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Como atiçar a brasa

 


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outubro 30, 2009

Waltercio Caldas explora contrastes em individual por Mario Gioia, Folha de S. Paulo

Matéria de Mario Gioia originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 26 de outubro de 2009

Artista carioca, celebrado no exterior, tem rara exposição no Museu Vale (ES)

Instalações nunca vistas no Brasil ou montadas uma única vez estão entre os destaques da retrospectiva "Salas e Abismos"

Círculos e retas, planos translúcidos de vidro e ambientes inteiramente negros, instalações vertiginosas e trabalhos aparentemente inertes.

O artista carioca Waltercio Caldas, 62, parece gostar de explorar os contrastes da própria obra, em uma mostra que quase serve de retrospectiva, aberta anteontem no Museu Vale, em Vila Velha (ES).

A importância da exposição se dá pela raridade com que Waltercio expõe no Brasil. Um dos mais prestigiados artistas brasileiros no exterior, ao lado de Cildo Meireles e Tunga, é nome comum em grandes mostras -Documenta de Kassel, em 1992, e a Bienal de Veneza, em 1997 e em 2007-, mas tem poucas individuais no país.

"Fiquei muito feliz com o convite do Museu Vale, porque foi a oportunidade de exibir para o público brasileiro instalações nunca vistas no país ou montadas uma única vez", diz.

O artista fez sua primeira individual em 1973, no MAM-RJ, e foi nome-chave na arte experimental brasileira daquela década, quando esteve à frente da revista "Malasartes".
"Salas e Abismos" reúne nove ambientes criados por Waltercio desde 1980, entre eles um inédito, "O Silêncio do Mundo", que introduz o público no galpão de 800 m2.

"O Silêncio..." é uma obra imersiva, em que mesas de granito abrigam planos metálicos, esferas de ônix e pedaços de camurça, todos negros, mas que, banhados por uma luz azul, adquirem outros tons.

"Quis começar a mostra com uma obra silenciosa e que captura o espectador também pela ambientação. Nas mesas, há diversos elementos que perpassam a minha obra", afirma ele.

Na sala seguinte, a instalação "A Velocidade", apresentada anteriormente na Bienal de São Paulo, em 1983, lança o público num espaço vertiginoso.

Duas paredes brancas reúnem centenas de antigas caixinhas de chiclete, com o logotipo raspado. Em uma das paredes, as caixinhas foram pintadas de branco. "Gostaria que o espectador corresse por aqui para ter uma sensação próxima da vertigem.

A exposição, assim, é formada por ambientes estridentes, como esse, e silenciosos, como o que a inaugura."

Jogo misterioso
O ambiente mais antigo da mostra é "Ping-Ping", de 1980, pertencente ao MAM-RJ.
Enigmática instalação, reúne uma mesa de pingue-pongue como tela, ao fundo, e outros elementos, como uma rede de jogo, uma bolinha, óculos e uma raquete perfurada.

"Pensar é uma grande emoção", diz o artista, não revelando sentidos do trabalho.

A exposição ainda tem ambientes vistos em países como Espanha, Portugal, Reino Unido e Itália, como "Meio Espelho Sustenido", um dos destaques da Bienal de Veneza de 2007. Planos de vidro, linhas de metal, fios pendurados e retângulos de cor compõem a obra.

"Se o visitante fosse transparente, seria perfeito", brinca Waltercio, que ganha livro pela Cosac Naify no ano que vem.

Mario Gioia
Enviado especial a Vila Velha (ES)



Waltercio Caldas

Salas e abismos

24 de outubro a 21 de fevereiro de 2010

Museu Vale
Antiga Estação Pedro Nolasco s/n, Argolas, Vila Velha - ES
27-3333.2484
www.museuvale.com
Terça a domingo, 10-18h; sexta, 12-20h

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 6:11 PM | Comentários (1)

O papel dos museus, Folha de S. Paulo

Matéria originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 26 de outubro de 2009

Veja outros artigos no Dossiê Oiticica

De nada adiantará transferir obras para museus se eles não reunirem condições de preservá-las e exibi-las

A DESTRUIÇÃO recente de parte considerável da obra deixada pelo artista Hélio Oiticica (1937-1980), consumida por um incêndio, ampliou o debate acerca de temas importantes para a vida cultural do país: o papel dos museus de arte, a preservação das coleções e a aquisição de acervos.

Não se trata, neste momento, de apontar culpados, como se este ou aquele aspecto isolado pudesse explicar a perda ou tê-la evitado. Importa constatar que existe um problema mais abrangente a ser enfrentado, sem o que o risco de novas perdas possivelmente aumentará.

Apesar de algumas iniciativas governamentais, como a criação do Sistema Brasileiro de Museus, a situação das instituições voltadas para as artes está longe de ser satisfatória. Com poucas exceções (como a Pinacoteca do Estado, em São Paulo), enfrentam carência de recursos e dificuldades de gestão.

São também notórias a dispersão e a ineficiência decorrentes da existência de museus cujas funções e áreas de interesse se sobrepõem, sem que nenhum deles cumpra a contento o seu papel. Seria mais inteligente e produtivo se algumas instituições, em vez de atuarem como ilhas ou concorrentes paroquiais, interagissem ou mesmo se fundissem, de modo a racionalizar recursos, potencializar esforços e criar coleções coerentes, com início, meio e fim.

Não é demais lembrar que alguns dos mais conhecidos museus do país não possuem acervo próprio -apenas preservam obras reunidas por colecionadores particulares, em regime de comodato. Ou seja, a instituição pública cuida por um período de um conjunto de peças que permanece, para todos os efeitos, submetido ao regime privado.
Nos últimos anos, a realização de grandes mostras, muitas delas concebidas como espetáculos de massa com alcance internacional, pode ter criado a impressão de que os museus brasileiros passavam por um processo de revitalização. Isso não deixa de ser verdade, mas apenas quanto à renovada presença de público e à projeção dessas exposições nos veículos de comunicação.

O problema é que as leis de incentivo à cultura, embora favoreçam a produção de eventos com visibilidade e retorno de marketing, não exercem, pela própria natureza dos mecanismo em vigor, um papel relevante na compra de acervos e na manutenção e qualificação das instituições. É preciso estimular o desenvolvimento de formas de parceria público-privada capazes de gerar fundos e romper com a lógica de privilegiar o eventual em detrimento do permanente.

Por fim, quanto à questão da herança, o caminho a ser trilhado deve buscar, como ocorre em outros países, um ponto de equilíbrio entre o direito das famílias de dispor das obras deixadas pelo artista e a dimensão pública desses patrimônios. Mas de nada adiantará criar regras que induzam à transferência de obras para museus se estes não reunirem condições de preservá-las e exibi-las regularmente.

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 6:01 PM

Cinco novas galerias chegam a diferentes regiões de São Paulo por Silas Martí, Folha de S Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 30 de outubro de 2009

Num apartamento no décimo andar de um prédio na avenida Paulista, Fabio Cimino acende um charuto. Chegaram ontem as chaves da galeria de arte que ele pretende inaugurar em março do ano que vem. Vai se chamar Zíper e não deve vender nada parecido com o que está nas paredes do apartamento do dono. "Nelson Leirner, José Resende, os artistas que existem estão envelhecendo", resume. "Há uma procura por novos artistas. As galerias devem buscar talentos, do mesmo jeito que existe o "Ídolos"."

E a demanda por novos ídolos traz junto uma oferta de novos espaços. Outras cinco galerias se instalam agora em São Paulo, cidade que marchands veem como porto seguro no meio da crise que abalou o mundo e fez despencar os preços no mercado internacional.

"Lá fora, é um mercado com bolha, é outro "game'", diz Cimino. "Aqui não teve bolha, preços continuam iguais. O Brasil está sendo descoberto, este é um momento bacana."

Tão bacana que os sócios da galeria Rhys Mendes também fizeram em São Paulo uma filial do negócio que começou em Los Angeles. "Existe uma abertura aqui", diz Pedro Mendes, o brasileiro do time. "São Paulo é uma das cidades mais autofágicas e inventivas do mundo, que aceita qualquer proposta."

E a deles é quebrar o monopólio da abstração geométrica que veem nas galerias tradicionais e misturar nomes fortes a um grupo de jovens que estão vendo despontar em São Paulo. Entre eles estão Carolina Ribeiro e Lucas Arruda, que levaram mais de 700 pessoas à galeria dos Jardins na abertura. "Em Los Angeles, para ter esse público, precisaria fazer muito barulho", diz Mendes.

"Muitas galerias já existiam e estão migrando para cá", observa Márcia Fortes, da poderosa Fortes Vilaça, com dois espaços na cidade. "São Paulo é o centro nervoso, financeiro do país, virou um porto seguro na crise."
Carioca como Fortes, Ronaldo Grossman fez as malas e transferiu sua galeria Novembro da ensolarada Copacabana à cinzenta Doutor Arnaldo, vizinho da galeria Vermelho.

É uma proximidade, aliás, não só geográfica. Zíper, Novembro e Rhys Mendes, estreantes no circuito paulistano, dizem seguir como modelo o foco em nomes ascendentes e mostras alternativas defendido e divulgado pela Vermelho.

"Queria que a cidade invadisse essa galeria", diz Grossman. "Precisamos atrair um público novo, que não seja o do meio."

Com o número limitado de obras consagradas hoje no mercado, marchands tentam emplacar jovens artistas para um público renovado de colecionadores, dispostos a investir em artistas mais jovens e, por isso mesmo, menos caros.

"O importante é vender e quem dá o preço é o galerista", diz Fabio Cimino, entre baforadas de seu Montecristo. "Antes levava dez anos para criar demanda por um artista; hoje você faz um artista em três anos."

Ou até menos. No espaço virtual da Motor, que passa a vender obras de 80 artistas pelo site Submarino na semana que vem, preços baixos devem gerar demanda instantânea por múltiplos e obras menores.

É uma espécie de multimarcas on-line das principais galerias do país, que vão vender uma linha mais simples de obras de artistas já consagrados, aproveitando o bom momento vivido no mercado real.

Existe, aliás, vida nova também no universo dos medalhões. A galerista Raquel Arnaud, que fez bombar a geração construtiva nos anos 70, está se mudando para um espaço bem maior na Vila Madalena.

Maria Baró, focada em artistas latino-americanos já consagrados, também trocou um espaço diminuto no Itaim Bibi por um grande galpão na Barra Funda, seguindo os passos da Fortes Vilaça, que abriu um anexo por ali há um ano.

"Estou esperançosa, a perspectiva é boa", diz Baró. "Há um fogo do colecionismo."

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 5:52 PM

outubro 29, 2009

Como salvar acervos por Paula Alzugaray, Istoé

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 22 de outubro de 2009

Veja outros artigos no Dossiê Oiticica

O incêndio que destruiu quase a totalidade da obra de Hélio Oiticica denuncia a ineficiência do Brasil em salvaguardar seu patrimônio

Hélio Oiticica (1938-1980) tinha muita preocupação com a sobrevida de suas obras. É o crítico britânico Guy Brett, que conheceu Oiticica nos anos 70, em Nova York, quem afirma isso em texto publicado em 2007 no "Tate Papers", jornal do museu britânico Tate. A inquietação do artista se dirigia não apenas à existência de seus trabalhos após a sua morte, mas ao modo como manteriam sua vivacidade. Quando ele morreu, a maneira que seus amigos e familiares encontraram de perpetuar sua obra foi por meio de réplicas e reproduções.
LUTO "Parangolés", que foram vestidos por amigos e passistas, não existem mais

Assim, para serem devidamente "preservadas", obras que foram concebidas para serem vestidas nunca mais foram usadas. Agora, os "Parangolés", que foram "dançados" por passistas da Mangueira, quando Oiticica era vivo, não existem mais. Foram integralmente consumidos pelo fogo junto a um acervo de mais de mil peças, na casa do irmão, Cesar Oiticica, no Rio de Janeiro, onde funcionava a sede do Projeto HO, responsável pelo espólio do artista.

"Sabemos que a culpa é nossa porque nós assumimos a responsabilidade pela guarda. O que não podemos aceitar é a secretária da Cultura dizer que a culpa foi por não termos dado a obra para ela. Nunca passaríamos para ninguém o gerenciamento da obra do Hélio. Eles não entendem de arte, não têm estrutura museográfica, nem sabem quem é HO", afirma Cesar, justificando sua recusa a uma proposta de comodato sugerida este ano pela secretária municipal de Cultura, Jandira Feghali.

A proposta veio após a interrupção de um contrato "de permissão e uso", segundo o qual o projeto recebia R$ 20,5 mil mensais. "O comodato não foi aceito, pedimos uma contraproposta, mas ela não veio. Se essa negociação tivesse sido levada com tranquilidade, já poderíamos ter parte do acervo aqui. Nosso esforço foi de preservação e não conseguimos. Lamentamos, porque sabemos, sim, o que é uma obra de arte", afirma a secretária.
Oiticica Acervo digitalizado

Sob os escombros de um dos mais importantes capítulos da história da arte do século XX, levanta-se agora uma querela: a difícil relação entre o poder público e os herdeiros de artistas brasileiros. "Foi um alerta para as autoridades públicas começarem a se preocupar com sua responsabilidade perante uma cultura que ela pretende valorizar. Mas entendo uma família, com problemas financeiros, que não queira 'entregar' ao Estado uma obra que, além do valor afetivo, teve uma valorização monetária sem nunca ter recebido um apoio público", afirma a crítica Lisette Lagnado, responsável pela digitalização do acervo de Oiticica na internet, o que representa hoje a sobrevida de suas ideias.

O Projeto HO beneficiou-se de um apoio do Estado por 12 anos. Mesmo assim, não deu conta de preservar um patrimônio universal. "O que aconteceu não é uma fatalidade. Será descaso das autoridades se não pegarem esse episódio na unha e dar nome ao que aconteceu: descuido? ganância?", indaga Daniela Bousso, diretora do Paço das Artes e do Museu da Imagem e do Som. O caso ainda não teve perícia técnica. Mas pede urgente mobilização. "O brasileiro só tranca a porta depois de arrombada", afirma o ministro da Cultura, Juca Ferreira. "Precisamos de lei. O público é quem ganha quando há interação da família com o setor privado e o governo. O inverso do Hélio Oiticica é o Iberê Camargo, que ganhou um museu de relevância mundial", diz o ministro, que promoverá audiências públicas para discutir a necessidade de legislação que regule a herança na questão da obra de arte.

Em busca de soluções

Por que temos que viver catástrofes como os incêndios do acervo de Hélio Oiticica e do Museu de Arte Moderna do Rio, em 1978, para que soluções sejam buscadas pelo Estado? Há dezenas, senão centenas, de acervos brasileiros à espera de condições dignas de preservação.

Weissmann: contando só com a sorte

Armazenada em um galpão na periferia do Rio de Janeiro, a totalidade do acervo do escultor Franz Weissmann (1911-2005) está ameaçada por um ambiente com goteiras, cupim, oxidação, temperatura alta e pouca circulação de ar. Em conversas com o Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), a herdeira Wal Weissmann tentou negociar a criação de um Instituto, mas nada de concreto aconteceu.

O Ibram tem técnicos que poderiam orientar os herdeiros em situações dramáticas como aquela em que se encontram os trabalhos de Weissmann. "Mas qualquer intervenção precisa ser autorizada pela família e negociada porque envolve dinheiro público. É uma situação bem delicada. O acervo precisaria ser declarado como um bem de interesse público, pela família, para que o Ibram passasse a ser responsável pela fiscalização", explica Mário Chagas, diretor do departamento de processos museais do Ibram.

Leonilson: à própria custa

O Projeto Leonilson guarda em sua sede na Vila Mariana, em São Paulo, todas os obras que estavam no ateliê de Leonilson quando ele faleceu, em 1993. São 1.500 pinturas, desenhos e bordados, além de cadernos e objetos pessoais. Fundado por familiares e amigos de Leonilson, o projeto sobrevive à própria custa, sem nenhum apoio público. "Nossa sobrevivência depende da venda de obras", diz Ana Lenice Fonseca da Silva, mãe do artista, que vendeu um bordado para sustentar o projeto durante todo o ano.

O que pode dar vida nova ao acervo é um acordo de comodato que está em negociação com a Pinacoteca do Estado. "Reconhecemos o enorme valor do acervo de Leonilson, mas há questões jurídicas que demandam tempo nas negociações com coleções privadas", afirma Marcelo Araujo, diretor da Pinacoteca. "Se é possível tirar lições da tragédia do acervo de Hélio Oiticica é admitir que os riscos são reais e que há decisões que devem ser tomadas com a maior urgência. Mas isso depende de uma política mais estruturada. Não falta sensibilidade aos dirigentes. O que faltam são mais recursos."

Colaboraram: Fernanda Assef e Hugo Marques (Brasília)

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 5:29 PM

Em obras por Gabriela Motta, Istoé

Matéria de Gabriela Motta originalmente publicada na revista Istoé, em 15 de outubro de 2009

Com enfoque em processos de criação, Bienal do Mercosul inaugura com obras inacabadas que serão transformadas durante exibição

A Bienal grita, escuta e se faz escutar. Tudo indica que a intensa movimentação que, desde julho, já se sente em Porto Alegre continuará após a abertura oficial da Bienal do Mercosul. Todo o barulho gerado pela presença de artistas residentes vindos de diversos países e Estados brasileiros será amplificado pelo tema desta 7ª edição do evento, "Grito e Escuta", e fará jus ao eixo central da exposição: a ênfase nos processos de criação. Com curadoria-geral da argentina Victoria Noorthoorn e do chileno Camilo Yañez, a mostra conta com a participação de mais de 200 artistas e se estrutura em sete exposições, uma rádio, um programa editorial e um projeto pedagógico.

Nove artistas foram chamados para participar da formatação da mostra. Saem os teóricos, entra "gente que faz". O resultado é uma equipe formada basicamente por curadores-artistas, em uma mostra marcada por programas que se entrecruzam, se confundem e se contradizem. Positivamente. Essa "dança das cadeiras", como a curadora Laura Lima define a troca de papéis entre artistas e curadores, tem o intuito de romper hierarquias e apresentar novos modelos de exposições. Laura faz a curadoria de "Absurdo", exposição em que 12 artistas são convidados a instalar seus trabalhos em um armazém cheio de terra.

Outra proposta que se destaca é "A Árvore Magnética", em que os trabalhos são programados para serem modificados dez vezes ao longo da exibição. Ao ser convidada para apresentar uma obra que se transformasse, a videoensaísta chilena Ingrid Wildi optou por conjugar, em diferentes telas, filmes realizados na última década e as referências teóricas e diagramas de suas pesquisas. A obra é o making of de um laborioso processo criativo e a afirmação de que, muitas vezes, um artista realiza muitas obras em uma só.

A diversidade de propostas não esconde um sentido comum a toda mostra: pensar os limites formais das exposições de arte. Esse é o intuito da exposição "Texto Público", em que a cidade, suas vias públicas e meios de comunicação são a matéria prima das obras (leia quadro) e do programa de residências, que deu a 14 artistas a possibilidade de se misturar com a população, desenvolvendo atividades em Porto Alegre e em nove regiões do Estado.

Um desses artistas-residentes, o francês Nicolas Floc'h, realizou junto a três comunidades "A Grande Troca - Um Projeto para Desejos Coletivos". Sua proposta foi produzir, com os moradores, objetos que representassem desejos de consumo. Camisetas, latas de tinta, instrumentos musicais e até um microônibus confeccionado em madeira, em escala real, materializam um trabalho que começou a ser feito muito antes de a Bienal inaugurar e se estenderá por tempo indeterminado. Realizadas coletivamente por artistas anônimos, essas obras de arte estão expostas a quem queira trocá-las por objetos reais.

"O projeto só se conclui quando a troca acontece", afirma Floc'h. Bastante representativa da proposta da Bienal, essa obra permanece aberta e inacabada. Como toda Bienal, em constante transformação.

Diálogo entre arte e jornalismo

O ensaio fotográfico da seção de artes visuais desta semana integra o projeto "Fotojornalismo", de Mauro Restiffe. Artista convidado da 7ª Bienal do Mercosul, Restiffe procurou Is toé e se ofereceu como fotógrafo para cobrir pautas jornalísticas definidas pela revista. Proposta aceita, ele foi pautado para cobrir a montagem da própria Bienal.
fotos : Mauro Restiffe

O projeto exigiu de ambas as partes uma negociação: o artista se submeteu às regras do jornalismo - foi pautado e se enquadrou em uma estrutura de prazos rigorosos - e a redação se adequou à regra do jogo do artista, aceitando trabalhar com imagens em P&B, produzidas por um equipamento analógico que há muitos anos já não faz parte dos procedimentos da imprensa. Feliz resultado de uma troca de gentilezas e de restrições, o presente ensaio dá continuidade à série realizada pelo artista para o jornal "Zero Hora", em exibição na exposição "Texto Público", no Cais do Porto (foto). Esta é uma das sete exposições da Bienal, que, segundo o curador Artur Lescher, apresentam trabalhos que ocupam os espaços sonoros, as vias públicas e os meios de comunicação.

Edição Paula Alzugaray

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 4:53 PM | Comentários (1)

outubro 28, 2009

Alerta contra a fraude nos nossos dias por Camila Molina, Estado de S. Paulo

Alerta contra a fraude nos nossos dias

Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo em 27 de outubro de 2009.

A crítica americana Rosalind Krauss fez uma palestra polêmica no Paço das Artes

A americana Rosalind Krauss, em curta passagem por São Paulo para realizar palestra anteontem à tarde no 3º Simpósio Internacional de Arte Contemporânea do Paço das Artes - Experiências, Campos, Intersecções e Articulações, foi apresentada na abertura do evento como a mais importante crítica, teórica e ensaísta de arte da atualidade. Aos 67 anos, Rosalind, professora da Universidade de Columbia, Nova York, é uma referência, não só pelos livros que publica desde a década de 1960 - The Originality of the Avant-Garde and Other Modernist Myths e O Fotográfico -, como a de ser uma das fundadoras, em 1976, da October, influente periódico sobre arte, atualmente, publicado pela MIT Press, e de conceitos, entre eles, o da "escultura no campo expandido" e da defesa da fotografia como gênero - no simpósio, ela se valeu de um termo que agora usa especificamente: "Abandonei a palavra mídia e comecei a usar a expressão suporte técnico.

"Dona de uma fala contundente - e voltada para um público preparado -, Rosalind começou sua conferência enfática: "Aqueles que conhecem minha obra sabem quão profundamente sou opositora do trabalho fomentado por essas mostras internacionais e feiras como as Documentas e várias Bienais." Fez sua palestra "testando" declarações da curadora da Documenta X, de 1997, Catherine David, sobre o fim do cubo branco ("as paredes do museu e o espaço da galeria") e da recusa das ideias de pureza, autenticidade e oposição entre arte e mídia. Para tanto, a crítica, por mais de uma hora, fez sua provocação sem interrupção: discorreu sobre sete "artistas rebeldes" da contemporaneidade (Harun Farocki, Ed Ruscha, William Kentridge, Christian Marclay, James Coleman, Sophie Calle e Marcel Broodthaers) que conseguem criar uma obra "contra a ditadura do cubo branco".

A palestra de Rosalind, mediada pelo professor da Unicamp, Márcio Seligmann-Silva, tinha como título Reconfigurações no Sistema de Arte Contemporânea. Valendo-se de uma citação do professor de filosofia de Harvard, Stanley Cavell - "a possibilidade de fraude e a experiência de fraude é endêmica na experiência da arte contemporânea" - Rosalind defende que o trabalho do crítico é "penetrar" e "comunicar" quais seriam os processos de criação genuínos dentro de um sistema que "encoraja o espetáculo". Foi segura ao eleger apenas uma lista de menos de dez criadores que, usando expressão de Walter Benjamin, dão "o salto do tigre" (Tigersprung) abrindo espaço para a reflexão dentro da arte. "Não existe a sobreposição da historicidade", resumiu, depois do término da palestra, Seligmann, o que significa que esse "salto do tigre" pode ser dado mesmo que se permita "um passo para trás".

"O passado dá poder ao presente", afirmou Rosalind, que depois, respondendo a uma das perguntas do público, simplesmente arrematou toda sua palestra dizendo: "Se você está me perguntando se sou uma reacionária a resposta é sim" (Infelizmente, a sessão aberta ao debate com o público foi interrompida abruptamente pelos organizadores do seminário).

Tendo uma vasta formação, no início marcada pelas teorias do formalista Clement Greenberg e das visões mais subjetivas de Harold Rosenberg, sua trajetória de quase 50 anos, marcada pelo engajamento, reflete a passagem do modernismo para a pós-modernidade - já foram temas de seus trabalhos o cubismo e a fotografia surrealista, as esculturas de Brancusi, David Smith e Richard Serra, o minimalismo ou a obra de Cindy Sherman. Rosalind, assim, chamou atenção em sua palestra para a ideia de "pureza" que o modernismo chamou de "especificidade da mídia" - e que tanto a estética relacional quanto as instalações (a grande estrela das bienais e feiras) se alimentaram do fim da especificidade e da narrativa principal. A genuinidade de cada obra elencada por Rosalind Krauss não poderia estar desgarrada do "suporte técnico" escolhido pelos artistas: no caso do checo-alemão Harun Farocki, "cineasta", a edição; do americano Ed Ruscha, a pintura com sua história; do sul-africano William Kentridge, a animação; do americano Christian Marclay, a sonoridade; do irlandês James Coleman, a fita slide; da francesa Sophie Calle, o jornalismo e a vida privada; do belga Marcel Broodthaers, a criação de um museu imaginário.

O 3º Simpósio de Arte Contemporânea do Paço das Artes termina hoje com a realização de três mesas de debate. A primeira, das 10h às 11h, tem como tema Confluências: Arte, Tecnologia, Indústria, Design e a participação do professor da PUC, Nelson Brissac e Yacine Ait Kaci, da França - depois ocorre debate com Cícero Inácio Silva, da Universidade de San Diego, Califórnia. A segunda, das 14h às 15h30, Redes Sociais, Arquivo e Acesso, terá como palestrantes Rogério da Costa, da PUC, e Alberto Lopez Cuenca, pesquisador espanhol, seguido de debate com o historiador de arte cubano Eugenio Valdés Figueroa, da Casa Daros-Rio. A terceira, Imagens Contemporâneas e Imagens da Arte Contemporânea, contará com as palestras de Lucia Santaella, da PUC, e de André Parente, da Universidade Federal do Rio de Janeiro - o debate, posterior, será com o artista Lucas Bambozzi. Será lançada uma publicação reunindo o conteúdo do simpósio.

Posted by Patricia Canetti at 4:35 PM

Estado de alerta por Rede Conceitualismos do Sul

Estado de alerta

REDE CONCEITUALISMOS DO SUL 1

A perda irreparável de parte significativa do acervo de Hélio Oiticica que se encontrava sob a tutela da família do artista no Rio de Janeiro, preservada sob condições inadequadas de armazenamento e com seu acesso público limitado, revela uma problemática mais ampla, comum a toda a América Latina e o Caribe: o descaso pelo valor histórico e patrimonial da arte e sua potência poético-política. O alcance de tal problemática ultrapassa o terreno específico da arte e diz respeito à fragilidade da prática crítica e investigativa no Continente. Tal fragilidade é conseqüência da brutal interrupção que a vida pensante sofreu por parte do terrorismo de estado que tomou conta do Continente nos anos 1960-70 (o que inclui as ditaduras, mas não se reduz a elas). Como acontece com todo trauma coletivo deste porte, seus efeitos tóxicos perduram mesmo após a redemocratização: a potência disruptiva da arte só começa a reavivar-se nos anos 1990.

Não por acaso, há alguns anos assistimos a um processo generalizado de canonização de arquivos e acervos de artistas, principalmente aqueles relativos à produção dos anos 1960-70 na América Latina. Uma das principais razões do interesse recente pela produção do período no Continente é o fato de que esta força começa a recuperar fôlego nas práticas artísticas nos últimos anos e, neste processo, reconecta-se com este passado, o resignificando e resignificando-se. Ora, é precisamente neste momento, que tais propostas artísticas ganham prestígio e legitimidade internacional. No entanto, neste processo, sua força volta a ser esterilizada, agora com o requinte perverso e sedutor do capitalismo cultural, que opera de forma muito mais sutil do que os procedimentos grosseiros e explícitos da violência do Estado que imperou anteriormente em nossos países. Ao invés de ser interrompido, o exercício da potência criadora passa, ao contrário, a ser incentivado e celebrado, mas para ser drenado para o mercado.

Neste contexto, os testemunhos materiais de tais práticas convertem-se numa espécie de botim cognitivo de uma guerra neo-colonial, amplamente disputado por museus, colecionadores privados e instituições corporativas que participam do capitalismo global de bens imateriais e suas formas atuais de produção de valor, tal como, em determinados casos, as famílias que custodiam as obras e seus direitos (estas últimas, freqüentemente, não tem aproximação alguma da arte, a não ser sua relação pessoal com o artista, muitas vezes marcada por uma ambivalência que transferem para a obra, o que as leva a agir nesta disputa de modo arbitrário, cruel e irresponsável, dificultando o acesso público a este patrimônio). A disputa em torno de tais propostas artísticas se dá no momento em que sua memória sensível apenas começa a despertar, antes mesmo que o que estava nela incubado tenha voltado a germinar. Um novo capítulo da história não tão pós-colonial quanto gostaríamos.

O desaparecimento de um componente nevrálgico deste patrimônio da arte contemporânea, que a obra artística e teórica de Hélio Oiticica constitui incontestavelmente, impõe a urgência de enfrentar este estado de coisas, o que não pode ser mais adiado impunemente. Imprime-se a necessidade do fortalecimento de instâncias dialógicas e cooperativas entre a comunidade artística, as instâncias estatais vinculadas à arte e a sociedade civil como um todo. A conservação e a dinamização crítica destes patrimônios não devem entender-se exclusivamente como obrigações estatais, mas também e sobretudo como uma oportunidade de imaginarmos outros modos de produzir cultura e fortalecermos a vida pensante no presente.

As circunstâncias atuais requerem uma resposta precisa e conjunta dos países da América Latina e do Caribe, em cooperação com instâncias, pessoas e instituições, a nível nacional e internacional, interessadas em articular políticas que contribuam para descolonizar o trânsito dos patrimônios materiais e imateriais por um lado, e para reinventar os regimes globais de propriedade intelectual, por outro. É preciso reconhecer que os Ministérios da Cultura de diferentes países da América Latina têm se empenhado nos últimos anos em iniciativas relativas ao patrimônio, inclusive imaterial; no entanto, ainda não se inseriu em tais dinâmicas os arquivos de arte. O incêndio do acervo de Oiticica produz efeitos à altura de sua obra: a tomada de consciência coletiva de que o patrimônio artístico não pode ser tratado como matéria supérflua na agenda política.

Intervenções incisivas neste estado de coisas teriam entre suas prioridades os seguintes objetivos: em primeiro lugar, incentivar e apoiar a investigação, o mapeamento, a divulgação e a preservação dos acervos documentais existentes (enfatizando que estas são atividades políticas e não meramente acadêmicas, técnicas e/ou profissionais). Em segundo lugar, estudar mecanismos de gestão e financiamento para promover a preservação dos arquivos de artistas e a acessibilidade pública gratuita aos mesmos. Há que se pensar estratégias específicas de preservação e acessibilidade para o tipo de práticas artísticas aqui mencionadas, que vem se fazendo desde os anos 1960, já que estas não se reduzem ao objeto, mas envolvem a experiência como condição de sua realização. Isto implica que tais práticas não podem ser acessadas apenas por meio dos objetos utilizados em suas ações ou dos documentos que delas restaram: faz-se necessário inventar dispositivos de reativação da memória das sensações que tais práticas propiciaram. Em terceiro lugar, estudar as condições políticas, jurídicas e culturais para um projeto de lei baseado na co-responsabilidade do Estado e da sociedade civil, que permita compartilhar o cuidado e a tomada de decisões acerca dos acervos por meio de instâncias de articulação e consulta;. Em quarto lugar, fomentar a digitalização dos arquivos de arte como estratégia para impedir a perda dos documentos por deterioração ou por acidentes inesperados e facilitar sua acessibilidade. E , por fim, estudar as condições políticas, jurídicas e culturais para um projeto de lei que regulamente o trânsito e a comercialização de documentos, obras, registros e pesquisas, sobretudo para fora de seu país de origem, o que inclui a delimitação dos direitos dos herdeiros. É fato notório que muitos dos acervos mais relevantes da arte latino-americana têm sido vendidos nos últimos anos para museus e fundações estrangeiras, sem que se tenha antes estabelecido critérios para avaliar a pertinência da saída de tais acervos para fora do pais. Uma situação lamentável que resulta da ausência de vontade política por parte do Estado, das empresas e da sociedade civil, para criar as condições institucionais que permitam adquiri-los, preservá-los e torná-los acessíveis em seus respectivos países de origem.

Estes seriam apenas gestos iniciais na formação de uma outra atitude relativa aos arquivos de arte. Gestos, porém, indispensáveis se quisermos reverter os processos que resultam na neutralização das práticas artísticas e, até mesmo, no desaparecimento concreto e irreversível de seus rastros, tal como o que lamentavelmente acabamos de viver no Brasil.

1 Rede Conceitualismos do Sul

A Rede Conceitualismos do Sul é uma plataforma internacional de trabalho, pensamento e posicionamento coletivo formada no final de 2007 por um grupo de 46 pesquisadores e artistas preocupados com a necessidade de intervir nos processos de neutralização do potencial crítico de um conjunto de ‘práticas conceituais’ que tiveram lugar na América Latina a partir da década de sessenta. Para maiores esclarecimentos ver: http://conceptual.inexistente.net, e também FREIRE, Cristina e LONGONI, Ana (Org.), Conceitualismos do Sul/Conceptualismos del Sur. São Paulo: Annablume, 2009 (edição bilíngüe), primeira publicação da Rede, recém-lançada no Brasil.

Integram a Rede Conceitualismos do Sul:

Halim Badawi (Bogotá) / Joaquín Barriendos (México) / Assumpta Bassas (Barcelona) / Patricia Bentancur (Montevidéu) / Marcus Betti (São Paulo) / Carina Cagnolo (Córdoba) / Fernanda Carvajal (Santiago/Buenos Aires) / Graciela Carnevale (Rosario) / Jesús Carrillo (Madri) / María Fernanda Cartagena (Quito) / Helena Chávez Mac Gregor (México) / Lía Colombino (Assunção) / María Clara Cortés (Bogotá) / Fernando Davis (La Plata/Buenos Aires) / María de los Ángeles de Rueda (La Plata) / Felipe Ehrenberg (São Paulo) / Marcelo Expósito (Barcelona/Buenos Aires) / Fernando Fraenza (Córdoba) / Cristina Freire (São Paulo) / Pilar García (México) / Cristián Gómez Moya (Santiago do Chile) / David Gutiérrez (Bogotá) / María Iñigo (Madri) / Jens Kastner (Viena) / Syd Krochmalny (Buenos Aires) / Ana Longoni (Buenos Aires) / Miguel López (Lima/Barcelona) / William López (Bogotá) / Octavio Mercado (México) / André Mesquita (São Paulo) / Fernanda Nogueira (São Paulo/Barcelona) / Soledad Novoa (Santiago do Chile) / Luisa Ordóñez (Bogotá) / Clemente Padín (Montevidéu) / Juan Pablo Pérez Rocca (Buenos Aires) / Alejandra Perié (Córdoba) / Júlia Rebouças (Minas Gerais) / Cristina Ribas (Rio de Janeiro) / Suely Rolnik (São Paulo) / Juan Carlos Romero (Buenos Aires) / Sylvia Suárez (Bogotá) / Mabel Tapia (Paris/Buenos Aires) / Emilio Tarazona (Lima) / Paulina Varas (Valparaíso) / Ana Vidal (Bahía Blanca) / Jaime Vindel (León/Madri) / Rafael Vital (São Paulo) / Isobel Whitelegg (Londres).

Também subscrevem este documento:

Manolo Borja-Villel (Diretor do MNCARS-Madri) / Ticio Escobar (Ministro da Cultura do Paraguai) / Graciela de la Torre (Directora do MUAC-México).

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Posted by Patricia Canetti at 1:45 PM | Comentários (2)

outubro 26, 2009

Auras e Desauras de Hélio Oiticica por Adolfo Montejo Navas

Auras e Desauras de Hélio Oiticica

ADOLFO MONTEJO NAVAS

Primeiramente, o mais difícil é se sobrepor ao fato de que o acervo de Hélio Oiticica tenha sido queimado pelas chamas, tão presentes no MAM, no Sérgio Porto ou em algum outro acervo privado carioca. Mas não só pelo fogo como algo mitológico que corresponde a algum fado, pois tamanha tragédia para o Brasil –e para a cultura de qualquer pais– não é só visual, como uma falha profunda em seu imaginário coletivo, um Brasil que fica dilacerado, com outra imagem nada olímpica, e que ainda parece fugir do reconhecimento dos seus problemas de triple fundo na área da cultura, da arte, dos bens patrimoniais como sociedade, da constituição e cuidado dos valores materiais e imateriais de seus signos mais significativos. Tudo isso, vem permitindo que a combinação do acaso, a incompreensão oficial (federal, municipal) e privada (“elite” econômica), a incompetência (de organismos envolvidos) e a desavença entre diversas instâncias (família e instituições) abone qualquer situação de risco, alimentando uma dose de incerteza cada dia mais grave. Aliás, na falta de coleções públicas, de museus de arte contemporânea (não moderna) á altura das circunstancias, ecoa este trauma do acervo HO.

O fato de que obras nucleares da poética de Hélio Oiticica tenham desaparecido, assim como numerosos outros registros (suportes, documentos de diversa índole, como bastidor criativo do artista, e um terrível etcetera) cria um vazio difícil de preencher, e que só pode traduzir-se numa acusação, duplamente póstuma, do próprio artista, sobre as mazelas e misérias com que a dissociação público-privada em seu tecido social e o malogrado território da subjetividade –em suas mais desafiantes e ricas emancipações– sofre tamanho descaso, a imagem e semelhança de outras injustiças e humilhações praticadas, sistemática e cotidianamente, com as condições dos cidadãos. O acontecido ultrapassa a metáfora, pois sublinha como “cronicamente inviável” semelhante estado das coisas. E não permite desviar o olhar do epicentro do problema.

Hélio Oiticica sabia como poucos, como também Glauber Rocha, que nessa adversidade respirada dia-a-dia se enxergava o outro lado, as aspirações metapolíticas que tem a estética que não é fútil, decoração, banalizadora, e promete, sim, algum grau de utopia; há sempre outra adversidade burguesa, institucionalizada, “bem pensante ou comportada” (até disfarçada), que ainda vê a cultura artística como reduto classista, como burocracia das emoções, o que não deixar de ser uma mediocridade a mais.

Parece grosseiro afirmar que a poética exemplar e radical do artista recebeu uma injeção dolorosa em sua potência crítica, além das obras, objetos, coisas... Como se o seu ideário falasse ainda mais alto. Uma dura ironia. Como se estivesse revendo as suas auras e des-auras, a obra de Hélio Oiticica –sua experimentação fenomenológica e semântica, sua insubornável postura– deve agora viver ainda mais de seu imaginário crítico, conceitual, no exemplo e magnetismo de suas ideias, e, talvez, de uma recuperação museográfica em sintonia, a altura do que se possa fazer (recuperar e/ou reconstruir), para não cair completamente na identidade exclusiva do objeto carimbado/tocado pelo artista, e na melancólica débâcle de um destino opaco. Não seria cabível esta empreitada rigorosa, curativa para honrar ao futuro? Se há um determinado horizonte museográfico que foi queimado no Jardim Botânico, caberia possibilitar outro? Uma aproximação tão medida como essencial. Em alguns casos, se perderia a aura do objeto ou da peça real originária, mas a sua des-aura não revitalizaria a poética? Numa poética que é multi-sensorial, mas alinhada no pensamento mais conceitual, reflexivo, até imaterial, caberia recompor esta concreção com uma abstração, com uma recuperação espiritual?

Mas agora, é mesmo difícil pensar em outra coisa, já que o grau de violência do acontecido surpreende, desestabiliza qualquer prumo. Chamas com outras chamas. Assim como existe criminalidade na rua, existe também no terreno cultural. E é de responsabilidade geral, e moral, a estas alturas, tocar na ferida, não necessariamente narcísica.

Hélio Oiticica era e continuará sendo, um imaginário simbólico, como é a própria floresta amazônica. Patrimônio brasileiro, que acaba sendo uma doação ecumênica (sem querer entrar aqui nos domínios geopolíticos em jogo, outro grave problema) na arte internacional do século XX. A reconstrução do dano passa por muitas coisas, solicita cuidados e atenções que não se tiveram, pois não há como escapar de tornar público o itinerário conflituoso entre a Prefeitura e o CHO com a família herdeira. Porquê o Centro pode levar o nome do artista e desrespeitá-lo? Assim como deve-se revisar a política pública efetiva com as heranças. E também é preciso dar passos adiante na constituição efetiva de uma “catarse coletiva”, debatendo a fundo os problemas que vinculam arte, sociedade e estado –seu lugar e mediações. E, talvez, seja até o momento de reorganizar uma exposição helioticiana com fundos nacionais e internacionais, e estende-la a outra coletiva, em forma de homenagem, com a plena participação das artes plásticas contemporâneas do país.

Há coisas por fazer ante o abismo, e de necessária e rigorosa ressonância pública, social. De re-colocação simbólica do que Hélio Oiticica representa. Para um imaginário estético e espiritual tão fraturado, os exemplos-ações têm que religar, de novo, o nome do artista ao papel das artes plásticas como um constituinte humanista da maior transcendência.

Rio de Janeiro, 21/22 de outubro de 2009

Posted by Patricia Canetti at 6:26 AM | Comentários (2)

outubro 22, 2009

Começa restauro da obra de Hélio Oiticica por Márcia Vieira, O Estado de S. Paulo

Matéria de Márcia Vieira originalmente publicada no caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo em 22 de outubro de 2009.

Técnicos do Instituto Brasileiro de Museus montaram um laboratório na casa do irmão do artista para recuperar peças danificadas no incêndio de sexta-feira.

Os técnicos do Instituto Brasileiro de Museus começaram ontem a mexer nas obras mais atingidas pelo incêndio que destruiu boa parte do acervo de Hélio Oiticica na noite de sexta-feira, no Rio. "Temos chance de recuperar bastante coisa. Mas ainda estamos cautelosos", explicou José do Nascimento Júnior, presidente do Ibram, que ontem visitou a casa da família Oiticica, no Jardim Botânico, onde as obras eram mantidas.

"É um trabalho lento que precisa ser muito bem feito. Só agora nossos técnicos começaram a mexer nas obras que estavam na área mais atingida pelo incêndio."

Há dois dias , cinco técnicos do instituto trabalham para salvar o que restou do acervo de quase mil obras do artista. Ontem, começou a ser montado na sala da casa do irmão de Oiticica, César, um laboratório de restauro. "A família desmontou a casa para instalar o laboratório. É uma espécie de UTI. Estamos levando desumidificadores, equipamentos de controle ambiental, de secagem, tudo o que é necessário para este trabalho. Só assim poderemos ter condições emergenciais de tratamento e depois de avaliação de cada item da coleção."

Os museus da rede estadual e federal cederam os equipamentos. Os laboratórios de restauro dos museus estão de prontidão para trabalhar nas obras a medida que elas forem sendo examinadas pelos técnicos do Ibram. "A Casa de Ruy Barbosa está cedendo a expertise deles no restauro de papel. Estamos fazendo tudo para recuperar o máximo possível da obra do Oiticica", garantiu Nascimento.

Na noite do incêndio, a expectativa era que 90% das obras tinham sido totalmente destruídas. As esperanças de o estrago ter sido muito menor agora aumentaram, mas a avaliação do Ibram só deve ficar pronta na sexta-feira. "Estamos fazendo o possível para recuperar o máximo de obras. Mas ainda é cedo para dizer quantas."

Nascimento foi até a casa da família Oiticica a pedido do ministro da Cultura, Juca Ferreira, que logo após o incêndio chegou a ser acusado de omisso diante de uma perda de um acervo tão importante.

Segundo o presidente do Ibram, depois da fase de avaliação do que sobrou do acervo, o ministério poderá fazer uma proposta para ajudar Cesar Oiticica a manter as obras do criador dos parangolés. "Nossa ação agora é técnica, de salvamento do bem cultural. Depois vamos ver o desdobramento. O ministro vai avaliar que tipo de proposta o ministério pode oferecer à família."

Depois de conversar com os técnicos que trabalham na recuperação das obras, Nascimento elogiou as condições de armazenamento criadas pela família. "As condições eram boas. Tanto que já conseguimos recuperar várias obras. Havia orientação de técnicos para conservação e cuidados com restauro de obras."

Para Nascimento, o incêndio foi uma fatalidade. "Nós temos que descobrir o motivo da origem do fogo, para que a gente possa inclusive alertar as diversas instituições sobre este tipo de situação. Mas a discussão de culpa nestas horas não ajuda muito."

O sobrinho de Oiticica e a secretária de cultura do Rio, Jandira Feghali, chegaram a trocar acusações sobre a responsabilidade da prefeitura em cuidar da obra de um artista do porte de Hélio Oiticica. Ontem, Ana Durães, diretora do Centro Hélio Oiticica, ligado à prefeitura, ainda esperava que a família concordasse em abrir duas salas lacradas desde fevereiro onde estão obras do artista. "O momento é de dor, mas precisamos desta autorização para ver que obras estão nestas salas e em que condições."

Posted by Cecília Bedê at 2:54 PM

outubro 21, 2009

Marcio Doctors - Respostas para a Folha de S. Paulo sobre o incêndio do acervo Oiticica


1 - Indepedente do direito de herança, vc acha que deveria haver algum mecanismo que protegeria a obra dos artistas contra eventuais abusos por parte das famílias?

Penso que a pergunta não está bem formulada: ela parte do pressuposto de que haja eventuais abusos por parte das famílias dos artistas. Eu acredito que a questão é mais ampla. O que pode parecer um abuso é um mecanismo de defesa frente a inexistência de uma conjuntura maior por parte dos poderes políticos e econômicos para proteger o patrimônio da arte brasileira. Não há ainda vontade política e econômica clara de como devemos proceder porque não há uma consciência real da importância do valor da arte brasileira. É uma pena! Tragédias como a ocorrida com o acervo de Helio Oiticica servem para nos alertar de que estamos no caminho errado e que algo é preciso ser feito. Penso que os herdeiros dos artistas Neoconcretos têm nos dado uma grande lição, reforçando a iniciativa pioneira da família Portinari, de que é necessário cuidar da obra legada pelo artista não só como valor econômico, mas também como valor cultural. A crescente presença internacional da arte contemporânea brasileira é também -mas não só-, resultado do esforço das famílias estarem lutando para preservar o legado cultural de seus antepassados.

2 - Você acha que o patrimonio legado por artistas do porte de Lygia Clark, Leonilson e o próprio Helio Oiticica, estariam em melhores condições se pertencessem a instituições públicas?

Não necessariamente. Reconheço o esforço que tem sido feito por diretores de museus e pelo Minc nos últimos anos no sentido de buscar aparelhar melhor nossas instituições culturais. Mas ainda estamos muito distantes de uma situação minimamente ideal. Esse esforço, que reconheço, é mais o reflexo de uma tendência mundial de musealização da realidade humana, que se impõe ao mundo contemporâneo como sua condição e da qual não temos como escapar, do que uma consciência real da importância do bem cultural. É como a questão ambiental ou a realidade digital: não dá para fechar os olhos. Nos falta ainda aguçar nossas consciências e produzir uma mudança de mentalidade para a importância desse fato, para evitar chorar depois pelo que não foi feito. Não se muda o passado, só se muda o futuro. Portanto, enquanto não for entendido que proteger o patrimônio cultural é proteger também a economia, estaremos infelizmente pensando os museus e todo o patrimônio tangível e intangível como um “enfeite” e não como uma poderosa ferramenta econômica, que sinaliza a importância do valor agregado para uma economia. Gostaria de citar dois exemplos para melhor evidenciar essa idéia: de um lado o Beaubourg, que foi o pólo de revitalização de uma área degradada de Paris que era o Marrais; de outro, Juazeiro do Norte, cuja economia hoje gira em torno da invenção plástica de Mestre Vitalino. O investimento em cultura no mundo da atualidade contemporânea é vital porque a economia gira em torno da tecnologia, que é a imaginação científica tornando realidade o imaginário humano. E a arte é a usina da imaginação humana, no sentido de “ser e ter a realidade”, como nos dizia Clarisse Lispector.

Portanto, a questão não é se os acervos estariam em melhores condições em instituições públicas. Eles estarão em melhores condições quando todos, herdeiros, poder público e privado tomem, em conjunto, para si a tarefa de proteger nosso patrimônio cultural, dividindo responsabilidades.

3 - Você teria mais algum comentário sobre a situação de sábado?

Foi uma tragédia. Um pesadelo do qual estamos ainda despertando. E mais do que tudo penso que Helio, na dimensão solar que traz no seu próprio nome, entrou em combustão para nos indicar mais uma vez os caminhos da arte brasileira. É preciso cuidar. Cuidar no sentido amplo: cuidar para que não haja miséria social, econômica, política e cultural. Para mim o que ficou foi um pensamento da Hanna Arendt de que não podemos banalizar a realidade. Infelizmente é esta a realidade que temos vivido no Brasil.

Posted by Cecília Bedê at 4:19 PM | Comentários (1)

Parangolé Pamplona você mesmo guarda?? por Patrícia Palumba

Texto publicado no blog de Patrícia Palumba.

Logo agora que o Brasil começava a dar a devida importância para sua obra, o acervo de Helio Oiticica queima no Rio de Janeiro. Num incêndio trágico tudo o que era guardado na casa da família desse artista de vanguarda dos anos 50 e 60, o mais antenado com o mundo daquela época aqui no Brasil, foi destruído. Hélio Oiticica criou os famosos parangolés e vestiu com eles os moradores do morro da Mangueira. Oiticica fez as caixas penetráveis, obras de arte para entrar dentro, para vivenciar sensações, e uma delas se chamava Tropicália. Foi daí que surgiu o nome do movimento que revolucionou a música brasileira. E Caetano Veloso nem o conhecia pessoalmente quando o nome da obra lhe foi entregue de bandeja. Caiu como uma luva.

O penetrável Tropicália era formado por duas tendas com areia e brita espalhadas pelo chão, araras e vasos com plantas e uma espécie de labirinto que percorria a tenda principal, às escuras. Ao fundo um aparelho de televisão ligado. Helio Oiticica defendia a antropofagia como o único caminho da cultura verdadeiramente brasileira, original, não colonizada.

Adriana Calcanhotto, ligada em cinema, literatura e artes plásticas fez sua homenagem com Parangolé Pamplona no disco Maritmo: “Parangolé Pamplona você mesmo faz, com um retângulo de pano de uma cor só… e é só dançar, é só deixar a cor tomar conta do ar…”

Na prestigiosa galeria de arte Tate Modern, em Londres, Helio Oiticica fez uma mostra histórica e levou seus parangolés tropicais.

O que mais me assusta nesse incêndio trágico é saber que obras e acervos espalhados por esse Brasil estão por aí nessa situação precária. Hoje perdemos a obra de Hélio Oiticia e a todo momento quando uma rádio muda de endereço, por exemplo, milhares de horas de gravações históricas, de documentos culturais importantíssimos, são literalmente jogados no lixo em nome da falta de espaço. Ou será por falta de vontade, de entendimento, de educação? Quando será que esse país se levará à sério? Quando será que os investimentos em cultura e educação ganharão a importância que tem as ampliações de portos, rodovias, duplicação de marginais…

Parangolé Pamplona você mesmo guarda?

É triste.

Posted by Cecília Bedê at 3:01 PM | Comentários (2)

Oiticica: herança artística e material por Antonio Gonçalves Filho, O Estado de S. Paulo

Matéria de Antonio Gonçalves Filho originalmente publicada no Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo em 21 de outubro de 2009.

Críticos, parceiros do artista e galeristas discutem o que fazer com o que restou do incêndio que destruiu parte da sua obra.

O incêndio que destruiu na sexta-feira pelo menos mil obras do artista plástico carioca Hélio Oiticica (1937-1980), na casa de seu irmão César Oiticica, no Jardim Botânico, zona sul do Rio, provocou não só reações no meio artístico brasileiro como internacional. O crítico inglês Guy Brett, responsável pela primeira exposição internacional do artista, realizada há 40 anos na Whitechapell Gallery de Londres, lamentou a tragédia que consumiu obras daquele que considera o grande renovador da arte brasileira do século 20, entre elas parangolés (capas) originais, para ele a maior das invenções de Oiticica.

Brett, um dos críticos mais respeitados da Inglaterra, responsável pela difusão europeia da obra de Oiticica como também do trabalho de Lygia Clark e Mira Schendel, classificou a perda das peças "uma tragédia não só para o Brasil como para todo o mundo, tratando-se de um dos artistas mais importantes do século 20". Sem culpar o irmão de Oiticica, responsável pela conservação dos trabalhos do artista, Brett lamentou a ausência de um programa estatal para aquisição de obras contemporâneas. Em sua opinião, elas deveriam estar em museus, não nas casas de herdeiros de criadores de fundamental importância para a história da arte, como Lygia Clark e Mira Schendel, cujas obras estão nas mãos de seus filhos.

"Não se pode culpar César por negligência, pois ele, como arquiteto, estava tentando adaptar a casa para abrigar o acervo, mas, por outro lado, o armazenamento de obras em locais seguros é um problema que a família tem de resolver, ou por meio de uma fundação ou instituições capazes de garantir a integridade desses trabalhos." Brett não considera que a destruição de grande parte das obras de Oiticica possa comprometer o entendimento futuro desse trabalho pioneiro, que começa ligado ao movimento neoconcreto brasileiro, nos anos 1950, e ganha dimensão internacional com a exibição, nos anos 1970, dos penetráveis (ambientes), que anteciparam a onda de instalações em todo o mundo.

"A destruição física das obras não significa, no caso de Oiticica, o fim desse trabalho, até mesmo porque ele via a atividade artística como uma atividade poética", observa Brett. No entanto, ele discorda de quem associa a existência corpórea das obras do artista um fetiche para ser explorado pelo mercado. O próprio Oiticica, lembra, permitiu a construção de réplicas de alguns trabalhos - inclusive um bólide de Brett, que se quebrou no apartamento do crítico em 1968, quando ele preparava a exposição da Whitechapell, reconstruído de acordo com instruções transmitidas por carta pelo artista.

Há dois anos, porém, Brett escrevendo no jornal online da Tate Modern, observou que a reprodução dos parangolés e dos ambientes de Oiticica é uma outra história. Brett não conseguiu autorização do artista para reproduzir o ambiente da exposição na Whitechapell, em 1969, em outras capitais europeias. Sobre os parangolés, ele certamente tinha outra opinião. Alguns remanescentes de uma performance pública realizada no Recife há 30 anos pertencem hoje à coleção do galerista Paulo Kuscinsky. Brett lembra que, no caso particular de Oiticica, a questão da reprodução do trabalho ganha outra dimensão em se tratando de um artista preocupado com o destino de suas obras. Ele mesmo supervisionou a construção dos parangolés do Recife, cuidando que fossem presos por alfinetes de segurança para serem reutilizados por diversos participantes da performance.

Kuscinsky conta que esses parangolés - dez exemplares "vintage", como os define - foram guardados pelo artista recifense Paulo Bruscky, que, a exemplo de Oititica, se envolveu com arte experimental (performances, instalações, vídeos) nos anos 1970. O marchand já teve chances de vender os parangolés para colecionadores particulares, mas considera que são obras destinadas a instituições. "O lugar deles é numa Tate ou num instituto como o Itaú, que digitalizou grande parte da obra do Oiticica", sugere.

Concordando com o crítico Guy Brett sobre a guarda de obras fundamentais em museus e fundações, Kuscinsky diz que os herdeiros dos artistas constituem, hoje, um entrave para a difusão da obra dos contemporâneos, dificultando a reprodução de imagens dos trabalhos, o empréstimo de peças para exposições e, principalmente, exercendo o papel de curadores. "Acho sintomático que a primeira informação logo após o incêndio tenha sido o valor dos prejuízos, em torno de US$ 200 milhões, como se o Oiticica fosse uma fábrica.

Com certeza não foi. O artista enfrentou sérias dificuldades para sobreviver em Nova York nos anos 1970. Hoje, porém, essa obra é disputada por grandes museus internacionais. O próprio Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), que tem obras de Oiticica em seu acervo, estava negociando, segundo um marchand paulista, a compra de O Grande Núcleo - três obras penduradas no teto que formam um labirinto para ser penetrado. Ele foi exposto apenas uma vez no Rio e queimado junto a outras obras no incêndio de sexta-feira.

A informação de que 90% do acervo guardado na casa do Jardim Botânico foi destruído não é verdadeira, segundo o cineasta Neville d"Almeida, parceiro de Oiticica em alguns trabalhos fundamentais como a série Cosmococa, que usa imagens de ícones da cultura pop (Marilyn Monroe, Jimi Hendrix) associadas a carreiras de cocaína. "Ajudei a tirar o material queimado da casa e posso afirmar que grande parte dos desenhos e dos metaesquemas foram salvos", diz Neville, criticando a histeria midiática em torno do incêndio. "Trataram o Hélio com se fosse um artista renascentista, quando ele foi um criador de conceitos, de propostas, de intervenções, um artista do futuro, não de um passado neoconcreto, que ficou lá atrás, como definiu Ferreira Gullar, reduzindo a dimensão de um dos inventores da arte contemporânea."

Predomina, diz Neville, um tom "melodramático" sobre o destino da obra de Oiticica, que, segundo ele, está bem preservada em museus internacionais dos EUA, Inglaterra, Espanha e em institutos como Inhotim, em Brumadinho, Minas Gerais, que tem penetráveis e uma Cosmococa de Oiticica (a de Jimi Hendrix). Segundo informações de uma galerista de São Paulo, Inhotim havia comprado recentemente cinco relevos espaciais, que foram destruídos no incêndio. Ainda de acordo com Neville, outra Cosmococa será exibida na mostra de um museu americano de São Francisco em novembro. Há também obras em comodato fora do País e outras, conceituais, que podem ser recriadas, diz o cineasta, lembrando que todo o acervo está digitalizado e disponível no site do Itaú Cultural.

A galerista Nara Roesler, que já vendeu uma instalação de Oiticica para o Museu Walker de Minneapolis (EUA), provou que as instruções deixadas por Oiticica para a construção de seus projetos podem fazer mais pela preservação de sua obra, ao adaptar há três anos sua galeria para receber a piscina da Cosmococa CC4 Nocagions (1993), criação de Oiticica e Neville d"Almeida. Não vendeu, mas causou sensação na última feira de arte em Basel. Em tempo: o preço é salgado. Algo em torno de US$ 500 mil, quase quatro vezes mais que um metaesquema, que está por volta de US$ 150 mil. Oiticica nunca viu esses valores em vida.

Esses preços elevados levam galeristas a buscar compradores no mercado internacional. E é o que já estão fazendo há algum tempo alguns deles. Com exceção de Inhotim, poucas instituições e museus brasileiros têm poder de fogo para bancar a aquisição dessas peças. "Não existe uma política de aquisição de obras de arte no Brasil, o que explica o fato de uma pintura fundamental do modernismo brasileiro, a tela Abaporu, de Tarsila, estar hoje na coleção do Malba argentino", critica o galerista André Milan.

Milan concorda com os que defendem a guarda de obras importantes como o de Oiticica por instituições públicas ou fundações privadas. "Legalmente, elas pertencem aos herdeiros, à família, mas não podemos esquecer que estamos falando de um patrimônio da humanidade, que deve ser preservado."

Numa entrevista sobre o artista, o poeta Haroldo de Campos ressaltou que era impossível entender Oiticica sem se compreender Malevitch ou Mondrian. Com o incêndio que destruiu parte de sua obra, é possível acrescentar: sem ele, dificilmente alguém vai entender tudo o que veio depois. Oiticica foi, antes de tudo, profeta.


Suas Obras Em Instituições No Brasil E No Exterior

INHOTIM: O centro em Brumadinho, Minas Gerais, possui a céu aberto, em seu jardim, a obra Invenção da Cor, Penetrável Magic Square #5, De Luxe, de 1977; e a instalação Cosmococa 5 Hendrix War, de 1973 e realizada com o cineasta Neville D"Almeida.

MUSEU DE ARTE MODERNA DE SÃO PAULO: O MAM possui dois guaches sobre papel da série Metaesquema, de 1958; e dois desenhos de 1956.

MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DA USP: Tem apenas dois guaches sobre cartão da série Metaesquema, de 1958.

MUSEU DE ARTE CONTEMPORÂNEA DE NITERÓI: Da coleção João Sattamini, a instituição possui o óleo sobre eucatex Três Tempos (Quadro I), de 1956; os metaesquemas Voo Alto para Cima, para Dentro e Para Fora, de 1958, e outro sem-título, datado da década de 1950 - essas duas últimas obras ficam em exibição.

MUSEU DE ARTE MODERNA DO RIO: Possui obra da coleção Gilberto Chateaubriand, em comodato na instituição.

TATE MODERN: O museu britânico tem conjunto de 8 obras de Oiticica: a emblemática instalação Tropicália, Penetráveis PN 2 "Pureza é um mito" e PN 3 "Imagético", de 1966-67; as esculturas Bólide Caixa 9, de 1964, Bólide Vidro 5 - Homenagem a Mondrian, de 1965, Relevo Espacial (Vermelho) e Bilateral Teman BIL 003, ambas de 1959, além três Metaesquemas de 1958.

MOMA: O Museu de Arte Moderna de Nova York possui 12 peças: 8 desenhos em guache sobre cartão da série Metaesquema, realizados entre 1956 e 1958, e duas serigrafias Homenagem a Meu Pai, de 1972 (conjunto doado pela família de Hélio Oiticica); a escultura Bólide Caixa 12 Arqueológico, de 1964/65 e a pintura a óleo sobre madeira Alívio Neoconcreto, de 1960 (doadas pela venezuelana Patricia Phelps de Cisneros).

HOUSTON: O Museum of Fine Arts de Houston, EUA, tem Metaesquema dos anos 50 na coleção do brasileiro Adolpho Leirner, vendida à instituição.

DAROS LATINO-AMÉRICA: A instituição privada suíça possui três obras do artista.

Posted by Cecília Bedê at 2:46 PM

Muita discussão e... "até o próximo incêndio?" por Marcos Augusto Gonçalves, Folha de S. Paulo

Matéria de Marcos Augusto Gonçalves originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 21 de outubro de 2009.

Na madrugada do dia 8 de julho de 1978, a quase totalidade do acervo do Museu de Arte Moderna do Rio foi consumida por um incêndio. Pinturas de Di Cavalcanti, Portinari e Ivan Serpa viraram cinzas ao lado de obras de Picasso, Miró, Dalí, Magritte e do grande artista uruguaio Joaquín Torres-García -que figurava numa ampla exposição no museu e teve a maior parte de sua obra destruída pelo fogo.

O incêndio no MAM foi um trauma, uma espécie de chacina cultural ocorrida numa instituição criada para evitá-la. Num lance de trágica ironia, alguns anos depois ardeu o apartamento de Niomar Moniz Sodré, fundadora do museu. Desapareceram obras de Mondrian, Chagall e Volpi, entre outros artistas da coleção.
Incêndios nunca mais? Bem, há poucos anos o curador Paulo Herkenhoff deixou a direção do Museu de Belas Artes depois de denunciar riscos de incêndio. E sexta-feira, foi a vez de Hélio Oiticica. Culpa da família? Culpa do poder público?

É fácil sair atirando na hora da fúria -e não é de todo mal que se atire, mesmo com a chance de errar o alvo. A energia da revolta ajuda a criar movimento. O risco é conhecido: indignação nos botequins, discussões na imprensa, promessas de autoridades e... "nos vemos no próximo incêndio?".
Seria desejável que essa tragédia ajudasse a transferir para o plano das medidas práticas a reflexão sobre o papel dos museus de arte no Brasil já elaborada por críticos e curadores como Paulo Sergio Duarte e o próprio Herkenhoff.

O sistema de instituições é irracional, invertebrado e pobre, embora no meio artístico circule bastante dinheiro. Abrem-se centros culturais como lanchonetes, empresas bancam mostras com renúncia fiscal, mas os museus vivem com pires na mão. Alguns deles nem sequer possuem acervos próprios -apenas coleções particulares em regime de comodato. Aliás, é preciso pagar para expor em instituições como o Masp ou o MAM-Rio. Essa é a realidade.

A produção de arte se expande e os problemas vão se avolumando. Já é hora de criar meios para financiar e qualificar essas instituições -e o que é básico: fazer da aquisição de acervos uma rotina cultural no país.

Posted by Cecília Bedê at 2:28 PM

A vida em celulóide por Ana Cecília Soares, Diário do Nordeste

Matéria de Ana Cecília Soares originalmente publicada no Caderno 3 do jornal Diário do Nordeste em 20 de outubro de 2009.

"Quando o cinema se desfaz em fotograma" é o mais novo trabalho de Solon Ribeiro, que será lançado, hoje, às 19h, no CCBNB-Fortaleza. Na mostra, o artista transformou frames de clássicos do cinema em vídeos, objetos e instalações artísticas.

Perdido. Feito alguém que sai à procura de algo desconhecido. O olhar misterioso casa bem ao jeito casmurro. Em cima de uma moto, segue sua saga solitária, de onde só se sabe a justificativa: a perda de memória.

Em qualquer lugar que ele vá, fotogramas aparecem e se camuflam às imagens do real. A confusão entre ficção e realidade é evidente, como no momento em que chega próximo a uma piscina e vê nos corpos das meninas que nadam, frames reluzindo.

As cenas descritas fazem parte de "Sage", vídeo do "não-artista" Solon Ribeiro. Na história, um personagem desmemoriado se lança ao mundo em busca de si mesmo. Mas, enquanto não se "acha", vivencia inúmeras experiências. "Há mais ou menos três anos, que venho construindo uma ficção de mim mesmo. Meu personagem teve a memória roubada pela indústria do cinema. Por isso, é tão constante a relação entre o ficcional e o real. Por meio dele, estou livre para fazer o que eu quiser", justifica Solon.

Laboratório artístico

O vídeo, juntamente, a outros trabalhos estão presentes em "Quando o cinema se desfaz em fotogramas". Ação de Solon Ribeiro, que será inaugurada hoje, às 19 horas, no Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza (CCBNB).

A partir da coleção de mais de 30 mil fotogramas de cinema, álbuns catalogados, arquivados, com nome dos atores e dos filmes, iniciada por seu avô (que vai da década de 1930 à de 1960); Ribeiro desenvolve uma pesquisa, cujo intuito é deslocar os fotogramas de seu contexto original, transformando-os novamente em imagem (fotografia).

O potencial da coleção sofre uma espécie de resignificação. Ele ativa novamente os frames para a vida, mas agora imbricado em outro sentido. Já não importa quem são os atores e suas histórias, mas sim a maneira como atuam nas poéticas construídas por Solon.

"É a partir da razão de ser da fotografia e do cinema com a construção de um corpo capaz de acolher o encontro da diversidade de linguagens, que procuro realizar um corte no tempo cinematográfico. Dos fotogramas criei vídeos, instalações e objetos. A escolha de cada um deles não acontece aleatoriamente, tudo é pensado conforme o contexto que pretendo dar", afirma. Os fotogramas serão exibidos em suportes como oito back-lights (uma espécie de expositor que é iluminado no verso), totens e projeções em vídeo.

Os trabalhos ocuparão o segundo andar do CCBNB, encontrando-se divididos em ambientes temáticos, como a "sala dos beijos". Nela, os visitantes poderão conferir cenas de clássicos do cinema, onde os personagens se beijam.

Além disso, haverá um ambiente de boate, comandada pelo VJ argentino MLIVE (Matias Sebastian Pereyra). Todo o evento de abertura será filmado para exibição no CCBNB, no decorrer da própria mostra.

"Quando o cinema se desfaz em fotograma" traz a proposta de não ser uma exposição. O trabalho é uma posição, que convida ao rompimento com o espaço expositivo de sua tradicional condição de receptáculo de "coisas" para o campo da experiência e da vida.

Diferentemente do interesse das instituições de arte em expor processos de artistas, Solon repensa o próprio espaço como lugar da experiência processual. Ribeiro não é contra o ambiente expositivo. Ele é a favor de um tempo mutante, do risco, da incerteza, da mistura, e, sobretudo, do encontro com o outro.

Arte ao vivo

"Uma coisa importante dessa exposição é que não é uma exposição. É um acontecimento. As pessoas já estão cansadas desse tipo de formato. Na área da boate, que vai ser filmada para um futuro vídeo, por exemplo, não terei controle de nada, eu dependo de tudo e de todos. O que me interessa é a arte como vida", diz ele.

Para Solon, sua iniciativa consiste num laboratório vivo, que vai sendo produzido a medida em que vai acontecendo. O risco é a certeza, que possibilita a liberdade de criação no seu trabalho.

"O que diferencia o artista do artesão e do operário é o envolvimento com o risco, o se deixar levar pela dúvida", diz.

Conforme André Parente, artista e professor da pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Solon se insere na tradição do cinema de invenção no Brasil, ou seja, de um cinema em que o personagem principal apresenta o que poderíamos chamar, provisoriamente, de certa idiotia do real como força espiritual. "Trata-se, no mais das vezes, de mentecaptos, zumbis, macabéas, visionários e autômatos espirituais que habitam cada um de nós, uma vez que são como a pré-história de nossas consciências (O super-outro); de nossos pensamentos e impossibilidades de pensamento; de nossas sexualidades; línguas (Tabu e Sermões); subdesenvolvimento e loucura".

FIQUE POR DENTRO

Solon Ribeiro e a saga de um amante da sétima arte

Solon Ribeiro, artista cearense com formação na Escola de Arte Decorativa de Paris, tem seus trabalhos voltados para a imagem fotográfica. Como em muitos artistas contemporâneos, há em sua obra uma problematização que leva em conta o fenômeno contemporâneo da saturação de imagens. Para ele, a imagem é um mistério, motivo pelo qual precisamos ressuscitar seus aspectos mágicos e metafísicos.

Nos anos 1990, herdou de seu pai uma coleção de mais de trinta mil fotogramas de filmes, iniciada nos anos de 1950 por seu avô Ubaldo Uberaba Solon, dono de uma sala de cinema no interior do Ceará, mais precisamente na cidade do Crato. Os fotogramas, que em geral mostram os atores principais dos filmes, foram cuidadosamente guardados em álbuns feitos para com esse intuito, apresentando, ainda, o nome e o ano da produção.

Mais informações
"Quando o cinema se desfaz em fotograma", do professor e curador Solon Ribeiro, abertura, hoje, às 19 horas, no Centro Cultural Banco do Nordeste-Fortaleza.
Rua Floriano Peixoto, 941 - 2º andar - Centro.
Contatos: (85) 3464.3108.

Posted by Cecília Bedê at 1:58 PM

Uma carta aberta para César Oiticica Filho por Sergio Cohn, Jornal do Brasil

Uma carta aberta para César Oiticica Filho

Carta de Sergio Cohn publicada originalmente no Caderno B do Jornal do Brasil em 20 de Outubro de 2009.

Fiquei orgulhoso de sua força. A obra de Hélio não morreu e será reconstruída

Querido Cesinha, no momento em que acontece uma fatalidade dessas dimensões, não posso me furtar de dar o meu testemunho desses dois últimos anos de nossa convivência – que se iniciou profissionalmente e cresceu para a amizade e a irmandade.

O nosso primeiro contato foi em 2007, quando começava a organizar para a Azougue Editorial a Coleção Encontros, de livros de entrevistas com artistas e pensadores brasileiros. Ericson Pires, nosso amigo em comum, perguntou por que eu não tentava o Hélio Oiticica.

Respondi para ele que era impossível. Ele retrucou, e imediatamente marcou uma conversa entre nós. Ficou claro, para o meu espanto, que para o Projeto HO o interesse cultural estava muito acima do interesse financeiro.

Digo “meu espanto” porque existe uma lenda urbana no Brasil de que as famílias dos artistas são bichospapão, que estão apenas interessadas em usurpar a obra da sociedade, para fins financeiros.

Não há a construção real de parcerias culturais entre as diversas partes, artistas, autores, herdeiros, curadores, críticos, instituições, no intuito de criar um pensamento e uma política cultural eficiente no Brasil.

Isso precisa ser revertido.

Desde então, começamos a elaborar projetos em conjunto, compartilhando nossas inquietações em relação ao cenário cultural brasileiro.

A primeira coisa que percebi em todo esse processo é que havia em você uma preocupação ampla, não apenas restrita à obra do Hélio, mas das artes plásticas contemporânea.

O primeiro projeto que concebemos juntos, e que se encontra em franca conversa com o Ministério da Cultura, é a Rede Arte Brasil, uma rede digital que abrange um veículo para exibição permanente de filmes de artistas brasileiros e uma rede social de disponibilização de documentos e da agenda de artistas brasileiros, sejam eles consagrados ou iniciantes. O projeto, que conta com a participação de Raul Mourão, Luiza Mello e Romano, é uma tentativa de possibilitar que outros artistas digitalizem e disponibilizem seus acervos documentais, como realizado pioneiramente pelo Projeto HO.

Conversamos também sobre a elaboração de um museu que pudesse abrigar os artistas brasileiros contemporâneos e colocar disponíveis as suas reservas técnicas. Sobre isso, tivemos uma reunião importante com Alfredo Manevy, secretárioexecutivo do Ministério da Cultura no sábado, dia 10 de outubro. Foi um almoço na Nova Capela, na Lapa, no dia seguinte em que Jandira Feghalli, secretária de Cultura da prefeitura do Rio de Janeiro, desmarcou de última hora uma reunião que Alfredo havia marcado para tentar intermediar um diálogo entre vocês. O argumento dela para desmarcar a reunião virou até uma brincadeira entre nós: “Estou irredutível: o outro royalties movimentaram políticos, empresários e a sociedade civil e ainda prometem ser combustível para muitas outras negociações.

O percentual de 0,6% do Orçamento da União destinado ao Ministério da Cultura em 2008 dá a dimensão do problema.

Sem dinheiro em caixa, a Cultura se submete à lógica de mercado e as obras artísticas ao valor de troca. Como no exemplo do pré-sal, a Cultura precisa de aplicações de recursos a longo prazo. E a constituição de acervos artísticos ainda é um dos investimentos de mais alta rentabilidade no patrimônio cultural.

A preservação do trabalho de Helio Oiticica, a guarda de importantes bibliotecas que acabam vendidas para o exterior e uma política eficiente de aquisição de obras de arte contemporâneas – um campo ainda mais sensível pela falta de tempo de divulgação e de reconhecimento – esbarram na mesma barreira monetária. O resto é enxugar gelo. Ou apagar incêndios.

Mauro Trindade é jornalista especializado em literatura e artes plásticas.

lado é irredutível”. Seria engraçado, se não fosse triste. Conversamos longamente com Alfredo sobre a proposta de criação de um Museu na Rua Passos, no lugar onde era a primeira escola de artes plásticas do Brasil e que hoje hospeda tristemente um estacionamento.

Daí, na quinta-feira, em almoço com Carlos e João Vergara e José Bechara, pude ver novamente a sua generosidade, ao falar para eles que não interessava um Museu apenas para o Hélio Oiticica, mas um trabalho coletivo com artistas contemporâneos.

Ontem, quando conversamos, fiquei orgulhoso da sua força: cabeça erguida, disse que a obra do Hélio não morreu e será reconstruída.

E que temos que seguir em frente. Assim faremos, pode contar comigo para tudo o que puder ajudar. E gostaria de deixar claro aqui a minha admiração pelo seu trabalho e pela sua pessoa. O que aconteceu com o acervo Oiticica é uma tragédia espetacular, mas há tantas outras tragédias silenciosas acontecendo. Outro dia, visitando a casa de um importante artista plástico da geração de Hélio, senti um forte cheiro de vinagre.

Perguntei, e a resposta foi: “são os meus super-8, que estragaram”.

Acervos não apenas de artes plásticas, mas de todas as áreas culturais, estão se deteriorando dentro das casas e ateliês, sem nenhum trabalho sério das instituições para reverter isso. Não conheço outro artista que tenha recebido no Brasil a seriedade do tratamento que Hélio recebeu da sua família. A fatalidade não pode apagar isso, mas espero que seja um aviso para que não ocorram outras.

Com toda amizade, Sergio Cohn

Sergio Cohn é diretor da Azougue Editorial

Posted by Patricia Canetti at 12:20 AM | Comentários (1)

outubro 20, 2009

Texto de Glória Ferreira sobre o incêndio do acervo Oiticica

2009 seguia seu curso, praticamente afásico em relação aos 50 anos da primeira exposição do Neoconcretismo − salvo uma pequena e quase inexpressiva mostra no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro − quando as obras de Hélio Oiticica se esfumaçam... provocando um choque nesse torpor, embora as palavras ainda não encontrem sintaxe passível de expressar esse gigantesco vazio.

Já há algum tempo sucedem-se comentários descabidos, ressentidos, de críticos e por vezes de artistas, até mesmo cariocas, sobre a possível usurpação da projeção de Hélio Oiticica e de Lygia Clark sobre a arte brasileira contemporânea. Situação reveladora de nossa incapacidade de incorporar criticamente a memória ao presente e, assim, absorvê-la, enriquecendo a reflexão sobre a produção atual e também histórica no Brasil. Se é bem verdade que às vezes o reconhecimento internacional da força da obra desses dois artistas tenda a tudo agregar ao neoconcretismo, não é menos verdade que essa aceitação fortalece o solo histórico em que se constituíram ao lado de muitos outros artistas e tendências, deslocando a percepção da produção de arte brasileira como sucedâneos, fissurando, de certo modo, o hipotético universalismo da narrativa historiográfica da arte ocidental.

Mas Parangolés, Grande Núcleo, Bólides, Maquetes e muitas outras obras hoje são restos queimados, cinzas. Catástrofe que se abate sobre um projeto que ao longo de 27 anos, por relações familiares e de amizades, assegurou a presença da obra de Hélio Oiticica no mundo, disponibilizou documentos e outros materiais para pesquisas, revelando-se, contudo, incapaz, em termos privados, de assegurar sua preservação. Catástrofe que é de todos nós e da cultura em geral, e cuja responsabilidade maior é do poder público brasileiro, inoperante na constituição de coleções públicas. Boa parte dessas obras deveria estar em museus brasileiros, com salas especiais. Coleções não apenas de suas obras, mas conjuntos que permitissem romper a permanente invisibilidade de que padecemos de nossa própria história e que se soma à invisibilidade dos trabalhos de arte internacional. Cabe lembrar que a proposta da Prefeitura do Rio de Janeiro de assegurar lugar para a obra de Oiticica com a criação do Centro de Arte Hélio Oiticia revelou-se de profunda incompetência em seus jogos de poder.

Do incêndio do MAM-RJ, em 1978, a herança revebera até hoje como perda de um lugar central da arte contemporânea na cidade. Lugar que foi de encontros e de presença de uma coleção pública, e, desde então, vem sendo de sucessivas tentativas de recuperação. Se esse incêndio nos privou de obras, entre muitos outros, de Mondrian, Picasso, Magritte e dezenas de trabalhos de Torres Garcia, não deixemos silenciar sua proposta de resistência cultural e poética – “Nosso norte é nosso Sul”. Já é hora também de transformarmos o célebre grito de alerta de Hélio Oiticica, “Da adversidade vivemos”, em estratégia, parafraseando-o, “de caracterização de um povo”.

A ação de sua arte no mundo será, helàs, para sempre inseparável da dor.

Glória Ferreira

Posted by Cecília Bedê at 7:09 PM | Comentários (5)

Tragédia e trauma por Márcio Doctors, O Globo

Matéria de Márcio Doctors originalmente publicada no segundo caderno do jornal O Globo em 20 de outubro de 2009.

Quando soube da tragédia que havia acontecido com a obra de Hélio Oiticica, estava em Porto alegre, na Bienal do MercoSul, durante o café da manhã do hotel. Vários artistas, diretores de museus, críticos, curadores e produtores estavam reunidos tomando o café da manhã juntos e fomos todos surpreendidos pela notícia e tomados pela perplexidade. Uma sensação de irrealidade: aquilo não poderia estar acontecendo! Não era verdade! De repente, de uma hora para outra, estávamos órfãos da obra do maior artista brasileiro do século XX. Não dava para acreditar.

A imagem da dor da perda de César Oiticica e de seu filho Cesinha não me saia da cabeça. Tampouco a frase enunciada por César Oiticica de que sentia que havia fracassado no seu objetivo maior que era de conservar e divulgar a obra do irmão não parava de repercutir dentro de mim. Ao mesmo tempo me veio a idéia de Édipo. Havia algo de edipiano nas circunstâncias que tramaram essa tragédia. Por mais que o Rei Laio tenha procurado evitar que a advertência do oráculo se realizasse, de que seria assassinado por seu próprio filho Édipo, ordenando a um empregado que abandonasse o recém-nascido até a morte; não conseguiu despistar a realidade porque o empregado não cumpriu sua ordem, entregando Édipo a estrangeiros que cuidaram da criança. Édipo salvo, volta adulto a Delfos, e por uma disputa pela prioridade de passagem num desfiladeiro estreito, mata Laio, ignorando que era seu pai.

O que me chama atenção no mito de Édipo é que, apesar de todas as precauções de Laio em evitar que acontecesse o que havia sido previsto pelo oráculo, ele não consegue evitar o anunciado através de sua ação e o que temia se realiza. Da mesma forma, apesar do enorme empenho da família Oiticica, através do projeto H.O. em lutar árdua e heroicamente, contra as adversidades e dificuldades em conservar e cercar de todos os cuidados e dar a dimensão que a obra de Hélio Oiticica necessita e merece, o objetivo não foi alcançado. O que se temia, aconteceu. Da mesma forma, mantendo a analogia com o mito de Édipo, Laio foi morto porque quem o poderia ajudar no seu intento, o traiu: a sociedade brasileira traiu a obra de Helio Oiticica e não foi verdadeiramente solidária e conseqüente no esforço de conservação que a obra requeria. É uma perda dolorosa e traumática. A elite financeira e o governo não foram suficientemente sensíveis e responsáveis para perceber a dimensão do que é cuidar de um bem cultural da importância da obra de Helio Oiticica e a abandonaram a sua própria sorte.

Outra analogia se tornou inevitável, já que me encontrava em Porto Alegre: essa é a única cidade que foi capaz de juntar os poderes público e privado para proteger de maneira profissional e conseqüente a obra de um artista; a de Iberê Camargo.O Museu Iberê Camargo é o resultado de um esforço coletivo de uma mentalidade pouco comum entre nós, de que a obra de um artista atravessa os limites de sua existência física e passa a ser o centro irradiador de uma presença espiritual capaz de influenciar e determinar a vida de uma comunidade e gerar riqueza capaz de realimentar a economia. A consciência da importância de conservar e patrimonializar o bem cultural está no fato de que ele é capaz de ser um farol que ilumina a direção material e espiritual de uma sociedade. Tanto isso é verdade, que Porto Alegre tem conseguido nos últimos anos se firmar como um centro de excelência em arte visuais do Brasil, tendo hoje além do Museu Iberê Camargo, a Bienal do MercoSul que se destaca pela sua qualidade e competência.

Na mesa do café da manhã, em meio a indignação coletiva, Ernesto Neto me disse que Hélio havia morrido duas vezes. Não temos como discordar. Mas diria que Hélio também nasceu duas vezes. Ou melhor, foi capaz de fundar duas vezes a arte brasileira, de maneira solar como sempre soube ser, iluminando os caminhos. Primeiro ao criar uma obra radical, vigorosa e lúcida, capaz de abrir a passagem para a internacionalização da arte brasileira. E agora, da mesma maneira radical, sua obra nos indica (reafirmando algo que todos sabemos e temos consciência, mas que somos impotentes na medida em que banalizamos a realidade) de que o manter é tão importante quanto o fazer ou o ter. E essa responsabilidade deve ser compartilhada por todos da sociedade, principalmente os que detêm o poder político e econômico. Infelizmente e com muita dor, a obra de Hélio Oiticica precisou ser radicalmente destruída, para nos lembrar a importância do cuidado que devemos ter com tudo na vida de uma sociedade. A destruição da obra do Hélio foi um preço muito alto a ser pago, mas tem a medida do descaso e da irresponsabilidade com que tratamos a nossa memória cultural. Hélio renasceu das chamas para refundar, através do trauma, aquilo que já sabemos: o “Brasil” não pode continuar maltratando o “Brasil”.

Marcio Doctors
Curador da Fundação Eva Klabin e do Espaço de Instalações do Museu do Açude



Posted by Cecília Bedê at 6:47 PM | Comentários (6)

Ministro refuta críticas sobre inexistência de política de aquisição de acervo por Miguel Conde, O Globo

Matéria de Miguel Conde originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo em 19 de outubro de 2009.

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Juca Ferreira: é “irresponsabilidade” criticar agora o governo

O governo federal vinha conversando com a família de Hélio Oiticica para ajudar na criação de um espaço adequado à preservação da obra do artista. O ministro da Cultura, Juca Ferreira, diz que faltam recursos para a preservação do patrimônio artístico e cultural do país e reage irritado ao questionamento sobre a política de aquisição de acervos do governo: “Dizer nesse momento que não existe política de acervo é uma irresponsabilidade”, afirma por telefone, de Brasília. Criticando a imprensa por se opor às contratações de servidores feitas pelo governo Lula, o ministro diz que na hora da tragédia as pessoas correm para culpar o Estado.

Um comentário feito por críticos e artistas é o de que se houvesse uma política pública de aquisição de acervos...

JUCA FERREIRA: Espera, mas a imprensa não pode acender uma vela para Deus e uma para o Diabo no mesmo assunto. Desde que nós entramos no governo, temos dito que o Estado tem a responsabilidade de proteger nosso patrimônio cultural, tem que racionalizar o uso dos recursos. Não é que não tem política. Isso está na rua há muito tempo. Quando a gente pede recursos para política de patrimônio, acervo e preservação aparece gente dizendo um bando de coisas irresponsáveis, que o Estado está inchado. Dizer nesse momento que não existe política de acervo é uma irresponsabilidade.

Mas essa é uma demanda de pessoas do setor.

FERREIRA: Na hora que acontece uma tragédia, as pessoas correm para culpabilizar o Estado. A gente está há sete anos dizendo que o Estado tem que assumir responsabilidade. Não temos excesso de funcionários, pelo contrário. Deve ter em outros lugares, mas aqui falta gente, é um ministério pequeno, esquálido. Nós aumentamos em 1.000% os recursos dos nossos museus, recuperamos boa parte dos nossos museus. Encontramos uma estrutura falida e implantamos um conceito de política pública de cultura.

Qual é o principal entrave para a aquisição de acervos de artistas brasileiros? Esse é então um problema de pessoal?

FERREIRA: Não, não depende de pessoal, depende de recursos. Essa demanda está na rua há muito tempo. Nós estamos perdendo parte da arte contemporânea brasileira e moderna para colecionadores internacionais. Junto ao crescimento econômico e geopolítico do Brasil, há um interesse crescente pela cultura e pela arte brasileiras. Muitos críticos dizem que é o país mais promissor, profundo e diverso na produção da arte contemporânea no mundo, mas estamos correndo perigo de repetir o que acontece no futebol brasileiro: temos os melhores jogadores e a melhor técnica, mas ficamos reduzidos a fornecer mão de obra para jogos na Europa.

E por que o governo não destina mais verbas para isso?

FERREIRA: O Orçamento passa pelo Congresso, que é muito influenciado pela opinião pública. E às vezes a discussão fica colocada de uma forma simplória, atrasada, que acaba nos levando a atrasar muito o processo de criação de uma infraestrutura adequada no Brasil, fica uma discussão da Guerra Fria sobre o estatismo do governo. Nós não somos estatistas. Estou fazendo um convite para superarmos essa guerra de trincheira e fazermos uma pactuação pública pela preservação do nosso patrimônio cultural.

O ministério elaborou algum modelo de gestão para isso?

FERREIRA: Isso terá que ser feito por instituições federais, estaduais, municipais, privadas. O problema não é falta de instituição. O que a gente está precisando é que o Brasil assuma sua responsabilidade diante da sua produção cultural e dos seus artistas. Está tramitando no Congresso uma proposta de emenda constitucional que destinaria pelo menos 2% do Orçamento à cultura. Vejo com muita simpatia essa proposta. Aí, sim, você tem politica de acervo, modernização tecnológica, bolsas para artistas, como há em todos países importantes culturalmente.

O ministério já tinha oferecido alguma ajuda à família de Oiticica?

FERREIRA: Fomos procurados por eles e estávamos conversando há muito tempo. Temos consciência da importância do Hélio Oiticica. Os artistas fazem suas obras para serem expostas, para que tenham um efeito, cumpram um papel. As conversas têm ido muito bem, no sentido de fazer desse acervo um acervo público.

O senhor telefonou ontem para a família de Oiticica. Qual a importância das obras que se perderam?

FERREIRA: Meu primeiro trabalho remunerado foi como monitor da Bienal Nacional de Artes Plásticas da Bahia, em 1968, e tomei conta da sala de Lygia Clark, Franz Krajcberg e Iberê Camargo. Junto com a Lygia, o Hélio Oiticica é o grande expoente da revolução estética e cultural que o Brasil viveu nos anos 1960, líder de todo o processo que estimulou o Tropicalismo e tudo que veio depois nas artes brasileiras. Ele merece e precisa ter um tratamento especial, acho que merecia um acolhimento nacional.

Posted by Cecília Bedê at 3:08 PM

Busca nas cinzas por Inês Amorim e Miguel Conde, O Globo

Matéria de Inês Amorim e Miguel Conde originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo em 19 de outubro de 2009.

Família de Hélio Oiticica vasculha escombros do incêndio à procura de obras.

Com as mãos sujas de fuligem, César Oiticica Filho levanta um papel escurecido pelo fogo, que esconde diversos metaesquemas, inacreditavelmente preservados do fogo que destruiu, na noite de sexta-feira, boa parte do acervo de Hélio Oiticica, no Jardim Botânico. Passado o choque inicial, é hora de tentar resgatar das cinzas, literalmente, o que restou da obra do artista.

Inicialmente, a família estimou que 90% do acervo havia sido destruído.

- Olhando tudo queimado, parecia que não tinha sobrado nada, mas vimos que é possível recuperar algumas obras. Há uns bilaterais que estão chamuscados, mas que podem ser restaurados, assim como alguns bólides, que estão com o vidro rachado, mas podemos fazer outro - conta Oiticica Filho, curador do projeto Hélio Oiticica e sobrinho do artista.

Além dos penetráveis que estão na reserva técnica do Centro de Artes Hélio Oiticica, instalações e maquetes que estavam guardadas na garagem da casa de César Oiticica, irmão do artista, também foram preservadas.

- São peças de madeira crua, náilon, por isso estavam lá enquanto não fazíamos a obra para ampliação da reserva técnica. Além disso, há caixas na sala onde aconteceu o incêndio que ainda não foram abertas, e pode haver algo, embaixo, em bom estado. Uma técnica do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) esteve aqui ontem (sábado) e nos deu algumas boas orientações. Uma delas é não mexer muito nas coisas ainda - afirma Oiticica Filho.

Ele explica que boa parte do material já estava digitalizado, e que, como muitas obras são criadas com base nos projetos, podem ser recriadas. Entre trabalhos conservados está a série “Cosmococas”, cinco projeções feitas em parceria com o cineasta Neville de Almeida, que ganharão ambiente especial no Centro Inhotim, em Minas Gerais.

- O fundamental é que as proporções, as plantas e os projetos foram preservados. Está tudo digitalizado, e é isso que vai perpetuar a obra. O pensamento do Hélio é a parte mais importante de seu trabalho, e isso está preservado - argumenta Oiticica Filho.

Tragédia é incomparável, afirma diretor do MAM

Ainda abalado, o curador alerta que a arte brasileira está relegada a segundo plano.

- Se esta tragédia servir para alguma coisa, que seja para abrir os olhos do poder público para a necessidade de olhar para os acervos inestimáveis dos artistas brasileiros que não estão recebendo a devida atenção - diz o curador.

- A secretária (de Cultura, Jandira Feghali) nunca fez a proposta de comodato, como afirmou à imprensa. Acho deselegante, de muito mau gosto, ela falar isso num momento de luto da arte brasileira.

A diretora do Centro Hélio Oiticica, Ana Durães, reafirmou ontem que há cerca de dois meses, numa reunião com a família do artista, sugeriu o comodato, que teria sido rejeitado. Luiz Camillo Osório, diretor do Museu de Arte Moderna (MAM) - atingido em 1978 por um incêndio que devastou seu acervo - diz que não há na história da arte brasileira tragédia comparável à perda das obras de Oiticica.

- É como se de uma hora para outra se implodisse o Pão de Açúcar. Desapareceu um símbolo marcante da Cultura brasileira. A perda é incomensurável, particularmente dos bólides.

Eles têm uma presença plástica que se perde em qualquer tipo de réplica. Temos que repensar tanto o financiamento público quanto a participação da própria sociedade nos museus. Isso tudo mostra o descaso da sociedade brasileira com seu patrimônio.

O secretário-executivo do Ministério da Cultura, Alfredo Manevy, admite que são muitos os artistas brasileiros contemporâneos que armazenam suas obras no próprio ateliê, por falta de espaços adequados. Em janeiro, reportagem do Segundo Caderno mostrou a luta dos herdeiros de Franz Weissman para preservar o acervo do escultor, hoje guardado precariamente num galpão em Ramos. O governo, diz Manevy, tem tido conversas preliminares com a família de Oiticica e outras para criar um museu dedicado à arte contemporânea do país.

- O ministro espera receber a família em breve para uma conversa, podemos buscar recuperar parte do que foi destruído.

Posted by Cecília Bedê at 2:54 PM

A Eternidade de Hélio Oiticica por Dodô Azevedo, Dodomundi

A Eternidade de Hélio Oiticica

Artigo de Dodô Azevedo originalmente publicado no blog Dodomundi em 17 de outubro de 2009.

Esse posto,s premiadas no centro. E ironizou a declaração da secretária de que, na França, o Estado tem prioridade na compra da obra quando um artista morre: "Quem dera que o Brasil fosse como a França. Acredito que a Jandira quase nunca deva ir a exposições."

O ex-prefeito Cesar Maia respondeu que Jandira "está tentando fugir das responsabilidades que são dela por não renovar o contrato".

Irmão do artista e pai de Cesinha, César Oiticica passou o dia tentando recuperar peças no local do incêndio, com representantes do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). "Eu não entendo o que ela (Jandira) diz. Ela fala coisas que não confirmo. As pessoas que são verdadeiramente ligadas às artes chegam aqui e choram quando veem o que aconteceu. O resto é o resto."

Hélio Oiticica, que morreu em 1980, se notabilizou por deixar os quadros de lado, criando penetráveis (obras em que as pessoas podem entrar) e parangolés (obras para vestir). Foi um dos inspiradores do movimento musical tropicalista.

ACUSAÇÕES

Jandira Feghali
Secretária de Cultura

"Perdemos um acervo por uma atitude fechada do herdeiro"

César Oiticica Filho
Curador do Projeto Hélio Oiticica

"É impressionante como ela mente"

Posted by Patricia Canetti at 2:47 PM

outubro 19, 2009

Hélio Oiticica e a cultura dos escombros por Daniela Name, Pitadinhas

Hélio Oiticica e a cultura dos escombros

Artigo de Daniela Name publicado originalmente no blog Pitadinhas em 18 de outubro de 2009.

Passei o dia de ontem em clima de velório, recebendo ligações de artistas que, aos prantos, me passavam relatos dos escombros do incêndio que destruiu boa parte da obra de Hélio Oiticica, na reserva técnica mantida por seus herdeiros numa casa no Jardim Botânico. Alguns, como a querida Suzana Queiroga, foram até a casa chorar pelo morto. Sim, a destruição da obra de Hélio foi sua a segunda morte e, em se tratando de um artista, a extinção de sua anima, morte definitiva.

Mesmo em meio ao luto, é preciso evitar que novas tragédias aconteçam. Ontem, ao acordar com a notícia, escrevi neste blog que obra de arte não pode ser tratada como álbum de família (veja aqui). Continuo achando a mesma coisa – há muito o que se discutir e regulamentar em relação ao papel dos parentes dos artistas na manutenção de acervos e autorizações de curadorias e livros, sem destitui-los dos direitos legítimos que têm como herdeiros.

É preciso, no entanto, avançar na discussão. O fogo que lambeu obras fundamentais como os “Relevos espaciais” ou os caderninhos de anotação de HO – tão importantes para a compreensão de seu trabalho -, destruiu também todos os negativos de José Oiticica Filho, o JOF, pioneiro da fotografia nos anos 1940 e 1950, pai de Hélio e sua maior influência. Mais do que servir para que se crucifique apressadamente a família, o incêndio deve ser um alerta: estamos soterrados por uma cultura de escombros.

O que aconteceu à obra de HO também ameaça, neste exato momento, a obra de inúmeros artistas. Isso ocorre porque a lógica da Cultura no Brasil é completamente torta, precária, tacanha. Vivemos em uma cidade, em um Estado e em um país onde o Poder Público deixa exclusivamente nas mãos das Leis de Incentivo – e, portanto, dos empresários da iniciativa privada – a decisão sobre a aplicação de verbas em projetos culturais.

Produtores, curadores e artistas vivem numa constante corrida do ouro, completamente desvalidos de diálogo, proteção e incentivo DIRETO por parte dos governos. A ação dos administradores públicos na Cultura não é um direito, é um dever. Eles foram eleitos para isso. Por tal motivo, não podem ser interventores nesta atuação: precisam ser sensíveis às demandas.

Se por um lado é espantoso que a família tenha mantido a obra de HO numa casa do Jardim Botânico, por outro é igualmente aterrador que nenhum grande museu do país tenha feito uma proposta concreta – e sustentada pelo poder público – para abrigar a obra do artista em regime de comodato, dando a ela toda a visibilidade e a segurança que um acervo como o de Hélio merecia.

É certo que o Centro de Artes Hélio Oiticica abrigou parte do acervo por um tempo, mas sem as condições necessárias para tal e sem uma política constante de exposições. Se por um lado a família atravancava mostras que não fossem diretamente sobre o acervo de Hélio – um erro absurdo num lugar que abrigou exposições como a de Richard Serra ou o último panorama da obra de Lygia Pape, ricas conversas com o “dono” da casa – por outro o município nunca tratou o CAHO com a prioridade necessária.

Fico pensando no acervo de Franz Weissmann (1911-2005), contemporâneo de HO no Grupo Frente, escultor essencial para a compreensão da arte brasileira recente. Sua obra, parte integrante da paisagem do Rio de Janeiro, graças a esculturas públicas instaladas em pontos como a Rua Luís de Camões ou a Avenida Chile, está ameaçada. Apesar de pedir ajuda a todas as esferas do poder público há anos, a filha de Weissmann, Waltraud, a Wal, luta sozinha com seu marido para preservar a obra do pai. As peças estão armazenadas em condições precárias – de instalações e de segurança – em um galpão em Ramos, na Zona Norte. O GLOBO, maior jornal da cidade, deu uma capa de domingo de seu Segundo Caderno, assinada por Mauro Ventura, denunciando os riscos que a obra de Weissmann corria. De nada adiantou.

Wal também fez muitas reuniões com o Iphan e com a Secretaria Municipal de Cultura, tentando achar um lugar para a criação de um Instituto Weissmann, onde a obra possa ser abrigada e visitada pelo público. Até agora, houve muita conversa, muita promessa de empenho, mas nenhuma ação concreta. No galpão em Ramos, estão esculturas monumentais, peças de menores dimensões e os inúmeros estudos que Weissmann fazia com arame e papelão e revelam a minúcia de seu processo criativo.

Wal não quer vender este tesouro. Não pretende enriquecer com a obra de Weissmann e vive com simplicidade ao lado do marido, gastando suas reservas financeiras para preservar a obra. Afirma que, por não ter filhos, quer dar um destino para o legado do pai. Mas, diz, é claro, que precisa sentir firmeza, precisa se sentir segura. Está certíssima.

Houve uma grande mobilização pela restauração do painel de Aluísio Carvão na Lagoa (leia aqui). A Fundação Parques e Jardins se posicionou, dizendo que ia resolver o problema e conseguiu silenciar o movimento por um tempo. Mas não ouço falar sobre prazos. Quais são, então?

O mesmo Segundo Caderno do GLOBO, em reportagem assinada por Suzana Velasco, mostrou a precariedade das esculturas públicas de artistas da importância de Celeida Tostes, Angelo Venosa, Ivens Machado, José Rezende e Waltércio Caldas espalhadas por vários pontos da cidade. O que vai ser feito?

A secretária municipal de Cultura, Jandira Feghali, a secretária estadual de Cultura, Adriana Rattes, e o Ministro da Cultura, Juca Ferreira, podem alegar que os orçamentos da Cultura são tão baixos que muitas vezes ficam de mãos atadas. Não estarão mentindo. Mas é preciso então que pressionemos os três para que de fato cobrem mais verba de seus superiores. Eles precisam dizer o que têm feito para conseguir mais dinheiro para cuidar de nosso patrimônio. Qual é a estratégia, além das lamentações?

Também é preciso perguntar ao Eduardo Paes: prefeito, o que o senhor pretende fazer com a obra de Franz Weissmann? A escultura pública de Ivens Machado, no Largo da Carioca, vai perecer até começar a soltar pedaços em cima dos passantes?
Escultura de Ivens Machado na Carioca, quando ainda estava em bom estado

Outra pergunta, para Sergio Cabral: o senhor não acha que a construção espetacular do Museu da Imagem e do Som, na Praia de Copacabana, onde hoje funciona a boate Help, deveria gerar uma discussão mais consistente sobre a memória carioca, envolvendo DE FATO a classe artística?

Por fim, para o Juca Ferreira: ministro, como o senhor pretende armar o Iphan de recursos e de uma estratégia concreta para a preservação de nossa memória artística?

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A hora é de luto, mas também de debate e ações efetivas. Não dá mais para ficar lamentando o que não foi salvo no rescaldo. Eu fiz as minhas perguntas, quem vai fazer as suas? E quando vamos perguntar todos juntos?

Posted by Patricia Canetti at 3:16 AM | Comentários (3)

Obra de arte não é foto de família por Daniela Name, Pitadinhas

Obra de arte não é foto de família

Artigo de Daniela Name publicado originalmente no blog Pitadinhas em 17 de outubro de 2009.

Até quando vamos perder acervos como o de Hélio Oiticica?

Reproduzo abaixo a reportagem do Globo On Line, assinada por Flávia Lima e postada hoje, às 9h41, na home do jornal. Gostaria de, antes de mais nada, manifestar meu pesar e minha solidariedade aos membros da família HO com quem trabalhei e que conheci de perto. Tenho certeza de que a barra está pesada e tomo a liberdade de usar o blog para mandar meu beijo para Janjão e Maria.

Peço licença e até desculpas aos dois, mas acredito que é hora de aproveitar a tragédia e tocar a sério em uma questão espinhosa e delicada.

Boa parte do acervo de Hélio Oiticica, um dos maiores artistas – senão o maior – dos anos 1950 e 1960 da arte brasileira, estava numa casa do Jardim Botânico.

É uma casa comum, onde HO morou – e onde Ferreira Gullar enterrou seu famoso poema. A família Oiticica ainda mora lá, isto é, o lugar onde está a reserva técnica tem duplo uso, é vizinho à esfera doméstica.

A pergunta é: por que este acervo não estava numa instituição? A família recebeu durante anos um fee mensal de R$ 20 mil da Prefeitura, para deixar o acervo no Centro de Artes Hélio Oiticica. Mas há anos, também, o grosso das obras não estava no prédio da Rua Luis de Camões, já que a reserva técnica era erguida paulatinamente no Jardim Botânico. Algumas obras significativas foram vendidas para o Museu de Houston, no Texas, Estados Unidos.

Quando o novo governo assumiu, a Secretaria de Cultura entendeu que não deveria pagar para sediar o acervo. Não renovou o contrato para os R$ 20 mil mensais, mas reiterou a disponibilidade de sediar toda a estrutura do Projeto HO nas dependências municipais. Foi então que o sobrinho de HO, Cesar Oiticica Filho, retirou o que restava das obras no prédio. Ele também alegava, com razão, que estava com o pagamento atrasado por ter produzido duas exposições que estavam em cartaz no Centro, com dois penetráveis do artista. A produção das exposições, feita pela própria família (no valor aproximado de R$ 500 mil) nada tinha a ver com o dinheiro recebido mensalmente da Secretaria. O desembolso era feito à parte, dentro da Lei do ISS. Quando a nova gestão entrou, como sempre ocorre, foram feitas auditorias nas contas. O pagamento atrasou. No poder público, é comum haver atrasos no início do ano, ainda mais em início de gestão. Não é o correto, mas é o corriqueiro – e todo mundo que já trabalhou com dinheiro público sabe disso. Mas Cesinha fechou as portas da exposição, privando o público de ver os penetráveis de HO.

Estava à época dentro da Prefeitura e tentei ajudar na negociação, bastante infrutífera – de ambos os lados, é bom que se diga, para alguma defesa da família. Havia incompreensão de parte a parte, embora tenha havido um esforço hercúleo, feito especificamente pela direção do Centro de Artes, para que os vínculos com a família fossem mantidos.

Já do lado de fora do poder municipal há meses, continuo com a mesma sensação de mal estar que me acometeu na época – e que coincidiu coma polêmica envolvendo a família de Volpi e a exposição organizada por Vanda Klabin no Instituto Moreira Salles.

Admiro o empenho de César Oiticica, irmão de Hélio, e de seu filho Cesinha em preservar a memória de HO. Acho mesmo que a família deve ser cão de guarda desta memória. Mas há limites: obra de arte não é foto de família e não deve ser tratada como tal. Uma parangolé não é uma jóia que se bota no cofre. No caso de HO – e de qualquer outro artista, sobretudo de seu quilate – a memória é da família, mas também de toda uma sociedade.

É claro que prédios públicos também pegam fogo, mas há menos probabilidade e maior vigilância. O que é público pode ter acompanhamento público. O que está numa casa do Jardim Botânico não é velado por ninguém, a não ser por quem mora lá.

É preciso pensar já em leis que regulem esta situação… Ou outros acervos serão perdidos.

A regulação do direito de imagem é outro ouriço: alguns artistas da maior importância para a história da arte brasileira estão deixando de figurar em catálogos e mostras por causa da irredutibilidade dos herdeiros. Mas isso é tema para outra conversa…

A REPORTAGEM DO GLOBO ON

RIO – Um incêndio na casa da família do artista plástico, pintor e escultor Hélio Oiticica no final da noite desta sexta-feira, no Jardim Botânico, Zona Sul, destruiu 90% do acervo das obras de arte do artista, um dos fundadores do movimento neoconcretista. Segundo o arquiteto César Oiticica, irmão de Hélio, cerca de duas mil peças do artista, morto na década de 1980, foram queimadas, num prejuízo estimado em US$ 200 milhões.

Bombeiros do quartel do Humaitá foram chamados para combater as chamas. Ainda não há informações sobre o que pode ter provocado o incêndio. O fogo atingiu uma sala do primeiro andar da casa onde ficavam as esculturas, as pinturas e as instalações do artista. A sala, porém, tem controle de umidade e temperatura. Não houve feridos.

- A cultura brasileira que ficou ferida – disse César Oiticica, desolado.

Segundo o site G1 , os parentes estavam no andar de cima quando sentiram um forte cheiro de fumaça.

- Arrombei a porta para sair a fumaça e a gente entrar e ver o que era, mas já era tarde demais. Já estava pegando fogo em tudo – disse César. – Eu sinto que fracassei, pois desde que me aposentei minha missão era cuidar da obra dele. Eu me sinto péssimo.

Posted by Patricia Canetti at 3:08 AM

Um capítulo-chave da arte mundial por Miguel Conde, O Globo

Um capítulo-chave da arte mundial

Matéria de Miguel Conde originalmente publicada no jornal O Globo em 18 de outubro de 2009.

Críticos e artistas dizem que importância do trabalho vai além do Brasil

O incêndio que destruiu o acervo de Hélio Oiticica transformou em cinzas um capítulo fundamental da arte mundial, disseram críticos e artistas.

— Perdemos um momento-chave da história da arte da segunda metade do século XX — afirmou o crítico Paulo Sérgio Duarte, autor de “Anos 60, transformações da arte no Brasil”. — Já no final dos 1950 e início dos 1960, Hélio Oiticica começa a pensar a arte como criação de ambientes, algo que não era apenas contemplado, mas vivenciado espacialmente, aquilo que mais tarde se chamaria de instalações. Fora isso, com os parangolés ele repensou a questão da escultura, que passou a ser maleável e incorporada ao corpo humano.

O artista plástico Ernesto Neto foi enfático:

— Ele era simplesmente o nome mais representativo da arte brasileira. Um revolucionário da arte mundial. É uma perda enorme, como se ele tivesse morrido duas vezes.

O poeta Ferreira Gullar, um dos criadores do movimento neoconcreto, integrado por Oiticica, diz que as propostas e trabalhos do grupo foram a primeira contribuição realmente original do Brasil à arte mundial. O artista Cildo Meireles concorda:

— Ele é um dos artistas que, a partir da década de 1950, começaram a instaurar uma singularidade que deu uma visibilidade internacional à produção artística no Brasil.

Nos últimos anos, o reconhecimento internacional do pioneirismo e da originalidade da obra de Hélio Oiticica fez com que seus trabalhos fossem integrados a coleções públicas e privadas no exterior. O MoMA, em Nova York, tem em seu acervo 13 criações do artista, doadas por Patricia Cisneros, e a Tate Modern, em Londres, tem nove. Cesar Aché, que por sete anos cuidou das negociações em nome do Projeto Hélio Oiticica, diz que muitos trabalhos do artista foram vendidos:

— Ironicamente, essas vendas, que foram criticadas por tirar os trabalhos do Brasil, acabaram garantindo a sobrevivência das obras.

Em 2007, uma grande mostra de Oiticica foi organizada pelo Museu de Belas Artes de Houston, que trabalhou com a família num projeto de restauração das obras e reuniu trabalhos em poder de colecionadores privados. O museu comprou do brasileiro Adolpho Leirner uma coleção de arte nacional que incluía duas obras de Oiticica. A coleção privada Daros-Latinamerica, em Zurique, tem em seu acervo um bólide (objeto escultural), um metaesquema (pintura abstrata) e um relevo espacial.

No Brasil, o Museu de Arte Moderna tem um bólide e três metaesquemas que fazem parte da coleção Gilberto Chateaubriand, e o Museu de Arte Contemporânea, em Niterói, tem uma pintura a óleo e alguns metaesquemas da coleção de João Sattamini. O Museu do Açude, no Alto da Boa Vista, tem um penetrável da série “Magic Square”, assim como o centro Inhotim, em Minas Gerais, que tem ainda “Cosmococa 5: Hendrix War”, parte de uma série de cinco projeções feita com o cineasta Neville de Almeida, e está construindo um espaço para receber as outras quatro partes.

O artista plástico Waltércio Caldas disse que o percentual da obra de Oiticica destruído pelo fogo lembra a falta de uma política nacional de aquisição e preservação de obras de arte:

— Se tivéssemos mais museus comprando obras para seu acervo, a perda seria menor.

Posted by Patricia Canetti at 2:59 AM

Incêndio destrói 90% da obra de Hélio Oiticica por Eduardo Fradkin e Flávia Lima, O Globo

Incêndio destrói 90% da obra de Hélio Oiticica

Matéria de Eduardo Fradkin e Flávia Lima originalmente publicada no jornal O Globo em 18 de outubro de 2009.

Avaliado em US$200 milhões, o acervo estava na casa do irmão do artista, que tinha sistema anti-incêndio

Um incêndio destruiu pelo menos mil obras do artista plástico Hélio Oiticica — considerado por críticos um dos nomes mais importantes da arte brasileira — na noite de sexta-feira, no Jardim Botânico. O acervo, cujo valor é estimado em US$200 milhões, estava no ateliê localizado no andar térreo da casa do irmão do artista, o arquiteto César Oiticica. Ninguém ficou ferido, mas César estima que 90% da obra de seu irmão tenham se perdido. Ele não soube dizer como o fogo começou, nem por que o sistema anti-incêndio não funcionou. O resultado da perícia é esperado dentro de 30 dias.

A obra do artista plástico estava antes abrigada no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, da prefeitura, mas começou a ser retirada de lá em 2002 pela família, sob alegação de que o prédio não tinha condições básicas de segurança. Mesmo ontem, César reafirmou a crítica:

— Lá, no Centro Municipal de Arte Helio Oiticica, não há controle de umidade e de temperatura, e nem fiscalização. Aqui, a gente tem temperatura de 22 graus e umidade de 50% o ano todo. Lá, não tem nada disso, só ratos e goteiras.

Desenhos e metaesquemas foram preservados

O fogo começou por volta das 22h. O arquiteto contou que jantava com a mulher e um grupo de amigos quando sentiu forte cheiro de queimado vindo do ateliê. Bombeiros do quartel do Humaitá foram chamados para apagar as chamas, que consumiram obras importantes do artista neoconcreto, como os parangolés — esculturas móveis feitas com bandeiras, estandartes ou tendas, para serem vestidas e movimentadas — e os bólides.

— Quando desci, meti o pé na porta para não perder tempo procurando chave. A fumaça preta já tinha se espalhado. Fui procurar o foco, mas meu primo me disse para sair dali. Não deu tempo de fazer nada. O que se perdeu foram 90% do total das obras de Hélio, pois quase tudo que ele fez estava no acervo. A única parte não afetada foi a mapoteca, onde estavam desenhos e metaesquemas. Os escritos dele foram queimados, mas estavam todos digitalizados. Tínhamos feito imagens de todas as obras para digitalizá-las também, e creio que a grande maioria delas tenham se queimado. No entanto, uma boa parte já está no computador, pois eu as vinha mandando para pessoas que pediam. Os parangolés foram totalmente destruídos. Dos bólides, 99% tampouco resistiram ao incêndio — lamentou César.

Segundo ele, os parangolés estavam todos no acervo, exceto dois ou três que Hélio doou para amigos em vida. As pinturas também se perderam. A casa e o acervo que ela abrigava não tinham seguro:

— Fiz um estudo, mas era um valor muito alto, e ficou inviável. Decidimos arcar com os riscos.

Instalações chamadas penetráveis — que têm esse nome porque o público é convidado a entrar nelas — podem ser reconstruídas.

— Penetráveis podem ter réplicas construídas, mas os parangolés, não. Seriam necessários os originais para servirem de modelos. O penetrável “Tropicália” tem três edições, e uma dela está no museu Tate de Londres. Os penetráveis “Nas quebradas” e “Filtro” têm cinco edições. Há vários penetráveis que podem ser refeitos. Outras obras, como relevos e bilaterais, podem ganhar réplicas com fins didáticos — disse César.

Andando pelos escombros, César disse ter visto algumas obras que podem ser recuperadas: um relevo vermelho, uma ou duas bilaterais e o “Projeto Cães de caça”.

Secretaria diz que ofereceu regime de comodato

A secretária municipal de Cultura, Jandira Feghali, lamentou o incêndio e disse, em nota oficial: “Este acervo não estava mais no Centro Hélio Oiticica quando assumimos a Secretaria de Cultura em janeiro deste ano. Apesar dos nossos esforços, não conseguimos trazê-lo de volta em regime de comodato, como acontece com o acervo do colecionador Gilberto Chateaubriand no Museu de Arte Moderna e com o acervo do colecionador João Satamini no Museu de Arte Contemporânea de Niterói. (...) A secretaria já está em contato com o Iphan para conseguir técnicos que ajudem e acompanhem o rescaldo para ver o que pode ser salvo.”.

A diretora do Centro de Artes Hélio Oiticica, Ana Durães, disse que a proposta de deixar o acervo em comodato no centro foi rechaçada pela família Oiticica e que há uma sala trancada a chave à qual ela não tem acesso, onde pode haver obras de Hélio.

— Jandira propôs um comodato, mas a ideia foi rejeitada. Nunca foi feita uma contraproposta. A família queria ter todo o poder sobre a obra, recebia R$20 mil mensais e ainda cobrava pelas exposições.

Do outro lado, César — que recebeu a visita e os votos de solidariedade de Ana Durães ontem — afirma que o motivo da briga foi apenas a falta de estrutura do centro:

— Organização estatal não funciona para abrigar arte. Tínhamos até que botar no preço da exposição os gastos com segurança.

Segundo ele, as obras de uma exposição realizada lá este ano continuam na reserva técnica do prédio da prefeitura.

— Todas as obras da exposição “Os penetráveis” ainda estão na reserva técnica do Centro de Artes Hélio Oiticica. Vamos trazê-las para a casa quando ela for restaurada.

Posted by Patricia Canetti at 2:57 AM

''O Brasil é o único país que não cultua seus gênios'' por Ivan Cardoso, Estado de S. Paulo

''O Brasil é o único país que não cultua seus gênios''

Entrevista de Valéria França originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 18 de outubro de 2009.

O cineasta Ivan Cardoso, de 57 anos, realizou o filme HO, documentário sobre Hélio Oiticica, em 1979. Cardoso conheceu Hélio quando o artista foi dar uma palestra no colégio onde estudava, no Rio. A partir daí, viraram amigos. "A terra parou quando entrei pela primeira vez na casa de Hélio. Ele me apresentou um mundo maravilhoso da criação." Ivan avalia o que representa para o Brasil a perda do acervo de Oiticica.

O que significa um incêndio como este?

O Brasil não é um local adequado, pois é o único que não cultua seus gênios. Só aqui acontece um incêndio num acervo desta importância. Até o Museu de Arte Moderna já pegou fogo aqui no Rio.

Mas você diz que o Brasil não cultua seus gênios. Por quê?

Eles ficam esquecidos. Veja, por exemplo, Haroldo de Campos e Torquato Neto.

O que representa Hélio Oiticica para a arte?

Hélio representou na arte um voto de fé, que é o maior dom que Deus deu para o ser humano. Além de ser um grande criador, pensou sobre o processo de criação das artes plásticas. Criar era um veículo de experimentabilidade.

Qual é o melhor exemplo disso?

São os parangolés, que eram capas, estandartes e bandeiras. Eles funcionavam mais no corpo dos sambistas da Mangueira do que estáticos em qualquer outro lugar. Feitos de panos coloridos, que podiam levar retratos ou palavras, que só se revelavam com o movimento. A obra passava a existir plenamente neste momento, quando estava no corpo de alguém.

Como você ficou amigo de Hélio Oiticica?

Ele era acessível, muito democrático. Tinha mais chance com ele um pobre do que um rico. Quando reconhecia o talento e a criatividade, adorava incentivar. Foi o que fez comigo. Foi por causa dele que me descobri como artista.

Posted by Patricia Canetti at 2:39 AM | Comentários (1)

Há 31 anos, o modernismo em cinzas, no MAM por Luiz Horta, Estado de S. Paulo

Há 31 anos, o modernismo em cinzas, no MAM

Matéria de Luiz Horta originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 18 de outubro de 2009.

A perda de acervos é parte da história cultural, não sendo triste exclusividade carioca. Mas fogo e arte parecem manter uma relação constante no Rio. Trinta e um anos passados, na madrugada de 8 de julho de 1978, um incêndio destruiu as mais de mil obras do acervo do Museu de Arte Moderna. Sobraram 50 trabalhos, as paredes calcinadas do projeto modernista de Affonso Eduardo Reidy e os jardins de Burle Marx. Algumas obras muito danificadas foram posteriormente restauradas, como uma escultura de Constantin Brancusi e umas poucas salvas, caso de uma tela de Jackson Pollock. Desapareceram irreversivelmente telas de Picasso, Miró, Magritte e de todos os artistas brasileiros representativos na época, como Di Cavalcanti e Portinari.

O mais terrível foi a destruição da quase totalidade da vida artística do mais importante pintor uruguaio, Joaquín Torres-García. Uma grande retrospectiva de seu trabalho estava montada no museu e dela nada sobrou. A perda representou 90% do que o artista produzira e quase gerou um incidente diplomático. O Museu Torres-García em Montevidéu exibe atualmente réplicas fotográficas de seus trabalhos.

O laudo sobre as causas do incêndio foi ambíguo, teria começado numa faísca gerada por curto-circuito e só foi percebido pelo vigia às 3 da manhã. O único extintor de incêndio existente no lugar não funcionou. Os bombeiros, quando chegaram, enfrentaram problemas de água para abastecer suas mangueiras. Em 1993 o MAM-Rio foi reinaugurado, com doações, principalmente da coleção Gilberto Chateaubriand. No acervo atual, felizmente, há obras de Hélio Oiticica.

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Incêndio destrói acervo de Oiticica por Adriana Chiarini, Estado de S. Paulo

Incêndio destrói acervo de Oiticica

Matéria de Adriana Chiarini originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 18 de outubro de 2009.

Fogo em casa no Rio destrói pelo menos mil obras do artista, com prejuízo estimado de US$ 200 milhões

Pelo menos mil obras do artista plástico Hélio Oiticica foram destruídas por causa de um incêndio na noite de sexta-feira que atingiu o primeiro andar da casa da família, no Jardim Botânico, zona sul do Rio. Lá estavam as peças do acervo (estima-se que 90% dele) do Projeto Hélio Oiticica e nada se salvou. O prejuízo é estimado em US$ 200 milhões pelo arquiteto César Oiticica, irmão do artista, que mora no segundo andar da mesma casa, e não tem seguro das obras. "Fracassei. Minha missão depois que me aposentei era cuidar da divulgação e da guarda da obra dele. Me sinto péssimo", disse.

César, que se preparava para mudar para a casa ao lado na semana que vem e deixar os dois andares de sua casa atual para a obra do irmão, estava jantando com a mulher e um casal de amigos no segundo andar no momento do incêndio. "De repente, lá para as 11 ou 11h30 da noite, ouvimos um estouro. A empregada subiu correndo, dizendo que tinha fumaça. Corri para cá e já estava tudo pegando fogo", contou ele, na entrada da casa, na manhã de ontem.

Nenhum dos cinco presentes se feriu. Mas a tragédia abalou emocional e financeiramente a família. "O Hélio foi um dos artistas plásticos mais importantes da segunda metade do século 20", afirmou o irmão, sem conter as lágrimas.

Nascido em 1937 e morto em 1980, Hélio Oiticica tirou a pintura do quadro para o espaço. Foi um precursores das atuais instalações, ao criar os penetráveis, em que as pessoas entravam nas obras, e os parangolés, "obras para se vestir e dançar dentro delas", na descrição do irmão.

Uma das obras que se salvou foi o Penetrável Tropicália, um dos marcos do movimento Tropicalista do fim dos anos 60, que na música teve a participação de Caetano Veloso e Gilberto Gil, entre outros. O original está no Centro Municipal de Arte Contemporânea Hélio Oiticica, na Praça Tiradentes, centro do Rio. "Lá ainda tem umas obras que íamos trazer para cá", contou César Oiticica, referindo-se à casa do Jardim Botânico.

A secretária municipal de Cultura, Jandira Feghali, divulgou nota, dizendo que tentava levar o acervo para o Centro. "Este acervo não estava mais no Centro Hélio Oiticica quando assumimos a secretaria, no início de janeiro, e, apesar de nossos esforços, não conseguimos trazê-lo de volta, em regime de comodato, como acontece com o acervo do colecionador Gilberto Chateaubriand, no MAM, e com o do colecionar João Satamini, no Museu de Arte Contemporânea de Niterói", diz a nota, que lamenta a perda da obra de um artista tão importante. A secretária também pede a apuração das causas do incêndio e informa que pediu ajuda ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) para a recuperação do máximo possível.

O sobrinho do artista e curador do Projeto Hélio Oiticica, César Oiticica Filho, ficou revoltado com a manifestação da secretaria, de que tentava levar de volta as obras para o Centro. "Seria cômico, se não fosse trágico." O coordenador de Artes Visuais da Funarte e do Ministério da Cultura, Chico Chaves, amigo da família, disse que a Secretaria Municipal da Cultura achava muito caro conservar o acervo.

A família considerava mais seguro deixar as obras no primeiro andar da casa, onde havia equipamentos de controle de umidade e temperatura, do que no Centro. No primeiro semestre, uma exposição do Centro Municipal foi interrompida e parte das obras foram levadas pela família para a casa. A secretaria preferia ter as obras no Centro, mas não queria pagar por elas além do que já despendia com um custo alto para guardá-las.


Meta do artista era buscar uma estética nacional

Matéria originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 18 de outubro de 2009.

Se você já ouviu tantas vezes a palavra Tropicália associada a um momento peculiar da cultura brasileira, isso se deve ao genial Hélio Oiticica.

Na exposição Nova Objetividade Brasileira, no Museu de Arte Moderna (MAM), do Rio, em 1967, ele instalou nos jardins um ambiente (ou penetrável) chamado de Tropicália, um labirinto similar à estrutura arquitetônica improvisada das favelas. O público caminhava descalço, pisando em areia, brita, água, convivendo com plantas, pássaros, poemas-objetos e, no fim, se defrontava com um televisor ligado. Oiticica iniciou o confronto da arte brasileira com os movimentos artísticos mundiais. Sua meta era a busca de uma estética nacional. Nascia um Brasil de vanguarda.

Assim Oiticica, que morreu em 1980, após um acidente vascular cerebral, explicava sua forma de pensar a arte em seu tempo: "Como cheguei a isso é uma longa história. A descoberta no morro da favela carioca, do bas-fonds do Rio e minha iniciação no samba como passista da Mangueira foram um processo propositalmente anti-intelectual. Enquanto muitos sonhavam com Paris, Londres, Nova York, eu me dedico ao que chamo de volta ao mito. Longe de ser uma atitude intelectual, abstrata. Foi uma experiência decisiva no contexto da cultura brasileira, a descoberta de forças expressivas latentes nesse contexto. Não acredito numa arte cosmopolita. Para ser universal, só desenvolvendo nossa própria capacidade expressiva: a dança, o rito, as manifestações populares, o tropicalismo brasileiro, as festas coletivas. Nossa pobre cultura universalista, baseada na europeia e americana, deveria voltar-se para si mesma, procurar seu sentido próprio, voltar a pisar no chão, a fazer com a mão, voltar-se para o negro e o índio, à mestiçagem: chega de arianismo cultural no Brasil."

Oiticica rompeu com a ideia de contemplação estática de uma obra. Em vez disso, propôs a apreciação sensorial mais ampla da obra, por meio do tato, do olfato, da audição e até do paladar. São famosos os seus Penetráveis, criados para ser vivenciados pelo espectador. Os primeiros parangolés eram capas para se jogar sobre o corpo, feitas com materiais de tendas, estandartes e bandeiras. Ele as definia como "antiarte por excelência".

Neto de José Oiticica, anarquista, professor e filólogo, Hélio nasceu em 26 de julho de 1937 no Rio. Em 1959, fundou o Grupo Neoconcreto, com artistas como Amilcar de Castro e Lygia Clark. Em 1965, começou carreira internacional, na exposição Soundings Two, em Londres, ao lado de obras de Duchamp, Klee, Kandinski, Mondrian e Léger.

Em 1967, iniciou as propostas sensoriais, como os bólides da Trilogia Sensorial. Em 1972, passou a usar o formato Super-8 para fazer filmes, na proposta experimentalista que regeu sua vida. Em 1979, fez seu último penetrável, Azul in Azul. Nesse mesmo ano, Ivan Cardoso realizou o filme HO, sobre a obra do artista. Em 1981, é criado o Projeto Hélio Oiticica, para preservar, analisar e divulgar sua obra. Entre 1992 e 1997, o Projeto HO realiza uma mostra retrospectiva por Roterdã (Holanda), Paris (França), Barcelona (Espanha), Lisboa (Portugal), Minneapolis (EUA) e Rio.

Em 1996, é fundado o Centro de Artes Hélio Oiticica, para abrigar o acervo do artista e disponibilizá-lo ao público. Em 2007, outra mostra, a Hélio Oiticica: The Body of Color, viaja por países como EUA e Inglaterra.

Posted by Patricia Canetti at 2:26 AM

Obra não era preservada como merecia por Fabio Cybriano, Folha de S. Paulo

Obra não era preservada como merecia

Análise de Fabio Cybriano originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 18 de outubro de 2009.

Por mais triste, lamentável e trágica que possa ser, a perda de praticamente todo o acervo do artista Hélio Oiticica representa, finalmente, o fim do fetiche pelo material em suas obras e a libertação de suas ideias.

Oiticica foi um dos mais originais e importantes artistas do século 20. Sua defesa em romper os limites entre arte e vida foi das mais radicais, mas apenas nos últimos 20 anos passou a ter o merecido reconhecimento e repercussão.

Dois momentos fundamentais nesse percurso foram a Documenta, em Kassel (Alemanha), em 1997, que mostrou muitos de seus projetos e obras, e a 27ª Bienal de São Paulo, em 2006, organizada por Lisette Lagnado a partir de conceitos do artista, mas que já nem exibiu objetos do artista, para atestar que suas ideias estavam proliferadas no circuito da arte.

No entanto, enquanto suas ideias ganhavam importância, um certo desvio de suas propostas também crescia. Oiticica queria que os Parangolés, um de seus mais importantes conceitos, que tinham nas capas uma de suas materializações, fossem usados por todos.

No entanto, o fetiche pelo original -que em seu caso é o menos importante, acabou dominando e em muitas mostras essas capas eram vistas penduradas como tristes espectros de algo muito mais vital.

Do ponto de vista do mercado, algo semelhante ocorria. As obras passaram a subir de preço exponencialmente, enquanto para o artista, durante sua vida, isso não era o fundamental, e seu trabalho passou a ser engessado naquilo que justamente ele criticava: o objetual.

Claro que é inacreditável que tudo tenha se esvaído dessa forma, até porque é a segunda vez que um incêndio destrói um acervo importante no Rio: foi assim que grande parte da coleção do Museu de Arte Moderna do Rio foi perdida, em 1978.

Claro que é lamentável que o precioso acervo de Oiticica não estivesse preservado da forma como merecia, numa instituição, mesmo que já existisse o Centro de Arte Hélio Oiticica, criado pela Prefeitura do Rio, palco de recentes polêmicas.

Durante um bom tempo, parte do que se queimou esteve lá armazenado e poderia estar a salvo. Mas isso faz parte da precariedade institucional que é típica no Brasil e das dificuldades que envolvem herdeiros em casos do tipo.

Recentemente, o Ministério da Cultura havia iniciado contatos para a criação de um museu Hélio Oiticica. Mas, essa institucionalização, se por um lado seria fundamental para preservar sua memória, poderia representar um risco ao institucionalizar sua obra, algo sempre contestado pelo artista.

Em Porto Alegre, artistas que participam da 7ª Bienal do Mercosul lamentavam ontem a perda desse acervo, mas também comentavam que parecia ser uma estranha vingança pelo tratamento que sua obra vinha ganhando.

Agora, se já não há mais original, então todos podem criar seu Parangolé. Felizmente, grande parte de seu acervo foi digitalizado e encontra-se disponível no site do Itaú Cultural, num dos mais importantes projetos de memória da arte brasileira. Os originais -e são milhares deles, pois tudo o que Oiticica pensava era obsessivamente descrito em seus cadernos- podem estar queimados, mas conseguiram sobreviver na internet, onde todos podem ter acesso, como o artista queria que fosse sua obra.


REPERCUSSÃO

"Oiticica é tudo. Estou em estado de choque. É uma fatalidade"
LISETTE LAGNADO
curadora da 27ª Bienal

"É uma perda lastimável para se entender a arte internacional. Oiticica deixou as fronteiras da arte brasileira"
TADEU CHIARELLI
curador e professor da USP

"É como se um pedaço de cada artista brasileiro tivesse se incendiado também. É uma tragédia cultural"
CILDO MEIRELES
artista

"A única forma de sair dessa tragédia é replicar as obras conceituais"
ROBERTO AGUILAR
artista plástico

"Não sei quais eram as condições da casa. Vamos pedir um laudo para fazer um diagnóstico"
JOSÉ DO NASCIMENTO JÚNIOR
presidente do Instituto Brasileiro de Museus, ligado ao MinC

"É desastroso. Mais um fato que mostra como é frágil a relação entre o privado e o público. Por que as famílias têm tanto poder sobre o legado de um artista já morto?"
MARTIN GROSSMANN
diretor do Centro Cultural São Paulo

"O lamentável nesse incêndio é que destruiu uma das contribuições mais originais, inventivas e audaciosas da arte brasileira"
FERREIRA GULLAR
poeta e companheiro de Oiticica no neoconcretismo

"Acho lamentável. O Hélio tem uma importância fundamental"
LEDA CATUNDA
artista plástica

Posted by Patricia Canetti at 2:18 AM | Comentários (1)

Incêndio destrói centenas de obras de Oiticica por Caio Barreto Briso, Folha de S. Paulo

Incêndio destrói centenas de obras de Oiticica

Matéria de Caio Barreto Briso originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 18 de outubro de 2009.

Acervo estava na casa do irmão do artista, no Rio; César Oiticica estimou o prejuízo em cerca de US$ 200 milhões

Parangolés, bólides e bilaterais, alguns dos destaques da produção do artista, estão irrecuperáveis; obras não tinham seguro

Um incêndio destruiu grande parte do acervo do artista plástico Hélio Oiticica (1937-1980) que estava na casa de seu irmão, César, no Jardim Botânico, zona sul do Rio.

Segundo César Oiticica, que dirige o Projeto Hélio Oiticica, instituição criada em 1981 para cuidar de trabalhos do artista, o acervo da casa destruída reunia mais de mil obras -centenas foram queimadas. Ele estima a perda em US$ 200 milhões (R$ 342 mi). Não havia seguro.

Conhecido e admirado internacionalmente, Hélio Oiticica é um dos mais importantes artistas brasileiros do século 20.

Ligado às tendências construtivas que o tornaram um dos principais nomes do neoconcretismo entre o final dos anos 1950 e o começo dos 60, seus trabalhos tinham ênfase entre arte e vida e pediam a participação do público -como a instalação "Tropicália", exibida inicialmente em 1967 e que consistia em um ambiente tropical vivenciado pelo espectador.

A casa abrigava pinturas, desenhos e toda a obra concebida nos anos 1960. Parangolés, bólides e bilaterais, um dos destaques da produção do artista, estão em estado irrecuperável.

Os penetráveis, obras maiores de Oiticica, que integraram a exposição "Penetráveis", no Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, no centro do Rio, permaneceram no espaço e foram salvos. Os que estavam na casa foram destruídos parcialmente. Os desenhos foram encontrados em bom estado.

O incêndio

O fogo começou por volta das 23h de sexta-feira. "Eu estava jantando com amigos quando ouvimos um barulho estranho no primeiro andar da casa", disse César Oiticica. O Corpo de Bombeiros chegou 20 minutos depois e teve dificuldades para controlar o fogo. "Tiveram que pegar água da piscina do meu vizinho", afirma.

Os bombeiros só conseguiram apagar totalmente as chamas por volta de 2h30 de sábado. A casa tinha um alerta de fumaça, que tocou apenas quando as chamas já haviam se espalhado. As cinzas do primeiro andar, onde ficava a reserva técnica que guardava a obra de Oiticica, estão sendo removidas para que os danos possam ser avaliados.

Chorando várias vezes durante a entrevista à Folha, César Oiticica disse que irá se dedicar a restaurar o que for possível. "A vida do meu irmão estava naquela casa. Cada obra tinha um valor especial."

Segundo ele, a parte do acervo que se encontra no Centro Hélio Oiticica seria levada para a casa do Jardim Botânico em novembro. "O Centro, por responsabilidade das administrações públicas passadas, tem problemas de umidade e segurança. Além disso, o ar condicionado frequentemente não funciona", afirma, justificando a permanência das obras na casa do Jardim Botânico.

Em nota, a secretária de Cultura do Rio de Janeiro, Jandira Feghali, lamentou o incêndio. Ela disse que tentou levar o acervo da reserva técnica para o Centro Municipal de Arte Hélio Oiticica, mas não conseguiu. Artistas, amigos da família, estudantes de arte e admiradores da obra de Hélio Oiticica já foram visitar a casa. "Todos chegam aqui chorando", disse César. A Tate Modern, em Londres, e o Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMa), por exemplo, são duas instituições que possuem obras de Oiticica.

A crítica Lélia Coelho Frota, que não sabia do incêndio, ficou desolada com a notícia. "O percurso do Hélio como neoconcretista é único. A perda de parte do seu acervo é irreparável para a cultura brasileira."

Posted by Patricia Canetti at 2:14 AM | Comentários (1)

outubro 8, 2009

Trilha sonora em mostra no MAM contraria curador por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo

Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 8 de outubro de 2009.

Quando concebeu o 31º Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de São Paulo, o curador Adriano Pedrosa decidiu não apresentar artistas brasileiros, gerando polêmica no circuito.

Em vez de artistas brasileiros, o curador pretendia apresentar artistas que trabalham com a cultura brasileira. Depois, chegou a incluir uma brasileira, a mineira Tamar Guimarães, que vive em Copenhague, na Dinamarca, e nunca tinha sido vista aqui.

Anteontem, a mostra --que foi inaugurada no último sábado-- incorporou vários brasileiros, à revelia de Pedrosa: uma trilha sonora de músicas dos tropicalistas Caetano Veloso e Gal Costa, ou canções de bossa nova, entre outras, podia ser ouvida ao longo de todo o percurso da exposição.

"Soy Loco por Ti America", de Capinan e Gilberto Gil, na voz de Caetano, por exemplo, era a música que tocava, anteontem, por volta das 17h.

"Será que é alguma sabotagem?", comentou Pedrosa, quando soube da trilha musical, ontem pela manhã, por meio da reportagem.

"No domingo, alguém escreveu "Ianques go home", com i mesmo, justamente ao lado da Tamar, a única brasileira da mostra", disse o curador.

DJ

Segundo a Folha apurou, a ideia de ter trilhas sonoras nas exposições partiu da presidente da instituição, Milú Villela, e levou o MAM-SP a ter um projeto denominado "DJ Residente", para sonorização de espaços do museu.

No sábado, durante a abertura, Milú Villela disse à Folha que "em 14 anos de museu, nunca vi uma exposição tão bonita aqui".

Segundo a assessoria de imprensa do MAM, "a equipe do som do auditório do museu colocou a trilha, que foi feita para a abertura, sem consultar o curador". Ontem, depois de procurado pela Folha, Pedrosa pediu para retirar a trilha. "Não quero, até porque há obras que têm música na mostra", afirmou à Folha.

Intitulada "Mamõyguara Opá Mamõ Pupé", que em tupi antigo significa "estrangeiros em todo lugar" e é um trabalho do coletivo francês Claire Fontaine, o Panorama tem cerca de 35 artistas, em sua maioria latino-americanos. A exposição segue até 20 de dezembro.

Posted by Marília Sales at 2:01 PM | Comentários (3)

outubro 7, 2009

"Bienais devem se diferenciar" diz curador por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo

Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 7 de outubro de 2009.

A crítica de Rosalind Krauss às feiras não é isolada. "A temporalidade apressada de uma feira de arte é fato incompatível com o tempo estendido que muitas obras requerem para comunicar seus significados. Daí a necessidade de as Bienais reafirmarem sua diferença diante das feiras, propiciando um encontro com a arte de uma ordem distinta", defende Moacir dos Anjos, curador da 29ª Bienal de São Paulo.

Já para Adriano Pedrosa, curador do 31º Panorama da Arte Brasileira, no MAM-SP, "as feiras de arte servem mais ao especialista -o curador, o crítico, o colecionador, que têm um olhar afiado e seletivo, e podem de fato confundir o grande público com a enorme quantidade de informações desencontradas, uma grande cacofonia".

Mas, ressalta Pedrosa, "não devemos esquecer a principal função da feira: o comércio da arte. Nesse sentido, ela não é uma fraude. A função expositiva é desempenhada pela galeria, pelo museu, pela Bienal".

Fernanda Feitosa, diretora da SP Arte, defende o papel das feiras: "As feiras de arte são um veículo importantíssimo de promoção de contato e diálogo de um grande público com um também grande número de galerias e artistas -ao mesmo tempo e num mesmo local. Ao promover esse encontro em maior escala, a feira cria uma oportunidade para o visitante ter contato com a produção artística do mundo todo".

Para uma das organizadoras do simpósio, Daniela Bousso, "as feiras não focam a reflexão sobre a produção artística e seus procedimentos. São, porém, muito importantes para a difusão e ampliação do circuito das artes e sua circulação; cumprem um papel relevante dentro de um dado sistema econômico".

Posted by Marília Sales at 5:00 PM

"A arte nas feiras é fraudulenta" diz crítica americana Rosalind Krauss por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo

Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 7 de outubro de 2009.

"A arte nas feiras é fraudulenta", diz crítica americana Rosalind Krauss, uma das principais estudiosas de artes visuais hoje, condena espetacularização da obra de arte

Ensaísta virá a São Paulo participar de simpósio no Paço das Artes e abordará trajetória de artistas como a francesa Sophie Calle

No próximo dia 15, o circuito internacional do mundo das artes migra para Londres, onde ocorre a feira de arte Frieze, considerada uma das três mais importantes do planeta, junto com Art Basel, na Suíça, e Art Basel - Miami Beach, nos EUA.

Com 150 expositores, cinco deles brasileiros (Fortes Vilaça, Casa Triângulo, Gentil Carioca, Luisa Strina e Vermelho), o que se vê nelas, segundo a crítica americana Rosalind Krauss é, simplesmente, uma "fraude".

"Eu acredito que a arte promovida nas feiras de arte internacionais é fraudulenta", escreveu à Folha Krauss, que irá abrir, no próximo dia 25, o 3º Simpósio de Arte Contemporânea do Paço das Artes. Ela ministrará a palestra "Reconfigurações no Sistema da Arte Contemporânea" (veja a programação no quadro à esq.). Ainda há vagas para o simpósio. [Canal Contemporâneo informa que as inscrições estão suspensas.]

Há exatos 30 anos, Krauss, 67, publicava um dos mais célebres ensaios sobre arte contemporânea, "A Escultura no Campo Expandido", na revista "October", que ajudara a fundar, em 1976, após ter se firmado como crítica na "Artforum".

No texto, a autora apontava para uma nova forma de realização escultórica para além dos parâmetros modernistas, ruptura histórica que teria sido feita por artistas como Robert Morris, Robert Smithson, Richard Serra, Walter De Maria e Bruce Nauman, entre outros.

No Brasil, a autora, que é professora da Universidade Columbia, em Nova York, desde 1992, tem publicado os livros "O Fotográfico", "Caminhos da Escultura Moderna" e "Papéis de Picasso".

Sua produção mais recente, contudo, de 2004, a antologia "Art Since 1900" (arte desde 1900), realizada em conjunto com Hal Foster, Yve-Alain Bois e Benjamin Buchloh, ainda não foi traduzida. Ao rever a história da arte no século 20, o livro tem o feito inédito de acrescentar os brasileiros Hélio Oiticica e Lygia Clark como protagonistas da cena artística.

Curiosamente, no entanto, Krauss não considera familiar a produção nacional: "Estou ansiosa com minha visita como uma oportunidade em conhecê-la", relatou ela.

Na troca de e-mails com a reportagem, Krauss, que também atua como curadora, contou que a influência do mercado na produção contemporânea será o tema central de sua conferência. Condena as feiras, pois "são puro espetáculo, envolvendo o observador com uma atmosfera sedutora sem demandar atenção ou trabalho por parte do visitante para analisar a habilidade que um trabalho tem em criar significados".

As críticas da norte-americana não se restringem às feiras mas também às "instalações", como são chamadas obras imersivas, onde o público participa de forma coletiva, defendidas pela estética relacional, conceito criado pelo curador francês Nicolas Bourriaud.

"Ao se mover da experiência privada de um trabalho para uma coletiva, a estética relacional simplesmente segue a análise de Marshall MacLuhan em "A Galáxia de Gutenberg", que descreve a superação da privacidade na leitura de um livro pela atividade coletiva de se assistir televisão, o que nós podemos chamar de espetáculo."

A espetacularização da arte, torna-se assim um dos temas que Krauss irá abordar no simpósio. No entanto, a crítica parafraseia Catherine David, curadora da 10ª Documenta, em Kassel, na Alemanha, para afirmar ainda que não crê "na pureza ou na oposição ontológica entre arte e mídia".

"Catherine disse que busca organizar mostras como se fossem filmes, e que quem ainda acredita no "cubo branco" é ingênuo ou estúpido", destaca Krauss. O "cubo branco" é uma expressão desenvolvida pelo crítico Brian O'Dogherty para a galeria, comercial ou de um museu, representar a garantia da autonomia de uma obra de arte, ou seja, sua total separação do mundo fora dele.

Finalmente, como alternativas oferecidas pela arte no início do século 21, Krauss conta que irá abordar o trabalho de artistas como o alemão nascido na República Tcheca Harun Farocki, o norte-americano Christian Marclay e o sul-africano William Kentridge, todos eles vinculados de certa forma ao cinema, e a francesa Sophie Calle, que recentemente mostrou sua instalação "Cuide de Você" em São Paulo.


Posted by Marília Sales at 3:58 PM | Comentários (1)

outubro 6, 2009

FOTOARTE altera o Termo de Cessão do 2º Prêmio

Leia também:
Denúncia sobre irregularidades no prêmio FOTOARTE 2009 por Patricia Gouvêa

Reverberações da matéria publicada no Canal sobre as denúncia de irregularidades no Prêmio Fotoarte


Caros fotógrafos selecionados e premiados do 2º Prêmio FOTO ARTE,

Diante do debate surgido sobre o teor de 2 (duas) cláusulas do Termo de Cessão que lhes foi encaminhado anteriormente, a Organização do Prêmio, após consultas com o corpo de jurados, decidiu alterar o documento, realizando as seguintes modificações que encontram-se abaixo:

1) Será retirada inteiramente a Clausula 4, relativa à montagem das imagens;

2) Será alterada a redação da Clausula 6 que passará a ser 5 e terá o seguinte texto:

“5. O CEDENTE reitera seu aceite formal a todo o teor do Regulamento a que já aderiu de livre e espontânea vontade, ao inscrever-se no Prêmio, e cede os direitos sobre a(s) fotografia(s) à CESSIONÁRIA para que a mesma possa utilizá-las estritamente para divulgação do Prêmio, e à entidade sem fins lucrativos, WWF-Brasil, isentando ambas da obrigação de efetuar qualquer pagamento ao CEDENTE, pelo uso das imagens, que são cedidas, conforme previsto no Regulamento, cujo teor fica inteiramente mantido”.

3) Será alterada a Cláusula 10, reduzindo para 2 (duas) as vias originais a serem enviadas.

4) Todas as cláusulas a partir da Cláusula 4 serão renumeradas.

Informamos que todos os Termos serão substituídos e que a partir do dia 06 de outubro será encaminhado, via e-mail, o modelo modificado para cada um de vocês.

Após o recebimento por correio dos novos Termos, devidamente assinados, os documentos enviados anteriormente serão cancelados, tornando-se nulos e inválidos.

Aproveitamos para lembrar que o cronograma segue como o previsto e que a abertura da exposição será dia 13 de outubro. Contamos com a presença de todos vocês!

Atenciosamente,

Equipe do FOTO ARTE

Posted by Marília Sales at 5:05 PM

Reverberações da matéria publicada no Canal sobre as denúncia de irregularidades no prêmio FOTOARTE

Leia também:
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FOTOARTE altera o Termo de Cessão do 2º Prêmio

Email de Patrícia Gouvêa enviado ao canal no dia 6 de outubro de 2009.

Caros amigos,

Acho que agora só mesmo os jornais deveriam debater o assunto... Recebei mais de 100 emails de apoio e acredito que esta seja a maior vitória de todos nós. Abaixo reproduzo o cometário deixado pela fotógrafa Paula Sampaio, de Belém, no blog da Simonetta Persichetti.

Patrícia,

Fico muito feliz com a sua atitude. No geral as pessoas se calam pra não criar antipatias, pra não serem vistas como encrenqueiras e isso acaba validando esse tipo de desrespeito.

Agora mesmo, eu e outros colegas nos recusamos a assinar um contrato que também tinha cláusulas desse tipo e a CESSIONÁRIA teve que aceitar nossas condições.No nosso caso não foi preciso uma briga pública, porque muita gente se posicionou de forma contundente e logo eles perceberam o equívoco.

Mas, isso prova que essa prática e esse tipo de contrato esta se disseminando e a gente tem que agir rápido e de forma efetiva, pra não deixar dúvidas quanto aos nossos direitos. Temos uma lei que nos ampara e também nos responsabiliza por tudo que fazemos e ela tem que ser respeitada.

E nesse caso, creio, é uma briga boa e ampla, porque inclusive os curadores e jurados acabam sendo desrespeitados também, porque o bom nome deles e suas credenciais são utilizados pra dar credibilidade a esses concursos, eventos e outras tantas iniciativas desse tipo.

É isso, vamos à luta. A gente não pode perder de vista que a criação é nossa, é o nosso trabalho, a nossa vida e das pessoas que tornamos visíveis por meio das imagens que fazemos, isso tem que ser respeitado. Inclusive porque nós, que produzimos as imagens ,somos responsáveis perante a lei, pelo uso que vai ser feito delas.
abraços,
paula

Acesse outros Blogs que divulgaram o assunto

http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/002527.html

http://www.fotoclubef508.com/blog/?p=9537
http://afotobrasilia.wordpress.com/
http://tramafotografica.wordpress.com/2009/10/02/carta-aberta-de-patricia-gouveia/#comments
http://naocustapensar.blogspot.com/2009/10/nota-de-repudio.html
http://polodefotografia.wordpress.com/2009/10/02/o-absurdo/
http://www.paratyemfoco.com/blog/2009/08/2º-premio-foto-arte-brasilia/

Posted by Marília Sales at 3:39 PM

Convite para a transgressão no templo da arte por Antonio Gonçalves Filho e Camila Molina, estadao.com.br

Convite para a transgressão no templo da arte

Curadores da mostra elegem Flávio de Carvalho como vetor para tratar relação entre arte e política

Matéria de Antonio Gonçalves Filho e Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2, do estadao.com.br em 5 de outubro de 2009.


Flávio de Carvalho (1889-1973), artista fundamental do modernismo brasileiro, é a figura referencial escolhida da 29ª Bienal de São Paulo pelo coordenador geral Moacir dos Anjos e o curador Agnaldo Farias, crítico e professor da FAU/USP, um dos integrantes da equipe que prepara a mostra, cuja abertura está marcada para setembro de 2010. Hostilizado por suas atitudes transgressoras, como a de caminhar de boné na contramão de uma procissão de Corpus Christi (1931) e passear de saia pelo Viaduto do Chá (1956), Carvalho foi adotado como modelo dessa bienal, que se pretende política no sentido que a palavra assume no discurso do filósofo francês Jacques Rancière, citado por Moacir dos Anjos - isto é, uma atitude contra as convenções e os modelos estabelecidos.

A 29ª Bienal, orçada em R$ 30 milhões, vai reunir entre 120 e 150 artistas, brasileiros e estrangeiros. Prejudicada pela repercussão negativa de sua última edição, a instituição tenta resgatar seu prestígio e atrair 1 milhão de visitantes (a última teve pouco mais que 10% desse total), apostando em seu projeto educativo, que deve contemplar 400 mil estudantes da rede estadual e municipal. Nesta entrevista ao Estado, Moacir dos Anjos e Agnaldo Farias não revelaram os nomes dos artistas que irão participar da mostra, nem dos curadores estrangeiros convidados, o que deverá ser feito oficialmente pelo presidente da Bienal, Heitor Martins.

Por outro lado, acenam com nomes e obras que gostariam de trazer, como Cabeça de Medusa, escultura de 14 toneladas feita pelo californiano Chris Burden. E revelam interesse nos artistas de países africanos e do leste europeu.

O título da Bienal de 2010, Há Sempre um Copo de Mar para um Homem Navegar, usa um fragmento de Invenção de Orfeu, o poema de Jorge de Lima, que, segundo Mario Faustino, se faz a partir da urgência de "criar um mundo de antes mesmo da criação da palavra". A escolha desse fragmento pode significar que a Bienal não fará restrições a artistas, mas, ao mesmo tempo, essa metáfora pode ser uma estratégia para fugir de um tema. Qual das alternativas é a correta?

Agnaldo Farias - Não haverá restrição a artistas. Todas as linguagens serão contempladas, pois a ideia de tema pode significar um constrangimento. Jorge de Lima é um poeta extraordinário, embora também oscile. No entanto, este é um daqueles versos numinosos, que se produzem de vez em quando. Ele veio ao encontro de nossa ideia, da capacidade que os artistas têm de conseguir abrir um universo trabalhando dentro de uma questão mínima.

Quem seriam para vocês os artistas que inauguram uma linguagem no Brasil?

Moacir dos Anjos - Penso que um dos artistas que merece destaque nesse sentido seja Flávio de Carvalho. Talvez ele não tenha a dimensão exata na história da arte brasileira por não se encaixar bem no discurso da antropofagia, do modernismo brasileiro, do construtivismo ou do neoconcretismo. No entanto, Flávio coloca, já nos experimentos dos anos 1930, questões que vão ser retomadas depois com outros nomes, como happening, performance, ações que, de um modo ou de outro, inauguram formas novas, lançam questões que suscitam modos diferentes de encarar o mundo.

Flávio de Carvalho, então, será um dos vetores da próxima bienal?

Moacir - É um artista que nos interessa que esteja presente na exposição.

Agnaldo - Até mesmo porque ele nem pretendia fazer arte com esses experimentos. Essa indiferença, despreocupação, essa dimensão prospectiva do trabalho dele, de investigação, tem relação com o grupo de surrealistas ligados a Bataille. Ele é uma figura a ser recuperada.

O que há de específico no olhar de Flávio de Carvalho que os contemporâneos dele não tiveram?

Agnaldo - Justamente essa abertura. Ele vem da arquitetura, produz para o mercado, tem experiências na área muito radicais. Ao mesmo tempo, mostra interesse pelo teatro, pela pintura e o desenho. Essas experiências revelam uma inquietude, um desassossego e fizeram com que ele tenha sido muito marginalizado, visto como um fanfarrão, uma pessoa de gênio forte.

Moacir - Outro aspecto importante é que, nos anos 1930 e 1940, quando se registrou uma adesão da produção artística a um status quo, o trabalho dele é declaradamente de rompimento de convenções, de acordos, de formas de enxergar o mundo. O olhar dele parece estar interessado em como chegar ao olhar do outro.

Como Flávio de Carvalho se insere na proposta de fazer uma bienal política?

Moacir - Justamente pelo entendimento que a gente partilha do que é política, arte política, isso a partir de Jacques Rancière, política como a erupção dessas brechas, fissuras nessas formas estáveis, nos acordos em que a sociedade se ancora para funcionar. Quando Flávio e outros artistas, mesmo sem tematizar política, abrem essas brechas, essas fendas nas convenções, eles estão fazendo política, criando esse desassossego, novas possibilidades de percepção do mundo que não existiam.

Quem seriam hoje os artistas brasileiros da estatura de Flávio de Carvalho?

Agnaldo - Muita gente. Há os consolidados, como Cildo Meireles, Artur Barrio, Antonio Dias, por exemplo, artistas muito densos, consistentes.

Eles foram convidados oficialmente?

Moacir - Oficialmente não, mas estamos em conversas. Eles estão na nossa mira.

Há outros nomes definidos?

Moacir - Estamos nesse processo de negociação. Às vezes eles já têm compromissos anteriores e não podem participar com trabalho novo, que é algo que a gente gostaria.

Esse é, de fato, um problema grave, a falta de tempo para organizar uma bienal um ano antes. E quem são os curadores estrangeiros que vão integrar a equipe?

Moacir - Estamos trabalhando em colaboração com dois curadores já definidos e assim que se definir o terceiro, vamos fazer o anúncio dos três.

Qual o perfil deles, de onde são?

Moacir - São curadores de experiência internacional, que já fizeram outros eventos lá fora. Procuramos curadores com mais conhecimento sobre áreas específicas, geográficas, geopolíticas. Justamente por termos tão pouco tempo, não conseguiríamos cobrir um universo tão grande sem grandes esforços de deslocamento.

Agnaldo - Estamos também trabalhando com o grupo Capacete, do Rio, para organizar os seminários e workshops. Outra abertura interessante é na África, com a Trienal de Luanda, por meio do curador Fernando Alvim. Fomos também a Veneza para consolidar o vínculo com a mostra italiana, até porque ela está mudando, querendo que os pavilhões sejam ativos durante todo o ano, o que demanda um envolvimento dos países.

A última Documenta de Kassel propôs uma discussão sobre a herança do modernismo, resgatando a meta da Documenta de 1955, que era a de reabilitar as vanguardas modernas perseguidas pelo nazismo. A tentativa da Bienal de rediscutir o papel da política na arte segue o propósito de reabilitar as vanguardas brasileiras dos anos 1960 e 1970?

Moacir - O foco da exposição é tentativa de reler, repensar, a articulação entre arte e política nas últimas décadas no Brasil, tentando subverter um pouco esse entendimento de que a arte brasileira nos anos 1960 e 1970 foi mais política e que, a partir dos anos 1980, ela seria descompromissada. Acho que essa divisão só se justifica quando se entende arte política como a que tematiza a política, mas, como falei antes, no nosso entendimento, a arte, tematizando ou não a política, tem potencialmente essa capacidade de transformar a nossa visão de mundo.

Agnaldo - Inserções em circuitos ideológicos (título de uma obra de Cildo Meireles, 1970) é mais uma ideia, mas a preocupação pode ser alargada. Acho muito pertinente a leitura que Lorenzo Mammì faz do trabalho de Volpi, no sentido de destacar o dado artesanal na pintura brasileira que havia sido descartado na produção moderna. No concretismo, a manualidade está fora de cena. Volpi entra, então, como uma figura dissonante, justamente por resgatar uma tradição que remete a um passado proletário. Hoje temos Marcelo Silveira, que bate na discussão do artesão, e o Nuno Ramos da instalação 111 (dedicada à memória dos 111 mortos no massacre do Carandiru), um trabalho evidentemente político, o que não o torna óbvio.

No plano internacional, críticas à espetacularização das grandes mostras de arte são constantes. Você, Agnaldo, disse há dois anos que a dimensão da Bienal faz com que ela pertença à lógica do espetáculo. Há efeitos positivos nessa espetacularização? Qual, afinal, é o papel da Bienal?

Agnaldo - Acho interessante o desafio de pensar que estamos fazendo uma exposição mega num país carente, cujos museus não têm acervo. É importante que as pessoas tenham acesso a uma certa quantidade de obras que provoque nelas um impacto. Isso não seria concessão, não estamos pensando em obras fáceis. Poderíamos citar, por exemplo, a Cabeça de Medusa (escultura de 1990) do Chris Burden, trabalho de difícil empréstimo, mas fundamental.

A participação brasileira será maior ou equivalente à estrangeira?

Moacir - Não é uma questão para nós, embora se justificasse pela discrepância que há entre os circuitos, como o alemão e o brasileiro.

Agnaldo - O brasileiros aqui são vistos, os estrangeiros é que não são. A gente precisa trazer. Na Bienal estamos pensando numa expografia que tenha um caráter dinâmico, no sentido de construir espaços dentro da exposição, mas diferenciados, encomendados a artistas e arquitetos. Vamos fazer o que chamamos de estações. É uma preocupação da curadoria, construir uma narrativa. Nesse sentido, a entrada é fundamental, como o primeiro parágrafo e o título de um livro. Há espaços no prédio que por si só já são eloquentes, como o vazio da bienal, que já hospedou Anish Kapoor, Borofsky, Tunga.

Quais foram os efeitos do vazio da bienal anterior? Como a Bienal, instituição portadora de uma visão internacional de arte, de repente assumiu esse vazio?

Moacir - Minha percepção, a de quem estava fora do país, é de que, de fato, houve uma repercussão negativa, mas tenho percebido, desde que me engajei no projeto, um sentimento de que é preciso reverter isso de qualquer maneira. Houve o reconhecimento da crise, mas há uma percepção da visibilidade que a Bienal de São Paulo tem lá fora. É impressionante. Estivemos com diretores do Pompidou, da Tate, todos eles se colocando à disposição para colaborar com a Bienal.

Posted by Marília Sales at 2:17 PM

outubro 4, 2009

Denúncia sobre irregularidades no prêmio FOTOARTE 2009 por Patricia Gouvêa


Leia também:
Reverberações da matéria publicada no Canal sobre as denúncia de irregularidades no prêmio FOTOARTE
FOTOARTE altera o Termo de Cessão do 2º Prêmio

Carta aberta enviada no dia 2 de outubro de 2009 à produção do prêmio, para todos os jurados, postada no facebook e enviada para o Canal Contemporâneo.


À produção da FOTOARTE, Prêmio FOTOARTE 2009 e aos jurados,

Venho por meio desta informar que estou abdicando da Menção Honrosa recebida e que todos os materiais por mim enviados (CD com imagens am alta, biografia etc) devem ser inutilizados ou devolvidos e minhas imagens retiradas de qualquer suporte de divulgação.

Foram inúmeras as minhas tentativas, desde a última segunda-feira e as do júri para que a Sra. Karla Osório concordasse em redigir o termo de cessão de direitos de imagem, onde foram incluídas 2 cláusulas que não constavam do regulamento, cujo teor fere os direitos autorais dos fotógrafos, constituindo, portanto, ato irregular e que apenas beneficia as empresas controladas direta ou indiretamente pela ARTE 21:

4. A CESSIONÁRIA fica expressamente autorizada pelo CEDENTE a executar livremente a montagem das fotografias objeto deste contrato, podendo proceder aos cortes, às fixações e às reproduções necessárias.

6. A CESSIONÁRIA poderá ceder os direitos sobre a(s) fotografia(s) e/ou a conceder autorização de utilização a quaisquer empresas sob seu controle direto ou indireto, bem como a entidade sem fins lucrativos, especificamente à WWF Brasil, sem obrigação de efetuar qualquer pagamento ao CEDENTE.

A primeira é preocupante pois autoriza cortes na imagem, mas a segunda é ainda mais grave: por meio dela as imagens poderão ser usadas por outras empresas sob controle da ARTE 21 e outras ONGs!!!!

Todo o júri (Éder Chiodetto, presidente, Rogério Assis, Suzana Dobal, Marcelo Reis, Milton Guran e Tiago Santana) me apoiou e está pedindo que a Karla refaça os contratos e anule os antigos a partir da minha contestação, mas parece que ela, infelizmente, está optando por ignorar até mesmo o juri e passou a dizer que eu sou a única reclamante sobre o assunto, o que deixou a todos ainda mais perplexos.

Estamos num momento de mudança de paradigmas e as pessoas não podem ser irresponsáveis e precisam pensar de forma coletiva. Decidi então abdicar do prêmio, pois acredito que todos os fotógrafos tem que ter seu contrato revisto e os antigos rasurados, pois este é um problema grave que diz respeito a todos. Anteriormente a AFOTO, associação dos fotógrafos de brasília, já havia feito uma denúncia contra o prêmio, com comentários de um advogado especialista em direitos autorais: http://afotobrasilia.wordpress.com/2009/08/26/2º-premio-foto-arte-brasilia/

Este pedido foi ignorado, assim como agora um pedido coletivo e que envolve o juri do prêmio está sendo ignorado. A Sra. Karla Osório prefere manter uma atitude inflexível e colocar a questão como se fosse um ato isolado de contestação de minha parte, o que demonstrar sua falta de boa vontade com a questão, e que coloca em dúvida suas reais intenções com este prêmio. Muitas tem sido as manifestações em todo o Brasil contra esta atitude. Neste email estão copiados alguns premiados, para que tomem conhecimento da minha decisão: Macia Folleto, A.C. Júnior, Dalton Valério e Charly Techio.

A resposta ontem do presidente do júri, Eder Chiodetto, após mais um email evasivo da Carla foi contundente e simboliza a opinião do júri:

"Olá Karla,

Já foram muitos emails trocados, a posição de todo o corpo do jurado já está absolutamente clara. E nós seguimos estarrecidos com a sua posição inflexível. Nada justifica esse seu comportamento. Se todos estão apontando para uma direção porque você acha que é a única que pode ter razão? Também pedimos para advogados ler o regulamento e a cessão de direitos e o retorno é de que há um claro conflito entre ambos. Que a Cessão de Direitos pode sim prejudicar os fotógrafos que a assinarem da forma como já salientamos. Se não é isso que você quer, como você tem repetido "n" vezes nos emails, porque não alterar as duas cláusulas que desde o início estamos solicitando? Para você não mudaria nada, não é? Faça um comunicado oficial e público de que o Termo de Cessão enviado está anulado mesmo para quem já o enviou pelo correio e reenvie um outro. Mas, antes, submeta ao corpo de jurados, por favor. Porque eu não tenho autoridade para decidir sozinho qualquer coisa com você. É o nome e a reputação de todos do júri que está em jogo. Essa história já está extrapolando e ganhando uma repercussão sem controle.

Eder Chiodetto"


Para encerrar, gostaria de deixar uma frase do Carlos Carvalho, que serve para nossa reflexão: "Prêmio é para premiar e não para chantagear."

Atenciosamente,


Patricia Gouvêa

Posted by Patricia Canetti at 2:20 PM | Comentários (4)