muitas ferramentas para poder pensar mais.
fevereiro 4, 2010
A construção do mundo incerto pelas imagens por Camila Molina, Estado de S. Paulo
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 no jornal O Estado de S. Paulo, em 4 de fevereiro de 2010.
Este é o mote da exposição coletiva que a Galeria Virgilio abre hoje para o público
O sonho da paisagem, do lugar idílico com linha do horizonte e a certeza de que tudo está em seu devido lugar ganha hoje na arte contemporânea outras considerações: como atualmente existe uma consciência inevitável de que o mundo é fabricado por meio das imagens, as relações do sujeito com o espaço, o tempo e o real são questionadas de outras maneiras nos trabalhos dos artistas. Esse é o mote da exposição coletiva Trans_Imagem, que se inaugura hoje para o público na Galeria Virgilio, reunindo obras de Adriana Ramalho, Ana Elisa Carramaschi, Ana Mazzei, Aurélie Pétrel, Beatriz Toledo, Cristiana Camargo, Guga Szabzon, Ilma Guideroli e Osmar Pinheiro.
"A imagem não é mais representação do mundo", diz Regina Johas, curadora da exposição, completando que hoje "aprendemos a reconhecer a paisagem como um constructo" e que "a arte é linguagem antes de tudo". A mostra é resultado das discussões do grupo de pesquisa Eccoar/Aquário, o qual integram Regina e alguns dos jovens artistas presentes na mostra - ao mesmo tempo, a inclusão de Osmar Pinheiro, morto em 2006, é uma homenagem ao pintor.
Na primeira sala da exposição, a palavra Paisagem é formada por letras agigantadas moldadas em gesso branco. É o trabalho de Cristiana Camargo, que se refere de modo direto ao mote da mostra. Com a passagem do tempo e pela umidade, a obra vai se corroendo (e o signo), numa calma tensão: a partir do eixo renascentista, a paisagem ganhou no quadro uma ideia de certeza de um lugar à qual hoje já não é mais possível se apegar.
A obra de Cristiana dialoga, assim, na sala, com as três fotografias de Ana Mazzei, em que ela questiona a relação entre o horizonte, o espectador e o personagem colocado na foto (dentro de um parque com a cidade São Paulo ao fundo). Seguindo ainda na discussão, na pintura de Pinheiro e no vídeo de Ana Elisa Carramaschi a paisagem está encoberta em velaturas ou é quase transparência - e na videoinstalação de Adriana Ramalho, recortes de filmagens nos rios da Amazônia transformam a natureza em quase abstração.
Já as fotografias de Beatriz Toledo capturam a natureza fazendo uma "construção da imagem dentro de outra imagem", diz a curadora - e uma delas é citação, ela completa, ao célebre quadro Le Déjeuner Sur l"Herbe (1863), de Manet.
TRANS_imagem
Ana Mazzei, Adriana Ramalho, Ana Elisa Carramaschi, Aurelie Petrel, Beatriz Toledo, Cristiana Rolim de Camargo, Ilma Guideroli, Guga Szabzon, Osmar Pinheiro
3 a 27 de fevereiro de 20010
Curadoria de Regina Johas
Galeria Virgilio
Rua Virgílio de Carvalho Pinto 426, Pinheiros, São Paulo - SP
11-3062-9446/3061-2999 ou artevirgilio@uol.com.br
www.galeriavirgilio.com.br
Segunda a sexta, 10-19h; sábado, 10-17h
Curadoria foca em lista de preocupações por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 4 de fevereiro de 2010
Apenas daqui a três meses a 29ª Bienal de São Paulo deve ganhar contornos definidos.
Reunido durante essa semana, o time curatorial do evento está trabalhando em um "dicionário de preocupações", como define Chus Martínez, curadora convidada da mostra, além de curadora-chefe do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona.
Será em maio, quando pela segunda vez todo o time estiver reunido, que se chegará ao formato final. "Falamos fisicamente da Bienal, mas em termos abstratos, pois não temos a lista final dos artistas nem a lista de obras. Discutimos mais em termos de atmosfera, no sentido geral da exposição, mas é impossível saber como ela será concretamente agora", disse o curador geral Moacir dos Anjos, anteontem, à Folha, acompanhado por Martínez.
De acordo com alguns verbetes do "dicionário de preocupações" que Martínez apresentou, o projeto é muito ambicioso. Segundo ela, algumas das questões trabalhadas são: como se educa o indivíduo contemporâneo; que posição tem o sujeito dentro do sistema de liberdade e coação; quais as relações possíveis entre os mil mundos que vivemos, desde o mundo cotidiano até o mundo que chega pela televisão.
Nesse sentido, a Bienal "Há Sempre um Copo de Mar para um Homem Navegar" certamente será um evento que irá tratar do mundo atual. "A arte, o tempo todo, propõe novas formas de relação com o mundo, e estamos interessados nessa relação produtiva, que gera conhecimento quando o público se depara com essas formas que não mimetizam o dia a dia", conta Dos Anjos.
O reposicionamento do Brasil dentro do sistema global e como pensar a arte a partir dele é outro verbete dos curadores.
Contudo nem tudo é abstração. Espacialmente, a 29ª Bienal deverá possuir vários ritmos, graças à criação de seis pavilhões dentro daquele projetado por Oscar Niemeyer.
Cada um deles será comissionado a um artista ou arquiteto, e eles funcionarão como pausas reflexivas dentro da mostra. Segundo Martínez, eles irão representar "momentos de suspensão da mostra, onde será possível ver vídeos, performances, encontrar pessoas, para alterar o ritmo da visita".
Reunião de cúpula por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 4 de fevereiro de 2010.
Num clima de encontro das Nações Unidas, curadores da 29ª Bienal de São Paulo debatem os rumos da mostra que começa em setembro, com a proposta de falar de política por meio da arte
É denso o ar na sala. Estão sentados à mesa dois brasileiros, um angolano, uma espanhola, uma venezuelana, um sul-africano e uma japonesa. Discutem a ascensão do Brasil como potência global, a crise econômica que varreu o mundo, mudanças na noção de família e sexualidade, o desmanche das utopias modernas.
Não é uma reunião das Nações Unidas. É o terceiro andar do pavilhão da Bienal de São Paulo, que começa em setembro e vai encher o espaço desenhado por Oscar Niemeyer -com a proposta de falar de política por meio da arte.
Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias, os brasileiros à frente da curadoria, estão reunidos nesta semana com seus convidados estrangeiros. A Folha acompanhou parte do encontro, que tem a missão de responder até amanhã as questões que vão nortear essa exposição.
De Londres, veio o sul-africano Sarat Maharaj. Fernando Alvim, angolano que mora na Bélgica, também veio. Chus Martínez, espanhola, e Rina Carvajal, venezuelana radicada nos EUA, formam o grupo hispânico. Yuko Hasegawa, do Japão, representa o Oriente.
"Temos pessoas muito polidas e bem informadas trabalhando juntas", resume Maharaj, que estudou numa universidade segregada, na era do apartheid, e já foi codiretor da Documenta de Kassel. "Estamos pensando a mostra como uma máquina de criar ideias, capaz de investigar o mundo."
Misturando heranças, eles jogam um xadrez geopolítico. Falam de arte carregando algumas bandeiras, já que têm os pés fincados em mais de uma pátria. Enquanto a chuva arrasa a cidade lá fora, um pavilhão imaculado aguarda as definições que sairão desse encontro.
Em parte, têm a missão de saturar o espaço monumental que ficou às mínguas na última edição da Bienal. No lugar de um andar vazio, aquele que foi pichado e virou emblema da derrocada da mostra, prometem 120 artistas divididos em seis núcleos internos e até 400 eventos paralelos nos três meses da exposição, que está orçada em cerca de R$ 30 milhões.
"É a abertura de novas frentes de pensamento", diz Moacir dos Anjos. "Vamos emoldurar os intervalos de pesquisa."
Agnaldo Farias acrescenta que essa será uma Bienal experimental, que tenta redefinir o papel do público numa exposição. "É criar um problema onde não havia", diz ele. "Nossa ideia é que certa opacidade do discurso é fundamental."
Sim, é vago. Até agora, pouco de concreto tem saído a público sobre essa Bienal. Estão confirmados os nomes de artistas como Ai Weiwei, Steve McQueen, Chantal Akerman, Cildo Meireles, Nan Goldin, Nuno Ramos, Flavio de Carvalho, Anri Sala, Harun Farocki. Também se sabe que será uma mostra sobre arte e política.
Texturas do político
"Não estamos falando de ativismo, tem muitas texturas do político", diz Carvajal, do Museu de Arte de Miami. "A condição geopolítica do mundo hoje repercute na produção dos artistas, não será um apanhado histórico da violência."
Tanto que o apartheid, lembrança na vida de curadores como Maharaj e Alvim, ficou de fora. Artistas angolanos e sul-africanos que estarão na mostra, os mesmos que servirão de eixo central para a Trienal de Luanda, evento que começa em setembro na capital angolana, são jovens que despontaram depois da segregação racial.
"Estão fazendo novos experimentos", diz Alvim, curador convidado em São Paulo e diretor da mostra angolana. "Essa é uma parte do mundo que passa por profundas transformações filosóficas e estéticas."
Do seu lado do globo, Hasegawa, diretora do Museu de Arte Contemporânea de Tóquio, enxerga na ascensão econômica da China uma chave de leitura para a transformação do papel da arte no Oriente. No lugar da estética histriônica, pop e inflada de artistas como Takashi Murakami, ela vê uma fusão entre criação visual e dinheiro.
"Acabou esse momento", diz Hasegawa. "Vivemos outro tipo de capitalismo, a arte é outro fenômeno cultural, está no meio de uma ventania que vem do mundo econômico."
São ares que sopram também no Brasil. São Paulo, como sede dessa Bienal, será o centro de um debate e vai ocupar um núcleo dentro do pavilhão. "Esse não é o Brasil do passado, esse é o Brasil perturbado, mexido", diz Maharaj. "É uma potência econômica e cultural."
Mais quieta, Chus Martínez, diretora do Museu de Arte Contemporânea de Barcelona, galega que quando jovem virou muçulmana para visitar o Irã, diz só que será uma Bienal para "repensar, reconstruir, aferir, calibrar, pesar o mundo".
Arte, ironia e déjà vu por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do Diário do Nordeste, em 3 de fevereiro de 2010
Na exposição "Eu vejo, tu olhas... Ele Déjà Vu", o artista Fernando Ribeiro realiza pequenas intervenções sobre obras de artistas consagrados
Para o artista paulistano Fernando Ribeiro, esse papo de que "tudo já foi feito e que a arte está ensimesmada", não tem razão de ser. Afinal sempre é tempo para inovações. O artista é de tese que mesmo interferindo no trabalho de outros artistas ou repetindo uma dada ideia é possível criar novas formas de percepção artística.
Em "Eu vejo, tu olhas... ele Déjà Vu", Ribeiro faz pequenas intervenções, delicadas e irônicas, sobre trabalhos de artistas consagrados como Marcel Duchamp, Pablo Picasso, Andy Warhol, Miro, Man Ray e os brasileiros Leonilson, Bispo do Rosário, Nelson Leirner, entre outros. O artista segue uma linha histórica de autores que mais gosta.
Epifânia
Segundo ele, a ideia de realizar a exposição surgiu logo após ter terminado a individual de Nelson Leirner (seu ex-professor, amigo e curador de sua atual mostra), em Juazeiro do Norte. "Naquele momento recebi o convite do CCBNB. Como todos os trabalhos até então, haviam sido feitos sobre papel, resolvi levá-los para a tela, pois faríamos, Nelson Leirner e eu, uma exposição na Bolsa de Arte de Porto Alegre, intitulada de "Pollockcow a Déjà Vu" em setembro de 2009. A sequência disto foi o lançamento do álbum de gravuras, da mesma série, na galeria Mônica Filgueiras em novembro passado", diz.
O artista conta que o trabalho nasceu após uma discussão entre ele e alguns artistas, que alegavam que nada mais seria possível na arte, pois tudo já havia sido realizado. "Eu discordava solenemente, porque sempre acreditei que a arte fala com a arte, e que você poderia se apropriar do trabalho de outros artistas, fazer uma interferência ali, e modificar o olhar do observador. Não consegui convencer ninguém!"
De volta ao seu ateliê, resolveu estudar a questão e a primeira referência foi Picasso, que havia feito mais de quarenta estudos sobre o quadro "As Meninas" de Velasquez e pintado cinco ou seis telas sobre o mesmo assunto com a visão dele.
"Daí para frente, trabalhei em 30 pinturas, adquiridas por um colecionador antes mesmo da exposição abrir. Ao longo do trabalho, percebi que só me apropriei de obras/artistas com os quais eu me identificava e que havia neles uma linha temporal bem interessante. Era uma enorme provocação, se meu observador não conhecia a História da Arte, ele ao menos poderiam ver um Mickey. Seria pouco provável que as pessoas não identifiquem este ícone".
Para Ribeiro, o interessante na mostra é que ao receber o nome "Déjà Vu", a obra toda vira uma provocação ímpar com um resultado estético belíssimo. "Achei tudo tão interessante que produzi feito um louco, sem achar que fosse virar uma individual em tão pouco tempo. No meio do caminho, percebi que havia uma linha histórica sobre a arte, foi absolutamente instintivo. E vi que isso era bom, pois passava pelos meus prediletos, o que eu também não havia pensado", afirma.
Exposição
No texto curatorial, Nelson Leirner explica que na série Déjà Vu, Fernando joga com o público um verdadeiro questionário do conhecimento da Historia da Arte. "Num primeiro momento desta seleção, sua manipulação bem humorada e inteligente, nos traz a tona ícones da Arte Contemporânea. Se o espectador olhar para o trabalho ´PHARMACY´ e não souber quem é Damien Hirst, lhe sobrará ainda o sutil toque que transforma um dos círculos, na figura do Mickey. Jogar com a sociedade é sempre, para o artista, um desafio gratificante", ressalta.
A exposição de Ribeiro que abre nesta quinta-feira, 4, no Centro Cultural Banco do Nordeste de Fortaleza (CCBNB), ficará em cartaz até 31 de março. A mostra é constituída por 30 pinturas e colagens inéditas sobre papel Fabriano, 50% algodão e 350gramas, além de quatro trabalhos tri-dimensionais e mais um álbum de gravuras eletrônico/digital.
Ribeiro nos mostra uma pintura inédita em acrílica sobre tela, algumas com o diferencial da inclusão de assemblages. Assim inova com o princípio da transformação de uma obra plana em tridimensional.
Na exposição há um álbum e uma caixa-objeto de tiragem limitada a 40 exemplares. Este trabalho é composto por uma série de 10 gravuras originais, da série Déjà Vu, com dupla utilização já incluída no seu conceito original: com a composição sugerida com a caixa-objeto, que também é uma obra completa por si só, ou cada gravura exposta de forma isolada. Em suportes atuais, um álbum eletrônico, vídeo instalação, exibe imagens das gravuras de forma transmutada, permitindo a visualização, em mídia eletrônica, das imagens que compõe o álbum físico, em sequência randômica.
A coordenadora do núcleo de artes visuais CCBNB, Jacqueline Medeiros, acredita que Fernando Ribeiro ao se apropriar de obras de artistas consagrados problematiza os elementos estéticos, conceituais e históricos presentes ali, resignificando e transformando a obra referência por meio de uma modificação sutil, divertida e provocativa. Comprova que sempre há algo a acrescentar na arte contemporânea, ainda que se diga "tudo já foi feito na arte".
Artista inquieto
Arte transformada
Influenciado por Robert Crumb, o artista Fernando Ribeiro, natural de São Paulo, inicia sua carreira aos 16 anos, na Lynx Film, como arte finalista e participa do longa metragem de animação "Simplex", ganhando o Leão de Ouro em Cannes. A partir de 1990, dedica-se exclusivamente as Artes Plásticas. Junta-se a Cooperativa dos Artistas nos anos 90, chegando a exercer o cargo de diretor. Após algumas tentativas de trabalhos em grupo, opta por uma trajetória individual, realizando diversas exposições pelo mundo.
Fernando Ribeiro
Eu Vejo, tu olhas....ele Déjà vu
Curadoria de Nelson Leirner
4 de fevereiro, quinta-feira, 19h
Centro Cultural Banco do Nordeste - CCBNB
Rua Floriano Peixoto 941, Centro, Fortaleza - CE
85-3464-3108 / 3177 ou cultura@bnb.gov.br
www.bnb.gov.br/cultura
Terça a sábado, 10-20h; domingo, 10-18h
Exposição até 31 de março 2010
Memórias em carmim por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste
Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do Diário do Nordeste, em 4 de fevereiro de 2010
A artista Maíra Ortins lança hoje, às 19h, no CCBNB, a individual "Segredo de travesseiro é sonho". A exposição interage literatura com artes plásticas
Em continuidade a pesquisa sobre poéticas visuais, iniciada em 2007, a artista pernambucana, radicada no Ceará, Maíra Ortins, dá corpo a exposição "Segredo de travesseiro é sonho", título retirado de um poema de autoria da própria artista. Neste trabalho, a artista tende a captar o universo lírico da palavra por meio de desenhos inseridos diretamente sobre a parede, a madeira, o papel e a fotografia, com o auxílio de vídeo, sobre placa de acrílico, tecido e outros materiais.
Maíra argumenta que as obras realizadas sob o prisma das poéticas visuais, ampliam a visão sobre as possibilidades de entendimento do uso da palavra como imagem, sem, contudo, destituí-la de seu conteúdo lexical. "A imagem reporta o que a palavra diz, é como se ela fosse uma atriz interpretando o vocábulo".
Hibridismo
Imergida numa produção híbrida pautada pelos entrelaçamentos das artes plásticas com a poesia literária no arranjo e na harmonia de palavras, desenhos, objetos e coisas, toda a exposição se configura como uma única grande instalação, cuja finalidade é potencializar o texto de maneira a explorar os universos infinitos dos sentidos.
Sensibilidades arrefecidas em vermelho puro, cor de sangue, e com cheiro de mel. Aroma proveniente da cera de abelha, material utilizado pela artista em suas caixas.
"A cera é para enfatizar a ideia de que memórias e afetos estão ali dentro, cristalizados. As lembranças estão paralisadas e guardadas em cada uma dessas caixas".
Para a exposição a artista trabalhou com imagens de mulheres das décadas de 20 à de 50. Optando por aquelas figuras mais estranhas, diferentes. "Fiz uma apropriação de imagens que ia encontrando na internet ou que as pessoas, simplesmente, iam me dando. A exposição é como se fosse uma história narrada pela poesia visual. Nela, minhas memórias se confundem com as do outro. Tem momentos que já não sei mais o que me pertence ou não", explica.
Caos
Segundo Ricardo Resende, curador da exposição, a poética de Ortins é como uma via de mão-dupla, em que o arrebatamento visual e literário provoca grandes emoções naqueles que se permitem "penetrar" pelas sensações e lembranças de amores vividos ou não. É também febre e memória dos afetos.
"O resultado visual é um certo caos nas paredes ou sobre os tecidos, como é o sentimento do amor quando nos toma o corpo e a alma, quando, ainda na forma de paixão, nos vira a vida do avesso e transborda o corpo com seus fluidos. Esse caos nada mais é do que a aceitação desta desordem interior, que nos joga contra a parede diante da paixão pelo outro, pelas coisas, pelas palavras, pelo mundo, enfim, pela vida", explica.
Resende acredita que Maíra expõe de maneira visceral a sua intimidade. Dos sentimentos mais interiores desprendidos no gesto de escrever, de borrar de vermelho a parede e o interior de suas caixas. "É como se a artista falasse com o coração ao segurá-lo nas palmas das mãos. Parece apertá-lo até sangrar e jorrar neste gesto enérgico que faz escorrer o sangue que carrega no seu interior sobre a parede, sobre o tecido, sobre a manta de algodão".
Ela faz de seu corpo lugar de sua subjetividade. Usa a força do texto-imagem.
A palavra se transforma em desenho, das linhas que rasgam as paredes, sempre nervosas ao ponto de estourarem.
"O movimento é determinado pelo conteúdo do texto, que flui, surge quase simultâneo ao ato do desenho. São frases. Por vezes poemas completos, que expressam o meu momento mais particular. Processo desencadeado durante o fazer",constata Ortins. Em seu trabalho o gesto é quem administra a intensidade com que a aquarela vermelha pousa sobre a seda. Sendo que o tecido também impõe um gesto, a tinta faz um percurso único e imprevisível. E os desenhos estão carregados de simbologias.
Maíra Ortins
Palavra e imagem
Maíra Ortins nasceu em Recife (PE), em 1980. De 1995 a 1998, estudou desenho, pintura e escultura em argila pela "Escolinha de Arte do Recife". Em 2001, estuda xilogravura em cor com Sebastião de Paula e Nauer Spindola, através do Instituto Dragão do Mar. No ano seguinte, faz o curso "Fotografia, imagem Fotográfica e Arte visual no Brasil", com o critico de arte Tadeu Chiarelli, também, idealizado no Dragão do Mar. De 2001 a 2003, é monitora na oficina de gravura do Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará. De 2005 a 2008 foi diretora da Galeria Antonio Bandeira e do Memorial Sinhá D´amora da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor). A artista é graduada em Letras - Licenciatura em Português/Literatura em Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Ceará (2006). Atualmente é Coordenadora de Artes Visuais da Secultfor, onde desenvolve pesquisas sobre poéticas visuais, congregando suas experiências nas áreas de Literatura e Artes Visuais. É desenhista, gravurista e escultora.
Maíra Ortins
Segredo de travesseiro é sonho
Curadoria de Ricardo Resende
4 de fevereiro, quinta-feira, 19h
Centro Cultural Banco do Nordeste - CCBNB
Rua Floriano Peixoto 941, Centro, Fortaleza - CE
85-3464-3108 / 3177 ou cultura@bnb.gov.br
www.bnb.gov.br/cultura
Terça a sábado, 10-20h; domingo, 10-18h
Na ocasião, será lançada também a mostra "Eu vejo, tu olhas... ele déjà vu", de Fernando Ribeiro, e a realização de um bate-papo com os artistas.
fevereiro 3, 2010
Olhar Coletivo por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 23 de dezembro de 2009
Grupos de fotografia como o SX70, Cia de Foto e coletivo Rolê colocam em xeque a autoria individual em prol do reconhecimento conjunto
Atuando como agências, bancos de imagens ou plataforma de trocas e interação, os coletivos de fotografia são um novo fenômeno nas artes visuais. Reunidos por identidade ou por complementaridade, os fotógrafos que integram os coletivos têm quase sempre um traço em comum: abrem mão da assinatura pessoal em favor do reconhecimento conjunto. Esse é o caso da Cia de Foto, do coletivo Rolê e do SX70. Este último, grupo que aproxima sete fotógrafos ao redor da paixão comum pela câmera Polaroid modelo SX-70, criado em 1972 e hoje extinto.
“Fotografar é uma coisa meio solitária e essa solidão pode ser um problema, sobretudo num país como o nosso, em que a formação de muitos fotógrafos é tortuosa. Os coletivos no Brasil se tornaram uma forma de debater os rumos da fotografia e isso é muito interessante”, aponta Eder Chiodetto, fotógrafo e curador que já organizou exposições com a Cia de Foto e assina a curadoria da mostra “Persona”, do grupo SX70, em cartaz até 31/12 na Galeria Mezanino, em São Paulo.
om uma proposta próxima da fotografia conceitual e da arte contemporânea, o SX70 foi criado em 2000 por Claudio Elisabetsky, Fernando Costa Netto, Marcelo Pallotta, Paulo Vainer, Roberto Wagner, Armando Prado e Ricardo van Steen. “O SX70 foi uma forma de, juntos, conseguirmos ser encarados como artistas. Cada um era visto como outra coisa – designer, jornalista, etc. Formar o coletivo foi uma maneira de tentar ser assimilado no mundo da arte”, explica Van Steen, que se refere ao design da SX-70 como o “Rolls-Royce da Polaroid”. Como coletivo, o acesso às galerias foi instantâneo e o grupo começou a trajetória com uma mostra na Galeria Vermelho, em São Paulo. Hoje, diversifica seus espaços de exposição, usando também a rua como palco, imprimindo a fotografia como lambe-lambe e disputando com os grafiteiros os melhores muros da cidade.
Não foi falta de galeria, mas de espaço para ideias autorais dentro do mercado editorial, que levou os fotógrafos João Kehl, Pio Figueiroa e Rafael Jacinto a criar, em 2003, o coletivo Cia de Foto. Com um intuito parecido ao que aproximou, em 1947, o francês Henri-Cartier Bresson, o húngaro Robert Capa e os fotógrafos da hoje célebre agência Magnum, os três fotógrafos brasileiros estavam atrás de autonomia. “Queremos que nosso trabalho autoral seja cada vez mais comercial, e que nosso trabalho comercial seja cada vez mais autoral. É uma grande perda de tempo discutir se é possível ter um trabalho comercial e artístico ao mesmo tempo”, diz o fotógrafo Rafael Jacinto. Seis anos depois de montar uma agência de fotojornalismo que preencheu uma lacuna do mercado editorial, a Cia de Foto também se articula dentro do território da arte contemporânea: no começo de 2009 o grupo foi selecionado para o 10º Salão da Bahia e expôs no MAM de Salvador, ao lado de jovens artistas como Fábio Tremonte, Nino Cais, Ana Elisa Egreja e Eduardo Berliner. Com um nome que mais parece de grupo de funk carioca, o coletivo Rolê reúne 13 amigos que se encontram de tempos em tempos num bar e saem para fotografar à noite, usando todo tipo de máquina fotográfica – de snapshots digitais a câmeras analógicas profissionais. “São reuniões para produzir fotografia, sem a intenção de vender. O processo é mais importante que o destino”, diz Ronaldo Franco, participante do coletivo desde sua formação, há cinco anos, numa conversa de bar. Com um despojamento próprio da arte de rua, os integrantes do coletivo Rolê abdicam, como seus similares, da autoria individual das imagens. “A assinatura conjunta é uma opção pertinente. Afinal, tudo – estudo, tema, estética, escolha das imagens e da forma de tratamento – é feito em conjunto, fruto de discussão coletiva”, avaliza Eder Chiodetto.
Colaborou Fernanda Assef
O Sentido De Re-Ligar por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 22 de janeiro de 2010
Com exposição no Mosteiro de São Bento, José Spaniol, Marco Giannotti e Carlos Eduardo Uchôa investigam o papel da espiritualidade no mundo contemporâneo
Entrar em uma instituição religiosa é, por si só, um convite a silenciar – especialmente se localizada no caótico centro de São Paulo, como é o caso do Mosteiro de S Bento. Este estado de calma interessa profundamente a Carlos Eduardo Uchôa, José Spaniol e Marco Giannotti, que ocuparam o edifício, fundado em 1598, com instalações, pinturas, fotografias e um vídeo. “A arte sempre teve uma relação transcendente com a realidade, mas essa dimensão espiritual se perdeu. Nós sentimos vontade de resgatar esta característica religiosa da arte, no sentido de ‘re-ligar’: criar uma comunhão entre as pessoas e algo invisível e universal”, diz Giannotti. A conversa que surgiu entre os três artistas e o íntimo conhecimento do espaço por Uchôa – que é monge do Mosteiro de São Bento – tornaram a presença de um curador dispensável. Além de artistas, os três são também professores – profissão que, como a de um religioso, exerce o ensinamento, o aconselhamento.
Essa similaridade foi explorada nas instalações de Spaniol, que ocupa o parlatório – local de encontro entre os monges e a comunidade – com novas obras de suas séries “Lousas” – quadros negros com desenhos feitos a giz – e “Balanças”, que explora a relação entre imagem e palavra. Para isso, ele se apropria de livros e móveis do mosteiro, que são suspensos no ar por colunas de eucalipto. “A ascensão é um tema central na religião.E um objeto fora de seu lugar de rotina nos permite novas possibilidades de contemplação”, diz ele. As colunas guiam o público pelos corredores até as salas que abrigam pinturas e fotografias de Uchôa e Giannotti. O catolicismo aparece como tema nas 14 pinturas de cada um deles que abordam a via crúcis – caminho de Jesus Cristo com a cruz. Há ainda claras referências à sociedade atual nas pinturas de Giannotti, com grafismos que remetem a grades de proteção.
Essa união entre a realidade social e a espiritualidade é ainda mais pulsante na última obra da exposição. No piso superior, dentro de uma acolhedora capela, até então fechada ao público, está a videoinstalação de Uchôa. Livros espalhados pelos bancos e um tapete branco conduzem o público até o altar, onde em meio às imagens católicas barrocas do espaço uma tela mostra cenas captadas na Cracolândia e no Viaduto do Chá. “Meu trabalho apresenta as mazelas da sociedade, do nosso tempo, mas ao mesmo tempo evidencia a possibilidade de uma redenção. Há sempre o desejo de permitir a reflexão”, diz o artista-monge.
COMO OLHAR O CÉU - Fernanda Assef
Léxico – Angela Detanico e Rafael Lain/ Galeria Vermelho, SP/ até 20/2
Na fachada da Galeria Vermelho, a obra “Eclipse” anuncia o tema que rege a nova exposição da dupla Detanico e Lain: a conjunção. Nas oito obras expostas, cruzam-se e relacionam-se pelo menos duas grandes áreas do conhecimento: a astronomia e a linguística. Entrar na galeria, nesse caso, é como entrar em um observatório dos sistemas que criamos para descrever o mundo. Conhecidos por levar a cabo um trabalho de organização, catalogação e codificação de informação que beira o da pesquisa científica, os artistas propõem aqui diferentes maneiras de olhar para o céu. Em seu ato minucioso de observação, usam diferentes lentes, mas sempre com o intuito de formar novos desenhos e constelações. Em “Analema”, o traçado do deslocamento do sol no céu durante um ano é redesenhado por uma frase criada com 365 letras. Já os mapas estelares dos Hemisférios Norte e Sul constituem as tramas originais trabalhadas em “Léxico”, “Constelações do Alfabeto” e “Estrelas do Sul”. Nos três casos, estrelas são substituídas por letras gregas que, a partir do século 17, passaram a classificar a ordem de grandeza dos astros, segundo o sistema desenvolvido pelo alemão Johann Bayer. Em “Léxico”, os mapas estelares dão forma a palavras de origem grega, como hemisfério e simetria. Há muita complexidade na obra de Detanico e Lain e cada trabalho requer dos artistas muito tempo de pesquisa e aprendizado. Mas há também um aspecto lúdico que a aproxima de jogos tão simples como ligar pontos ou caçar palavras. “Uma criança de 5 anos, alfabetizada, pode ler nossos trabalhos. É questão de propiciar ao espectador o aprendizado de novas leituras”, desafia Rafael Lain.
Fora dos padrões por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 29 de janeiro de 2010
Sesc integra programação de atividade física e cultural, com mostra que critica padronização de conceitos de beleza e bem-estar
A origem da ideia de avatar – duplo criado por uma pessoa para dar conta de missões e tarefas humanamente inviáveis, geralmente em um ambiente digital – remonta a uma história do século XVII, recontada por Jorge Luis Borges em “O Livro dos Seres Imaginários”. Borges conta que, segundo a cabala, um rabino construiu um homem artificial, chamado Golem, para que este desse conta de trabalhos pesados, como tocar os sinos da sinagoga. Essa história é revivida pelo artista paulistano Pazé, que construiu sua réplica em tamanho natural, com articulações de aço. Nem Golem, nem avatar, o boneco de Pazé tem um pouco dos dois: chama-se “Transeunte” e foi concebido em 2001 para suprir a necessidade de locomoção sem fronteiras do artista. Desafiador das leis da gravidade, o replicante de Pazé foi fotografado no topo de edifícios do centro de São Paulo e agora sobe pelas paredes no Sesc Pinheiros, expressando um dos conceitos centrais da mostra “Sujeito: Corpo”: vencer as limitações impostas por um corpo que não corresponde a padrões estabelecidos. Obras de sete artistas foram selecionadas para representar conceitos altamente discutíveis quando o assunto é performance física e bom desempenho corporal. “Deriva” (2009), de Sonia Guggisberg, por exemplo, evoca a primeira lei de Newton, que afirma ser a inércia a qualidade natural de um corpo, “a menos que seja obrigado a mudar seu estado por forças a ele impressas”.
Com três projeções, a videoinstalação apresenta um corpo que boia à deriva, num deslocamento lento, constante e repetitivo, tratando-se, afinal, de um movimento imposto por uma vontade alheia à do náufrago. O trabalho pertence à série “(I)mobilidade”, que representa nadadores com seus movimentos travados e impedidos por forças contrárias. Se os limites e as superações físicas dão a tônica dos discursos expostos, a obra de Oriana Duarte navega no sentido de evidenciar as conjunções possíveis entre o trabalho artístico e a atividade esportiva. Com imagens captadas ao longo de muitas horas de práticas esportivas a bordo de um barco doublé skiff, a instalação “Plus Ultra” (2007–2009) é o resultado de dois anos de pesquisas da artista-esportista, integrando as áreas de artes plásticas e de estudos do corpo.
Roteiros
O AVÔ DO VÍDEO
Na era da comunicação móvel, somos todos jornalistas. Qualquer um, com um pouco de talento, é capaz de transformar uma história pessoal em notícia. Mas o que hoje reconhecemos como ausência total de fronteiras entre espaço público e privado tem uma história mais antiga do que parece. Essa história está contada na série televisiva “Super 8 – Tamanho também É Documento”, que, em 13 episódios temáticos, resgata um suporte cinematográfico praticamente esquecido do grande público. Antes do blue-ray, existia o DVD. Antes do DVD, existia o VHS. Antes do VHS, existia o super-8. Clovis Molinari Jr., diretor do programa, ensina à atual geração de blogueiros que a câmera super-8 surgiu em 1964 como um eletrodoméstico, uma espécie de máquina de fotografar em movimento, a serviço da vida familiar. “O super-8 mostra como aquela geração registrou sua vida e processou o mundo”, diz o diretor, também apresentador do programa. Logo, o formato seria “saqueado pelos filhos dos aficionados”, jovens dispostos a tudo, menos à documentação da vida doméstica. “As imagens do lar, doce lar teriam fim”, afirma Molinari. É aqui que começa a vida subversiva, artística, política e experimental desse formato cinematográfico, que já ganhou circuitos, mostras, exposições e teses acadêmicas, mas só agora chega à televisão. Hoje, toda aquela produção virou documento. E essa dimensão está muito bem apresentada pelo programa, que mostra, entre outras pérolas, imagens do velório de Glauber Rocha, da derrubada do prédio da União Nacional dos Estudantes, no Rio, e um filme de ficção, feito por estudantes de filosofia da UERJ , em 1979.
Virtuais
A INTERNET COMO ESPAÇO EXPOSITIVO
Pioneiros da Arte.BR / http://www.youtube.com/user/premiosergiomotta/ até 6/2
Abraham Palatnik, Waldemar Cordeiro, Carlos Fadon Vicente, Regina Silveira, Rafael França e outros autores considerados precursores da artemídia – campo de produção que integra arte e mídias digitais – encontram finalmente um lugar na rede. Hospedada no canal do Instituto Sergio Motta no YouTube, a mostra “Pioneiros da Arte.BR” apresenta ao grande público internauta nove obras fundamentais quando o assunto é tecnologia. Com curadoria de Nina Gazire, web-editora do ISM, a mostra abre uma temporada de exposições no site de compartilhamento de vídeos.
Em mostra, videoartista questiona o tempo por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fábio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 1 de fevereiro de 2010
Uma das modalidades recorrentes da videoarte é a desaceleração do tempo, evitando edições ágeis, o que, de certa forma, representou uma reação ao ilusionismo do cinema e da televisão. Assim, quanto mais devagar se observa uma cena, mais obviamente se percebe que ela é uma construção.
O coreano Nam June Paik (1932-2006) é um dos mais importantes precursores dessa perspectiva, que tem nos norte-americanos Bill Viola e Gary Hill a segunda geração que discute essa questão.
Hill está em cartaz em São Paulo em "Circumstances/Circunstâncias", com curadoria de Marcelo Dantas, criada para a Oi Futuro, no Rio, e aqui exibida no MIS (Museu da Imagem e do Som), onde estão duas de suas obras-primas que também discutem o tempo: "Viewers" (1996) e "Wall Piece" (2000).
Em "Viewers" (observadores), 17 operários vestidos com roupas do cotidiano são projetados numa parede em tamanho real. A maioria é composta por imigrantes ilegais de Seattle -onde Hill tem estúdio- e todos, silenciosamente, confrontam os visitantes.
Figuras invisíveis da sociedade norte-americana, se tornam cúmplices dos visitantes numa reunião irônica e praticamente impossível. A obra, contudo, está longe de ser agressiva, e é pelo forte apelo estético que o sarcasmo do vídeo ganha contornos mais fortes. Como não há ação, o silêncio passa a ser quase constrangedor.
Já em "Wall Piece" (peça do muro), vê-se um homem-artista atirar-se repetidamente contra uma parede, sendo iluminado apenas nos momentos em que a toca de fato. Cada vez que a atinge, fala o trecho de um texto que começa com "uma palavra, um milésimo de uma imagem". Como num ritual, a obra provoca uma espécie de transe e a experiência, um tanto violenta pela pulsão da luz e do corte entre as falas, faz com que, de fato, o texto fique em segundo plano.
Essas duas obras, complexas e intrigantes, no entanto, destoam um tanto das demais obras expostas, especialmente de "Unconditional Surrender (Circunstance)", que está disposta na monumental sala circular do MIS. Totalmente virtual, o trabalho apresenta rodas que surgem num horizonte distante, até que se chocam ao ganhar maior volume quando se aproximam do observador.
Mais cerebral, "Unconditional Surrender" parece se submeter à tecnologia, sem que a experiência do corpo seja tão primordial quanto é nas demais obras.
Gary Hill - Circumstances/Circunstâncias
Curadoria de Marcello Dantas
Museu da Imagem e do Som - MIS
Av. Europa 158, Jardim Europa, São Paulo - SP
11-3062-9197 ou mis@mis-sp.org.br
www.mis-sp.org.br
Terça a sábado, 12-19h; domingo e feriado, 11-18h
Exposição até 21 de março de 2010