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novembro 30, 2009
Grafites no Masp criam elos com a cidade por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 26 de novembro de 2009.
A exposição "De Dentro para Fora, de Fora para Dentro" culmina o processo de renovação do Masp (Museu de Arte de São Paulo), após um longo período de decadência.
Há três anos, quando Teixeira Coelho assumiu a função de curador, o museu não só organizava poucas mostras como chegou a ter a energia cortada por falta de pagamento.
Desde então, o Masp passou a exibir melhor o acervo, tem um conselho que de fato decide sobre os rumos curatoriais e reconquistou seu público, voltando a ser o museu mais frequentado da cidade.
Essa nova fase se fortifica com uma exposição que busca o diálogo com artistas em geral também envolvidos com a arte de rua, levando o museu a criar, novamente, diálogos com a cidade. Era assim que ocorria nas origens da instituição, especialmente em mostras organizadas por Lina Bo Bardi, sobre arte popular ou moda, por exemplo.
Em "De Dentro para Fora...", Carlos Dias, Daniel Melim, Ramon Martins, Stephan Doitschinoff, Titi Freak e Zezão, todos da galeria Choque Cultural, intervêm no subsolo do Masp de forma diversificada e experimental.
Não se trata de uma transposição ilustrativa da arte de rua, mas de formas possíveis de intervenção num museu, algumas mais eficientes e outras nem tanto.
Doitschinoff, por exemplo, pode ser visto numa instalação com temática religiosa -que não deixa nada a desejar a obras contemporâneas-, apresenta documentação de impressionantes ações em outras cidades e exibe ainda trabalhos em pequenos formatos.
Já Zezão, que costuma fazer grafites em bueiros e esgotos da cidade, recria um desses ambientes numa cenografia um tanto exagerada onde pode ser visto um documentário sobre suas ações, além de também apresentar obras e fotos documentais de suas intervenções.
Em ambos, se percebe como a mera ação dentro do espaço museológico não é suficiente. A documentação, assim, torna-se um instrumento necessário. A montagem da mostra também se revela afinada, ao deixar muitos espaços livres, fazendo com que a cidade seja vista todo o tempo. Sem apelação, "De Dentro para Fora..." é um novo capítulo no debate sobre a institucionalização da arte de rua.
Instituição cria confusão conceitual por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo em 30 de novembro de 2009.
É bastante esquizofrênica a dupla de exposições em cartaz no Instituto de Arte Contemporânea (IAC): "Natureza e Destino", Sobre a Obra de Miguel Bakun (1909-1963), com curadoria de Eliane Prolik, e "Da Estrutura ao Tempo", sobre Hélio Oiticica (1937-1980), com curadoria de Cauê Alves.
Sem dúvida são duas individuais, com curadores distintos, mas que, ao serem reunidas no mesmo período e na mesma instituição, dão a (falsa) impressão de apresentar algo em comum. Já é fato na cidade que museus tenham designações incongruentes com seus acervos; afinal, o melhor do Museu de Arte Moderna de São Paulo é sua coleção de arte contemporânea, e o melhor do Museu de Arte Contemporânea da USP é seu acervo moderno.
Exatamente por isso o IAC poderia afastar-se dessa confusão. Dedicado a artistas que transitaram do moderno para o contemporâneo, como Sérgio Camargo, Amilcar de Castro, Willys de Castro e Mira Schendel, o IAC tem sido um dos poucos espaços da cidade a apresentar uma produção que, entre os anos 1950 e 1970, representou uma virada fundamental na arte brasileira.
Nesse sentido, a mostra com os Metaesquemas e os Relevos Espaciais de Oiticica mostra coerência com a casa, pois aborda o mesmo período e temática dos artistas que justificaram a criação do instituto.
Contudo, a originalidade do paranaense Bakun reside basicamente em pinturas de paisagens de sua terra natal, com uma temática regionalista e figurativa, que nada tem a ver com Camargo, os Castros e Schendel, denotando uma confusão conceitual da instituição.
Ao menos, no que tange à sala dedicada a Oiticica, o curador problematiza algo que tem muito a ver após o incêndio que destruiu parte do acervo do artista, no qual justamente os Metaesquemas teriam sido grandes vítimas, mas acabaram sendo preservados em sua maioria.
"Não há porque levar a sério minha produção pré-59", escreveu Oiticica, em 1972, desprezando justamente os Metaesquemas, feitos em 1957 e 1958. Atentar à preocupação fundamental da obra de Oiticica é fugir do objeto, mas usando-o para provocar uma reflexão, como faz Alves, é provocar um debate necessário.
novembro 24, 2009
Feira em NY não tem grandes vendas por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 24 de novembro de 2009.
Na terceira edição da Pinta, voltada a latino-americanos, houve aumento de preços, mas compras modestas
No distrito das galerias do Chelsea, uma fila se estendia por mais de um quarteirão. Era gente querendo entrar numa liquidação da Gucci. Na porta ao lado, a Pinta, feira de arte latino-americana, provocou um surto parecido.
Acabaram entortadas algumas esculturas na corrida pelas melhores obras no evento encerrado anteontem, em Nova York. Trabalhos de arte cinética também conheceram outro tipo de movimento, sinal físico de que esse mercado ferve.
Dias antes da terceira edição da Pinta, feira que se consolida aos poucos no mercado global, obras de latino-americanos bateram recordes nos leilões da Christie's e da Sotheby's -que vendeu um trabalho de Sergio Camargo por US$ 1,3 milhão (cerca de R$ 2,2 milhões).
As formas roliças nos quadros do colombiano Fernando Botero, aliás, são espécie de prenúncio de uma bolha até agora inédita nesse mercado. Se na Sotheby's um Botero chegou a valer US$ 752 mil (R$ 1,3 milhão), um "Bicho", de Lygia Clark, custava US$ 850 mil (quase R$ 1,5 milhão) na Pinta.
Noutro sinal de que latinos entraram na butique do circuito global, até cédulas de zero dólar e moedas de zero cruzeiro de Cildo Meireles foram vendidas como joias, em caixinhas de veludo, a US$ 2.500. Seguindo a expansão do mercado, a Pinta já anunciou uma edição europeia para junho do ano que vem, em Londres.
Mas é uma febre, em parte, de fachada. Enquanto preços sobem, colecionadores e museus ainda saem da recessão com passos tímidos. "Não tem comprador para obras mais caras", reclama Berenice Arvani, dona de uma das sete galerias brasileiras neste ano na Pinta.
Museu convidado pela feira nesta edição, a Pinacoteca do Estado comprou duas obras de Hermelindo Fiaminghi, a US$ 12 mil cada. Até a aquisição da Tate Modern, de Londres, foi modesta: obra do argentino Horacio Zabala, a US$ 30 mil.
Ficaram nas prateleiras o "Bicho" de Clark e até um "Metaesquema", de Hélio Oiticica, inflacionado para US$ 270 mil (quase R$ 470 mil) depois do incêndio que atingiu o acervo do artista no Rio, em outubro.
Entre surtos de alguns preços e grande oferta de obras baratas, os organizadores não esperavam ultrapassar o volume de negócios atingido em 2008, quando venderam US$ 4 milhões. Diego Costa Peuser, um dos diretores da Pinta, diz que "não houve vendas de obras tão caras". Passaram pela feira colecionadores como José Olympio, Alfredo Setubal e Patricia Cisneros.
O jornalista Sílas Martí viajou a convite da Pinta Art Fair.
novembro 19, 2009
Prestação de contas é um problema para os Pontos de Cultura do Minc por Alessandra Duarte, O Globo
Matéria de Alessandra Duarte originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo em 16 de novembro de 2009.
Ipea apontou dificuldades do programa, mas também êxitos como geração de renda
Depois de três anos oferecendo oficinas de teatro na linha vai-como-pode, a companhia teatral Código, de Japeri, na Baixada Fluminense, virou Ponto de Cultura.
— Antes eram todos voluntários, a gente fazia o que podia. Agora é que a gente vai começar a ter que fazer relatório do dinheiro que receber — conta Bruno Medsta, de 28 anos, coordenador das oficinas da companhia, que em 2009 teve seu primeiro ano como Ponto de Cultura.
É aí que muito Ponto corre o risco de emperrar. Marca da época de Gilberto Gil no Ministério da Cultura (MinC), continuada pelo sucessor, Juca Ferreira, os Pontos de Cultura são elogiados pelo setor cultural, mas começaram a ter problemas ao prestar contas do dinheiro que recebem, segundo avaliação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Os Pontos são entidades culturais de pequeno porte, que dificilmente conseguiriam recursos pelos meios tradicionais de patrocínio e que, ao entrarem em convênio com o ministério, passam a receber verba dele (cerca de R$180 mil, em cinco parcelas). A avaliação do Ipea mostra um quadro que já vinha sendo comentado por profissionais do setor: mais da metade dos Pontos está sem receber os recursos do MinC há pelo menos dois anos, e um dos principais motivos desse atraso é justamente a falta de prestação de contas por parte das entidades. O repasse é condicionado a essa prestação. No entanto, a avaliação também apontou benefícios dos Pontos, como o fato de gerarem renda para 40% de todos que trabalham neles.
Entidades pedem simplificação das exigências
Para realizar a avaliação (parte do estudo do Ipea “Brasil em desenvolvimento: Estado, planejamento e políticas públicas”, publicado há um mês e meio), o instituto utilizou as respostas dadas por 385 coordenadores de Pontos de Cultura (dos 550 Pontos conveniados em 2007, em todos os estados) a entrevistas feitas durante 2007 e 2008.
A análise traz uma lista dos três problemas mais citados pelos coordenadores dos Pontos no funcionamento dos espaços, por ordem de frequência do problema. O mais citado foi “atraso nos repasses de recursos”, seguido de “insuficiência de recursos” e, em terceiro, “complexidade dos procedimentos”.
Acontece que o atraso nos repasses por parte do MinC, em boa parte das vezes, ocorre por causa da tal “complexidade dos procedimentos” de prestação de contas. O recebimento da terceira parcela pelo Ponto é condicionado à prestação de contas das duas primeiras. É por isso que, ao listar as sugestões dadas pelos coordenadores dos Pontos para melhorar esse funcionamento, o texto mostra que a ação de melhoria mais sugerida foi “simplificação dos procedimentos”.
— O ministério ainda não desenvolveu instrumentos jurídicos para lidar com os Pontos de Cultura. Eles são estruturas pequenas e geralmente não têm preparo técnico para atender a todas as exigências de burocracia cobradas deles — afirma o pesquisador do Ipea Frederico Barbosa, um dos responsáveis pela avaliação.
Segundo Barbosa, dos Pontos escolhidos no primeiro edital do MinC, em 2004, 60% deles estavam com seus repasses atrasados cerca de três anos depois (as cinco parcelas do convênio se estendem por aproximadamente três anos). Dos selecionados pelo edital de 2005, 90% deles teriam atrasos nos repasses mais tarde.
— Numa primeira fase dos Pontos, o MinC fazia um convênio diretamente com a entidade e repassava o dinheiro a ela. Foi essa fase que nós avaliamos. Agora, o ministério começou a fazer convênio com prefeituras e estados, que então repassam a verba às entidades (este ano, a Secretaria estadual de Cultura do Rio, por exemplo, publicou um edital para selecionar e incentivar Pontos de Cultura, em parceria com o MinC). Uma alternativa interessante que o MinC poderia adotar é um repasse único, e não por parcelas, que aí teria apenas uma prestação de contas, só no final — completa o pesquisador.
— Quando a gente tinha alguma dúvida na hora de fazer a prestação, ou se tivesse que refazer algo, a gente tinha que ligar para Brasília, era uma dificuldade para atenderem... Ter um acompanhamento mais de perto, de uma secretaria estadual ou municipal, vai ajudar muito. Imagina eles acompanharem o Ponto que é uma tribo lá no Amapá? — diz Paulo Roberto Teixeira Lopes, coordenador da Sociedade Musical Lira de Ouro, em Duque de Caxias, um dos Pontos escolhidos pelo edital de 2005. — Outra mudança boa que estão fazendo é que, até o nosso edital, os Pontos, na hora da prestação, tinham que dar um percentual em dinheiro do valor que recebiam; só que muitos não tinham dinheiro suficiente para pagarem isso, então atrasavam a prestação. Agora os Pontos podem pagar esse percentual em forma de serviços para a população.
Para o coordenador do Lira de Ouro, os Pontos criaram “a maior amostra dos grupos de cultura no país até hoje”. A avaliação do Ipea, ao falar dos benefícios do programa, também sublinha que os Pontos beneficiaram diretamente cerca de 87 mil pessoas, sendo 59 mil da própria comunidade das entidades, tendo um público formado, na maioria, por crianças, jovens e estudantes da rede pública.
É o caso da companhia Código, hoje com cem alunos, a maioria deles jovens da própria cidade de Japeri.
— E, com o dinheiro do Ponto, vamos duplicar esse número — adianta o coordenador Bruno Medsta.
Nordeste e Sudeste com mesmo percentual de Pontos
De acordo com o secretário-executivo do MinC, Alfredo Manevy, há atualmente em torno de 2,3 mil Pontos de Cultura em todo o país.
— É possível que cerca de metade deles já tenha passado por ações de treinamento em gestão e administração do MinC. Mas reconhecemos que é pouco — diz o secretário. — Além dessa capacitação, estamos estudando formas de simplificação das prestações de contas. É interessante essa ideia de repasse único, com só uma prestação no fim. Outras maneiras de haver esse repasse direto é por meio de bolsas, por exemplo. Estudamos alternativas ao convênio, um instrumento muito rígido.
Manevy comemora vitórias dos Pontos de Cultura, como o fato de 10% dos Pontos hoje serem do Norte, enquanto o Nordeste tem cerca de um terço dos Pontos — mesmo percentual do Sudeste:
— Essa precariedade de gestão que ainda há nas equipes dos Pontos é parte do aprendizado dessa nova relação entre Estado e essas entidades, que não existia. Mas a fragilidade está é na administração dos Pontos. Ninguém discute o mérito do programa, ou a qualidade da cultura produzida por eles.
TOTAL: Há cerca de 2,3 mil Pontos atualmente no país.
DISTRIBUIÇÃO: O Nordeste e o Sudeste têm, cada um, cerca de um terço dos Pontos. Norte, Sul e Centro-Oeste dividem o outro terço.
RENDA: Os Pontos geram renda para 40% das pessoas que trabalham neles.
PÚBLICO: Os Pontos beneficiaram diretamente cerca de 87 mil pessoas, sendo 59 mil da própria comunidade das entidades. A maioria do público é de crianças, jovens e estudantes da rede pública.
PRESTAÇÃO DE CONTAS: Dos Pontos escolhidos em 2004, 60% estavam com repasses atrasados. Dos eleitos em 2005, 90%. Uma das principais causas do atraso é a falta de prestação de contas por parte das entidades (o repasse é condicionado à prestação).
MIS mostra imagens geradas em laboratório por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 18 de novembro de 2009.
Artistas que trabalharam em projeto do museu tentam criar novos espaços visuais e sonoros a partir da tecnologia
Estão na exposição Anaisa Franco, Cláudio Bueno, Paulo Meira, Caetano Dias, Guilherme Lunhani e Felipe Sztutman e Rodrigo Bellotto
Numa sala escura, três projetores lançam imagens contra um cilindro cheio de fumaça.
Anaisa Franco dá uma volta em torno de sua obra, procurando enxergar cada estilhaço de luz.
"É uma escultura imaterial", diz ela. "A luz vira matéria."
E também tenta definir espaços nas obras dos outros residentes do Museu da Imagem e do Som. Nesta primeira mostra do grupo de artistas que trabalhou no laboratório do MIS, fica clara a tentativa, fracassada ou não, de criar novas dimensões a partir da tecnologia.
Franco fala em "extrusão da imagem". No dicionário, extrusão quer dizer a passagem de metal ou plástico por um orifício para chegar a uma nova forma. Não difere muito do que fazem esses artistas, tentando enfiar, pela goela das novas mídias, imagens antes restritas a plataformas convencionais.
No cilindro de fumaça, extrusão que deu certo, a imagem de uma garota andando pela cidade se transforma numa constelação de pontos luminosos, de uma energia raivosa. Desafia a perspectiva comum e transforma a metrópole numa caixinha de música a mil por hora -farpas de uma noite mal dormida.
Caetano Dias vai na mesma direção e projeta a imagem de um homem num mar revolto sobre um chumaço de algodão.
Tenta opor a tempestade já em curso à sua forma latente, sobrepondo nuvem e aguaceiro.
Dividindo um único filme em duas telas, Paulo Meira alterna dois momentos de percepção, tentando criar uma terceira margem para uma história que já existia num só plano visual.
Na linha interativa, Rodrigo Bellotto e Felipe Sztutman constroem uma caixa preta.
Um corredor em caracol leva a um pequeno espaço lá dentro, cheio de "estímulos sensoriais". Evocam a arte participativa, dizendo que é uma obra centrada no espectador, nas "narrativas sinestésicas" que ele for capaz de construir.
Do mesmo jeito que os balões de Cláudio Bueno, acionados por celular, estouram e despejam purpurina roxa no espaço do museu. Cada visitante manda um desejo à obra, que responde com a pequena explosão, não importa qual o desejo. Fica o chão todo brilhante e a sensação de que falta alguma coisa.
Seleção para programa está aberta
Está aberto agora, e vai até 25 de novembro, o edital para selecionar os próximos artistas que vão integrar o programa de residência do Museu da Imagem e do Som. Cada artista tem três meses para desenvolver suas obras no LabMIS, o laboratório do museu, e recebe uma bolsa de R$ 2.000 por mês durante a residência, além de ajuda de custo para produzir seus trabalhos.
Mostra LABMIS
Anaisa Franco, Claudio Bueno, Felipe Sztutman e Rodrigo Bellotto, Guilherme Lunhani
Artistas convidados: Alexandre Fenerich, Caetano Dias, Paulo Meira
Museu da Imagem e do Som - MIS
Av. Europa 158, Jardim Europa, São Paulo - SP
11-2117-4777 ou mis@mis-sp.org.br
www.mis-sp.org.br
Exposição até 3 de janeiro de 2010
SP e MinC anunciam novos Pontos de Cultura por Raquel Cozer, Folha de S. Paulo
Matéria de Raquel Cozer originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 17 de novembro de 2009.
Com o anúncio, ontem, das 300 entidades paulistas a serem beneficiadas nos próximos anos pelo edital Pontos de Cultura, o Ministério da Cultura tenta superar problemas que o projeto vem encontrando desde sua implantação, em 2004.
Essas instituições, que receberão R$ 180 mil para ações culturais ligadas às comunidades locais, serão as primeiras a receber o benefício após uma parceria entre o MinC e a Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Até então, o projeto era só do governo federal.
A ideia é que, com o trabalho conjunto das duas esferas de governo, seja possível melhorar a fiscalização e simplificar o processo, evitando assim atrasos nos repasses das três parcelas de R$ 60 mil do benefício.
De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), mais da metade dos Pontos de Cultura do país está sem receber recursos do MinC há pelo menos dois anos. Uma das principais razões do atraso é a falta de prestação de contas por parte das entidades -elas só recebem a parcela do segundo ano depois de prestar contas do primeiro ano de benefício.
"A prestação de contas era muito complicada, as entidades simplesmente não conseguiam fechar as contas", diz Silvana Meireles, secretária de Articulação Institucional do MinC. "Agora, essa prestação será mais focada nos resultados com as comunidades do que em critérios financeiros. É menos complexo, menos burocrático."
Ao todo, as instituições receberão R$ 54 milhões, sendo um terço -R$ 18 milhões- oferecido pelo governo estadual. Segundo Meireles, a divisão também permite uma "incorporação maior de questões locais na avaliação dos projetos", já que a administração do Estado pode acompanhar mais de perto.
São Paulo tem cerca de 200 Pontos de Cultura anteriores a essa parceria. Esses projetos continuarão sendo acompanhados só pelo MinC, que contratou consultores para verificar que dificuldades as entidades encontram. A lista das novas selecionadas está em www.cultura.sp.gov.br.
novembro 12, 2009
Vergara explora Carnaval como protesto por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 11 de novembro de 2009.
Obra gráfica e fotos de artista que despontou na nova figuração ganha retrospectiva no MAM do Rio
Carlos Vergara não gosta de estilo nem de entregar composições prontas para consumo. Sua retrospectiva no Museu de Arte Moderna do Rio dá a dimensão fragmentária dessa obra. São paisagens quebradiças, gravuras que se completam nos poros do papel fotográfico. "Estilo é uma armadilha mais do que tudo", diz Vergara, 67.
"Meu trabalho tem uma espinha dorsal, uma coerência interna, mas não um estilo, o que me deixa mudar o que quiser." E muda. Artista que despontou nos anos 60 entre os nomes da nova figuração, a pop art engajada feita no Brasil, Vergara assumiu depois fotografia e gravura como suportes complementares, juntos no mesmo discurso poético-político.
Em "Texto em Branco", um dos primeiros livros de artista produzidos em massa no país, Vergara deixava quase toda a página vazia, para que o público completasse suas formas. No canto de cada folha, mandou imprimir uma marca vermelha -a gota de sangue como símbolo daqueles anos de chumbo.
No espírito da época, que via surgir a estética relacional de Lygia Clark e Hélio Oiticica, Vergara também buscava na participação do público um desfecho para suas proposições. Cada exemplar do livro teria um destino diferente, embora sejam as originais, em branco, as folhas nesta mostra.
Do mesmo jeito que seus negativos atacados por fungos foram ampliados com os sinais coloridos da deterioração. Grãos estourados demais serviram de matriz para suas gravuras, uma geometria construída de sinais e marcas do tempo. "A ação do tempo é incorporada", diz Vergara. "O acaso é um dos grandes assistentes do artista. Se ele não está aberto a esse tipo de coisa, tem uma operação muito restrita."
Cacique de Ramos
Sem restrições, a grade que separa o público dos passistas no Carnaval orienta a composição dos flagrantes fotográficos da festa e depois ressurge como traço definidor dos campos cromáticos em suas gravuras.
Nos anos 70, Vergara estudou o Carnaval como se fosse performance. No meio da festa, que ele chama de ritual, descobriu o bloco Cacique de Ramos, em que todos os integrantes se vestiam da mesma maneira. "A fantasia era recortada sobre o corpo, um pedaço de plástico e vinil cortado sobre a pele", lembra. "Body art é o caralho, body art é o Carnaval."
Nas fotografias da época, o protesto político aparece aliado à agitação feérica dos blocos. Vergara acentua a harmonia possível desse descompasso montando imagens díspares lado a lado, como se fossem peça única. "Me interessou mais truncar a leitura", explica. "É obrigar uma procura de nexo, mesmo que o nexo não exista."
novembro 9, 2009
“É preciso acreditar na arte como um valor” por Eduardo Veras, Zero Hora
Matéria de Eduardo Veras originalmente publicada no jornal Zero Hora em 26 de outubro de 2009.
Paulo Sergio Duarte é um intelectual que não fala manso quando se trata de discutir as políticas de administração dos museus e dos acervos de arte no Brasil. Costuma fazer um diagnóstico muito pouco condescendente, reclamando da estagnação crônica das coleções públicas.
Zero Hora decidiu ouvi-lo a propósito do incêndio que, há 10 dias, destruiu grande parte da obra de Hélio Oiticica – o artista brasileiro de maior projeção internacional, criador dos parangolés e dos penetráveis, inspirador do movimento tropicalista, falecido em 1980, aos 42 anos. Um conjunto de mais de mil itens legados por Oiticica foi consumido pelo fogo, na casa que pertencera a ele, hoje ocupada por seu irmão, no Rio de Janeiro.
O episódio, percebido como uma tragédia, pelo menos inflamou o debate sobre a gestão de obras deixadas por artistas mortos. Qual deve ser o papel dos herdeiros? Qual deve ser o papel do Estado? O que se pode exigir?
Nascido na Paraíba e radicado no Rio, Paulo Sergio, 63 anos, defende a adoção de políticas de aquisição por parte dos museus:
– Em qualquer cidade do Brasil não pode se dar uma aula de História da Arte no Brasil com os acervos expostos.
Professor da Universidade Candido Mendes, no Rio, curador da 5ª Bienal do Mercosul, em 2005, em Porto Alegre, Paulo Sergio integrou durante anos – até o ano passado – o conselho curatorial da Fundação Iberê. Sublinha que, no contexto nacional, o caso da gestão desse acervo é singular:
– O Rio Grande do Sul, nas pessoas de Iberê Camargo e, principalmente, Maria Coussirat Camargo, sua mulher e herdeira, tem uma grande lição a dar a todo o Brasil sobre essa questão. Basta visitar a Fundação Iberê Camargo, em Porto Alegre.
Zero Hora – Diante de um episódio como o da destruição das obras de Hélio Oititica, aparece uma tendência forte em se culpar a família. Sem entrar no mérito específico desse caso, mas pensando de forma mais genérica, o que se poderia esperar daqueles que, por herança, se tornam responsáveis pela preservação de um legado artístico e cultural?
Paulo Sérgio Duarte – Existem duas respostas a sua questão. O que esperar das famílias? E o que esperar dos responsáveis pela preservação de um legado artístico e cultural? Vamos deixar o aspecto privado para depois e iniciar com a questão pública. No caso do Brasil, seria preciso instituir as artes visuais como um valor simbólico nacionalmente reconhecido. Seria preciso estabelecer uma política de aquisição de obras que incluísse não só os acervos de artistas mortos mas que concedesse bolsas de trabalho e aquisição para artistas vivos. O importante é uma política pública de aquisição de obras acompanhada de investimentos em museus dignos de recebê-las. Isso começa pelos recursos humanos. É preciso acreditar na arte como um valor. Como se acredita que o cinema é. Enquanto a Agência Nacional de Cinema tem mais de 400 funcionários, a Coordenadoria de Artes Visuais da Funarte tem 10. Quanto às famílias, espero que tenham plena consciência da liberdade de expressão e não exerçam o papel de censoras de leituras críticas dos trabalhos.
ZH – Alguns comentaristas, depois do episódio do incêndio, chegaram a mencionar como alternativa o tombamento de acervos como patrimônio artístico nacional. Você considera isso viável?
Paulo Sérgio – O tombamento é um instrumento jurídico de preservação de um bem cultural. Tomba-se a herança de uma família, uma coleção privada, imobiliza-se um patrimônio, pressupondo-se que o Estado exercerá efetivamente o controle sobre esses bens. O tombamento não passa do reconhecimento simbólico do valor do bem, que, na prática, nunca é acompanhado dos investimentos necessários à preservação. Além disso, o tombamento impede legalmente que a obra possa pertencer a acervos fora do país. Acho muito importante que existam obras de artistas brasileiros em acervos internacionais. Já pensou Matisse só na França, Miró só na Espanha, Beuys só na Alemanha? É de uma burrice lamentável.
ZH – Em uma perspectiva ideal, qual deveria ser o papel do Estado na preservação de acervos de artistas já falecidos?
Paulo Sérgio – Se for estabelecida uma política permanente de aquisição de obras de arte, o problema dos mortos desaparecerá e só surgirá em casos excepcionais. A verdade é que nós não temos nada. Em qualquer cidade do Brasil não pode se dar uma aula de História da Arte no Brasil com os acervos expostos. Em São Paulo, a situação está um pouquinho melhor por causa da continuidade na política da Pinacoteca do Estado. Mas nem mesmo lá existem coisas óbvias para a História da Arte no país. Então o problema com os mortos começa muito antes: em que museu eu posso dar uma aula sobre Pancetti, sobre Goeldi, sobre Guignard? Em nenhum museu do Brasil existem salas dignas sobre esses artistas, que evidentemente estão na História da Arte. Graças a Deus, existe o Museu do Pontal, no Rio de Janeiro, um excelente acervo de escultura popular, o Instituto Cultural Inhotim, em Brumadinho, Minas Gerais, um dos maiores parques de arte contemporânea do mundo, e a Pinacoteca do Estado de São Paulo, que, com todas as dificuldades, persegue um padrão exemplar.
ZH – O que seria desejável em termos de uma política pública de aquisição?
Paulo Sérgio – Ela é prioritária. Artista vive do que faz, e vender a obra é fundamental. Comprar também é importante. Mas com que critérios? Que injunções tem com o mercado, com feiras de arte, quem indica o que deve ser comprado? A isenção nesse caso deve ser clara e ser sempre decisão de um conselho e não de um indivíduo. Uma lição da Alemanha é importante: a incorporação de artistas jovens a grandes acervos. Isso é um estímulo. Aqui, outro dia, fui dar uma aula no Museu Nacional de Belas Artes, na sala de arte moderna e contemporânea, no Rio. Tive de explicar para os alunos que, além das imensas lacunas e das ausências de nomes fundamentais, os valores estavam invertidos. Quanto maior a obra, salvo raríssimas exceções, menor a importância do artista. Mesmo um museu raramente visitado cumpre a função de deseducar e não de educar. Essa é a nossa situação. O Museu Nacional de Belas Artes não tem uma política de aquisições, não tem um conselho, aceita doações de forma indigente..
Viagem à Lua por Eduardo Veras, Zero Hora
Matéria de Eduardo Veras originalmente publicada no jornal Zero Hora em 9 de novembro de 2009.
Módulo Lunar figura entre as obras de maior sucesso da 7ª Bienal do Mercosul, em Porto Alegre. Plantada no Armazém A6 do Cais do Porto, dentro da exposição Árvore Magnética, a peça tem chamado atenção tanto de crianças quanto de adultos, que se dedicam a andar vagarosamente em torno dela, observando, esperando os movimentos seguintes, fotografando cada pequena alteração – e sempre com muito interesse.
No interior de uma exposição por vezes difícil, Módulo Lunar é um convite à fruição criativa. À primeira vista, remete, como já sugere o título, a um veículo espacial, semelhante àqueles dos anos 1960, aos tempos do Projeto Apollo e do esforço norte-americana para alcançar a Lua. A graça, na Bienal, vem do fato de a obra, apesar da aparência muito fidedigna, ser feita de forma bastante tosca, com material de uso cotidiano, sobretudo tubos, canos e conexões de plástico.
Em seguida, quando os mediadores da Bienal colocam uma espécie de partitura no coração da nave, ela passa a executar, sozinha, um roteiro previamente programado. São 10 partituras diferentes, combinando músicas (não por acaso, citações de famosas trilhas de ficção científica, pinçadas de filmes como 2001 – Uma Odisseia no Espaço ou Contatos Imediatos do Terceiro Grau) e outros efeitos. O módulo de plástico faz soar uma sirene, larga bolhas de sabão, dispara jatos de fumaça branca. Cada partitura corresponde ao que seria uma diferente etapa de uma viagem à Lua, do teste de equipamentos a um imaginário encontro com os selenitas.
– Fica num meio caminho entre a pianola e a caixa de música, entre o lúdico e a poesia – resume o próprio autor do Módulo Lunar, o artista Paulo Nenflídio, 33 anos, paulista de São Bernardo do Campo, até então desconhecido do público porto-alegrense.
Formado em Artes pela USP, ele também é técnico em Eletrônica e faz questão de montar sozinho cada uma de suas obras (dá para conhecer outras delas no site oficial do artista: http://paulonenflidio.vilabol.uol.com.br).
A Bienal segue até 29 de novembro, de terças a domingos, com entrada franca.
''Vamos ter uma grande Bienal'' por Sonia Racy, O Estado de S. Paulo
Matéria de Sonia Racy originalmente publicada no caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo em 9 de novembro de 2009.
Heitor Martins conta o que fará para ter uma exposição de alto nível, que atraia todo mundo e depois leve a arte ao resto do País.
Cabeça de executivo, amor pela arte desde criancinha, proximidade com artistas, museus, banqueiros, empresários - e boa disposição para causas ingratas. Esse caldo de virtudes e esperanças deu coragem a Heitor Martins, 41 anos, sócio da consultoria McKinsey, para comprar, quatro meses atrás, uma guerra da qual outros se afastaram: recompor sobre seus pés a Fundação Bienal e fazer, em 2010, uma bela exposição.
"A gente não vai ter um grande país, desenvolvido, se não tiver arte", justifica. "Percebo um grande desejo, na sociedade, de revitalizar a Bienal. E sei que a ajuda virá se tivermos um bom projeto e conquistarmos credibilidade." Tratou de formar um pelotão de reforço: conselheiros com visibilidade, com um pé na arte e outro no dinheiro. Enquanto comemora os primeiros sucessos - praticamente metade do dinheiro para a Bienal de 2010, orçada em R$ 30 milhões, começa a lhe chegar às mãos - Martins avisa: vai dar para fazer "uma das melhores exposições". E põe as fichas em duas ideias: um programa educativo que envolverá cerca de 400 mil pessoas e uma "mini-Bienal itinerante" para mostrar a exposição pelo País. "Isso é modernidade, é inserção social, é cidadania", afirma.
O sr. aceitou presidir a Bienal depois de vários outros terem recusado. Foi por otimismo? Não conheço as motivações dos que recusaram, mas sou otimista em tudo o que faço. E sei do valor da Bienal na cultura brasileira. Tendo um projeto com credibilidade, recursos aparecerão.
E boa parte deles está chegando, não?Mas eles não vêm à toa. São o resultado de uma ação. E a nossa ação está em curso, pautada em três coisas. Primeiro, a credibilidade institucional, pois a sociedade não apoia nada se não sentir seriedade e idoneidade. Segundo, um projeto - sem ele, ninguém ajuda. E terceiro, a conexão com a sociedade. O que precisamos é gerar impacto cultural.
Essa conexão, com a indicação de novos conselheiros, deu trabalho, não? O começo todo deu trabalho. Mas conseguimos trazer figuras com proeminência na sociedade. Colecionadores, banqueiros, gente com forte vínculo com as artes. Figuras como Alfredo Setúbal, Carlos Jereissati, Cacilda Teixeira da Costa - que é crítica de arte, escreveu vários livros -, a Susana Steinbruch, o José Olympio Pereira... Indicamos sete, recompondo o quadro original de 60. Com todos eles, a sociedade volta a abraçar a causa.
E essa ligação com a sociedade já está existindo? Sim, e a conexão se traduz não só na escolha de conselheiros, mas também na aproximação com o governo. Hoje estamos próximos do Ministério da Cultura e das secretarias de Cultura estadual e municipal. Pela primeira vez temos um representante do MinC, indicado pelo Juca Ferreira. Trouxemos o Justo Werlanger, um dos fundadores da Bienal do Mercosul, que ajudará a criar pontes fora de São Paulo.
Já existe um "plano de governo"? Como é? Tem três pilares. Primeiro a reconstrução institucional, depois a realização da 29ª Bienal e por fim a consolidação dos laços com a sociedade. A reconstrução é, em suma, a modernização da casa. As capacidades de gestão administrativa e financeira estavam envelhecidas, havia pendências antigas, a produção de documentos estava limitada...
Isso exige dinheiro. Ele está aparecendo? Tivemos um esforço grande para captar recursos. A Prefeitura aportou R$ 2 milhões para custeio, promovemos uma festa que rendeu mais R$ 1 milhão, captamos outros R$ 800 mil... Até pagamos pendências com artistas que nem esperavam mais receber.
Mas a Bienal é coisa para quase R$ 30 milhões. Como vocês mesmos revelaram, uma boa parte dos recursos está aparecendo. Os R$ 8,25 milhões oferecidos pelo Itaú-Unibanco revelam a confiança que nosso projeto desperta nos meios artísticos e empresariais. Outros fundos prometidos, ainda nos trâmites burocráticos, chegam a R$ 6 milhões. Ou seja, praticamente metade do necessário. Na verdade, precisaremos de R$ 25 milhões para a exposição e R$ 5 milhões para o programa educativo, que envolverá cerca de 400 mil pessoas.
Tudo isso? De que se trata? É um conjunto de ações que consiste em um programa escolar, capacitação de professores, temas em aulas, trazer os alunos para a exposição. Além disso, outra operação parecida junto a comunidades de base. Estamos criando uma rede com muitas delas, com ONGs... E por fim, um conjunto de ações educativas para artistas, workshops.
É um projeto tipo "arte para o povo"? É uma iniciativa importante para tirar a arte contemporânea do seu redoma. Como nos disse o ministro Juca Ferreira, apenas 6% da população brasileira entrou em um museu até hoje. Mas a capacidade que temos, num prédio de 30 mil metros quadrados, de criar um primeiro contato com a arte para milhões de paulistanos é fantástico. Isso é educação, modernidade, cidadania, inserção social.
Lembra museus da Europa, como a Tate Modern... Mas eles não fazem na escala que pretendemos aqui. Na Bienal de Veneza, ou na de Kassel, há programas educativos, mas muito tímidos. Conversei na Tate Modern com o chairman de lá, Nicholas Sirotta, que ficou encantado com este nosso projeto. Às vezes as pessoas não se dão conta de como é importante o que se faz aqui.
E o segundo pilar, a próxima Bienal? Para nós essa é uma meta fundamental. Pois a Bienal não é apenas um prédio, ela existe na medida em que cumpre sua finalidade. Adiar uma coisa que é feita desde 1951 seria um estrago. E nossa aposta é que poderemos fazer, em outubro de 2010, uma grande Bienal, das melhores. Na equipe de curadores incluímos até um americano e um europeu, que cuidarão de assegurar um impacto lá fora.
E qual seria o terceiro pilar? Reafirmar os laços com a sociedade. A Bienal tem capacidade de atração, de criar benefícios à sua volta. A partir de 2011, poderemos levar recortes da nossa exposição para outras cidades. Salvador, Recife, Brasília, Campinas, Ribeirão Preto... Mas o primeiro ponto dessa itinerância vai ser Veneza. A mostra do Brasil em Veneza vai ser um reflexo do que tivermos mostrado aqui.
A arte contemporânea não é fácil, não atrai multidões. Como você vê esse desafio? Tenho absoluta convicção de que essa visão de que as artes plásticas só existem nas elites é uma falácia. O impacto, o poder de transformação da arte contemporânea pode abarcar todas as classes sociais. Mas para que ele ocorra é preciso ter obras e mostrá-las. Veja que quando o Vik Muniz fez aquela mostra no Masp, as filas foram enormes. Mas esse acesso precisa ser mediado. As pessoas precisam de instrumentos para entender uma obra de arte. Por isso apostamos num grande programa educativo. A gente não vai ter um país grande, desenvolvido, se não tiver arte.
Uma experiência-limite por Ferreira Gullar, Folha de S. Paulo
Matéria de Ferreira Gullar originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 8 de novembro de 2009.
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Hélio Oiticica e Lygia Clark levaram proposta do neoconcretismo às últimas consequências.
ENTRE 1959 E 1961 , quando nasceu e eclodiu o movimento neoconcreto, tornei-me amigo de Hélio Oiticica, que eu tinha como uma espécie de irmão mais novo. Ele, aliás, era o mais moço do grupo e o último a se juntar a ele, tanto que não participou da primeira exposição neoconcreta, inaugurada em março de 1959, no MAM do Rio, nem assinou o manifesto, publicado naquela ocasião.
Mas Hélio, de todos, era o mais determinado a buscar novos caminhos de expressão, a levar adiante as propostas que surgiam do trabalho e da troca de ideias e de experiências. Ele estava convencido de que a arte neoconcreta abrira um território novo à criação artística. Esse era um tema frequente em nossas conversas, que, na verdade, se limitavam a algumas hipóteses sem resposta. A resposta não estava no discurso, mas no trabalho criador.
O incêndio, que recentemente destruiu grande parte de suas obras, chegou-me como uma notícia inverossímil pelo telefone, quando a repórter me falou da perda de mil obras, o que me pareceu exagero uma vez que, pela própria natureza de suas criações, dificilmente teria feito tantas. De qualquer modo, as perdas seriam muitas. Pois incluiriam telas, desenhos, relevos espaciais, instalações e todos os "Bólides" e "Parangolés", que estavam na sala onde ocorreu o incêndio.
Uma perda irreparável, no plano artístico, impossível de calcular, uma vez que ali se teria perdido grande parte da própria história do artista. Agora se sabe que boa parte das obras se salvou e outras serão recuperadas ou refeitas.
Ainda assim, foi um desastre lamentável que, atinge todas as pessoas amantes da arte, atinge-me particularmente pela ligação que mantive com ele, no momento mesmo em que inventava o seu próprio caminho. E, mais ainda, porque o incêndio ocorreu onde ocorreu, na casa da Gávea Pequena, onde foi construído, em 1960, o "Poema Enterrado".
Cabe dizer ao leitor, que talvez não o saiba, o que era esse poema. A coisa começou quando publiquei no Suplemento Dominical do "Jornal do Brasil" um poema concreto que, para se realizar de fato, obrigava o leitor a ler, seguidamente, a palavra "verde", que se repetia até explodir na palavra "erva". Só que o leitor, ao perceber a repetição, não fazia a leitura prevista, por desnecessária.
Esse fracasso me levou a inventar um poema escrito, palavra a palavra, no verso das páginas e a cortá-las, conforme a necessidade do poema. Nasceu, assim, o livro-poema, que me levou aos poemas espaciais (placa de madeira com um cubo colorido que ocultava uma palavra), que obrigavam o leitor mover as peças do poema.
Pois bem, depois de levá-lo a participar do poema, manuseando-o, usando a mão, decidi levá-lo a usar o corpo -e bolei o "Poema Enterrado": uma sala no subsolo, a que o leitor descia por uma escada e entrava no poema. Sua invenção foi no final de 1959, quando publiquei, no "SDJB", a planta do poema e sua descrição.
Hélio ligou-me empolgado e dizendo que ia obrigar o pai a construir o poema no quintal da nova casa da família, essa mesma casa, onde houve agora o incêndio. Pronto o poema, marcou-se a inauguração num domingo, mas, como chovera muito na véspera, ao abrirmos-lhe a porta, vimos que estava inundado, para desapontamento de todos nós.
Soube, muitos anos depois da morte do Hélio, que o poema havia sido reconstruído, mas não fui informado. Esse poema nasceu azarado: o MAM de São Paulo tentou construí-lo, no Ibirapuera, mas a comissão estadual de cultura o proibiu.
De qualquer modo, o incêndio de agora junta-se em minha mente à inundação do poema, numa relação estranha que sinto sem saber explicar. Tenho diante dos olhos, agora, o rosto tenso de Oiticica, sentado comigo a uma mesa do Zepelin, pouco depois de seu retorno de New York. Daí a poucos meses, ele é encontrado agonizando no pequeno apartamento em que passara a morar, em Ipanema.
Hélio e Lygia Clark levaram às últimas consequências a proposta básica do neoconcretismo, de acrescentar à experiência visual -que define a pintura, a gravura e a escultura- o relacionamento corporal com a obra. Essa participação do espectador conduz, no caso do Hélio Oiticica, à série de "Bólides", que são, a meu ver, o momento-limite de sua busca, antes dos "Parangolés" e outras obras, de difícil definição estética. Algumas das experiências dele e de Lygia Clark anteciparam certos caminhos que a arte tomaria, a partir dos anos 60 e 70. Daí o reconhecimento internacional de que gozam. Isso nos dá a medida do que se poderia ter perdido com o incêndio de outubro passado.
novembro 6, 2009
Respirar com os olhos por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 4 de novembro de 2009
Waltercio Caldas desafia o sentido da visão em nove instalações expostas no Museu Vale
Waltercio Caldas reconhece o olho como o principal órgão de percepção das artes visuais, mas não se contenta com o que ele pode oferecer. Talvez por isso suas obras se comportem como jogos ópticos.
O espectador da obra do artista carioca é sempre convidado a recriar seus modos de olhar. Para isso, deve contar com uma boa dose de humor, a ser descoberto em trabalhos como "Ping-Ping", que propõe uma partida pingue-pongue jogada por cegos; ou em "Maçãs Falsas", que desafia o espectador a descobrir quais são as maçãs reais e quais são as suas imagens em um labirinto de vidros e reflexos; ou em "Sala para Velázquez", que contém um livro sobre o pintor espanhol com imagens e textos reproduzidos fora de foco. As nove instalações expostas no Museu Vale - cinco inéditas no Brasil - precipitam "abismos para o olhar", segundo o curador Paulo Venâncio Filho.
ISTOÉ - Um aspecto que conecta as obras expostas é o jogo com a percepção visual. Por que a visão?
Waltercio Caldas - O principal órgão de percepção da arte é o olho. Pensamos através dos olhos. O pensamento é uma bela emoção, que se dá por meio da percepção visual do mundo. Não por acaso, nessa exposição dois aspectos estão bastante evidentes: o visual e o musical, que se completam.
ISTOÉ - "Quarto Azul" explora a pintura e a experiência pictórica através da cor?
Caldas - Acho que não. Trato a cor como se fosse um objeto tridimensional. A parede branca não é suporte para a cor azul, mas é o corpo da obra. Na verdade, não trato a tridimensionalidade da imagem, mas sim da cor.
ISTOÉ - Como você se relaciona com a história da pintura?
Caldas - A pintura, para mim, é um objeto muito opaco, em que o olho se fixa. Tenho um interesse nas coisas transparentes, que o olhar atravessa. O olhar vai e volta, não se fixa no objeto. Existe um aspecto lúdico na percepção e o objeto tem uma certa "saúde", uma capacidade de produzir novos significados dele mesmo. É como se, por vezes, a obra olhasse o espectador.
ISTOÉ - Por isso a referência à obra "Las Meninas", de Velázquez?
Caldas - Exato. Essa é uma obra que olha para o espectador. Em "Livros sobre Velázquez", chamo a atenção não para a imagem reproduzida, mas para o objeto-livro, como reprodutor da obra do artista. O objeto é mais importante que a imagem.
ISTOÉ - Por quê?
Caldas - Meus trabalhos resistem em se transformar em imagens. Eles querem ser coisas, antes de serem imagens. Não querem reproduzir coisas, querem ser a antirreprodução. Ao ser reproduzido, o objeto se torna opaco e perde sua natureza transparente. O mundo está sendo vendido às pessoas como se fosse imagem. Quero dizer justamente o oposto. Não quero me separar do jogo do mundo, mas jogá-lo com o suficiente distanciamento crítico para não me deixar levar pelos valores cínicos da aparência.
ISTOÉ - Que modos de olhar você abre para o espectador, além da contemplação?
Caldas - A primeira coisa que me vem à cabeça é a palavra abismo. Olhar para a arte é compactuar com este abismo que há na frente, um desconhecido ativo que nos atrai e nos impele a encará-lo à revelia de nós mesmos. A função do artista é melhorar a qualidade do desconhecido.
novembro 5, 2009
Reflexos da queda do Muro de Berlim por Eugênia Bezerra, Jornal do Commercio
Matéria de Eugênia Bezerra originalmente publicada no Caderno c do Jornal do Commercio, em 5 de novembro de 2009.
Marco simbólico da Guerra Fria, o Muro de Berlim dividiu a Alemanha em dois blocos por 28 anos. Após sua derrubada, que completa vinte anos este mês, o mundo passou por transformações políticas, econômicas e sociais – que também se refletiram no campo das artes. Estes temas fomentam o ciclo de debates do Seminário Internacional Depois do Muro: a geopolítica das artes, realizado a partir de segunda-feira pela Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) e a Fundação de Cultura Cidade do Recife. As palestras com artistas, curadores, pesquisadores e críticos acontecem na Fundaj do Derby. Há 100 vagas disponíveis e as inscrições são realizadas por e-mail. A ficha de inscrição está disponível no www.fundaj.gov.br. Pelo mesmo site, o evento será transmitido com tradução simultânea.
A cada ano a Coordenação de Capacitação e Difusão Científico-Cultural da Fundaj (CGCADIF) escolhe um tema para estas ações. Em 2008, foi o marco dos 40 anos do Maio de 68. Este ano, a Fundaj escolheu esta outra efeméride para refletir sobre a arte e a contemporaneidade. “Não queríamos ser só mais um evento sobre o Muro de Berlim, até porque as instituição alemãs poderiam fazer isso e até com mais propriedade. Mas esta é uma oportunidade para se posicionar sobre o que tem acontecido daquele ano para cá. Hoje fala-se muito em um mundo sem fronteiras, mas sem fronteiras para quem?”, reflete a coordenadora-geral da CGCADIF, Cristiana Tejo.
O seminário é formado por três palestras, que começam às 14h30 e serão seguidas por debates (às 17h30). O primeiro encontro tem como tema A geopolítica das artes e conta com a participação do coordenador de Artes Visuais da Fundaj, Moacir dos Anjos, e da curadora da Bienal de Havana, Nelson Herrera Ysla (Cuba). Após o debate, será inaugurada a exposição do Grupo Superflex na Galeria Vicente do Rego Monteiro (confira na matéria ao lado).
Na terça-feira, a discussão destaca a relação entre arte e economia, com o tema Arte no contexto neoliberal. Participam da mesa o historiador de arte, crítico e curador Marko Stamenkovic (Sérvia), o doutor em Sociologia da Cultura Alexandre Melo (Portugal), e a crítica de arte e pesquisadora Ana Letícia Fialho.
No último encontro, outros três convidados debatem sobre Arte e reposicionamentos políticos. A ideia é fazer um balanço crítico do que aconteceu nos últimos 20 anos no setor. Os palestrantes são o artista, curador e crítico Ricardo Basbaum (RJ), a mestre em História e Teoria da Arquitetura Ligia Nobre (SP) e o doutor em Ciências da Informação Laymert Garcia dos Santos (SP).
A Fundaj já começou a preparar uma publicação que vai reunir os papers do seminário a outros textos relacionados ao assunto, além de uma espécie de glossário.
novembro 3, 2009
A tragédia pôs em pauta a questão dos acervos por Marcio Doctors, Jornal do Brasil
Matéria de Marcio Doctors originalmente publicada no Jornal do Brasil, em 24 de outubro de 2009.
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RIO - A questão de como lidar com os acervos familiares dos artistas é muito complexa e a partir de agora estará em pauta, como uma das consequências da tragédia ocorrida com a obra de Helio Oiticica. Penso que devemos saber separar os fatos para não nos embolarmos neles. Percebo que há ressentimento em relação aos direitos das famílias sobre as obras. E o que, algumas vezes, pode parecer um abuso – e às vezes é – é mais consequência de um mecanismo de defesa e de insegurança, já que não há uma normatização de procedimentos a serem adotados. Vejo tudo isso como resultado da inexistência de uma estrutura maior por parte dos poderes políticos e econômicos capazes de proteger o patrimônio da arte brasileira. Não há vontade política e econômica clara nem orientação de como devemos proceder porque não existe uma consciência real da importância do valor da arte brasileira.
Incidentes como o da última semana servem para nos alertar de que estamos no caminho errado e que algo é preciso ser feito. Os herdeiros dos artistas neoconcretos têm nos dado uma grande lição, reforçando a iniciativa pioneira da família Portinari, de que é necessário cuidar da obra legada não só como valor econômico, mas também como valor cultural. A crescente presença internacional da arte contemporânea brasileira é também – mas não só – resultado do empenho das famílias em lutar para preservar o legado cultural de seus antepassados. Reconheço o esforço que tem sido feito por diretores de museus e pelo MinC nos últimos anos no sentido de buscar aparelhar melhor nossas instituições culturais. Mas ainda estamos muito distantes de uma situação minimamente ideal. Isso é o reflexo de uma tendência mundial de musealização da realidade humana, que se impõe ao mundo contemporâneo como sua condição e da qual não há como escapar, do que uma consciência real da importância do bem cultural. É como a questão ambiental ou a realidade digital: não dá para fechar os olhos, são caminhos sem volta. Falta a nós ainda aguçar nossas consciências e produzir uma mudança de mentalidade para a importância desse fato, para evitar chorar depois pelo que não foi feito. Não se muda o passado; só se muda o futuro. Enquanto não entendermos que proteger o patrimônio cultural é proteger também a economia, estaremos infelizmente pensando os museus e todo o patrimônio tangível e intangível como um “enfeite” e não como uma poderosa ferramenta econômica, que sinaliza a importância do valor agregado para uma economia.
Gostaria de citar dois exemplos para melhor evidenciar essa idéia: de um lado o Beaubourg, que foi o polo de revitalização de uma área degradada de Paris que era o Marais; de outro, Juazeiro do Norte, cuja economia hoje vive em torno da invenção plástica de Mestre Vitalino. O investimento em cultura no mundo da atualidade contemporânea é vital, já que, se a economia gira em torno da tecnologia (a imaginação científica tornando realidade o imaginário humano) a arte é a usina da imaginação humana, no sentido de “ser ter a realidade”, como nos indicou Clarice Lispector.
A questão não é se os acervos estariam em melhores condições nas mãos do governo ou das famílias. Eles estarão em melhores condições quando todos, herdeiros, poder público e privado tomem, em conjunto, para si a tarefa de proteger nosso patrimônio cultural, dividindo responsabilidades e obrigações. E para tal é necessário começarmos a pensar em uma mudança de atitude. É preciso cuidar. Cuidar do que já temos, respeitar corrigindo o que já foi feito e não temer o novo, cuidando do vir a ser. Cuidar no sentido amplo, para que não haja miséria social, econômica, política e cultural. Penso que estamos no caminho certo ao desejar rever nossas atitudes. Mas, mesmo assim trago dentro de mim um pensamento da Hannah Arendt: a banalização da realidade produz distorções monstruosas. Infelizmente é esta a realidade secular que vivemos no Brasil e da qual estamos lutando para escapar, ao buscar lidar melhor com a nossa baixa autoestima nacional.
* Marcio Doctors é curador da Fundação Eva Klabin
Alerta contra a fraude nos nossos dias por Camila Molina, O Estado de S. Paulo
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 do O Estado de S. Paulo, em 27 de outubro de 2009
A crítica americana Rosalind Krauss fez uma palestra polêmica no Paço das Artes
A americana Rosalind Krauss, em curta passagem por São Paulo para realizar palestra anteontem à tarde no 3º Simpósio Internacional de Arte Contemporânea do Paço das Artes - Experiências, Campos, Intersecções e Articulações, foi apresentada na abertura do evento como a mais importante crítica, teórica e ensaísta de arte da atualidade. Aos 67 anos, Rosalind, professora da Universidade de Columbia, Nova York, é uma referência, não só pelos livros que publica desde a década de 1960 - The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths e O Fotográfico -, como a de ser uma das fundadoras, em 1976, da October, influente periódico sobre arte, atualmente, publicado pela MIT Press, e de conceitos, entre eles, o da "escultura no campo expandido" e da defesa da fotografia como gênero - no simpósio, ela se valeu de um termo que agora usa especificamente: "Abandonei a palavra mídia e comecei a usar a expressão suporte técnico."
Dona de uma fala contundente - e voltada para um público preparado -, Rosalind começou sua conferência enfática: "Aqueles que conhecem minha obra sabem quão profundamente sou opositora do trabalho fomentado por essas mostras internacionais e feiras como as Documentas e várias Bienais." Fez sua palestra "testando" declarações da curadora da Documenta X, de 1997, Catherine David, sobre o fim do cubo branco ("as paredes do museu e o espaço da galeria") e da recusa das ideias de pureza, autenticidade e oposição entre arte e mídia. Para tanto, a crítica, por mais de uma hora, fez sua provocação sem interrupção: discorreu sobre sete "artistas rebeldes" da contemporaneidade (Harun Farocki, Ed Ruscha, William Kentridge, Christian Marclay, James Coleman, Sophie Calle e Marcel Broodthaers) que conseguem criar uma obra "contra a ditadura do cubo branco".
A palestra de Rosalind, mediada pelo professor da Unicamp, Márcio Seligmann-Silva, tinha como título Reconfigurações no Sistema de Arte Contemporânea. Valendo-se de uma citação do professor de filosofia de Harvard, Stanley Cavell - "a possibilidade de fraude e a experiência de fraude é endêmica na experiência da arte contemporânea" - Rosalind defende que o trabalho do crítico é "penetrar" e "comunicar" quais seriam os processos de criação genuínos dentro de um sistema que "encoraja o espetáculo". Foi segura ao eleger apenas uma lista de menos de dez criadores que, usando expressão de Walter Benjamin, dão "o salto do tigre" (Tigersprung) abrindo espaço para a reflexão dentro da arte. "Não existe a sobreposição da historicidade", resumiu, depois do término da palestra, Seligmann, o que significa que esse "salto do tigre" pode ser dado mesmo que se permita "um passo para trás".
"O passado dá poder ao presente", afirmou Rosalind, que depois, respondendo a uma das perguntas do público, simplesmente arrematou toda sua palestra dizendo: "Se você está me perguntando se sou uma reacionária a resposta é sim" (Infelizmente, a sessão aberta ao debate com o público foi interrompida abruptamente pelos organizadores do seminário).
Tendo uma vasta formação, no início marcada pelas teorias do formalista Clement Greenberg e das visões mais subjetivas de Harold Rosenberg, sua trajetória de quase 50 anos, marcada pelo engajamento, reflete a passagem do modernismo para a pós-modernidade - já foram temas de seus trabalhos o cubismo e a fotografia surrealista, as esculturas de Brancusi, David Smith e Richard Serra, o minimalismo ou a obra de Cindy Sherman. Rosalind, assim, chamou atenção em sua palestra para a ideia de "pureza" que o modernismo chamou de "especificidade da mídia" - e que tanto a estética relacional quanto as instalações (a grande estrela das bienais e feiras) se alimentaram do fim da especificidade e da narrativa principal. A genuinidade de cada obra elencada por Rosalind Krauss não poderia estar desgarrada do "suporte técnico" escolhido pelos artistas: no caso do checo-alemão Harun Farocki, "cineasta", a edição; do americano Ed Ruscha, a pintura com sua história; do sul-africano William Kentridge, a animação; do americano Christian Marclay, a sonoridade; do irlandês James Coleman, a fita slide; da francesa Sophie Calle, o jornalismo e a vida privada; do belga Marcel Broodthaers, a criação de um museu imaginário.
O 3º Simpósio de Arte Contemporânea do Paço das Artes termina hoje com a realização de três mesas de debate. A primeira, das 10h às 11h, tem como tema Confluências: Arte, Tecnologia, Indústria, Design e a participação do professor da PUC, Nelson Brissac e Yacine Ait Kaci, da França - depois ocorre debate com Cícero Inácio Silva, da Universidade de San Diego, Califórnia. A segunda, das 14h às 15h30, Redes Sociais, Arquivo e Acesso, terá como palestrantes Rogério da Costa, da PUC, e Alberto Lopez Cuenca, pesquisador espanhol, seguido de debate com o historiador de arte cubano Eugenio Valdés Figueroa, da Casa Daros-Rio. A terceira, Imagens Contemporâneas e Imagens da Arte Contemporânea, contará com as palestras de Lucia Santaella, da PUC, e de André Parente, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - o debate, posterior, será com o artista Lucas Bambozzi. Será lançada uma publicação reunindo o conteúdo do simpósio.
Mostra ressalta importância que escultor dava à fotografia por Fabio Cypriano, Folha de S.Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 1 de novembro de 2009
Entre destaques está painel com 71 fotos que reproduz montagem de 1900
O escultor francês Auguste Rodin (1840-1917) já foi tema de duas exposições antológicas na Pinacoteca do Estado. A primeira, em 1995, reuniu 200 mil pessoas e representou a consagração do espaço como o museu mais dinâmico da cidade. Já em 2001 foi a vez de "A Porta do Inferno", que consumiu 20 anos de trabalho de Rodin, levar novas hordas de visitantes ao local.
Assim, em menos de 15 anos, "Rodin: do Ateliê ao Museu", em cartaz no Masp (Museu de Arte de São Paulo), traz novamente obras do escultor. Redundante? Não. A mostra apresenta um tema relevante não só em seu processo como também para a própria arte moderna: a importância da fotografia.
A exposição, organizada em parceria com o Museu Rodin, em Paris, reúne 22 esculturas e 194 imagens que refletem a relação de fato intensa entre o artista e seus fotógrafos. Rodin começou a registrar suas obras e seu ateliê em 1880, quando esse procedimento tornava-se mais maduro, após 40 anos de experimentação.
Em seus arquivos, foram encontradas nada menos do que 25 mil fotografias, sendo que 7.000 delas foram encomendas do próprio Rodin. Por tudo isso, pode-se perceber como mesmo os fotógrafos se interessavam em registrar as esculturas de Rodin, um objeto mais simples de trabalhar, quando eram necessários alguns minutos para conseguir registrar uma imagem com foco.
Desde 1896, o artista exibia suas esculturas junto de fotografias, o que comprova a importância que Rodin dava a estas últimas. No Masp, um dos exemplos mais significativos disso é o painel com 71 fotos de Eugène Druet expostas da mesma maneira como o artista e seu fotógrafo o fizeram em 1900, em sua exposição na place d'Alma. Composto por imagens ora repetidas, ora realizadas por ângulos distintos, esse painel é um testemunho de que Rodin não via a fotografia somente como um registro mas como algo mais complexo.
Nos tempos modernos, que se firmavam na virada do século 19 para o 20, quando Rodin realizou tal exposição, a aceleração dos processos de reprodução e circulação era fundamental, e a fotografia, um de seus meios mais eficazes.
Rodin era tão consciente do papel crescente desse processo e do eventual prejuízo que ele poderia causar, que tinha contratos de exclusividade com os fotógrafos com quem trabalhava, controlando seu modo de fazer. No contrato assinado com Ernest Bulloz, um dos presentes na mostra, ele manteve para si "a direção artística da reprodução de suas obras no que tange à iluminação e à forma de exposição".
O percurso da mostra, então, apresenta os vários fotógrafos de diversas nacionalidades que trabalharam com Rodin num sistema de real parceria, como Eugène Druet, seu favorito, Bulloz, que o sucedeu, e os experimentais ingleses Stephen Haweis e Henry Coles, que gostavam de registrar as esculturas no momento do pôr do sol.
Pipilotti Rist cria mundo utópico por meio do sarcasmo por Fabio Cypriano, Folha de S.Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 30 de outubro de 2009
Raiz pop da artista suíça é reforçada em mostra que traz instalações e vídeos com força musical e notas de ironia
Pipilotti Rist, mostra em cartaz no Paço das Artes, apresenta dez trabalhos de uma das mais destacadas artistas da cena contemporânea, numa encenação surpreendente. Suíça, Rist tocou em uma banda de rock por muitos anos, o que costuma ser apontado como a raiz pop de sua obra marcada por cores fortes e boas trilhas sonoras.
No Paço, com curadoria de Daniela Bousso, a mostra reforça esse caráter através da cenografia, assinada pela assistência da própria artista: paredes coloridas criam um ambiente único, mas com vários recantos em que os trabalhos podem ser vistos tanto de forma isolada como em diálogo entre si.
Nesse espaço, sobressai a instalação "A Sala" (1994-2009), composta por um conjunto de sofás agigantados, onde o visitante experimenta uma situação lilliputiana, como dos minúsculos personagens de "As Viagens de Gulliver".
O aconchegante conjunto, na verdade, foi construído para se observar numa televisão 15 trabalhos em vídeo da artista, que podem ser selecionados por um controle remoto também agigantado. Enquanto museus e galerias ainda experimentam formas adequadas para observar vídeos, "A Sala", uma obra de 15 anos, segue sendo um dos melhores formatos.
Nos vídeos, às vezes a própria artista é protagonista dos pequenos curtas, às vezes conta com colaborações. Em todos eles, a música sempre tem grande importância, assim como a ironia, outra das características da artista.
Ambas, aliás, conduzem a videoinstalação "Ever is Over All" (o sempre está em tudo), de 1997, uma de suas mais conhecidas obras. Nessa dupla projeção, uma garota caminha despretensiosamente pelas ruas com uma planta na mão e, de vez em quando, quebra o vidro de alguns carros, com a cumplicidade de uma policial, que a observa.
É um vídeo libertário, desses que propiciam ao expectador uma experiência de alívio, pela transgressão numa sociedade marcada pela vigilância (representada pela policial), que ao mesmo tempo é realizada apenas pela flor.
As obras de Rist criam um mundo utópico por meio do sarcasmo. "Eu Concordo Plenamente com Você" (1999) é um bom exemplo: imagens são projetadas na testa da artista, como se para concordar com alguém ela precisasse mimetizar, sem debate, sua opinião -bom humor um tanto raro na cena contemporânea.
Pipilotti Rist, a exposição, no entanto, representa um dilema no Paço das Artes: enquanto estrangeiros ganham espaços nobres e com patrocínio visivelmente alto, os brasileiros na Temporada de Projetos, programa que expõe artistas emergentes, têm um espaço que tornou-se burocrático e empobrecido. Essa disparidade precisa ser alterada.
ARTISTA VAI TER OBRA EM CENTRO DE MG
A suíça Pipilotti Rist ganhará um pavilhão no Instituto Inhotim, em Brumadinho (MG).
A artista e a organização do centro de arte contemporânea ainda não definiram a data de abertura do espaço, mas é provável que as obras estejam finalizadas apenas em 2011. Rist deve instalar a obra "Homo Sapiens Sapiens", filmada nos jardins do próprio centro mineiro, em 2005, e exibida numa igreja de Veneza.
Galpões da Barra Funda atraem novas galerias na cidade por Mario Gioia e Sílas Martí, Folha de S. Paulo
Matéria de Mario Gioia e Sílas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 30 de outubro de 2009
Os amplos galpões fabris ainda disponíveis na Barra Funda têm atraído os galeristas pelo espaço generoso e pela possibilidade de reeditar em São Paulo algo próximo da configuração urbana do Chelsea, o bairro nova-iorquino das artes plásticas.
"A Barra Funda é o futuro das artes na cidade. Todos deveriam vir para cá", avalia Maria Baró, que vai instalar sua nova galeria na rua Barra Funda. "A vinda do galpão da Fortes Vilaça para cá foi um estímulo."
Ao estabelecer um braço da Fortes Vilaça em um galpão de 1.5002 na Barra Funda, Márcia Fortes quis criar algo parecido com o Chelsea, em Nova York, onde público e colecionadores caminham alguns metros e podem ver acervos e mostras das principais galerias da cidade.
"Vagou um galpão do lado do meu e eu liguei para todos os amigos", diz Fortes. "Estão chamando ali de Baixo Pinacoteca, virou um novo circuito."
André Millan, dono da Millan --outra importante galeria no circuito, representando nomes como Tunga e Miguel Rio Branco--, pensa em abrir um novo espaço na Barra Funda.
"Tenho muita vontade de abrir um novo espaço lá. Mas ainda é um projeto. Facilitaria a vida de todo mundo", afirma.
Mas é uma ideia que ainda esbarra em resistências. "Não quero ir para lá. Vou até a casa do cacete para ver um quadro?", dispara Fabio Cimino, que abrirá a Zíper nos Jardins. "O artista tem de ir onde o mercado está. Não tem de parecer com o Chelsea, tem de parecer com o que a gente é."
"Eu queria aumentar aqui, mas desisti. Estou encalacrada nos Jardins", diz a veterana Luisa Strina. "Se você tem um projeto bom, as pessoas vão, não importa onde seja."