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Como atiçar a brasa

 


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agosto 31, 2009

Alegria de viver por Paula Alzugaray, Istoé

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 2 de setembro de 2009.

A primeira retrospectiva no Brasil do pintor Henri Matisse comprova que ele fez de sua arte uma celebração da luz, da cor e da vida

Libertário

Incansável inventor de técnicas e modos de pintar, Matisse (1869-1954) marcou o século XX com escândalos e paixões

Quem vê Henri Matisse retratado por Henri Cartier-Bresson, Man Ray e outros grandes fotógrafos, não diz que ele foi o pintor da luz, dos contrastes e da paleta de cores fortes, que escandalizaram os salões do começo do século passado. O semblante grave não exprime o real talento deste que está entre os maiores pintores do século XX: a expressividade

Em sua primeira exposição retrospectiva no Brasil, "Matisse Hoje", concebida especialmente para a Pinacoteca do Estado de São Paulo e para o Ano da França no Brasil, o público brasileiro conhecerá os caminhos que o levaram a ser conhecido como o pintor da alegria de viver. A trajetória delineada nesta exposição começa em uma sala de paisagens, entre as quais se encontra a tela "Côte Sauvage, Belle-Île-en-Mer" (1896). A tela é importante porque foi pintada durante uma viagem que Matisse, ainda estudante da Escola de Belas Artes de Paris, fez à costa da Bretanha, onde descobriu a luminosidade das cores primárias.

"Voltei para Paris livre da influência do Louvre", escreveria ele, comemorando a superação da paleta de cores dos mestres antigos. O espírito da "costa selvagem" da Bretanha se desdobraria em pinturas sucessivamente rejeitadas em salões de arte. O tratamento indiferenciado entre fundo e figura e a deformação das anatomias em manchas de cores chapadas - atitudes nunca antes vistas na história da arte - levaram-no a uma pintura considerada turbulenta e lhe renderiam o titulo de "fauve" (fera) pelo critico de arte Louis Vauxcelles.

Infelizmente, a mostra "Matisse Hoje" não contempla o período do fauvismo. "Não vejo agressividade no fauvismo, vejo sim uma liberdade que realmente influenciou toda a produção posterior", diz Emilie Ovaere, curadora adjunta do Museé Matisse, em Le Cateau-Cambrésis, na França. Agressivas ou não, é certo que as primeiras obras tiveram uma recepção hostil que, aos poucos, se dissipou.

Passados os anos "fauves", o que era turbulência virou alegria e a obra de Matisse passou a ser associada a um elogio à beleza, ao deleite visual, à aparência. O próprio artista escreveria que "expressão e decoração são uma só coisa". Não raro, foi criticado por nunca ter se referido às tragédias do século.

A explosão do elemento sensual e decorativo - ao qual seria sempre fiel - aconteceria ao mudar-se para Nice, nos anos 20, e dedicar-se a pintar o Mediterrâneo, suas mulheres, sua cultura visual: ele pintou uma horda de odaliscas, representadas na mostra por exemplar único, "Odalisque à la Culotte Rouge" (1921).

"Nas odaliscas, ele peca pelo excesso na utilização do elemento decorativo", opina a curadora Emilie, que, interessada na influência do pintor nas novas gerações, agregou trabalhos de cinco artistas contemporâneos franceses à exposição com 80 obras de Matisse. "Em diálogo com as suas odaliscas, há qualquer coisa de exagerado na obra de Phillipe Richard, beirando o mau gosto", diz a curadora.

De qualidade irregular, os trabalhos contemporâneos estão instalados frente a frente com Matisse, em uma atitude curatorial bastante ousada. "Reconheço que colocá-lo diante da arte contemporânea é pouco ortodoxo. Mas Matisse já foi exaustivamente exibido de maneira clássica. Acho que o público está pronto para isso." Ousado mesmo é Emilie considerar que o público brasileiro, em seu primeiro contato com a obra do mestre francês, poderá assimilar a inovação. Isso sim é que é "fauve".


Saiba Mais

Tema e variações

Há dois livros no mercado editorial que iluminam as idéias de Matisse. Em "Imaginação/ Erotismo/ Visão Decorativa" (CosacNaify), lançado na abertura da mostra na Pinacoteca, o mestre francês é cercado por 11 autores brasileiros e internacionais, que discutem diversos aspectos de sua obra.Organizada pela critica Sônia Salzstein, a coletânea de ensaios alinha passado e presente, em textos contemporâneos e clássicos. Entre os colaboradores brasileiros, figuram o pintor Paulo Pasta e a artista Iole de Freitas, que discorre sobre os vitrais de Matisse na capela de Vence, em Nice.O conceituado crítico americano T.J. Clark examina longamente a tela fauvista "A Mulher com Chapéu" (1905). Entre os textos "históricos", escritos no calor da hora em que Matisse criava, há preciosidades do escritor Louis Aragon e análises de Alfred Barr, ex-curador do MoMA. Organizado pelo critico francês Dominique Fourcade, "Escritos e Reflexões sobre Arte" (CosacNaify) foi lançado no Brasil em 2007 e traz os escritos em que Matisse expôs com clareza as ideias que orientaram sua obra. Estão reunidas no livro as célebres "Notas de um Pintor", de 1908, além de entrevistas, transcrições de aulas, depoimentos e cartas. Um repertório que percorre os 85 anos da vida de Matisse.

Colaborou Fernanda Assef

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 4:04 PM

No país das maravilhas por Paula Alzugaray, Istoé

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 26 de agosto de 2009.

Curiosidades e fantasias sobre o corpo humano aproximam as poéticas de Fernanda Chieco e de Laura Lima ao espírito surrealista

Visitar as exposições individuais de Fernanda Chieco e de Laura Lima é como penetrar em dois gabinetes de curiosidades sobre o corpo humano. Em "Os Catamoscas", a paulista Fernanda Chieco desfia sua dupla verve de enciclopedista e ficcionista ao criar uma série de desenhos que representam indivíduos cujas línguas se prolongam para o infinito.

"Foram apelidados catamoscas por apresentarem características semelhantes a suportes para fitas pega-moscas, quando agrupados em duplas", escreve a artista em um texto que integra a exposição na Galeria Leme, em São Paulo. Em cada um dos desenhos, ela desenvolve uma nova situação coletiva envolvendo o uso das línguas. Projetadas de corpos humanos nus, as línguas criam teias, campos magnéticos e outros vínculos.

A "ficção" de Fernanda parte de informações científicas "reais": "Existem estudos que apontam a língua como o músculo mais forte e flexível do corpo humano. É um órgão que se regenera muito rapidamente. Quando morremos, naturalmente recolhemos a língua. E numa morte súbita essa língua se desconecta do corpo. Enfim, dá para se criar muita coisa em cima dessas informações reais", diz. No gabinete de curiosidades de Laura Lima, na Galeria Laura Alvim, no Rio de Janeiro, quatro salas expõem objetos e imagens que parecem saídos de um mundo à parte, digno de Lewis Carrol, Magritte ou do grupo surrealista de André Breton.

Oito homens e mulheres colaboram na exposição, oferecendo mãos e braços que atravessam as paredes, segurando objetos. Em uma das salas, fotomontagens apresentam imagens de monólitos em levitação, pinturas voadoras e esculturas de fumaça. Na sala anexa, uma incrível coleção de esculturas em forma de cachimbos, cigarros e charutos.

A exposição é arrematada pela instalação "Fumoir", autêntico fumódromo, em que o visitante é convidado a fumar cigarrilhas enroladas por braços que saem da parede. "Além da fumaça produzir um estado inebriante, estão sendo discutidas também as noções de escultura e de concretude. Como a fumaça, a arte tem momentos de concretude e de dissipação", diz Laura, que concebeu a mostra "Nuvem" antes de o cigarro ter sido banido do convívio social pela lei antifumo que entrou em vigor em São Paulo e depois foi aprovada no Rio de Janeiro e em Minas Gerais.

"Há muito tempo não se pode fumar no interior de uma galeria. Com a exposição, faço uma citação aos estados de comportamento que não são totalitários", diz. Dentro da obra de Laura, é impossível esquecer a célebre pintura "Ceci n'est pas une pipe" (1929), de Renné Magritte, e todo seu efeito de implosão sobre os padrões de comportamento e de representação artística do mundo.

Mas, muito além de Magritte, ambas as exposições guardam forte relação com os traços literários, oníricos, subversivos e sexuais do surrealismo. Diria-se que ambas são estimuladas por um impulso surrealista que se dissipa tão rapidamente quanto nasce.

Roteiros

Tamanho não é documento OBRA MENOR/ Ateliê 397, SP/até 1º/9

Como o título anuncia, a ideia dessa exposição coletiva é reunir "obras-miniaturas", ou seja, em formatos pequenos, mas também obras em suportes e linguagens pouco experimentados por seus autores. Albano Afonso, que tradicionalmente trabalha com fotografia e instalações luminosas, investiga aqui um suporte pouco explorado anteriormente: o vídeo. Na coletiva "Obra Menor", ele apresenta uma videoinstalação com diversos canais comunicantes. Já Paulo Almeida ocupa o espaço com um trabalho quase imperceptível. São pinturas instaladas nos cantos superiores da sala e que simulam espelhos. Espalhados pelo Ateliê 397, as obras dialogam entre si, mas também com os diferentes cômodos da casa. Lucas Arruda, por exemplo, ocupa a cozinha com pinturas. A coletiva serve aos objetivos do Ateliê 397, que são favorecer a experimentação e permitir a troca entre artistas consagrados e aqueles que ainda não frequentam o circuito das galerias. Ao lado de obras de veteranos como Sérgio Sister (foto) aparecem jovens recém-formadas como Patricia Brandstatter e Paula Coelho. "Essa convivência faz o Ateliê virar um ponto em que o artista se sente super à vontade para discutir o próprio trabalho. Ele pode experimentar e até testar um trabalho para depois desenvolver a ideia e levá-la para uma galeria com mais segurança", explica a artista Sílvia Jábali, uma das idealizadoras do espaço.

Fernanda Assef

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 3:22 PM

Mostra "Sinais de Fumaça" aborda circulação de objetos do cotidiano, Folha de S. Paulo

Matéria originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 31 de agosto de 2009.

Exposição no Centro Cultural São Paulo usa itens como cópias xerox e postais

Cartões telefônicos prontos para o uso, mas desprovidos de inscrições publicitárias. Papéis de embrulho que podem ser levados para casa. Cópias xerox e cartas de baralho.
Objetos artísticos pouco usuais como esses são a marca de "Sinais de Fumaça", exposição coletiva que ocupa o Centro Cultural São Paulo.

Parte da programação do Ano da França no Brasil, "Sinais..." investe na arte precária e de duração efêmera.

Cerca de 200 peças pertencem ao Cnae (Centro Nacional da Estampa e da Arte Impressa), instituição francesa que abriga livros de artistas, cartazes, folhetos e uma infinidade de peças feitas em suportes que, em geral, não são idealizados para objetos artísticos (como cartões postais, cópias xerox e cartas de baralho).

"Tentamos fazer uma colagem, unindo os objetos vindos da França e as obras desse gênero que fazem parte dos nossos acervos", explica Fernanda Albuquerque, 31, uma das curadoras da mostra, que conta com 50 trabalhos do CCSP.

Jovens artistas também fizeram peças especialmente para "Sinais...", como o paulistano radicado no Rio Cadu, 31, que espalhou cartões telefônicos prontos para o uso e sem logotipos pelo espaço expositivo.
"É um ação pequena, que tem a ver com a circulação pretendida na exposição", conta ele, participante da próxima Bienal do Mercosul, que começa em outubro, em Porto Alegre.

Outros deslocamentos são pretendidos por artistas, como a paulistana Ana Luiza Dias Batista, que fez com papel de embrulho uma grande bobina ilustrada. Pedaços podem ser recortados e levados pelo público.

Artistas veteranos, como Alex Flemming, Amelia Toledo e Hudinilson Jr., também têm obras na mostra.
(Mario Gioia)


Posted by Ana Elisa Carramaschi at 2:46 PM

agosto 27, 2009

A arte feita de forma minimalista por Camila Molina, Estadão

Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 do jornal Estadão, em 27 de agosto de 2009.

O americano Allan McCollum faz sua primeira mostra individual no Brasil

Na ?Bienal do Vazio?, a 28ª mostra de São Paulo, no ano passado, a obra do americano Allan McCollum era uma das poucas que a crítica Aracy Amaral classificou como "trabalho para um espaço de Bienal". No terceiro piso do pavilhão no Ibirapuera, a instalação Drawings, da década de 1980, apresentava mais de mil desenhos emoldurados e dispostos enfileirados sobre mesas, todos trazendo formas em preto que, à primeira vista, pareciam quase todas iguais, mas, na verdade, era cada uma única, incitando no observador a capacidade de reconhecer a sutileza das diferenças. McCollum, que decidiu ser artista em 1967, "na época do minimalismo", recusa, como diz ao Estado, a alcunha de conceitual, apesar de ser identificado assim por sempre criar no terreno do questionamento da arte. Ver Drawings na 28ª Bienal foi o primeiro contato que o público brasileiro pôde ter com sua obra, mas agora, na Luciana Brito Galeria, ele abre hoje sua primeira mostra individual no Brasil, com seleção de trabalhos criados entre as décadas de 1980 e 2008. A curadoria é de Jacopo Crivelli Visconti.

Nascido em 1944 em Los Angeles, mas vivendo e trabalhando em Nova York, Allan McCollum vale-se de um repertório de formas mínimas acumuladas e do uso do branco e preto - sua raiz minimalista, "democrática", como afirma - ao criar espécies de sistemas magnânimos (feitos por lotes) e simples ao mesmo tempo: The Shapes Project (O Projeto das Formas), iniciado em 2005, é uma coleção de cerca de 3 mil pequenas formas diferentes recortadas em madeira - mais uma vez dispostas sobre mesas. Essa obra faz parte da exposição, mas recebe o visitante, na galeria, o trabalho Surrogate Paintings (Substitutos de Pinturas), uma fileira de 70 quadros que parecem todos iguais, como se fossem apenas retângulos negros pintados na tela - mas eles são, novamente, cada um único. Sempre acumulação e seriação (também comentário sobre a lógica da produção industrial em massa) se veem nos trabalhos de McCollum: quantos questionamentos e sensações isso nos dá?

A mais básica questão que move o artista a criar uma "linguagem visual" por meio da simplicidade, que inclui a pintura, a escultura e o desenho, é, segundo ele mesmo: "Por que o trabalho de arte precisar ser raro?" "Quero questionar a lógica disso, incluindo o museu e o colecionador", diz, reforçando que lida assim com a tradição também. Com The Shape Project, com Drawings ou mesmo com Surrogate Paintings, por exemplo, claramente o artista americano trata do campo do individual e do coletivo, de forma tão direta. McCollum também afirma que foi influenciado pelo teatro no início de sua carreira, em especial pela obra de Brecht, que não excluía, segundo o artista, os elementos que indicavam que a peça era, sim, encenação: "Não escondia a iluminação, a música..."

Já as sensações, o senso emocional de ver toda essa acumulação e seriação podem ser diversas. Para o artista ele vê algo "solitário e muito alienado da tradição" - passamos por todos os trabalhos e percebemos que seus sistemas são sempre parecidos, mas com um ponto ou outro muito sutil de questionamento nos seus interstícios. Há até algo de "parte da beleza moderna", ele afirma, citando que podemos ir a um supermercado e perceber a quantidade de pessoas envolvidas em cada um dos produtos que nele estão, nas coisas mais banais.

Posted by Marília Sales at 3:26 PM

Fotógrafo "poluirá" paisagem de SP por Mariana Barros, Folha de S. Paulo

Matéria de Mariana Barros originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 27 de agosto de 2009.

O francês Christian Caujolle será curador do Cidade Galeria, que vai ocupar espaços da cidade como paredes e muros

Previsto para janeiro, será o primeiro grande projeto visual ao ar livre permitido depois da implementação da lei Cidade Limpa

O fotógrafo francês Christian Caujolle olha atentamente a cidade que se desenrola sob seus pés, fixados no topo e resistindo ao vento que varre a cobertura do edifício Martinelli, no centro de São Paulo, local emblemático por já ter sido o mais alto arranha-céu da América Latina. "Meu desafio é preencher paredes", diz, mirando os espaços deixados em branco pela lei Cidade Limpa.

Ex-editor do jornal "Libération", fundador da agência Vu (que inovou agenciando fotógrafos em vez de fotos) e curador de exposições como a de 50 anos da World Press Photo, ele esteve em São Paulo na semana passada revisitando a paisagem que conheceu no início do ano e que tem a missão de metamorfosear até o início de 2010.

Caujolle será curador do Cidade Galeria, o primeiro projeto visual ao ar livre desde que a prefeitura baniu os outdoors, em 2007, a obter autorização da Emurb (Empresa Municipal de Urbanização) para espalhar painéis de até 150 m2 por paredes, muros e chão da capital.

Previsto para janeiro, época do aniversário de São Paulo, o evento, organizado pela agência de produção cultural Brazimage, terá como cocuradores os fotógrafos Eduardo Brandão, da Galeria Vermelho, e Iatã Cannabrava, do Fórum Latino-Americano de Fotografia de São Paulo. Contará ainda com a direção de arte do designer sul-coreano Ji Lee, conhecido por intervenções em cartazes publicitários de Nova York. O custo do projeto é estimado em R$ 2,5 milhões, captados por leis federais de incentivo, como a Rouanet, e patrocinadores.

O Cidade Galeria estampará no perímetro entre a igreja da Consolação e a estação da Luz a produção de fotógrafos brasileiros e estrangeiros. Haverá ainda exibições multimídia.

Um simpósio sobre arte e cidade deve dar uma dimensão mais filosófica ao evento -reflexo da formação de Caujolle, que estudou com alguns dos mais influentes intelectuais do século 20, como o semiólogo Roland Barthes (1915-1980), o sociólogo Pierre Bourdieu (1930-2002) e o filósofo Michel Foucault (1926-1984).

Político
"É político. Não queremos incitar consumo, não estamos vendendo nada nem anunciando ninguém. Não consigo imaginar onde mais eu poderia fazer algo assim", diz Caujolle, que aceitou o convite atraído por se tratar de uma cidade sem propaganda. "Os países que conheci nestas condições [sem outdoors] eram comunistas, como Tchecoslováquia e Polônia. Havia um sentimento de tristeza que não senti aqui."

Para Regina Monteiro, diretora da Emurb e mentora da lei Cidade Limpa, o que se discute é como será o visual urbano daqui em diante. "O poder público começa a regrar uma coisa nova. Como quebrar isso, de que o que vale é quem dá mais? O que vale é quem fará o quê", diz.

As paredes esvaziadas também desafiam o designer Ji Lee, acostumado a ações que questionam a publicidade. Nascido na Coreia do Sul, criado no Brasil e há 20 anos nos EUA, ele chegou a ser preso por colar balões em branco em cartazes de propaganda. Em outra ação, aplicou um pano preto com frestas sobre painéis luminosos, transformando mensagens publicitárias em arte abstrata.

"Me senti agredido como cidadão ao andar nas ruas de Nova York e ver tantas mensagens que não me interessavam", diz, para em seguida contrapor o momento paulistano. "O mundo inteiro está olhando para São Paulo, por causa do Cidade Limpa. Será muito interessante ver como o público vai reagir ao Cidade Galeria."

Posted by Marília Sales at 3:00 PM

Doug Aitken capta os sons da terra em Inhotim por Silas Martí, Folha S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 26 de agosto de 2009.

Norte-americano premiado na Bienal de Veneza faz sua primeira obra no Brasil, que será inaugurada no fim de setembro no museu Inhotim

Artista cava buraco de 200 m e põe microfones para transmitir ruídos terrestres

Uma fratura exposta na terra abriu outra fenda em Doug Aitken. Quando o artista viu a mina aberta do outro lado da montanha em Brumadinho, decidiu que nenhuma imagem expressaria a mesma sensação, a não ser a própria paisagem de terra vermelha, mata verde e montanhas azul profundo.

Em Inhotim, Aitken desistiu de fabricar imagens e buscou só a trilha sonora para o "efeito alucinógeno" de toda a terra.

Cavou um buraco de 200 metros no alto de uma montanha e instalou oito microfones ao longo do trajeto. O som, do gotejar de lençóis freáticos ao estrepitar de rochas desconhecidas, reverbera numa construção de vidro em volta do rasgo.

Esse pavilhão, primeira obra do americano no país, será aberto em setembro, com mais oito trabalhos no museu mineiro de arte contemporânea.

Aitken já mostrou o sono de algumas celebridades na fachada do Museu de Arte Moderna de Nova York. Eram curtas projetados no prédio em Manhattan: Cat Power e Seu Jorge percorriam sonâmbulos cenários escancarados à metrópole.

Anônimos também deram vida a paragens elétricas e desertos e minas surgem auscultados, fundidos, refeitos nas investigações visuais de Aitken.

Agora é só o som e a paisagem que já existe. "Aqui é menos ficção e mais a qualidade física, tátil da paisagem", descreve Aitken. "É imaterial, esse volume deslocado de terra se transforma em volume literal de som."

O pavilhão em círculo de Inhotim dá vista panorâmica aos vales e montanhas que se alastram infinitos lá fora. Mas surgem nítidos só quando encarados de frente, já que um filtro nos vidros torna difusa a imagem quando vista a partir de qualquer outro ângulo.

"Queria focar a percepção do espectador, não de um jeito dominante, mas oferecer uma vista de cada vez", diz o artista. "Isso dá forma arquitetônica ao som: o buraco no meio cria perspectiva, um vórtice ótico."

Percepção expandida
É o ponto central que concentra o olhar num vazio cheio de som. "Isso leva a outro lugar", resume Aitken. "É uma janela para um mundo perceptivo, não de ícones, mitologias, mas uma janela para uma forma de percepção expandida."

Não foge do que os renascentistas propunham pintando janelas nos afrescos: abrir fendas para outros mundos, religiosos, imaginários, alegóricos. Mas ao contrário de Michelangelo, Aitken nunca termina sua obra.

Captados ao vivo, os roncos subterrâneos chegam à superfície sem partitura. Não seguem roteiro prévio, nem têm hora para se repetir. Aitken só tem certeza da gama de frequências capaz de atingir o ouvido humano, sabe que notas agudas demais ficam de fora desse canto terrestre.

Na transmissão direta, que amortece sobressaltos com a âncora dos graves, também ficam de fora os contornos. Aitken abre mão do acabamento, deixa em aberto a duração -uma sinfonia rochosa eterna enquanto durar o museu.

"São notas imprevisíveis", diz o artista. "Penso na possibilidade de o som não se limitar à duração da música do disco, de não ser música, ser só o som descontrolado, ao vivo."

Numa ópera coletiva, na Basileia, Aitken encenou uma revolta de lanterninhas e seguranças. Incitaram a plateia com gritos, numa espécie de leilão fictício, e um blecaute programado, mas a euforia tinha hora para acabar. "Era só som, não tinha nada à venda, mas era como se acelerasse o rap mais rápido de todos", lembra. "Era um som de dimensões físicas."

Em Brumadinho, Aitken dissolveu as barreiras do espetáculo e encontrou as medidas de sua obra aberta. Está na silhueta negra das montanhas, no azul escuro do céu e nos ruídos soturnos da terra. "É atraente a ideia do trabalho que não termina nunca, que não entra em loop", diz. "Essa ideia do artista no estúdio, finalizando seu trabalho, é talvez algo do passado."

Posted by Marília Sales at 2:26 PM | Comentários (1)

Arte interior por Silas Martí, Folha S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 26 de agosto de 2009.

Brumadinho, no interior mineiro, sente falta do congado e vive à sombra das megainstalações contemporâneas de Inhotim

Acendem as luzes no coreto. Sexta-feira, praça da rodoviária em Brumadinho. O sanfoneiro se apronta para tocar. "Olha a minha paixão", diz Iracema Silva, sentada num banquinho. "Se ele não tocar direito, vou xingar ele." E adianta à amiga ao lado que hoje fica até tarde.

Mesmo tendo "operado as vistas", Iracema, 74, é tirada para dançar seis vezes. Quando começam os versos "pega a moreninha e põe um xote aí", já está enroscada com um senhor trajando chapéu de vaqueiro.

Nada de arte contemporânea no forró da praça. Brumadinho, a 60 km de Belo Horizonte, é onde fica o Instituto Inhotim, campo verdejante com um dos maiores acervos de arte contemporânea no país e um dos maiores conjuntos de arte ao ar livre no mundo -investimento do empresário Bernardo Paz que beira os R$ 400 milhões.

No mês que vem, vai triplicar de tamanho, quando inaugurar outros nove pavilhões de artistas badalados na cena contemporânea internacional, do norte-americano Doug Aitken à canadense Janet Cardiff.
Mas desde que as obras de arte tomaram conta do terreno e expulsaram os bailes de congado da antiga fazenda Inhotim, Iracema não voltou a pôr os pés ali. "A gente não gosta disso de arte contemporânea, não", diz ela. "Eu sou da bagunça."

Perto do coreto, e de olho nos passos de Iracema, a costureira Laurinda Almeida diz que conhece Inhotim. "Lá é lindo, gosto da paisagem, da beleza", conta. "Mas tem que ter coisa mais moderna, não só bizarra."
Bizarras, na opinião de dona Laurinda, são a sala cheia de cacos de vidro, instalação de Cildo Meireles, e a sala de arame, da colombiana Doris Salcedo. "Gosto mais da natureza, de ficar olhando os micos lá, porque aqui até agora a gente nem sabia o que era um museu."

Outros nem sabem ainda. Na sorveteria Eliane, onde as garotas dão uma pausa no forró para retocar a maquiagem no espelho da geladeira, estética tem outro significado. É blush, rímel e batom vermelho entre flocos e milho verde. "A diversão aqui é sentar na praça, não tem nada aqui não", dispara a estudante Lucineide Lima.

Dentro de Inhotim, brumadinenses forrozeiros viraram estátua na instalação dos artistas James Ahearn e Rigoberto Torres. Moldadas a partir de pessoas reais, são figuras da cidade congeladas numa dança petrificada, colada à parede.

Lá está Lucineia de Assis, a grávida, filha de seu Goiaba. Ele, a mulher e os filhos viveram na fazenda Inhotim, antes da chegada do empresário Bernardo Paz, que fez o pasto virar museu há quatro anos.
Agora a casa onde nasceu José de Assis Pinto, o Goiaba, vai virar uma instalação da artista Rivane Neuenschwander. Outra casa, onde Goiaba se casou, foi demolida para dar lugar ao pavilhão de Cildo Meireles.

"Ele pagou bem, não tem ninguém desamparado, na rua", conta Goiaba. "Mas na minha vida, mudou tudo. Hoje está lá minha família toda."

Graça, a mulher de Goiaba, cozinhava para Bernardo Paz e hoje prepara mudas de orquídeas e bromélias na estufa de Inhotim. A filha Lucineia trabalha na biblioteca, a nora, na assistência social, o genro, no transporte. "Tenho até sobrinho lá dentro", conta ele.

De fato, Inhotim é o maior empregador direto do povoado. Tanto que os brumadinenses que vão ao museu estão lá a trabalho: jardineiros, garçons, motoristas, monitores. "As pessoas daqui têm uma mente bitolada", diz a monitora Débora Cristina. "Acham que aqui é lugar de gente da elite, brumadinense só vem aqui em dia de aniversário de funcionário."

Cada vez que um deles fica um ano mais velho, ganha cinco ingressos -cada um custa R$ 15- para distribuir entre amigos e parentes. Uma pesquisa encomendada pelo museu ao Vox Populi mostra, aliás, que a maioria dos 31 mil brumadinenses nunca foi a Inhotim, mas conhece de nome o lugar.

Do lado de fora, costumam ver grandes instalações ir e voltar pelas estradas que cortam Brumadinho. O fundidor de ferro Carlos Teixeira acha "um encanto, chique demais" os Fuscas coloridos do artista Jarbas Lopes. "Me falaram que aquilo era uma obra de arte", conta. "Vou pintar o meu."

Posted by Marília Sales at 1:20 PM

agosto 25, 2009

Obra histórica de Flavio de Carvalho está à venda em SP por Fabio Cypriano, Folha de S.Paulo

Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 25 de agosto de 2009.

O traje "New Look de Verão", uma das mais importantes peças da arte brasileira do século 20, usado por Flavio de Carvalho em sua "Experiência nº 3", em 1956, está à venda, a partir de hoje.

É o carro-chefe da mostra "Sob um Céu Tropical", na galeria James Lisboa Escritório de Arte.

Carvalho (1899-1973) é não só um dos artistas mais experimentais no Brasil, como um dos precursores do happening e da performance na história da arte. Em 1931, ao caminhar de chapéu em sentido contrário ao de uma procissão de Corpus Christi, ele quase foi linchado. A polêmica foi registrada pelo próprio artista no livro "Experiência nº 2".

Contudo, Carvalho ainda é subavaliado pelo mercado de arte, tanto que o marchand James Lisboa estima que o "New Look" seja vendido por R$ 500 mil cada um, enquanto a tela "Mulata com Ramalhete de Flores" (1936), de Di Cavalcanti, na mesma exposição, está estimada em R$ 2 milhões. Cavalcanti (1897-1976) produziu mais de 25 mil trabalhos em vida, e a obra na mostra está longe de ter a importância histórica do "New Look". Os dois trajes na exposição pertenciam a sobrinhos do artista.

"Ele é o primeiro artista que trabalhou moda e arte", diz o pesquisador Flavio Roberto Lotufo, cujo tema de mestrado foi a "Experiência nº 3". Segundo Lotufo, em 18/10/1956, Carvalho andou pela cidade com dois conjuntos de saia e blusa: um de cor vermelha (que pertenceria à Faap, segundo o pesquisador) e o outro, que está na mostra.

A terceira blusa foi usada em outras ocasiões. De acordo com Lotufo, ele usou o conjunto várias vezes.

As saias se perderam -na mostra há uma que serve como modelo da original. A Faap não confirmou para a Folha se possui um traje original.

Carvalho passará a ter destaque internacional no ano que vem, quando Lisette Lagnado organiza uma mostra, no museu Reina Sofía, em Madri, tendo o artista como figura central. "A apresentação das roupas está menos voltada para suas características, mas para a faceta de arquiteto e urbanista que foi o Flavio. Para ele, a cidade do século 20 passava necessariamente por uma mudança de comportamentos, livre de tabus", afirma a curadora.

Veja as informações sobre a mostra Sob um céu tropical na Agenda de Eventos.

Posted by Marília Sales at 3:07 PM | Comentários (1)

Tinta fresca por Mario Gioia e Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Mario Gioia e Silas Martí, originalmente publicada no Caderno Mais no Jornal Folha de S. Paulo, em 23 de agosto de 2009.

Renovadores da pintura no país, artistas da geração dos anos 1980 e da década atual falam de suas influências e do papel de destaque que a linguagem ganhou na produção artística brasileira

Nos anos 80, jovens na faixa dos 20 anos ficaram na linha de frente da arte brasileira e tornaram famosa essa década como a da retomada da pintura. Nos anos 2000, um coletivo de jovens na faixa dos 20 anos foi, pouco a pouco, conquistando o mercado, a crítica e o circuito das instituições.

Hoje, nomes da geração 80 e da geração 00 partilham desse bom momento da pintura, que tem provocado reações positivas no meio artístico brasileiro. A Folha reuniu para um debate sobre a pintura destacados representantes dos anos 80 -Fábio Miguez, 47, Paulo Pasta, 50, Paulo Monteiro, 48, e Sérgio Sister, 61- e artistas emergentes da novíssima geração, participantes do coletivo 2000 e Oito -Bruno Dunley, 25, Marina Rheingantz, 25, e Rodrigo Bivar, 27.

No encontro, surgiram influências comuns -Matisse, Albers, De Kooning-, mas os novos artistas já se beneficiam de um mercado mais estável e da própria ascensão do trabalho dos oitentistas. "A pintura chama uma coisa para si que é falsa, a de ser mais afeita ao mercado e mais fácil de ser vendida. Isso é uma bobagem", opina Pasta, com a concordância de seus colegas. "Eu sou um experimental, sim."

Pasta, que reivindica maior atenção da historiografia para sua geração, é um dos artistas cuja obra será catalogada pela produtora Mó Cultural, que planeja colocar até o fim do ano no ar um site com sua obra e as de Miguez, Monteiro, Rodrigo Andrade e Ester Grinspum. A seguir, trechos do debate.


Folha - Há semelhanças entre essas duas gerações de pintura. Para parte da crítica, a geração 80 é uma reação ao experimentalismo dos anos 70. Nos anos 2000, a arte conceitual predomina em boa parte do sistema institucional, e aí surge o coletivo 2000 e Oito. Como veem esses dois momentos?

Paulo Pasta - Eu, por exemplo, pude dar aulas de pintura para o Bruno Dunley. Eu não tive isso. Quando comecei, nos anos 80, já estava muito ligado à pintura. Acho que ela foi favorecida e fez ressurgir a arte brasileira, dentro daquele lugar estagnado no qual estava, com o conceitualismo e a ditadura. Durante um certo tempo, nos anos 70, a arte no Brasil virou sinônimo de luta política.

Os anos 80 tiveram essa "desopressão", essa vontade de a arte não nascer mais do confronto político e de poder nascer de outras fontes. Só que a escola onde eu estudei [ECA-USP] estava identificada com outro tipo de arte. Eu queria pintar, mas era obrigado a não o fazer.

Aí vem essa história do experimentalismo dos anos 70... Fico me perguntando: o que é experimentalismo? Eu acho que faço experimentalismo quando mudo a minha escala, quando mudo meus temas, quando faço experiência com tons -eu sou um experimental.

A gente tem de mudar esse enfoque do experimentalismo, senão vai chegar àquela história de um progresso interno da arte, a uma espécie de teleologia. O destino da pintura vai ser a evasão dela? O destino é a tecnologia? Havia essa certa ideologia, sim, nos anos 70, uma crença ingênua. Essa coisa se perdeu, graças a Deus.

Paulo Monteiro - Primeiro teve a ditadura, que era barra-pesada. Não vinha nada para cá também, as bienais estavam empobrecidas. Embora a volta da pintura nos anos 80 tenha sido um lance de mercado, outras coisas centrais do Primeiro Mundo na história da arte também foram lances do mercado.

A volta da pintura foi importante. Viu-se que um objeto duchampiano deslocado de um lugar para o outro pode ser muito mais reacionário do que uma pintura.

Fábio Miguez - Eu reivindico um estatuto experimental para meu trabalho. Não repito uma exposição. É como se o experimental estivesse em vídeo ou em outras áreas. Você pega essas últimas Bienais, por exemplo. Numa das mais recentes, com curadoria da Lisette [Lagnado, em 2006], 90% das instalações tinham vídeo. Isso é uma "academia".

Nessa última [no ano passado, com curadoria de Ivo Mesquita], nem tinha pintura. Se você tem uma Bienal inteira onde todo mundo faz vídeo, isso é uma coisa escolar.

Bruno Dunley - Acho que com o 2000 e Oito é um pouco diferente. Minha formação já veio com essa arte dos anos 60, 70. Vejo um momento bom para as coisas conviverem.

Rodrigo Bivar - Quando eu tive aula, tive com pintor, tive aula com fotógrafo. Eu podia escolher, não tinha que responder a nada. A gente poderia ter escolhido o vídeo, a fotografia.

Folha - As duas gerações se consolidaram por meio de grupos. Nos anos 80, o Casa7; recentemente, o coletivo 2000 e Oito. Foi mais fácil se afirmar por meio deles?

Miguez - O grupo foi fundamental. Foi uma forma de a gente suprir a falta de escola, algo institucional, porque ninguém fez faculdade de artes lá no Casa7 [formado em 1982 por Miguez, Monteiro, Nuno Ramos, Rodrigo Andrade e Carlito Carvalhosa].

Monteiro - Houve uma reação muito contrária ao Casa7 de cara. Lembro de críticas nos jornais, as pessoas falavam que era fogo de palha, outros falavam que era "centro de dezenovistas", os "novos dezenovistas". Depois, houve mais troca.

Bivar - Acho que nosso caso é diferente do Casa7. Lá, de fato, eles dividiam o ateliê, tinham trabalhos similares. No 2000 e Oito [além de Bivar, Dunley e Rheingantz, integram o coletivo Ana Elisa Egreja, Marcos Brias, Regina Parra, Renata de Bonis e Rodolpho Parigi], a gente se juntou para fazer uma exposição. De certa forma, foi muito mais um fenômeno de mídia do que de crítica.

Marina Rheingantz - Ninguém nem conhecia nosso trabalho.

Pasta- Eu e o Sérgio Sister podemos dar um depoimento diferente, porque não éramos do Casa7. Nasci no interior, vim para São Paulo fazer escola de arte e queria pintar. O pessoal com quem eu mais me identificava era com o Casa7.

Sérgio Sister - Tive uma trajetória completamente autista até 1986. Expus lá na galeria Paulo Figueiredo, já conhecia algumas pessoas em 1983, depois em 1986, mas acho que a coisa mais importante foi quando a gente se juntou em 1987, 88, aí virou um grupo. Eram Casa7, Paulo Pasta, Laura Vinci, Célia Euvaldo, Marco Giannotti. Era legal porque tinha uma conversa de arte.

Folha - E quais são as suas influências ao pintar?

Miguez - Matisse foi uma das razões que me fizeram começar a pintar, sua obra me instigou a pintar. Uma das primeiras coisas que me levaram para a pintura foi ver Giotto. Ele não está tão distante de Matisse, Cézanne ou Morandi ou das coisas mais recentes, não é?

Pasta - Acho que o pintor de que mais gosto, o maior para mim, é o Matisse. Se a gente tem a ideia do Picasso como genial, o grande inventor, o grande revolucionário da forma, a gente não pode esquecer que o Matisse fez a mesma coisa com a cor, houve a cor antes do Matisse e depois do Matisse. Outro na história da pintura é o [Pierre] Bonnard. Ele também estende esses limites da cor. Eu gosto, tendo a me identificar muito com esses pintores que têm o tratamento da cor. Albers, por exemplo, que ganhou mostra no Instituto Tomie Ohtake ["Homenagem ao Quadrado", encerrada em março passado], tem uma obra muito rica para a gente. Aqui no Brasil, gosto muito de [Alfredo] Volpi. Foi um grande pintor.

Monteiro- Eu gostava desses caras, Gauguin, Picasso. Mais ou menos com uns 13 anos, comecei a fazer história em quadrinhos. Adorava o cara do Pafúncio [George McManus, 1884-1954], o dos Sobrinhos do Capitão, o R. Dirks [1877-1968], imitava a assinatura dele. [Philip] Guston me chamou a atenção por causa disso. tinha uma coisa de quadrinhos na pintura. Tive uma identificação forte com ele.

Sister - Eu gostava muito de Modigliani e Picasso. Gostava de copiar aqueles pescoções do Modigliani, gostava daqueles olhos vazados.

Rheingantz - Eu comecei copiando, colecionava rolinhos de papel higiênico para construir umas naturezas-mortas, pensando, talvez, nos carretéis do Iberê [Camargo]. Não tenho essa ligação poética que Iberê tinha com os carretéis, era uma coisa mais para descobrir o que pintar mesmo, para ter o que pintar. O [Willem] De Kooning foi uma descoberta também. E o Nicolas de Staël, uma relação da paisagem com a abstração, que me interessa muito.

Bivar - A primeira relação com arte que eu tive foi pelo cinema. Quando comecei a estudar arte, um artista que era quase que imediatamente próximo, de certa forma, era o [Andy] Warhol, que eu achava que era um mundo que eu já conhecia, dominava. Mas, para mim, quem está no trono é o [Edouard] Manet. Quando eu comecei a estudar arte, não gostava do Richter [Gerhard, pintor alemão], mas é um artista de que você não consegue fugir, aprendi a gostar da sua obra.

Dunley - As influências também são coisas de momento, vão mudando. Mas as minhas primeiras foram coisas que eu fui vendo aqui mesmo, em São Paulo. O que me deixava entusiasmado era arte brasileira. Sempre acompanhei o trabalho do Fábio, do Paulo, do Monteiro, do Sérgio. Mas quando eu descobri a Mira Schendel, fiquei besta [risos].

Folha - A geração 80 reabilitou muitos artistas brasileiros, não?

Sister - Sim, houve uma recuperação do neoconcretismo, de toda uma cultura que vinha da década de 50. A Mira Schendel, que estava praticamente abandonada, voltou a ser lembrada. A gente se aproximou também do Amilcar. Fizemos um livro sobre a obra dele, na raça. Até 1990, não havia nenhum livro do Amilcar de Castro no Brasil.

Miguez - Havia também o Jorge Guinle [pintor fluminense, 1947-87]. O Jorginho fez um trabalho acima do que nós fazíamos, o melhor dos anos 80. E a gente começou a descobrir o [Oswaldo] Goeldi, que foi um cara que apareceu de novo naqueles anos.

Folha - E a relação com o mercado, como vocês a veem?

Miguez - No momento em que a gente surgiu, era um momento bom do mercado. Havia várias galerias em atividade, com um certo vigor. Mas todos nós mais velhos aqui já passamos por momentos de crise. E a década de 90? A Folha decretava a morte da pintura uma vez por semana.

Pasta - A pintura chama uma coisa para si que é falsa, que seria mais afeita ao mercado, mais fácil de ser vendida. É bobagem, porque o que mais vende agora não é pintura.

Miguez - Essa questão de a pintura ser uma coisa de mercado não resiste a um exame básico de números. O problema do mercado é a fugacidade com que as coisas são vistas hoje.

Posted by Marília Sales at 2:26 PM

Celebração numa época fraturada por Ronaldo Brito, Folha de S.Paulo

Matéria de Ronaldo Brito, originalmente publicada no Caderno Mais no Jornal Folha de S. Paulo, em 23 de agosto de 2009.

Em trechos de ensaio inédito, Ronaldo Brito relaciona as formas de Matisse aos conflitos modernos

Matisse é o grande disponibilizador de mundo da arte moderna. Nenhuma essência trava a livre desenvoltura das aparências em seus quadros. Brilha aí a única verdade definitiva ao alcance do eu moderno: o mundo é inacabado, nunca terminamos de vê-lo e, com isso, provisoriamente completá-lo. E, como a tarefa é infinita, dispomos de uma razão sensível, sempre renovada, para viver.

O que era em Cézanne [1839-1906] ânsia de construção, angústia diante da multiplicidade do real, sublima-se em seu discípulo em perene abertura para o mundo. Claro, há que conquistá-la, longo e custoso esforço de depuração: tudo reduzir à matéria da luz. Quando todo o trabalho infatigável transmuda-se em graça. O que, de certo modo, arremata o projeto iluminista ao tornar absoluta a graça secular.

Esta dispensa sumariamente outro mundo. É simples: ele não poderia ser tão bonito quanto esses quadros. A própria ideia de Deus parece uma extravagância, falta de consideração com a realidade. A cor, a luz da cor, assegura agora a estrutura volátil do real, sua atualidade sem substância, sem fundamento, inteiramente plástica. O princípio do espaço é a feliz ambiguidade. Tudo é viável, plausível para essa vontade voraz de espacialização, sempre a promover acordos entre nós e coisas outra vez reanimadas.

Mundo em gerúndio, prodigiosa arquitetura do instante, a sustentar um presente estético que redime nossa finitude pela ação palpável do amor. E amor pagão, espontâneo, autossuficiente. Coincidem fruição do tempo e sedução do espaço -o que mais pode esperar um mortal?

Harmonia aqui é verbo, capacidade de provocar, prodigalizar dilemas, desafios e contradições para resolvê-los em seus próprios termos. Problemas que a história da arte, como o próprio artista, costuma atribuir ao eterno conflito entre desenho e cor. Pelo visto, nem a célebre divisa cézanniana -desenhar com a cor- veio a suprimi-lo. Acho apenas que a severa exigência de harmonia -o superego de Matisse- impõe a lei da contradição a todos os seus meios.

As cores extrapolam, buscam extremos e opostos, até brilharem, justas e inequívocas, como se acabassem de ser descobertas; os arabescos decorativos, seguindo as pegadas de Cézanne, empenham-se em uma reflexividade ininterrupta até se determinarem como forças construtivas.

E tantas vezes, de propósito, a carnalidade escultórica das figuras deve integrar-se a um puro ambiente de luz. Um admirador, Clement Greenberg, via nesses quadros lendários um impasse: a tentativa de conciliar o inconciliável.

Cordialmente, discordo. Penso que eles pretendem expor de maneira ostensiva o conflito, não dar trégua ao senso moderno do paradoxo. A tela assimila e suporta, em precário equilíbrio, seus conflitos e, assim, mente um pouco menos ao curso incerto da vida.

Os temas por excelência da modernidade -o estar no mundo, a transcendência na imanência, enfim, a via-crúcis do eu moderno- encontram uma solução natural, despretensiosa e, por isso mesmo, inigualável. Nem sequer formulada, muito menos alardeada, a solução apresenta-se com a força irresistível da pura evidência.

Daí a sensação quase inevitável de que a pintura de Henri Matisse resume a lírica da sintaxe visual moderna. E que a tela guarde um pouco da "physis", um resto de "mímesis", que essa pioneira empresa de transformação siga em parte sob os auspícios da tradição antropomórfica ocidental, no limite de coerência da morfologia, isso acaba de algum modo desimportante.

Nas últimas colagens, em "O Caracol" (L'Escargot, 1953), em particular, Matisse parecia de fato na iminência de emancipar-se por completo da continuidade morfológica, prestes a dispor da liberdade do signo plástico abstrato. Até o último instante, próximo ao desenlace, ele deixa no ar uma interrogação e cumpre assim o mandamento moderno do inacabado, mandamento que levou, acima de qualquer outro artista de seu tempo, à sua máxima -celebrar a forma aberta da vida moderna. Outro céu não espere, nem outro inferno.

Ronaldo Brito é professor de história da arte na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Este texto é parte do livro "Matisse - Imaginação, Erotismo, Visão Decorativa", a ser lançado pela Cosac Naify.

Posted by Marília Sales at 1:38 PM

agosto 24, 2009

Lições de cor por Marina Rheingantz, Paulo Pasta e Sônia Salzstein, Folha de S. Paulo

Lições de cor

Matéria de Marina Rheingantz, Paulo Pasta e Sônia Salzstein, originalmente publicada no Caderno Mais no Jornal Folha de S. Paulo, em 23 de agosto de 2009.

Os pintores Paulo Pasta e Marina Rheingantz e a curadora Sônia Salzstein descrevem seu aprendizado com a obra de Matisse, que soube reafirmar a beleza e a alegria na pintura sem negar as contradições do mundo


Paulo Pasta
Especial para a Folha

Afirmar que Matisse foi um dos maiores pintores do século 20 talvez seja dizer pouco. Muitos receberam esse epíteto, mas poucos o sustentam com o mesmo sentido de comemoração jubilosa. Gostar da pintura de Matisse é reforçar a própria noção do gostar, retomar o desejo, quase sempre infindável, de vida em harmonia.

E o grande exemplo que ele deixa é o de dirigir-se a esse objetivo por meio da inclusão das diferenças, isto é, somando as contradições. Por isso, também, ele produz um trabalho que pode nos acompanhar, trazer alento ao cotidiano, sem que, por isso, negue seus atributos mais comuns: a instabilidade, a dúvida e até mesmo a dissensão.

Talvez por esses mesmos motivos a obra de Matisse tenha conseguido, com força pouco vista na contemporaneidade, repor a possibilidade da beleza, reinventando-a, deixando-a mais de acordo com as nossas necessidades. Essa obra guarda, como poucas, esse sentido de comunhão, de consonância de opostos.

Sua maneira de organizar as cores pode comprová-lo. Ele as queria todas em cooperação, alavancando-se, até formarem um contínuo, sem diminuição recíproca. Incluía o preto na categoria de cor, a despeito dos mandamentos da teoria das cores, que ensinava ser esse a ausência de luz.

Aspirava também à superação do conflito entre desenho e cor, assim como gostava do tema das janelas justamente pelo seu poder de sugerir a unidade de interior e exterior, dentro e fora. Toda a alegria das suas pinturas parece vir também da operação paradoxal pela qual a máxima complexidade deveria resultar em simplicidade, espontaneidade. Tornar o outro alegre, de alegria genuína, consolando-o das penas de existir, pode parecer muito pouco para justificar esse trabalho. No entanto, é das coisas mais difíceis de se obter, no duro mundo que Matisse via formar-se. De lá para cá, essa brutalidade não fez senão crescer.

Paulo Pasta é a rtista plástico.


Marina Rheingantz
Especial para a Folha

Cada vez que observo suas pinturas, de todas as surpresas, a que mais me comove é a forma como ele relaciona as cores -elas são infinitas. Matisse transparece muita liberdade com as cores. "O Ateliê Vermelho" (1911) é uma pintura corajosa. Ela me impressiona demais, principalmente por ele usar uma cor tão intensa, o vermelho -cor que tenho dificuldade de colocar no meu trabalho-, de maneira simples.

No trabalho de Matisse, junto com a cor está sempre a forma. Muitas vezes, a cor determina a forma. O arabesco, por exemplo, pode ser o ornamento do parapeito de um terraço, a estampa de uma toalha ou de um papel de parede e até mesmo o caule de uma árvore. Tudo isso acontece apenas com a variação da cor.

Deixando de lado a questão formal da pintura, me admira ainda a maneira como Matisse lida com o trabalho.

Em uma passagem de seus escritos, ele revela a relação passional que teve com a própria obra: "Às vezes digo a mim mesmo: que belo dia! Como seria agradável fazer um pequeno passeio: ir aqui perto ver [Georges] Rouault ou [Pierre] Bonnard! Mas penso na tinta que secaria na tela, estou preso à obra, e se me afasto fico cheio de remorsos. Da mesma forma, à noite só consigo dormir depois de preparar o trabalho para o dia seguinte. Eu me agarro à pintura, como um animal àquilo que ama".

Essa paixão, tão visível nos trabalhos dele, me emociona e dá vontade de ir para o ateliê.

Marina Rheingantz é pintora.


Sônia Salzstein
Especial para a Folha

Falta pouco para a inauguração, na Pinacoteca do Estado de São Paulo, da primeira grande exposição brasileira de Henri Matisse, e um pouco mais para que se completem 140 anos de seu nascimento, em dezembro. Trata-se de oportunidade inestimável de reexame de uma obra crucial do modernismo, sobretudo porque, contrastada, de um lado, com as peripécias picassianas de desmontagem e remontagem das formas e, de outro, com o silêncio provocador de Marcel Duchamp [1887-1968], a muitos ela pareceu "conservadora" -reputação que ainda seria reforçada pela célebre declaração do artista, de que sonhava com uma pintura que servisse de lenitivo ao "homem de negócios", "algo como uma boa poltrona" onde este poderia "relaxar o cansaço físico".

Num século 20 atribulado por visões escatológicas, de assombro e destruição, sua obra nos oferecia, surpreendentemente, uma imaginação de bem-estar, conforto e felicidade amena, divisada, além do mais, através de soberbos padrões decorativos. É admirável que essa pintura continue a provocar o presente, justo porque se confirma, hoje como nunca, a improbabilidade desses mundos a cuja exploração o pintor se entregou de modo tão pleno, mesmo que recolhido a um sóbrio ceticismo. Essa imaginação do impossível o perseguiu por cinco décadas, da tela "Luxo, Calma e Volúpia", de 1904-05, até as derradeiras colagens que o artista realizou em idade avançada e já bastante enfermo. De tudo resultam verdadeiras epifanias às inesgotáveis dimensões eróticas da arte, frutos de trabalho árduo e disciplinado, a condensar no suprassumo da experiência o apelo múltiplo e fragmentário das sensações e o ramerrão da vida prática.

A despeito do que se disse do pintor, seu percurso foi de radical experimentalidade -silencioso, feito de revisões e autorrecapitulações compenetradas. Em todo caso, acabou por valer quase sempre a Picasso, cuja verve mercurial era contraposta ao "classicismo" do amigo/rival, o posto do artista emblemático da arte moderna.

A sensação de que a Arcádia, um mundo deleitável, por certo diferente deste, poderia estar logo ali, a um passo ou a um abismo de nós -tal é o aspecto que não cansamos de aprender com Matisse.

Sônia Salzstein é professora de artes plásticas na USP e curadora.

Posted by Marília Sales at 6:57 PM

Mostra é a 1ª individual do pintor no Brasil por Ernane Guimarães Neto, Folha de S. Paulo

Mostra é a 1ª individual do pintor no Brasil

Matéria de Ernane Guimarães Neto originalmente publicada no Caderno Mais no Jornal Folha de S. Paulo, em 23 de agosto de 2009.

A exposição "Matisse Hoje", na Pinacoteca do Estado, é uma das principais iniciativas do Ano da França no Brasil.

Mais do que a primeira retrospectiva no país dedicada especificamente ao pintor francês, com o apelo popular do nome famoso, a mostra tem um papel de "resistência": Henri Matisse (1869-1954) é um contraponto às vanguardas cerebrais ou esquemáticas do século 20 e continua sendo uma influência central para críticos e artistas plásticos, inclusive no Brasil .

A exposição será aberta para o público em 5 de setembro. A Pinacoteca abriga também, de 8 a 10 desse mês, um colóquio internacional em que tais questões serão debatidas.

Por exemplo, a professora da USP e curadora Sônia Salzstein apresentará a comunicação "Matisse - Imaginação, Erotismo e Visão Decorativa", nome semelhante ao do livro que ela organiza pela Cosac Naify.

Revolução discreta
Emilie Ovaere, curadora da exposição, falará sobre "os descendentes abstratos de Matisse modernos e contemporâneos". Ovaere, que é curadora-adjunta do Museu Matisse de Cateau-Cambrésis (cidade natal do artista), defende o pintor da acusação de conservador quando comparado a Picasso e outros contemporâneos: "Matisse era menos heroico ou extravagante. Era revolucionário, mas mais reservado".

Um exemplo de técnica moderna desenvolvida por Matisse privilegiada pela curadora é o "papel recortado" -utilizado frequentemente em capas de livros.

A seleção tem cerca de 80 obras de Matisse emprestadas de coleções francesas -não espere ver "A Dança"- e a participação de artistas contemporâneos em diálogo com elas.

Ovaere orienta o olhar do visitante: "Matisse olhou para coisas simples, que todos podem ver: flores, paisagens, jardins, mulheres, tecidos. A exposição mostra que ele tem uma atitude simples em relação à vida cotidiana. Não é algo intelectual, é algo que se sente. É por isso que Matisse é tão popular; tem uma sensibilidade que é imediata".

Posted by Marília Sales at 6:23 PM

Matissismo por Jorge Coli, Folha de S. Paulo

Matissismo

Matéria de Jorge Coli originalmente publicada no Caderno Mais no Jornal Folha de S. Paulo, em 23 de agosto de 2009.

O historiador Jorge Coli insere a obra de Henri Matisse, que ganha exposição no Brasil no início de setembro, na tradição dos "artistas da decoração", da qual fazem parte Van Gogh e Gauguin - e que influencia também o cineasta Wong Kar-Wai


Uma tela de Matisse oferece sempre a impressão de que as angústias, os desesperos, as pulsões afetivas são sentimentos de mau gosto e devem ser excluídos. Matisse é o antirromântico, o antiexpressionista e também o anti-intelectual, o antiteórico.

Pintor da felicidade plena, que é aristocrática, na sua maneira de ignorar, desdenhosa, toda e qualquer miséria, incluindo nelas as do próprio artista. Pintor da luz sem sombra.

No início de sua carreira, ligou-se a um grupo, do qual ele teria sido mesmo o instigador: os "fauve", as feras, que reunia artistas muito diversos, sem doutrina nem unidade estilística, mas que faziam explodir cores por meio de traços vívidos, habitados por acordes ao mesmo tempo selvagens e requintados.

Depois do episódio "fauve", Matisse prosseguiu seu caminho bastante indiferente aos movimentos de vanguarda que surgiam. É possível aqui e ali encontrar, em suas telas, leves ecos de um ou outro contemporâneo, mas eles são insignificantes.

Talvez seja superficial querer ordenar sua produção em "fases". Sem dúvida essa organização permite classificar as obras em períodos e segundo algumas características comuns. É importante, porém, que essas divisões não escondam a unidade evidente que preside a todo o conjunto, unidade infinitamente mais poderosa do que as diferenças, bem secundárias: Matisse não é Picasso.

As preocupações, tanto teóricas quanto históricas, sempre convocadas para se compreenderem as artes do século 20 não servem para ele: nem a abstração, nem as forças do imaginário surrealista, nem o gesto voluntariamente crítico, nem a desconstrução como objetivo, nada disso permite de fato apreender esse artista que dizia, com falsa candura, que seu único desejo era agradar.

Palavra-chave
Um caminho, não muito usual, pode conduzir à compreensão de alguns aspectos importantes de sua arte. Ele se inicia com o aprendizado no ateliê de Gustave Moreau [1826-98]. O mundo precioso desse mestre, cheio de ouros que se associam a tons e brilhos de esmeraldas, safiras ou rubis; o espírito de crueldade decadentista, perversamente sexuada, nada disso parece avizinhar-se da arte que seu discípulo desenvolveria.

Contudo, muitos quadros de Gustave Moreau criaram imagens nas quais personagens e cenário, altamente decorativos, se fundem. Este é o ponto. O próprio Matisse lançou a palavra-chave numa frase: "A composição é a arte de organizar, de maneira decorativa, os diversos elementos de que o pintor dispõe para exprimir seus sentimentos".

Decorativo, decoração, termos odiados pelos pintores abstratos que surgiriam no século 20, temerosos de serem acusados de superficialidade frívola e agradável.

Mas a decoração significou, para vários artistas, o lugar em que a pintura podia se dar. Nesse sentido, Matisse não é um solitário.

Os padrões de papel de parede, as estampas de tecido, os desenhos de estofados, os arabescos orientais, o torneado de uma cadeira, o aveludado de uma almofada, tudo isso era tratado não como acessório, mas como o lugar da visualidade (pensar em "O Convite à Viagem", de Baudelaire: "Móveis lustrosos/ Polidos pelos anos/ Decorariam nosso quarto./ As flores mais raras/ Fundindo seus odores/ Aos vagos eflúvios do âmbar,/ Os tetos suntuosos/ Os espelhos profundos/ O esplendor oriental/ Tudo lá falaria/ À alma em segredo...").

Paraíso artificial
Ali, nessa visualidade em que as superfícies determinam o mundo, surgia uma lírica própria à pintura, sem que esse "próprio à" signifique abstração, que tantos pensaram ser a quintessência pictural.

Todos esses motivos que completam o conforto quotidiano pelo embelezamento dos objetos concebidos para o prazer dos olhos, ao serem levados a sério, constituíram, portanto, um "lugar". Nele, a natureza é transfigurada, graças ao universo decorativo, num paraíso artificial. Basta ver "As Musas", de Maurice Denis [1870-1943], ou um jardim pintado por Vuillard [1868-1940], para perceber do que se trata.
Matisse intitulou uma de suas obras "Luxe, Calme et Volupté" (Luxo, Calma e Volúpia). É um estribilho no poema "O Convite à Viagem", de Charles Baudelaire [1821-67], escritor que inventou e celebrou os paraísos artificiais, embriagadores, irreais.

O Baudelaire de Matisse vem despido de angústias e perversões: o pintor instalou-se naquela utopia sem falhas. As telas são convites à viagem no sentido exato do poema: criam uma Pasárgada de atmosfera imóvel e de prazer perfeito.

Avesso a qualquer espírito de sistema, Matisse inventa sempre soluções, recusa a aplicação de fórmulas ou receitas. Assim, por vezes, dispõe o espaço, como no caso do "Torso Grego com Flores" (1919), do Masp, em que a escultura repousa sobre uma mesinha meio cézanniana. Ao contrário, em "O Quarto Vermelho (Harmonia Vermelha)", do Hermitage (1908), os motivos da toalha e da tapeçaria se unem para neutralizar o volume do móvel.

Em 1935, o "Grande Nu Deitado (Nu Rosa)", do museu de Baltimore, recorta uma ampla forma feminina num talho achatado, que adere aos desenhos geométricos do fundo: essa obra, que faz lembrar Tom Wesselman [1931-2004], sugere o quanto certos criadores da pop art foram próximos de Matisse.

Maurice Denis, Vuillard são vizinhos, porém distintos de Matisse, irmanados nesse mundo de estofos e tapetes. Mas seria preciso pensar também em Klimt [1862-1918]. Tudo o opõe a Matisse: sua poética simbolista, sua aspiração a um horizonte filosófico, a finura nítida de seus contornos, seus ouros raros.

No entanto, Klimt também ajusta suas figuras, seus tecidos, seus fundos, na mesma intensidade presente, recortando superfícies, justapondo-as, exaltando magníficos padrões de estamparia. Como Matisse, é fascinado pela ambiguidade entre a figuração e os poderes decorativos.

Esplêndida família
Seria necessário agrupar e classificar alguns "artistas da decoração" (sem que -mas é preciso dizer?- essa palavra tenha aqui a menor sombra de menosprezo) para melhor perceber o universo ao qual Matisse pertence.

Gustave Moreau é o pai de todos. Seu espírito decadentista e cintilante, à maneira de Huysmans na literatura, se prolonga em Klimt. Seu artificialismo, a elegância de seu desenho permanecem também entre os nabis (artistas espiritualizados e marcados por Gauguin), sobretudo Maurice Denis, e se metamorfoseiam então numa serenidade de tapeçaria. Vuillard, por sua vez, não assume a calma elevada de Denis e torna-se o "tapeceiro" de um quotidiano aconchegante.

Surgiram também, nessas mesmas décadas, os cenários dos balés russos, criados por Bakst e por Benois, feitos de imaterialidade, como escreveu Proust, graças a seus ornamentos lineares, suas manchas coloridas, que a iluminação estratégica fazia viver.

Essa esplêndida família que confere ao visível o destino de seduzir os olhos, que o transfigura para ordená-lo em harmonia sem peso, tem os seus referentes mais antigos, os seus avós, por assim dizer.
Van Gogh [1853-90], em particular o do período de Arles, o mais clássico, menos atingido pelas tensões torturantes, que não ilumina os objetos e pinta diretamente a luz, como manchas de ouro.

Mas ainda o Van Gogh da "Noite Estrelada" de Saint-Rémy, na qual as estrelas explodem metamorfoseadas em fogos de artifício. Gauguin também, com seus recortes achatados de soberbas sinuosidades, coloridos com os tons mais ricos, que Matisse homenageia, confessando a grande dívida que tem para com ele.

Matisse elimina qualquer preciosismo, qualquer veleidade de afetação ou de dandismo

Veludos
Antes de todos, está Ingres [1780-1867], pintor que abole a atmosfera para fazer melhor luzir as superfícies, que trata um rosto feminino e o bordado de um vestido com a mesma exata importância. Artista do desenho soberano, dos magníficos e longos percursos lineares que ondulam. As odaliscas de Matisse e as de Ingres unem-se num parentesco muito próximo.

Seria injusto também não evocar Delacroix [1798-1863]: de suas "Mulheres de Argel" brotam outras odaliscas nos quadros de Matisse.

Dentre os seus descendentes atuais, está o cineasta Wong Kar-wai, que dispõe personagens diante de paredes ricas de motivos e de cores ou em meio a uma saturação de sedas e veludos caros.

Matisse, nessa galáxia, elimina qualquer preciosismo, qualquer veleidade de afetação ou de dandismo. Sultão voluptuoso, é o hedonista que ama o luxo das cores generosas e a fluência das curvas femininas.
Em suas telas, toma posse do visível graças às harmonias cromáticas as mais audaciosas em que, muitas vezes, irrompe o tom negro e franco, herdado de Manet, portador de uma luz paradoxal.

Essas harmonias se dispõem no equilíbrio das formas, sem que nunca adquiram a espessura ou o peso de um volume material que as sustente. Possuem a leveza abreviada dos motivos estampados, que flutuam graças aos seus próprios ritmos.

Posted by Marília Sales at 5:31 PM | Comentários (2)

Reforma na Lei Rouanet não é contra os artistas consagrados, Folha de S.Paulo

Reforma na Lei Rouanet não é contra os artistas consagrados

Matéria da Sabatina Folha originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 21 de agosto de 2009.

Ministro da Cultura afirma que eles não podem ser "discriminados" se a legislação não prevê distinção

O MINISTRO da Cultura, Juca Ferreira, 60, disse anteontem, em sabatina da Folha, que não há "impedimento legal nem moral" para que artistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil recorram a patrocínio via Rouanet. Voltou ao tema mesmo quando questionado sobre outros assuntos, como o fato de shows patrocinados ocorrerem em locais de difícil acesso para quem vai de ônibus. Disse que a lei "é permissiva" e que não estimula contrapartidas maiores dos artistas, mas que não podem ser "discriminados". DA REPORTAGEM LOCAL

Ferreira admitiu que a afirmação de Lula de que o Itaú não gasta "um tostão" com os projetos do Itaú Cultural estava "factualmente errada". "Não diria injusta, porque é em torno de 80% de dinheiro público." O ministro foi sabatinado pelos jornalistas Sylvia Colombo (editora da Ilustrada), Gilberto Dimenstein (do Conselho Editorial da Folha), Marcio Aith e Ana Paula Sousa.

REFORMA DA LEI
Não é uma reforma contra os consagrados. Você não estimula o desenvolvimento se não atende a diversos segmentos. A decisão passa por várias etapas. O proponente entra com a proposta, o Ministério avalia a legalidade e envia para um órgão do sistema avaliar. O parecer vai para a Comissão Nacional de Incentivo à Cultura [Cnic], que metade é do Ministério, metade é da sociedade e dos produtores culturais. Foi aí que houve rejeição ao projeto do Caetano. [...] A Cnic já tinha aprovado três projetos da Ivete Sangalo, o maior fenômeno da história da música no Brasil. Como aprovar um e não aprovar outro? Você só pode restringir se a lei prevê essa distinção. [...] A lei é permissiva.

GILBERTO GIL
Quando o Estado, a lei, a sociedade acha inconveniente que alguém que já fez parte do Estado tenha acesso, há uma figura que é a quarentena. Não há impedimento legal nem acredito que haja um impedimento moral.

CONTRAPARTIDA
São [pequenas as contrapartidas dos artistas]. A lei não permite uma exigência maior, mas todos que utilizaram a lei deram uma contrapartida de barateamento do custo, para que pessoas que não teriam acesso tivessem. É um ganho.

LOBBY
O que ela fez [Paula Lavigne, ao ligar para o ministro questionando a restrição ao uso da Lei Rouanet por Caetano] foi normal. Ela disse: "Caetano está escrevendo um artigo sentando o pau no MinC". Liguei para ele, que ia a uma sessão de pilates, e falei: "A gente se fala depois", porque sei que o pilates relaxa [risos]. Quando ele voltou, falou: "Pode ser provocação para nos intrigar". Falei: "Estão usando armas indevidas". O lobby deixa de ser legal e passa a ser questionável quando estabelece uma relação promíscua de privilégios, de beneficiamento de quem decide.

ESTADO X MERCADO
O que temos hoje não é parceria público-privada. Em 18 anos, houve aparência de contribuição da área privada, mas nove entre dez empresários só trabalham com 100% de renúncia fiscal. Parceria é associação de dois ou mais entes que buscam se fortalecer para realizar um objetivo comum. No caso da Rouanet, nós entramos com o dinheiro, e a área privada, com a decisão. Isso não é parceria, é escândalo.

ITAÚ CULTURAL
O Lula protestou contra isso [uso só de dinheiro público] e usou um exemplo que não é o mais adequado, porque quem ele citou [o Itaú Cultural] de alguma maneira coloca algum dinheiro. [...] Não diria injusto. Foi factualmente errado, mas não injusto, porque é em torno de 80% de dinheiro público.

CNIC
Recebemos milhares de projetos por setor, e não há possibilidade de uma avaliação mais profunda. A Cnic será setorizada. Eu às vezes tenho vergonha de avaliações produzidas pelo Ministério, que estão aquém dos projetos que estão avaliando. [...] No caso do Caetano, havia um erro de avaliação. A Cnic não percebeu que ele propunha redução do preço do ingresso. Você há de convir que foi raro [a intervenção do ministro]. Perante o Estado quem é responsável por qualquer erro é o ministro, então a última palavra é do ministro. [A comissão] É consultiva, e não decisória.

VALE-CULTURA
[Questionado sobre se o governo não deveria orientar o gasto do Vale-Cultura pela população, permitindo formação de plateia no lugar de uso em shows de funk, por exemplo] Somos tratados com uma suspeição recorrente de dirigismo cultural. Na hora que a gente lança um instrumento democrático, vêm demandar que a gente diga o que a população vai consumir? Os editoriais da Folha e do "Estadão" foram uma surpresa. Não pode o Estado dizer: "Isso é meritório, isso não é". Me surpreendeu dois órgão de imprensa de marca liberal demandarem do Estado esse tipo de censura. Não tenho nada contra o funk. Todas as manifestações populares foram incompreendidas. É uma manifestação cultural enraizada nas populações pobres do Rio. Se tem proximidade com a criminalidade é porque [isso vale para] qualquer coisa que se mexa naquele ambiente, onde o Estado é frágil. O funk tem mérito do ponto de vista cultural, é um gênero cultural como outro qualquer.

IMPRENSA
A imprensa faz uma guerra de trincheira com o governo. Se mexeu, toma tiro. A imprensa vê as árvores, mas não vê a floresta. [...] Eu me dou bem com a imprensa porque ambos trabalhamos na esfera pública, mas as vezes ela escorrega um pouco no deslumbramento com o próprio poder.

CANDIDATURA
Eu não sou candidato, dizendo peremptoriamente. Gosto desse trabalho e quero ir até onde puder nisso.

Posted by Marília Sales at 3:33 PM

Sophie Calle sintetiza elementos da arte por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo

Sophie Calle sintetiza elementos da arte

Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 16 de agosto de 2009.

Em mostra no Sesc Pompeia, francesa aborda fim de relação e utiliza múltiplos meios, expressões e procedimentos

Quando, nos anos 1960 e 1970, artistas passaram a misturar arte e vida em performances, seja trancando-se por cinco dias num armário da faculdade, como Chris Burden, em 1971, seja masturbando-se embaixo do tablado em uma galeria, como Vito Acconci em "Seedbed" (cama de semente), de 1972, havia a busca pela veracidade na recusa pela representação. Assim, naquela época, os artistas da performance substituíam a ficção pela experiência.

Essa tradição da performance pode enganar aqueles que visitam a mostra "Cuide de Você", da artista francesa Sophie Calle, em cartaz no Sesc Pompeia, criada originalmente para ocupar o pavilhão francês na Bienal de Veneza, em 2007.

"Cuide de Você" são as últimas palavras de um e-mail enviado pelo então namorado de Calle, o escritor Grégoire Bouillier, terminando a relação com a artista. Calle, como para se vingar da maneira abrupta como foi comunicada do fim do romance, convocou 104 mulheres, duas marionetes e uma papagaia para interpretar a carta, cada uma segundo sua especialidade: uma advogada, do ponto de vista jurídico; uma linguista, do ponto de vista gramatical, e assim sucessivamente.

A exposição, em sua versão paulistana, traz 83 desses testemunhos, como o da papagaia Brenda, que come o papel com o e-mail e fala o mote da exposição, "cuide de você", ou da vidente que interpreta a mensagem em cartas do tarô: "Essas são as palavras de um homem infeliz, por causa do Eremita".

Esses dois exemplos são suficientes para exemplificar o tom sarcástico da exposição, que poderia ser vista apenas como um manifesto feminista, afinal somente mulheres interpretam a mensagem do ex-amante. No entanto, ao contrário das performances que se afastavam da representação, a trajetória de Calle aponta que a artista costuma jogar com os limites entre real e ficção, como quando pediu à sua mãe que contratasse um detetive para segui-la (em 1981, com "Perseguição").

Ora, sabendo que seria perseguida, a própria artista poderia conduzir o investigador. No entanto, o que interessava aí era revelar um processo, apresentando tanto os registros fotográficos feitos pelo detetive em confronto com suas próprias anotações.

"Cuide de Você", portanto, pode ser vista como uma grande encenação a partir de um fim de caso. Vingança, revanche? Será o e-mail verdadeiro?

De fato, isso tudo pouco importa, já que ao final a mostra acaba por reunir alguns dos principais elementos da arte contemporânea de forma invisível, e aí está seu grande mérito. Seja pela multiplicidade de meios (fotografia, vídeo, texto), expressões (dança, teatro, performance) e procedimento (apropriação, colaboração), Calle criou uma das mais representativas instalações atuais. A artista dá a impressão de estar apenas abordando um tema, quando no final, o tema é uma excelente estratégia para seduzir o visitante no universo da arte contemporânea.


Veja as informações sobre a mostra Cuide de você na Agenda de Eventos.

Posted by Marília Sales at 2:34 PM

agosto 21, 2009

Para Juca, sucessão não afeta MinC por Jotabê Medeiros, O Estado de S. Paulo

Matéria de Jotabê Medeiros originalmente publicada no Caderno 2 do jornal O Estado de S. Paulo, em 21 de agosto de 2009.

Ministro, em entrevista ao Estado, disse confiar que ex-ministro Gilberto Gil não vai sair candidato e critica o próprio partido

Na quarta-feira à tarde, na sede da Funarte, nos Campos Elísios (centro de São Paulo), o ministro da Cultura, Juca Ferreira, encontrou-se com artistas e produtores de artes cênicas e anunciou que o texto da nova Lei Rouanet já está pronto, na Casa Civil, esperando pareceres da área financeira do governo. Segundo Ferreira, o projeto pretende "inverter a equação" que vigora atualmente no incentivo à cultura - em vez de 80% dos recursos saírem via renúncia fiscal e 20% serem pelo orçamento direto, serão 80% para o Fundo Nacional de Cultura.

Também declarou que sua gestão está apoiando "o processo de revitalização da Bienal de São Paulo". Atualmente, a diretoria da bienal está impedida de tomar posse por conta de uma decisão da Curadoria de Fundações do Ministério Público do Estado de São Paulo. "Não há a possibilidade de a gente ver a decadência desse evento. Com a Bienal de Veneza, é um dos mais importantes do planeta, é o maior evento globalizado de artes do País."

Ferreira, que é filiado ao Partido Verde, também falou ao Estado sobre a possibilidade de a ex-senadora do PT Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, sair candidata à Presidência da República pelo seu partido. "O PV não está à altura de Marina", afirmou.

O ministro considerou que não há ameaça à estabilidade do Ministério da Cultura com a eventual candidatura dela e de Gilberto Gil como seu vice. Primeiro, ele não acredita na candidatura de Gil. Como ele é um ministro verde, ficaria numa situação difícil na pasta - o PT de São Paulo já insufla nomes para uma eventual substituição, como os de Sergio Mamberti e Angelo Vanhoni. Mas as críticas do ministro ao próprio partido mostram que ele está mais fechado com a candidatura de Dilma Rousseff (PT).

Ferreira veio a São Paulo para anunciar recursos extraordinários de R$ 18,4 milhões para editais de fomento às artes em todo o País pela Funarte. Disse que sua ambição, em relação à cultura, é fazer com ela "o deslocamento de algo insignificante em algo central no processo de desenvolvimento".

Ferreira falou para uma plateia que incluía o maestro John Neschling; o diretor do Instituto Tomie Ohtake, Ricardo Ohtake; e dirigentes de associações artísticas, como Eduardo Barata (APTR-RJ) e Ney Piacentini (Cooperativa Paulista de Teatro).

Eis alguns dos principais pontos da entrevista:

REFUNDAÇÃO

"O partido tem que ser refundado, não está à altura de Marina. O PV perdeu bastante dos nossos vínculos com os princípios e os programas do partido."

JUNTOS NO PALANQUE

"Depende (o apoio dele a Marina). Se significar uma fissura na luta pela inclusão social e a luta contra a desigualdade e a questão da sustentabilidade, não apoio. (A sustentabilidade) tem que ser articulada com outras demandas humanas. Os ambientalistas não podem ter uma postura da luta por uma causa tão transcendental que substitua as outras."

CHICO MENDES

"A saída da Marina não tem a ver com o (convite do) Partido Verde. Há um precedente histórico: pouco antes de ser assassinado, Chico Mendes estava trocando o PT pelo PV. Não foi o convite que foi a motivação da saída dela, mas as próprias preocupações ambientais dela."

GILBERTO GIL

"Conversei com ele ontem à noite. Não vai sair como vice (Fui ver um filme de ficção chamado Besouro, que tem a música dele como trilha sonora. Nos encontramos e conversamos. O filme trata de um lendário capoeirista que havia na Bahia. Diziam até que tinha a propriedade de se tornar invisível, o Besouro. Fiquei bastante satisfeito com o filme e com a música dele). Ele tem a mesma posição que eu: Gil teme que a candidatura de Marina signifique uma ruptura entre a luta pela inclusão social e a luta pela sustentabilidade. A luta ambiental, na política, também tem de desenvolver alianças. Ele não me autorizou a dizer isso, mas prefere que a luta ambiental se realize dentro de um processo crítico."

ALIANÇAS

"Alguns setores do Partido Verde preferem alianças com os tucanos. Eu prefiro o compromisso com as lutas sociais. Mas esse não é o principal problema. Hoje, o fisiologismo está presente dentro do PV, e a ação política parte dos quadros mais fisiológicos do partido. O aparato de poder está nas mãos dos que têm uma tendência fisiológica."

TROCA DE PARTIDO

"Essa é mais a vontade do desejo de alguns do que a realidade (Juca Ferreira deixar o PV para filiar-se ao PT). Ou eles têm poder adivinhatório, ou então é um convite. Ou é apenas a manifestação do desejo, como eu acredito."

OLHO NO OLHO

"Eu olhei bem no olho dela e perguntei: você é capaz de abdicar da luta pela redução das desigualdades? E ela me respondeu: Você acha que eu sou maluca? O que ela fez até agora? Ela queria trabalhar a agenda ambiental fora do PT. E foi ela mesma quem disse que o PV precisa ser refundado programaticamente. A senadora não demonstra intenção de romper com as preocupações sociais dela."

FERNANDO GABEIRA

"Gabeira está entre ser candidato ao Senado ou ao governo do Rio de Janeiro. Eu disse a ele que se ele for candidato ao governo, será usado como uma escada para a oposição, e que eu preferia que fosse candidato ao Senado. No Senado, ele pode cumprir um papel político de maior grandeza."

VICE NA CHAPA

"O Partido Verde tem um minuto de TV, tem de buscar alianças (para fazer campanha efetiva na televisão). Então, não acredito que Gabeira queira ser vice."


Funarte recebe recursos, mas artistas pedem regularidade

Governo anuncia suplementação de verba de R$ 18,4 milhões para a fundação

O "risorgimento" da Funarte, um dos compromissos assumidos pelo ministro da Cultura já em sua posse, parece estar ensaiando os primeiros passos. Anteontem, com os recursos de R$ 18,4 milhões adicionados aos editais de artes, já são R$ 36,2 milhões repassados à instituição na gestão de Sérgio Mamberti.

"Para subir a escada, é preciso subir o primeiro degrau. E depois outro, e mais outro", disse Juca Ferreira. A estratégia de conta-gotas, no entanto, não agrada a alguns dirigentes teatrais. "Por que nós todos não nos unimos numa grande causa, maior e mais efetiva, em torno da aprovação da PEC 150, por exemplo?", sugeriu Ney Piacentini, da Cooperativa Paulista de Teatro, discursando para os colegas na Funarte. O ministro concorda com a ação coletiva, mas sugeriu que as próprias entidades enviem mensagens ao Congresso, onde está o projeto, e ao presidente, pedindo apoio à aprovação.

A PEC 150 é uma proposta de emenda constitucional que garante, na própria Constituição brasileira, e que fixa o patamar das receitas para a cultura em pelo menos 2% do Orçamento da União. "Atualmente, está em menos de 0,6%", revelou Juca Ferreira. "É algo em torno de 0,58%."

O ministro também disse que está tendo conversas com o presidente Lula buscando medidas para diminuir o impacto da fuga de patrocinadores da Lei Rouanet. "Com o retraimento do empresariado, é preciso agir, para minorar os impactos da crise na nossa área", afirmou. Ele disse que a Petrobrás, o principal patrocinador da área estatal, deve anunciar a retomada dos investimentos na cultura com um grande pacote nos próximos dias, apesar da queda drástica do preço do petróleo no mercado, que afetou o lucro.

Ferreira espera que o debate em torno da nova Lei Rouanet, agora que considera ter aparado as principais arestas do texto, corra com menos passionalismo durante o trâmite na Câmara. Segundo Alfredo Manevy, secretário executivo do Ministério, um dos mecanismos que haverá no novo texto diz respeito ao equilíbrio dos recursos destinados ao Fundo Nacional de Cultura: "O Fundo nunca poderá ter menos recursos do que a renúncia fiscal, isso é um ponto-chave."

Manevy disse que os temores de dirigismo cultural não têm fundamento. "Não há antecedentes nem razão alguma para se desconfiar que o governo Lula esteja preocupado em molestar estética ou politicamente os artistas, é um governo republicano, democrático."

Ele concorda que alguns textos podem dar margem a esse tipo de ação. "Para tanto, é preciso produzir vacinas. Mas qual é a principal vacina? São os próprios critérios da nova legislação, que vai qualificar as decisões dos departamentos de marketing. Os critérios que vamos adotar regulam o próprio Estado e as relações dentro do novo sistema de fomento."

O governo também diminuiu as críticas em relação ao setor privado no incentivo cultural. Em vez do confronto, quer seduzir os orçamentos que hoje são destinados aos departamentos de marketing por meio de atrativos financeiros, buscando uma "parceria de fato".

Funciona assim: o governo investirá dinheiro do Fundo Nacional de Cultura em produções que tenham viabilidade comercial. O lucro dessas produções realimentará o próprio fundo, e dará suporte a outras atividades que não tenham visibilidade de mercado. A renúncia fiscal sem contrapartida não é mais considerada uma boa política cultural pelo MinC.

O Vale Cultura também foi objeto de debate. Juca Ferreira acha "antidemocrático" que se faça restrição a produtos culturais populares na adoção do mecanismo.

VAI A PLENÁRIO LEI QUE TIRA TAXAS DA ARTE

SUPER COMPLICADO: O secretário executivo do MinC, Alfredo Manevy, garantiu ontem que finalmente vai a plenário o Projeto de Lei Complementar que altera a LC nº 128/2008. A nova proposta desfaz alteração realizada em dezembro do ano passado, a chamada Super Simples, que passou a tributar mais pesadamente produtores culturais. O Ministério da Cultura disse que o projeto agora vai tramitar em regime de urgência.

Posted by Ana Maria Maia at 6:05 PM

Martins será presidente da Bienal por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo

Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Folha de S. Paulo, em 21 de agosto de 2009.

Termo proposto pelo Ministério Público vai ser aceito por empresário, que teve indeferida a sua posse no início do mês

Documento elaborado por promotor faz fundação voltar atrás e aumentar de 40 para 60 o número de membros de seu conselho

A partir de hoje, o empresário Heitor Martins passa a ser de fato presidente da Fundação Bienal de São Paulo. Há duas semanas, sua posse foi indeferida pelo curador de Fundações do MPE (Ministério Público Estadual), Airton Grazzioli, por "conflito de interesses".

A mulher de Martins, Fernanda Feitosa, tem contrato com a instituição, que vigora até 2015, para realizar todos os anos no pavilhão da Bienal a feira SP Arte. Isso violaria o estatuto da fundação, que proíbe a contratação de parentes.

Martins, que chega hoje de uma viagem ao Chile, deve assinar, ainda no aeroporto, segundo Grazzioli, o TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) proposto pelo promotor. O documento teve o apoio de Elizabeth Machado, presidente em exercício do Conselho de Administração da Bienal.

Anteontem, Miguel Pereira, presidente do conselho, renunciou ao cargo, alegando que não aceitaria assinar o TAC por considerar "abusivas e falsas algumas teses do MP" contidas no documento.

"O que o Miguel afirma são ilações, fruto de uma pessoa que não tem conhecimento jurídico", disse Grazzioli à Folha.

Segundo o TAC, os poderes e atribuições para a gestão do contrato com Feitosa serão exercidos pelo vice-presidente da diretoria executiva, o economista Eduardo Vassimon.

Caso Martins viole esse acordo, deverá pagar uma multa de R$ 800 mil. Uma comissão independente foi constituída para fiscalizar o cumprimento do contrato com a feira.

Quando indeferiu a posse de Martins, Grazzioli também não aceitou a indicação de seis novos membros do Conselho indicados por Martins, segundo a alegação de que não havia vagas para esses membros, já que o novo estatuto da fundação diminui de 60 para 40 a quantidade de seus membros.

Pelo TAC, contudo, o estatuto volta a ter 60 vagas, e os conselheiros são aceitos. "Com isso, a instituição passa por uma reengenharia estrutural e está apta para a organização da próxima Bienal", disse Graziolli.
Segundo a Folha apurou, Machado deve convocar uma reunião do conselho para o próximo dia 8, quando deve abrir mão do cargo. Está cotado para a presidência do conselho o promotor aposentado Carlos Francisco Bandeira Lins, tendo como vice o banqueiro Alfredo Egydio Setubal.

Posted by Ana Maria Maia at 5:55 PM

agosto 20, 2009

S.O.S esculturas por Suzana Velasco, O Globo

Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno no jornal O Globo, em 16 de agosto de 2009

Abandonadas, obras de arte públicas do Rio precisam de limpeza, restauro e sinalização

Pichações, cartazes colados, placas roubadas, corrosão pelo tempo, poças de urina, tinta descascada, falta de iluminação e sujeira, muita sujeira, foram alguns dos problemas encontrados num passeio por esculturas públicas do Rio, na semana passada. O estado decadente das obras de arte mostra que não há uma conservação permanente, justamente num momento em que artistas e críticos do Rio discutem uma política para a instalação de monumentos na cidade. A gota d‘água foi um projeto de escultura de Romero Brito para Ipanema (veja quadro).

A secretária municipal de Cultura, Jandira Feghali, afirma que uma comissão que deveria discutir políticas públicas de ocupação, mas está inativa, será reativada até o fim de agosto, com membros da prefeitura e do meio artístico. A medida — originada de reuniões entre artistas, críticos e representantes da prefeitura — tiraria a atribuição de instalar monumentos públicos da Fundação Parques e Jardins, que, entretanto, mantém a responsabilidade pela manutenção das obras. Diretora de conservação de monumentos e chafarizes da fundação, Vera Dias reconhece que essa manutenção é feita de acordo com a reclamação do público, que, segundo ela, costuma pedir reparos a bustos e estátuas — como a de Carlos Drummond de Andrade, que frequentemente tem seus óculos roubados, na Praia de Copacabana.

— O critério real é priorizar aquelas que são alvo de mais queixas do público — admite Vera. — Também avaliamos se o dano é muito evidente.

A diretora não considera, por exemplo, que a corrosão que se espalha pela escultura de Angelo Venosa na Praia do Leme esteja na categoria de um dano evidente, já que, criada em aço corten, seria sujeita à corrosão pela ação do vento e do sal. Segundo Venosa, esse tipo de aço é justamente um material resistente para o ar livre, mas, de frente ao mar, a obra está num ambiente muito mais agressivo do que aquele em que foi instalada originalmente, a Praça Mauá.

— Quando transferiram a obra para o Leme, havia uma promessa de dar um trato na escultura, mas isso nunca aconteceu — conta o artista, cuja obra se tornou um mictório da praia e, na última quinta-feira, tinha não apenas poças de urina, mas também fezes. — O projeto original também previa um projeto de luz. Se houver iluminação e a área for limpa, as pessoas não vão voltar para urinar. Mas, se tiver cheiro de urina, elas vão institucionalizar o lugar como mictório.

Faltam luz e sinalização

Não há iluminação apropriada para as esculturas da cidade. No caso da obra de Franz Weissmann em frente ao Real Gabinete Português de Leitura, no Centro, até existe um espaço para luz no chão, que iluminaria a obra de baixo para cima. Mas ele está quebrado e sem lâmpadas. A escultura sofre ainda com pichações, sujeira e tinta descascada — que revela outra camada por baixo, mostrando que a obra original tinha um tom diferente de amarelo. Segundo Vera, a equipe que limpa as pichações dos monumentos estava desativada de abril a julho, mas já voltou para as ruas.

— Houve uma interrupção temporária, porque a nova administração resolveu fazer uma avaliação dos orçamentos. Por isso você viu muita coisa pichada — diz Vera. — As que sofrem mais são a da Uruguaiana (de Ivens Machado) e “O passante” (de José Resende, no Largo da Carioca), que estão cheias de papel colado. O problema do xixi também é muito grave. Foi por causa disso que cercamos a escultura do Mestre Valentim na Praça Quinze, que passou 200 anos sem precisar disso. Não é um problema com a arte contemporânea, está na cidade toda.

Outra escultura de José Resende, na Rua do Rosário, no Centro, não sofre com a colagem de propaganda, mas com o abandono. Como o entorno estava em obras, a peça foi deslocada em alguns metros e posta num local de passagem, que leva os pedestres a pisarem na obra, cujo aço está rasgado. Na obra de Ivens Machado, além de cartazes e sujeira, as ferragens de sustentação estão aparentes. Assim como a obra de Venosa, a de Machado também não seguiu todas as recomendações do projeto original.


— Na época, a escultura deveria ter recebido uma camada de impermeabilização, mas não recebeu — conta o artista, que diz não se importar com as apropriações que as pessoas fazem da escultura, como um homem que, na última semana, vestia roupa de bruxo e pedia dinheiro aos pedestres encostado nela. — Isso não me incomoda. O que deveria haver é um cuidado da prefeitura, de cortar as árvores para não cobrir a obra, fazer uma iluminação apropriada e limpá-la.

A placa de metal instalada junto com a obra de Machado para identificá-la, em 1995, foi roubada e nunca substituída, nem por uma sinalização em concreto, ou num material menos sujeito a roubo. O mesmo ocorreu com a placa que identificava a obra de Amilcar de Castro próxima à Praça Tiradentes. Na maior parte dos casos, não há sequer uma preocupação com a identificação de escultura, artista e ano de criação.

Para o escultor Ascânio MMM, o cuidado de reparar uma obra só existe quando as obras são privadas:

— As minhas esculturas em hotel, shopping e edifícios estão bem conservadas, são restauradas. A única mal conservada é justamente a que fica em frente à prefeitura. Há uns cinco anos, ela só é limpa pela água da chuva — afirma o artista.

No Parque da Cidade, um espaço municipal, as esculturas de Celeida Tostes estão num estado tão degradado que os desavisados podem facilmente não entender o que são aquelas formas espalhadas no jardim. As obras estão quebradas, caídas no chão, e nelas crescem musgos e plantas.

— Ali, o problema é o parque inteiro, não apenas as esculturas — diz a diretora da Fundação Parques e Jardins. — A frequência do parque é ruim, quase ninguém mais vai lá.

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 2:57 PM | Comentários (1)

agosto 19, 2009

Intervenção urbana em documentário, O Povo

Matéria originalmente publicada na seção Vida e Arte do O Povo, em 18 de agosto de 2009.

Ainda sem previsão de estreia no circuito local, o documentário Ouvindo Imagens, de Michel Favre, tem lançamento oficial hoje. O enredo do filme é costurado por impressões de anônimos e famosos, que pegam carona em um inusitado trajeto.

O projeto foi filmado a partir de uma intervenção urbana da artista plástica Fabiana de Barros, realizada dentro de um táxi que circulou pelas ruas de São Paulo. Em vez de pagar pela corrida, o passageiro precisava contar uma história diante da câmera, a partir de algumas imagens mostradas por Fabiana de Barros.

Em um outro carro, uma câmera colhia cenas e sons da cidade, que foram intercalados aos depoimentos. O cantor Paulo Ricardo, a jornalista Barbara Gancia e o cineasta Hector Babenco estão entre os personagens mais famosos da aventura.

Folhapress

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 6:43 PM

O corpo como linguagem por Angélica Feitosa, O Povo

Matéria de Angélica Feitosa originalmente publicada na seção Vida e Arte do O Povo, em 18 de agosto de 2009.

O convite é para um passeio pelo que há de comum nas obras de dois jovens artistas nordestinos. A exposição A imagem do outro olhar é uma proposta de diálogo entre Marina de Botas e Rodrigo Braga

A imagem do outro olhar, em cartaz no Centro Cultural Banco do Nordeste a partir de hoje, propõe mais que uma mostra. A exposição é um convite para que dois jovens artistas que se fizeram nordestinos, a paulista radicada no Ceará, Marina de Botas, e o manauara radicado em Recife, Rodrigo Braga, possam, de fato, reunir aquilo que há de diálogo nos seus trabalhos. A seleção de fotografias e de um vídeo, em cartaz até o final do mês no CCBN, é apenas o primeiro passo de um processo que deve persistir até agosto de 2010. As ações fazem parte da terceira edição do BNB Agosto da Arte, dentro do projeto Arte em Processo, idealizado pelo curador Bitu Cassundé.

“Nós reunimos outros trabalhos que o curador percebeu que se comunicavam bastante. A partir dessa exposição, nós vamos criar uma produção inédita, um trabalho em conjunto, resultado de um processo que deve desaguar ano que vem”, conta Rodrigo Braga, por telefone, enquanto realizava os últimos acertos no CCBN. A proposta de unir as duas produções veio do curador Bitu Cassundé e o projeto já começa a ser trabalhado essa semana, com a consultoria do escritor e pesquisador cearense Eduardo Jorge.

A exposição A imagem do outro olhar pretende conectar a produção de arte contemporânea nordestina. O que se apresenta é a pesquisa em desenvolvimento, aberta a intervenções e mudanças. Para o público, o projeto tem o objetivo de proporcionar a possibilidade de acompanhar o processo de elaboração e construção das obras. Amanhã, também às 19 horas, os dois artistas, Eduardo Jorge e o curador Bitu Cassundé participam de uma troca de ideias também no CCBN.

Antes disso, no entanto, já será possível enxergar essas conexões pelos trabalhos unidos num mesmo espaço. “O gancho de trazer a literatura é produzir outros olhares para a arte contemporânea”, aponta o curador. Enquanto Marina passeia por uma poética do cotidiano e por um realismo mágico, Rodrigo elabora uma tensão ou estranhamento ao compor um repertório ficcional. “Existem muitas confluências nos trabalhos dos dois. Um deles é o uso do corpo como suporte para o desdobramento da poética, a construção do imaginário poético que usa o corpo associado a um elemento da flora e da fauna”, descreve o curador.

Novos suportes
Na série apresentada por Rodrigo, retirada do trabalho solo Da alegoria perecível (2005), o rosto do artista é utilizado como suporte para composições plásticas. Elementos animais e vegetais são usados para criar alegorias da máscara e maquiagem. Outros trabalhos presentes na mostra são Hiato (2007) e a série Paisagens, do ano passado.

Já o trabalho de Marina de Botas experimenta o cotidiano. Qualquer situação pode transformar-se no pontapé para as performances, desenhos e imagens da artista. No vídeo Programa para Nutrição da Pele, que faz parte da exposição, uma cozinha e seus condimentos são a desculpa para uma maquiagem. Emoldurando o gestual da maquiagem uma composição plástica cenográfica, o vídeo faz referência a uma natureza morta composta por frutas e legumes. Elemento presente o tempo inteiro no trabalho de Rodrigo Braga.

A imagem do outro olhar

Marina de Botas e Rodrigo Braga

Curadoria de Bitu Cassundé

19 a 30 de agosto de 2009

Centro Cultural Banco do Nordeste - Fortaleza
Rua Floriano Peixoto 941, Centro, Fortaleza - CE
85-3464-3108
Terça a sábado, 10-20h; domigo 10-18h

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 4:26 PM

Jardins cubistas por Paula Alzugaray, Istoé

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 7 de agosto de 2009.

A geometria e a flora que guiaram Burle Marx hoje orientam pesquisas de Miguel Chevalier com tecnologia e vida artificial

ROBERTO BURLE MARX 100 ANOS: A PERMANÊNCIA DO INSTÁVEL/ Museu de Arte Moderna, SP/ até 13/9 SEGUNDA NATUREZA - Miguel Chevalier/ Espaço Cultural Marcantônio Vilaça, Brasília/ Estação Galeria do Metrô, Brasília / até 22/8

Roberto Burle Marx transplantou as diretrizes do cubismo e do abstracionismo geométrico para a organização de seus jardins de plantas nativas brasileiras. Com isso, correspondeu aos anseios antropofágicos de sua época modernista: devorar as influências estrangeiras para apropriar-se delas, transformando-as ao gosto local. Com 180 itens - entre pinturas, fotografias e projetos -, a exposição comemorativa do centenário de Burle Marx, atualmente em cartaz no MAM-SP, é uma excelente oportunidade de conferir como ele fez de seu paisagismo tropical uma linguagem moderna e internacional. Em Brasília, duas instalações interativas mostram como a mesma flora brasileira e a geometria que conduziram a arte de Burle Marx hoje influenciam as pesquisas de ponta que o mexicano Miguel Chevalier realiza com sistemas generativos e arte interativa.
Natureza ordenada Geometrias organizam tramas de jardins e da orla carioca de Burle Marx

"Jardim é ordem. É impulso ordenado", escreveu Burle Marx, para quem o jardim era um modo de organizar e compor a pintura, utilizando materiais menos convencionais. A ordem determinada pelas formas geométricas aparece cedo em Burle Marx: é visível desde as pinturas em óleo sobre tela dos anos iniciais até o traçado do calçadão da orla carioca, do Aeroporto Santos Dumont ao Posto 6, em Copacabana. "As pessoas passam a compreender melhor o paisagista ao conhecer o artista plástico. São mídias diferentes, mas existe uma unidade", afirma Lauro Cavalcanti, curador da exposição, que depois segue para Recife, Brasília, Estados Unidos, França e Itália.

Chevalier, um pioneiro no uso da arte digital, também apresenta uma proposta de ordenação da natureza e reconhece identidade comum com Burle Marx. "Sua destreza cromática e formal mostra grande interesse pelo cubismo, como ocorre na minha "Fractal Flowers", um jardim virtual em que as flores são levadas ao extremo de sua geometrização. As calçadas do Rio de Janeiro são como uma prefiguração do pixel. A justaposição desses mosaicos cria uma vibração, como nas telas dos computadores", afirma o artista, que se inspirou na "luxúria da flora brasileira" para criar seus jardins virtuais interativos.


Virtuais

Corpos videográficos

Exquisite Corpse Video Pro ject / DConcept Escritório de Arte, SP/ de 11/8 a 22/8 www.vimeo.com/excorpse www.artreview.com/profile/excorpse

Os surrealistas franceses inventaram um jogo que até hoje é praticado e reinterpretado em todo o mundo. No cadavre exquis - ou exquisite corpse, em inglês -, uma folha de papel é dobrada de forma que cada jogador veja apenas uma pequena fatia do desenho realizado pelo jogador anterior. No final do jogo, o papel é desdobrado, revelando a estranheza de um corpo híbrido, construído coletivamente. Nos tempos de compartilhamento de dados virtuais em que vivemos, o método sequencial surrealista pode ser considerado um precursor dos processos de criação coletiva que proliferam na rede mundial de computadores.

A sacada é do grupo Exquisite Corpse Video Project (ECVP), criado e coordenado pela videoartista paulistana Kika Nicolela, que produz vídeos colaborativos inspirados no método surrealista: cada participante cria um vídeo de dez segundos, em resposta aos dez segundos recebidos de outro participante. A soma desses fragmentos resultou em nove vídeos, que estão hospedados no site vimeo e serão exibidos na DConcept Escritório de Arte, em São Paulo.

"O projeto nasceu de minha vontade pessoal de formar comunida des", conta Kika. Ela convidou 36 artistas de 16 países a integrar um grupo na plataforma virtual da Art Review. Entre os artistas figuram o indiano Ambuja Magaji e o dinamarquês Michael Chang. "Criei um grupo de videoartistas entre as pessoas que tinham perfis no site e lancei a ideia da colaboração", diz a artista, que tem no histórico outras iniciativas de formação de espaços colaborativos, fora das instituições oficiais de arte. Em 2006, ela foi uma das coordenadoras das mostras "Paris é aqui" e "Marte é aqui" - esta última mobilizou 72 artistas em exposição na casa da artista.

Fernanda Assef

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 3:14 PM

Museus com grife por Maíra Magro, Istoé

Matéria de Maíra Magro originalmente publicada na revista Istoé, em 14 de agosto de 2009.

O Brasil se alinha à tendência mundial ao criar espaços culturais espetaculares e projetados por famosos arquitetos

Orla futurista
Projetado pelo escritório americano Diller Scofidio + Renfro, a futura sede do MIS, no Rio de Janeiro, terá rampas inspiradas nas calçadas de Burle Marx

Frequentar museus é um programa excelente em todo o mundo. No Brasil não é diferente e, seguindo uma tendência já testada no Exterior, o País começa a investir em espetaculares centros culturais idealizados por arquitetos famosos. O exemplo mais recente é o anúncio do projeto vencedor para a construção do novo Museu da Imagem e do Som (MIS), que será erguido em Copacabana, mudando completamente a paisagem da zona sul do Rio de Janeiro. O concurso envolveu uma grande disputa entre sete importantes escritórios nacionais e internacionais.

O movimento se repete pelo País. Em Vitória será construído até 2011 o Cais das Artes, complexo cultural assinado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha, vencedor do Pritzker, o mais importante prêmio da arquitetura mundial. Também é dele a intervenção em um dos prédios tombados do Circuito Cultural da Praça da Liberdade, em fase de implantação em Belo Horizonte. Em Campinas, no interior de São Paulo, o Museu Exploratório de Ciências terá como sede um edifício arrojado - o projeto acaba de ser eleito em um concurso com mais de 115 concorrentes de 19 países. "Esse é um momento de muita visibilidade para a museologia brasileira", diz José do Nascimento Junior, presidente do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram). São iniciativas bem-vindas, pois o setor nunca teve tratamento tão vip como agora.

MAPA DAS ARTES Um dos prédios do Circuito Cultural, em Belo Horizonte, o Cais das Artes, em Vitória, e o Museu Iberê Camargo, em Porto Alegre: a cultura pensada como incremento ao turismo

Novos tempos se anunciam. Por trás da arquitetura de ponta, está a ideia de transformar esses centros em grandes atrações turísticas, estratégia já testada com o Museu Iberê Camargo, em Porto Alegre, que traz a grife do arquiteto português Álvaro Siza. O governo fluminense, por exemplo, aposta na nova sede do MIS como futuro símbolo cultural de Copacabana. "Temos a ambição de que seja uma referência para nós e para os turistas", diz a secretária estadual de Cultura do Rio, Adriana Rattes. O projeto vencedor é do escritório Diller Scofidio + Renfro, de Nova York, que desenhou a fachada do edifício com rampas e paredes em desnível.

Número de museus no País 2.700

Número de visitantes

2003 - 15 milhões
2008 - 33 milhões

Investimentos do governo no setor

2003 - R$ 24 milhões
2008 - R$ 119 milhões

A arquiteta Elizabeth Diller diz que se inspirou nas calçadas de pedras portuguesas do paisagista Burle Marx. Além de um museu interativo, a nova sede irá reunir os setores de memória, conservação e estudos, atualmente divididos em dois edifícios do MIS.

Outra obra prevista para começar este ano é o Cais das Artes, que será construído na Enseada do Suá, região aterrada em Vitória. Serão dois edifícios com uma estrutura suspensa por pilotis a quatro metros do solo e andares ligados por rampas de vidro. "Há um contraponto interessante com os navios que entram e saem do porto", diz Mendes da Rocha, que já deixou sua assinatura no Museu da Escultura, em São Paulo. Com o mesmo objetivo de tornar a cultura um polo de turismo, Belo Horizonte fez diferente: aproveitou o charmoso conjunto arquitetônico, que deixará de abrigar a sede administrativa do governo de Minas Gerais, para criar ali o Circuito Cultural Praça da Liberdade, conglomerado de cinco espaços para as áreas de ciências, mineração, metalurgia, história, artes plásticas e arte popular.

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 2:59 PM

agosto 18, 2009

Bienal no PR atesta ascensão do Sul por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha de S. Paulo, em 18 de agosto de 2009.

Mostra em Curitiba reúne grandes nomes da arte contemporânea, como Bruce Nauman, Kcho e Marina Abramovic

Dois meses antes da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, Bienal VentoSul inaugura temporada de grandes mostras na região

Do outro lado da grade que montou em frente ao Passeio Público, um artista do coletivo Interluxartelivre fala de como sua obra pensa as coerções do espaço urbano. É uma estrutura metálica com arame farpado, réplica agressiva das cercas do parque no centro de Curitiba.
Falar de dentro de sua armadilha enfatiza a posição de uma obra de arte na cidade e, por extensão, o lugar das exposições. "Trabalho o território, o espaço que conduz a uma questão política", diz Ticio Escobar, curador da Bienal VentoSul, em cartaz na capital paranaense. "São lugares com intensidade muito forte, mas excluídos."
Dois meses antes da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, a mostra curitibana tenta rever essa exclusão e atesta a ascensão do circuito de arte no Sul do país. Tanto a mostra paranaense, agora em sua quinta edição, quanto a gaúcha bateram a marca dos 500 mil visitantes na última edição, número expressivo para cidades fora do eixo. Também há mais dinheiro.
Se a Bienal do Mercosul trabalha com R$ 7,5 milhões para abrir em outubro -e já chegou a custar quase R$ 12 milhões antes da crise econômica-, Curitiba conseguiu R$ 2 milhões para a Bienal VentoSul, o dobro de sua edição anterior.
"Essas bienais estão se firmando na América Latina", diz Escobar, curador paraguaio que também já esteve à frente da Bienal do Mercosul. "Estão se tornando um lugar de debate, não só de espetáculo." No lugar do espetáculo, Curitiba monta uma Bienal especular, com obras espalhadas pela cidade, das grades no Passeio Público a uma estrutura no parque Barigui. É uma sofisticação curatorial que às vezes esbarra na fraqueza das obras, mas que produz um efeito.
Seria uma "nova regionalização", nas palavras de Ivo Mesquita, curador da última Bienal de São Paulo. "Depois que globalizou tudo, vem uma tendência de bienais menores", diz. "São pequenas mostras que trabalham regiões específicas." "As pessoas participam dessa irrupção nas cidades", diz Escobar. "Muitos pensam que uma bienal deve mostrar as últimas novidades, mas deve, na verdade, envolver as cidades."

Transparência
No caso de Curitiba, cidade de lagos e capital brasileira mais próxima de Itaipu, a água virou o fio condutor da mostra. Quando visto de forma literal, esse tema dá vazão às piores obras na exposição: fotos das cataratas do Iguaçu, animações de chuva, até uma releitura da cena do banho de Janet Leigh em "Psicose", de Hitchcock.
Mas vista como metáfora para circulação, coerção, movimento, transparência e reflexo, a ideia da água articula obras mais potentes, começando pelas grades do Interluxartelivre. No Solar do Barão, casarão do século 19, o cubano Kcho constrói uma sala de aula suspensa, sustentada por remos. É uma arquitetura visual que toma partido direto do movimento aquático ou da falta dele. Nessa vertente arquitetônica, o japonês Yukihiro Taguchi desmonta uma casa destinada à demolição e reorganiza piso e paredes em pleno pátio do Solar. Um vídeo em "stop motion", que mostra a destruição e reconstrução da casa, vira uma análise intimista do ritmo da cidade e seus espaços.
A arquitetura vulgar das favelas é revista em obra do maltês Norbert Attard, que recria em Curitiba uma versão das cabanas de caçadores de sua ilha. Sem água, essas, que são as obras mais expressivas da mostra, fazem papel de lago e espelham a circulação atravancada das grandes cidades -um desejo de transparência latente e ainda muito distante.

O jornalista Silas Martí viajou a convite da Bienal VentoSul.

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 6:40 PM | Comentários (1)

agosto 17, 2009

Interpol abre banco de dados sobre bens culturais roubados, Folha Online

Matéria originalmente publicada na Folha Online, em 17 de agosto de 2009.

A Interpol liberou o acesso on-line a seu banco de dados mundial sobre as obras de arte roubadas, ou seja, cerca de 34 mil peças, para lutar contra o tráfico ilícito, anunciou nesta segunda-feira em comunicado a organização internacional de cooperação policial.

Assim, bastará fazer uma solicitação on-line para obter uma senha que permite acessar o site onde estão registrados os bens culturais roubados em todo o mundo.

"O acesso ao banco de dados não será mais limitado aos serviços de repressão, mas também oferecido a todos os órgãos culturais e profissionais do ramo [ministérios da Cultura, museus, galerias de arte, fundações, colecionadores]", diz o comunicado da Interpol, com sede na cidade francesa de Lyon.

O banco de dados permite consultar descrições e fotografias de obras de arte roubadas.

Este avanço, assim como o previsível aumento do registro de bens culturais roubados, deverão constituir um obstáculo importante ao tráfico ilícito, pois cada obra de arte roubada será mais difícil de vender, explicou Karl-Heinz Kind, coordenador do serviço da Interpol encarregado das obras de arte.

"Também será muito mais difícil para um vendedor ou um comprador afirmar que não tinha como verificar se um objeto foi registrado como roubado", concluiu a Interpol.

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 3:21 PM

Por um mundo macio por Paula Alzugaray, Istoé

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Istoé, em 14 de agosto de 2009.

Quando Leda Catunda surgiu, em 1983, pintando sobre toalhas e lençóis estampadas com figuras infantis, foi imediatamente notada. Olívio Tavares de Araújo, um dos principais críticos de arte do período, escreveu, na Isto é, que Leda figurava entre os mais "articulados e brilhantes" participantes da mostra "A pintura como meio", no MAC USP. "Leda não se tornará apenas uma das artistas mais reconhecidas de sua geração pelo seu talento, mas, igualmente, pela persona que a mídia criou para ela", escreveria o crítico Tadeu Chiarelli em monografia publicada pela CosacNaify. O livro, de 1998, faz jus ao peso e relevância da obra desta artista paulistana nascida em 1961. Mas é surpreendente que até hoje ela não tivesse recebido uma panorâmica em um museu brasileiro. Com 70 pinturas, aquarelas e colagens, a exposição na Pinacoteca preenche essa lacuna.
fotos: divulgação

É verdade que a maneira como ela aplicava tinta acrílica sobre almofadas, tapetes, cobertores, capachos e todo o repertório de tecidos domésticos foi determinante para a sedução midiática de sua produção. Era irresistível e surpreendente o modo como ela relançava o conceito de "pintura figurativa", sem pintar figuras, mas aproveitando padrões de estampas industriais que encontrava nos tecidos apropriados. Ao utilizar como tela um quebra-cabeça com a reprodução de "Ronda Noturna", famoso quadro de Rembrandt, Leda referia-se à banalização da imagem e anunciava sua filiação à arte pop crítica e conceitual de Nelson Leirner, de quem foi aluna.

É fundamental conhecer Leda Catunda para entender a arte contemporânea brasileira, simplesmente porque ela reinventou tudo o que mexeu: da pintura figurativa à fotografia. Nos últimos dez anos, depois de muita pesquisa com materiais "moles" e da invenção de uma "poética da maciez", segundo suas próprias palavras, ela começou a revisão do retrato fotográfico. Suas formas arredondadas hoje contêm impressões de fotos sobre voile como um recurso a mais de uso de imagem nas pinturas. "Gosto de pensar numa poética da maciez quando me refiro ao meu trabalho, considerando que são feitos de tecidos, são moles, projetam volumes macios e possuem formas orgânicas sendo geralmente arredondados.

Acredito que a busca pelo conforto é uma característica natural das pessoas e que envolve assuntos relacionados ao gosto e demandas afetivas. É para isso que eu olho no mundo, para as escolhas que resultam soluções confortáveis que cada um desenvolve em torno de si na eleição de imagens, personagens, mitos e paisagens", diz Leda Catunda.

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 2:08 PM

Bienal do Paraná amplia seu mapa por Evandro Fadel, O Estado de S. Paulo

Matéria originalmente publicada no Caderno 2 no jornal O Estado S. Paulo, em 15 de Agosto de 2009.

Em Curitiba, a VentoSul, na 5.ª edição, torna-se internacional, com convidados de 30 países, e privilegia questões ambientais

A quinta edição da Bienal Latino-Americana de Artes Visuais - VentoSul, aberta na segunda-feira em Curitiba, e que se estenderá até o dia 11 de outubro, pretende ser um marco. Deixa de se restringir à América Latina, torna-se internacional e apresenta artistas dos cinco continentes para comprovar que a arte não tem local fixo. "Antes era uma mostra, agora dá a virada", afirmou uma das curadoras, a jornalista Leonor Amarante. São mais de 100 convidados de 30 países que expõem obras e fotografias, realizam intervenções urbanas, participam de programação educacional e, sobretudo, proporcionam discussão sobre a arte contemporânea.

Com o título Água Grande: Os Mapas Alterados, a mostra propõe agora a discussão do tema da água e as modificações geográficas pelas quais o mundo está passando.

"Em Curitiba nasce o Rio Iguaçu (água grande, em guarani), que atravessa o Estado e chega às cataratas, na Tríplice Fronteira. Além de representar a integração dos países, o ciclo prova a importância da água no dia a dia, ela é estratégica não só nas questões ambientais, mas também na política e na economia", disse o curador Tício Escobar, ministro da Cultura do Paraguai.

Leonor Amarante não tem dúvidas de que "num futuro próximo, a água será moeda de troca". Esse tema se une à discussão do espaço da arte e à alteração dos mapas. "Alguns artistas trazem a cidade para dentro dos museus, enquanto outros, ao contrário, vão para a praça pública", destacou. Ela optou por ampliar o horizonte dos expositores, buscando-os em várias partes do mundo, não para fixar os lugares geográficos de cada um, mas para dar um sinal de diversidade. "Quis que fosse aberta", salientou. "A arte altera os mapas, inventa lugares, levanta limites e transfere locais." Mensagem direta em relação à propalada futura escassez de água e à importância que o tema ganhou no centro dos debates geopolíticos vem do canadense Jean-Yves Vigneau. No lago que circunda a Ópera de Arame ele apenas cravou em grandes placas: "H2O = $." Um alerta e uma discussão pretendida pelo curador Tício Escobar. "À obra não basta ser só estética, porque ela é um meio, um momento e não um fim", acentuou. "A arte mostra os conflitos e também o possível, aquilo que poderia chegar a ser." Segundo ele, a água é um ótimo ponto de partida para se discutir as mudanças que ocorrem com a globalização. "Dentro dela nada pode ser fixo, ela é um território instável, flutuante", ressaltou.

Uma das propostas artísticas destacadas pelos curadores é a transgressão dos limites geográficos estabelecidos pelos mapas, a discussão sobre o sentido da imagem no contexto em que foi massificada pelo mercado e a custódia da poesia em mundo desencantado. Por isso, não se restringiu qualquer proposta de discussão conceitual. "Tudo se transforma em arte", destacou Leonor Amarante.

Em uma das salas do Solar do Barão, no centro de Curitiba, o visitante poderá levar um susto ou até sentir-se profundamente chocado. O colombiano Fernando Arias apresenta, em duas televisões, cirurgias reais de vasectomia e de laqueadura. Entre elas, uma fotografia do Oceano Pacífico banhando a floresta colombiana. "As imagens são de uma realidade que choca, mas são humanas", disse o artista. "E ali está a mãe Terra." Apesar de entender que "somos muitos na Terra", Arias afirmou não estar "incentivando nada". "A interpretação é aberta", salientou. "O artista tem que ser neutro." O japonês Yukihiro Taguchi tem andado pelo mundo a reorganizar espaços. Em Curitiba, ele desmontou uma casa em um dos bairros da cidade e, com as tábuas, vigas e telhas recriou uma espécie de tenda no Solar do Barão. Dentro, o visitante poderá assistir a vídeos mostrando todos os passos do trabalho que realizou. "O importante é o momento da construção e eu espero que todos tenham o sentimento de realização igual ao meu."

A búlgara radicada na Alemanha Mariana Vasileva trouxe o vídeo Toro, que pode ser apreciado no Memorial de Curitiba. Nele, um homem tenta tourear o mar. "É para mostrar como o mar é grande e o ser humano tão pequeno", destacou a artista. Com o tema Mais Respeito e Menos Violência, o cubano Kcho montou uma sala de aula. Mas as carteiras foram colocadas sobre remos de 1,80 metros. Pretende mostrar que os homens, alunos da vida, podem enxergar o que existe além de si mesmos.

Os remos dão a sensação de movimento, de travessia. "É importante que a arte sempre tenha uma mensagem positiva, pois ela é uma das conquistas mais importantes do homem", afirmou ainda.

O grupo Interluxartelivre não precisou andar muito. Formado por dez artistas e intelectuais curitibanos, eles chamaram a atenção com uma apresentação em bicicletas, em um dos cruzamentos da cidade, chamando a população a sair da "bolha". "É um convite a sair do carro e vir se divertir", disse Juan Parada, um dos integrantes da trupe. "É um questionamento sobre a mobilidade urbana e um estímulo ao uso de bicicletas." A trupe também instalou uma espécie de labirinto feito de grades próximo ao Passeio Público. "Este era o local de passeio das famílias, que agora se transferiram para o shopping em frente", informou Cláudio Celestino.

A Bienal VentoSul ocupa vários museus e espaços artísticos de Curitiba, além de praças e ruas. É uma promoção do Instituto Paranaense de Arte, em conjunto com a Fundação Cultural de Curitiba. Todas as atividades são gratuitas. Após o encerramento em Curitiba, algumas obras e eventos selecionados serão apresentados em Foz do Iguaçu, Florianópolis, Fortaleza, Brasília, Assunção e Buenos Aires.

Posted by Ana Elisa Carramaschi at 1:39 PM | Comentários (2)

agosto 14, 2009

Depois do que Suzana me contara por Ana Maria Maia

ANA MARIA MAIA
Especial para o Canal Contemporâneo

Semana a semana, acompanho aqui pelo Canal Contemporâneo o abre e fecha de eventos e exposições no Rio de Janeiro. Primeiro recebendo material de divulgação para a Agenda e os Enformes e depois lendo a imprensa local, que abastece, junto com a pequena parcela de veículos que pautam arte contemporânea no país, o blog Como atiçar a brasa. Vinha, à distância, admirando-me com o vigor dos espaços e da produção carioca recente, até que tive a oportunidade de ir à cidade e otimizar visitas em dois dias de estada.

Como já chegara de certa forma pautada por leituras prévias, resolvi assumir este relato de viagem como uma costura de textos, um pretenso diálogo com as considerações feitas por jornalistas como Suzana Velasco (O Globo), Monique Cardoso (Jornal do Brasil) e Camila Molina (O Estado de S. Paulo). Resolvi atiçar eu mesma esta brasa, já que, nas visitas que fiz, pude fertilizar pensamentos e memórias, agora em leituras vivas, in loco. Abaixo narro meu roteiro, midiático e físico, depois do que a imprensa me contara.

Iran do Espírito Santo na Artur Fidalgo
A Artur Fidalgo é aparentemente a galeria carioca que abre mais cedo. Eram 10h quando cheguei a En passant, quarta versão da obra cromática e ambiental de Iran do Espírito Santo. A instalação está na coleção de Inhotim e também já foi montada nas galerias do artista em São Paulo (Fortes Vilaça) e em Nova York (Sean Kelly). Na Artur Fidalgo, ela adequa às pequenas proporções do espaço seu degradê de 54 tons de cinza, entre o branco inicial e o preto final.

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Em “Crítica ao mercado dentro de uma galeria”, publicada n´O Globo de 23 de julho, Suzana Velasco esclarece, citando entrevista com Iran: “para o artista, não se trata de uma briga com o mercado, mas um comentário sobre a contaminação da produção de arte pelas exigências de feiras e galerias”. Confesso que nunca tinha enxergado esse comentário naquele trabalho, apesar de considerar os limites que, a despeito da polidez objetual das demais obras do artista, impõe a qualquer intento expográfico e colecionista.

Estando numa galeria, tabelada e catalogada conforme todo o resto do acervo, a instalação de fato polariza suas atribuições institucionais e comerciais. De dentro desta célula de um ramificado sistema econômico-cultural, ela não só desafia a instituição a lidar com as simbioses da era dos patronatos público-privados, mas também desvela o incorporar de estratégias institucionais, como as curadorias e, neste caso, a exposição de artigos dificilmente vendáveis, pelo mercado.

Diante dessa contaminação mútua, diria, o campo de ação do artista e do crítico da cultura, como bem aponta Iran, parece mesmo estar nos cinzas.

Carlos Contente na Gentil Carioca
De cinzas é feita a Gentil Carioca, para onde segui para ver Compradores de mundo, de Carlos Contente. Galeria pensada por artistas –Ernesto Neto, Laura Lima e Márcio Botner-; fora da Zona Sul, vizinha ao Saara, no Centro, a Gentil articula produção e mercado recorrendo à problematização e à proposição de alternativas para o modelo tradicional de circuito de arte.

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Esta postura crítica e auto-referencial dá a tônica das pesquisas de alguns dos artistas de seu casting, como Ricardo Basbaum e o próprio Carlos Contente, que reúne nesta individual algumas de suas já conhecidas sátiras sobre a relação entre personagens tais quais o artista, o colecionador, o galerista.

Em narrativas autorais, Contente comenta episódios e sentimentos seus na qualidade de artista pertencente ao sistema. Seus desenhos, esculturas e objetos indicam o vínculo inicial com os quadrinhos e o grafite, mas agora tematizam a obediência às regras do universo formal da arte. “Apesar das constatações, Contente não adotou o tom de reclamação. Faz questão de frisar que não se vê, e que não vê o artista em geral, na condição de vítima. É uma peça no tabuleiro”, completa Monique Cardoso, em matéria de 10 de julho para o Jornal do Brasil.

Laura Lima na Laura Alvim
Em Nuvem,me deparo com um braço repousante, luminária a punho, sobre uma prateleira adaptada a uma parede. Era mais um “corpo” de Laura Lima, agora exposto na condição de parte. Seu claustro, junto aos de mais alguns corpos ali presentes, todos exercendo alguma função, aumentavam a sensação de arrepio naquele ambiente igualmente lúdico e soturno. Lúdico porque ativado para uma cooperação criativa com o público. Soturno porque não se sabe ao certo a origem e a duração desse trato de cooperação.

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Dentro da galeria, existem, além dos “corpos”, fotografias de um livro sobre art nouveau manipuladas digitalmente; esculturas de chocolate e bala de menta submetidas à ação da beira mar; e janelas abertas para o aviso negligente de “permitido fumar”. No fomento à fumaça e à cinza, a artista, naquele dia ali presente, fumando diante de uma tabacaria montada numa das salas, aponta para seu interesse pela escultura. “Existe uma oscilação na disposição das obras, relacionada à própria fumaça, que num momento é tão concreta, mas logo se dissipa”, diz, não a mim, mas a Suzana Velasco em “É permitido fumar e ter delírios na galeria surrealista de Laura Lima”, de 29 de julho.

Assim, não só as obras de Nuvem mas também o próprio espaço físico da Laura Alvim têm suas materialidades redefinidas por Laura Lima. Como nas fotografias em que salas e quartos do século XIX ganham elementos da intervenção da artista, a arte e a arquitetura aparecem, nesse caso, também como eventos a serem significados.

Gary Hill no Oi Futuro
Sobre materialidade, posso imaginar que também pensa Gary Hill. Ao menos, ao visitar a individual O Lugar sem tempo, até setembro em cartaz no Oi Futuro, no Rio, e a partir de janeiro de 2010 montada no MIS de São Paulo, penso que ele deve pensar. O consagrado artista americano parece criar em vídeo aberturas para o real. Viver na tela projetada o sentido corpóreo da presença.

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As cinco videoinstalações que apresenta, feitas entre 1996 a 2008, são exemplos desse uso que faz da linguagem vídeo em substituição à experiência. Dentre elas, destacaria, no entanto, Up against down, em que o próprio Gary, em vídeo-performance, tensiona seu corpo contra cada uma das paredes do vão expositivo. Em entrevista a Camila Molina, do Estado de São Paulo, o videasta diz querer promover nesta e nas demais obras a interatividade, ou a “sanfonização do tempo”, como chama.

Com essa figura espacial, Gary me convence de que, mais do que narrar a ausência de linearidade do tempo própria às produções em vídeo, está atento aos efeitos que esta narrativa expandida impõe sobre a percepção do lugar de convívio entre os homens.

Atiçando a Brasa, por fim
Volto do Rio agora tendo dialogado, a minha maneira, não só com Suzana Velasco, Monique Carsoso e Camila Molina, mas também com Iran do Espírito Santo, Carlos Contente, Laura Lima e Gary Hill.

Parti da imprensa e volto para ela de modo a encerrar este percurso pensando nossas monologias, de escrita e de leitura. Se, por um lado, emitimos mensagens encerrados em nossos gabinetes de trabalho, por outro as recebemos também sozinhos e calados, desapercebidos da rede que nos une através de estratégias de comunicação pública como a imprensa e as comunidades digitais, vide este Canal Contemporâneo.

Minha experiência foi motivada pela vontade de repercutir falas de outros e exteriorizar os efeitos dos agendamentos que criaram sobre mim. A busca, o contato, as leituras in loco. O encerramento de um ciclo para abertura de outros possíveis, quem sabe, de volta a este blog.

Posted by Ana Maria Maia at 6:27 PM

agosto 13, 2009

Abandono e incompreensão ameaçam legado de Burle Marx por Daniel Jelin, estadao.com.br

Matéria originalmente publicada no site estadao.com.br, em 03 de agosto de 2009.

SÃO PAULO - Haruyoshi Ono não pode acreditar. Um dia depois de contar ao estadao.com.br que o Parque do Flamengo, no Rio, era a "menina dos olhos" do paisagista Roberto Burle Marx, o prefeito da cidade, Eduardo Paes, postou no Twitter a intenção de promover justamente por lá a etapa inaugural da temporada 2010 de Fórmula Indy. "Só posso achar que é brincadeira. Somos totalmente contra", reage o ex-assistente e depois sócio do mais célebre paisagista brasileiro, cujo centenário de nascimento é lembrado nesta terça-feira (4).

O episódio ilustra bem a constante ameaça que ronda o legado de Burle Marx, inventor do jardim moderno brasileiro. O parque é, entre mais de 2 mil projetos, um dos mais bem sucedidos de Burle Marx. É exemplo único de projeto tombado mesmo antes de ser concluído, nos anos 60, tamanho o impacto da obra. Mas isso nem o livrou de intervenções imprevistas - como a Marina da Glória, que se fez por uma canetada durante regime militar - nem garante sua devida manutenção. Há uma década, o parque passou por obras de recuperação, mas hoje seu estado, na descrição do arquiteto Eduardo Barra, é "lastimável". "Se isso ocorre num parque daquelas proporções, imagine nos espaços menores, mais escondidos", diz.

Esta inquietação levou a Associação Brasileira de Arquitetos Paisagistas em 2007, então presidida por Barra, a solicitar o tombamento de toda a obra de Burle Marx no Rio, cidade em que o paisagista imprimiu uma série de marcas: o calçadão da Avenida Atlântica, os jardins do MAM, do Largo da Carioca e outras dezenas de obras. "É uma forma de frear esse arroubo de criatividade de nossos governantes e mesmo de alguns profissionais que ainda não compreenderam a importância do legado do mestre", diz Barra, dando por exemplo a intenção de um colega de interferir em uma obra de Burle Marx "transformando-a de contemplativa em interativa, seja lá o que isso venha a significar".

O pedido de tombamento foi encampado pela prefeitura e - surpresa - resistiu à troca de administração, em 2008. Mas ainda está no papel: estuda-se agora uma relação de 80 a 100 obras para o tombamento, mas não há previsão para que seja concluído.

Recife, em que Burle Marx também imprimiu uma forte identidade paisagística, está na frente. O inventário de obras está pronto e aguarda-se para este ano o tombamento de seis praças públicas, tanto no âmbito estadual (Fundarpe) como federal (Iphan). E o mais importante: três praças já foram reformadas, uma já tem o plano de restauro pronto e em outras duas nem precisa mexer porque estão razoavelmente bem conservadas, informa a arquiteta Ana Rita Sá Carneiro, especialista em Burle Marx e coordenadora do Laboratório da Paisagem, da Universidade Federal de Pernambuco.

Outros jardins de Burle Marx não tiveram a mesma sorte e sumiram completamente da paisagem: desde jóias privadas, como os da residência de Carlos Somlo, em Teresópolis, até os pátios da Unesco, em Paris, que foram destruídos em uma criticada reforma nos anos 90. Outros se desfiguram e somem aos poucos, como o Jardim das Nações, em Viena, cuja ruína é testemunhada pelo arquiteto paisagista Erich Proglhof, brasileiro de São José dos Campos que mora há 22 anos na capital austríaca. Seu estado atual é "deplorável", conta.

EFÊMERO

"Paisagismo é arte efêmera", diz o arquiteto Guilherme Mazza Dourado. "Se você não tiver um cuidado sistemático, desaparece", ensina. Dourado está lançando o livro 'Modernidade Verde'. A obra é resultado de uma longa pesquisa que teve por ponto de partida uma entrevista concedida por Burle Marx em 1991, três anos antes de sua morte, e cujo registro em áudio o estadao.com.br publica agora pela primeira vez.

O arquiteto tem boas memórias do encontro. "Cheguei temeroso", escreve, na apresentação do livro, "sem saber como proceder diante de uma figura mítica do paisagismo moderno". Acabou por descobrir "um senhor muito afável, espontâneo, comunicativo e que não fazia a menor questão de manter uma cerimoniosa distância de mortais como eu".

O trabalho de Dourado tem o mérito de manter distância do folclore que envolveu o trabalho e a vida do paisagista e se apoiar numa pesquisa cuidadosa e documentada, que, antes do livro, lhe rendeu em 2000 o título de mestre pela Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo. Centrou foco no que chama a maturidade profissional de Burle Marx, cobrindo dos jardins públicos do Recife, nos anos 30, à implantação do Parque do Flamengo.

VIVER A ARTE

Roberto Burle Marx nasceu na Vila Fortunata, na Avenida Paulista, de mãe pernambucana (Cecilia Burle) e pai judeu alemão (Wilhelm Marx, de longínquo parentesco com o famigerado Karl, segundo o folclore familiar). Em 1914, a família mudou-se para o Leme, no Rio, e dessa mudança o pequeno Burle Marx guardou a imagem da mãe transplantando roseiras de uma cidade a outra. Tal cultivo Burle Marx mais tarde iria combater, em favor de espécies da flora brasileira. Dizia que não se pode esperar que uma rosa repita nos trópicos o desempenho que lhe é natural em clima temperado. De qualquer forma, o paisagista creditava à sua mãe o amor às plantas e a lição de que "a arte deve ser vivida".

Foi bem o que ele fez. Antes de se tornar o notório paisagista, já era um premiado pintor, depois escultor, gravurista, figurinista, tapeceiro, ceramista, designer de joias e, informalmente, ainda cantava. Criança, foi vizinho de frente de Manuel Bandeira, a quem divertia com seus desenhos. Foi amigo de infância - e por toda a vida - de Lúcio Costa. Estudou com Oscar Niemeyer e Hélio Uchoa. Foi aluno de Leo Putz e Portinari. Deu aula para Ligia Clark.

Quer dizer, Burle Marx exerceu diversas formas de expressão e dialogou com alguns de seus mestres, e a pesquisa de Dourado é bem sucedida ao apontar conexões entre seu paisagismo e o meio cultural da primeira metade do século 20. Como outros modernos, ele também descobriu o Brasil no exterior, ao encantar-se com espécies da flora nacional em uma estufa na Alemanha. Como outros modernos, também alimentou-se das vanguardas europeias, em particular do repertório de curvas de pintores abstratos, marca de seus trabalhos mais conhecidos. Finalmente, também procurou imprimir em seus jardins certo caráter brasileiro, "como Tarsila do Amaral na pintura e Villa-Lobos na música", explica Dourado.

O pesquisador anota que, à época em que Burle Marx se decidia pelo paisagismo, "os poetas, os pintores, o movimento moderno em geral também estava olhando para a paisagem, e alguns elementos vegetais se tornaram muito emblemáticos."

CACTOS

Um destes elementos emblemáticos é o cacto, presente em Tarsila do Amaral, Lasar Segall, Manuel Bandeira, entre outros. Pois Burle Marx, convidado a assumir a direção de Parques e Jardins de Recife em 1935, foi justamente propor o Cactário da Madalena, que espantou Recife ainda mais que seus lenços e paletós coloridos. Depois rebatizada Euclides da Cunha, a praça resume bem uma questão cara ao movimento moderno, a expressão da identidade brasileira, e outra especificamente importante para o paisagista: o sucesso ecológico de um jardim.

Era a ruptura. Era o fim do paisagismo de importação. Daí em diante Burle Marx passaria a explorar sistematicamente espécies das matas tropicais, de restinga, do cerrado. Passou a viajar o País a fim de alargar seu vocabulário botânico e acabou alargando a própria botânica: descobriu diversas espécies e batizou pelo menos 14 e ainda todo um gênero novo, o Burlemarxia spiralis. Adquiriu em sociedade com o irmão Guilherme o Sítio Santo Antônio da Bica, em Barra de Guaratiba, que se tornaria um fabuloso laboratório paisagístico e, por fim, sua residência, onde chegou a colecionar 3,5 mil espécies de plantas.

O livro de Dourado é repleto de projetos originais que permitem conhecer este rico repertório (incluindo um índice botânico), mesmo no caso de obras que nunca saíram do papel, como a Praça Santa Rosa, em Belo Horizonte. É um caso exemplar. A área destinada ao projeto, nos anos 40, não parecia prestar: seca e pedregosa. Mas para Burle Marx isso foi antes um estímulo, a que respondeu empregando seu mais extenso programa vegetal, com 191 espécies diferentes, incluindo uma vasta série de plantas adaptadas aos rigores da região. "Era a vegetação das Minas, de cerrado", diz Dourado. "E não havia viveirista que oferecesse. Acho que isso foi um dos motivos que inviabilizaram o projeto."

A ESCOLA

Das viagens pelo Brasil e do interesse botânico, nasceu sua militância pela preservação ambiental. Desde os anos 40, Burle Marx aproveitou toda oportunidade para alertar contra o desmatamento. "É preciso proteger a natureza como repositório da beleza", pregava. "Ninguém quer confinar as pessoas em suas áreas de origem ou impedir a instalação de fábricas, mas é preciso mais talento para que essa ocupação ocorra sem prejuízo generalizado" Às vezes, parecia se render: "O brasileiro não gosta de planta. É um grande depredador." Mas a cada nova entrevista, cada nova premiação, voltava à carga, cobrando ora o combate ao desmatamento, ora a criação de mais áreas verdes nas cidades, ora a conservação de sua própria obra.

Embora preferisse os parques públicos, de um modo geral foram os jardins privados que tiveram melhor sorte, como o da residência Odete Monteiro, atual Fazenda Marambaia, no Rio de Janeiro. Em impecável estado de preservação, este jardim era um dos mais queridos do paisagista, na lembrança de Haruyoshi. É também um dos mais premiados, desde a Bienal de São Paulo. "Burle Marx traz o cenário das Serra dos Órgãos para dentro do jardim", descreve Dourado. "É assombroso."

Por lá Burle Marx experimentou uma de suas últimas paixões, as veloziáceas - como a canela-de-ema. "Ele gostava de todas as plantas, mas tinha suas preferências", conta Haruyoshi. "Uma época ele gostava muito das aráceas (dos filodendros e antúrios). Depois passou para marantáceas, bromeliáceas, palmáceas e, principalmente no final da vida, as veloziáceas." Ao morrer, em 1994, Burle Marx já havia deixado sua marca por diversas cidades, um sítio tombado como patrimônio histórico e uma escola: "Ele inovou o aspecto da composição de um jardim, utilizando a flora brasileira, a exuberância das folhagens", diz Haruyoshi.

RETROCESSO

Mas tanto Dourado, em São Paulo, como Proglhof, em Viena, enxergam certo retrocesso na influência exercida por Burle Marx. "Vou ao Brasil pelo menos duas vezes ao ano e percebo que muita gente o venera sem realmente entender seu trabalho", diz Proglhof. "Basta observar como o gosto geral vem regredindo para a estética medíocre americanizada de jardim 'limpo' de condomínio", completa - ressalvando, claro, que muitos profissionais nem vivem à sombra de Burle Marx, nem se rendem ao que chama de "disneyficação" da paisagem.

"Estamos vivendo um momento retrógrado", confirma Dourado. "Hoje, novamente, se voltou a valorizar muito mais o que vem de fora." E não se trata dos jardins temáticos saídos das revistas especializadas. "É pior. É uma imitação do jardim clássico francês, que chega até nós via Miami, com plantas podadas, para adquirir volumes, elementos geométricas, imitando pequenas paredes", descreve. "Estamos reproduzindo o pior que tem nos Estados Unidos e filtrando uma tradição francesa que nem tem a ver com o que era a tradição francesa."

"O QUE O PODER PÚBLICO COSTUMA FAZER"

Haruyoshi teme pela obra do mestre. Receia que um dia ela só seja conhecida em livros como o de Dourado. Ou em mostras, como 'A Permanência do Instável', que está em cartaz em São Paulo, no Museu de Arte Moderna, e 'Burle Marx por Gautherot', que será aberta dia 8 no Rio, no Instituto Moreira Salles (que, diga-se, exibe um de seus mais belos e bem conservados jardins). Não seria surpresa nenhuma para Burle Marx. Dizia que no Brasil jardim é feito para a festa de inauguração, a que se segue "o que o poder público costuma fazer com suas obras: abandoná-las".

"Modernidade Verde - Jardins de Burle Marx", de Guilherme Mazza Dourado (Senac São Paulo, Edusp; 320 páginas; R$ 90). Lançamento: 18 de agosto, 19h, Livraria Martins Fontes.

"Roberto Burle Marx 100 Anos: A Permanência do Instável", Museu de Arte Moderna, Pq. do Ibirapuera, portão 3, tel. 11 5085-1300. Das 10h às 17h30 (fecha 2ª). Até 13/9. Ingresso: R$ 5,50 (dom. grátis).

"Burle Marx por Gautherot", IMS-RJ, Rua Marquês de São Vicente, 476, Gávea, tel.: 21 3284-7400. De 8 de agosto a 27 de setembro de 2009.

Posted by Cecília Bedê at 3:29 PM

agosto 11, 2009

Cravo Neto transgrediu códigos da fotografia por Eder Chiodetto, Folha de S. Paulo

Matéria originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 11 de agosto de 2009.

Artista, que morreu domingo, buscava manifestações cósmicas no cotidiano

"UM MOMENTO de beleza é um momento de encontro", escreveu o artista Mario Cravo Neto, morto no último domingo em Salvador, aos 62 anos. E a beleza de sua arte, de fato, se explica em boa parte pela criação de um espaço simbólico de celebração de encontros. Sua fotografia promove de forma singular a junção entre realidades visíveis e as fronteiras do ficcional, entre mito, vida e arte. Sua percepção aguçada o levou a perceber, nos gestos cotidianos, manifestações cósmicas onde se podia entrever a origem do universo. O ancestral embutido no banal.

Esse caráter metafísico de seu trabalho foi gestado, não há como negar, pelo ambiente artístico e sincrético de Salvador, na Bahia, onde nasceu, foi criado, viveu e, por fim, transformou no pano de fundo de sua obra. "Na Bahia encontra-se o que a gente tem carinhosamente em comum e não agressivamente o que tem de diferente", escreveu nos agradecimentos do livro "Laróyè" (Áries Editora, 2000), sem dúvida, um dos mais belos, importantes e vigorosos livros de fotografia já editado no Brasil. "Laróyè" é uma saudação em iorubá para o exu, entidade controversa adorada por Cravo Neto.

Além do cenário, havia a família e seu entorno a contribuir. O escultor Mario Cravo Junior, seu pai, ao saber naquele abril de 1947 que sua mulher estava em trabalho de parto no hospital, optou por ficar em casa, de frente para o mar, ouvindo "Prélude à l'Après-midi d'un Faune", de Claude Debussy. Depois, levaria seu pequeno "fauno" para conviver com artistas e intelectuais de sua geração como Jorge Amado, Pierre Verger, Carybé e Pietro e Lina Bo Bardi, entre outros tantos.

Trabalhando em paralelo com a escultura e a fotografia desde os 17 anos, Mariozinho, como seria sempre chamado pelos mais íntimos, aprimorou seus estudos após morar em Berlim com o pai e rodar a Europa. Estudou com o fotógrafo Max Jacob e com o pintor modernista italiano Emilio Vedova (1919-2006). Em 1968, estudou na Arts Students League, em Nova York.

Num dado momento da carreira, percebeu que seria impossível manter em paralelo as atividades de escultor e fotógrafo. Optou pela segunda. "Jorge Amado, assim como outros, gostavam de minhas fotos e diziam que eu devia me dedicar só a ela", contou.

Um sério acidente de carro em 1975 o deixou com as duas pernas quebradas e sobre uma cama por cerca de um ano, levando-o à fotografia de estúdio. Iniciou assim as séries em preto e branco "O Fundo Neutro" e "Meus Personagens", as mais conhecidas de sua trajetória e que constam nas mais prestigiadas coleções particulares e públicas do mundo como a do MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), a do Tokyo Institute of Polytechnics, a da Fundação Cartier (Paris), entre muitas outras.

Arte colecionável
No contexto da fotografia de arte brasileira, Cravo Neto tem uma importância fundamental: foi um dos primeiros a ter sua obra valorizada pelo mercado de arte internacional, a introduzir no Brasil a ideia da fotografia como objeto de arte colecionável, a discutir tiragem, qualidade de cópia etc.
Para além desse aspecto, a obra de Cravo Neto continuará a ser uma chave fundamental para se discutir um tipo de arte que utiliza elementos mínimos para expressar a ancestralidade do homem, seu lugar no universo, a poética que envolve a noção de passado e futuro etc.

Foi assim, por exemplo, que se deu sua incursão no candomblé. Ao fotografar os ícones ritualísticos da religião afro-brasileira, Cravo Neto buscava de forma muito peculiar conectar objetos, pessoas, atmosfera, símbolos e mitos organizados em sua beleza escultórica para celebrar a pulsão de vida da matéria. A morte como parte dessa pulsão, um ciclo que não cessa.

Com Cravo Neto, a fotografia transgrediu códigos e ampliou suas possibilidades de representação. São raros os artistas que conseguem ampliar o repertório de sua arte dessa maneira. E raros artistas não morrem jamais. Laróyè!

Posted by Cecília Bedê at 4:43 PM

Iconoclastia de Paulo Brusky é sintetizada em livro, Jornal do Commercio

Matéria originalmente publicada no Jornal do Commercio, em 20 de julho de 2009.

O artista plástico Paulo Bruscky era um homem com pressa. Sua obra – pouco compreendida e isolada em Pernambuco, na sua época – precisou de novos meios para se fazer existir. Foi assim, meio por necessidade, meio por alinhamento às ideias da arte conceitual em formação, que Bruscky aderiu e ajudou a formatar a arte postal.

Durante anos, ele trocou correspondências com artistas de vários países. Em microcartas, cartões postais e envelopes, o artista, a seu modo – iconoclasta, sintético e irônico – também ajudou a denunciar a ditadura militar no Brasil. Parte desta história está contada no livro Paulo Brusky: arte em todos os sentidos, um registro da sua exposição na última Bienal de Havana, escrito pela crítica e curadora de arte Cristiana Tejo, que será lançado nesta segunda-feira (20), às 18h, no Museu do Estado.

Embora a arte postal represente uma parte significativa do trabalho de Paulo Bruscky, ela não é a única tratada pelo livro. Outras obras, como poemas-perfomances, os livros de artista, as pichações e as experiências com xerogravuras (gravuras feitas em máquinas de xérox) também estão presentes na obra, que é publicada com apoio dos governos do Estado de Pernambuco e Federal. A diversidade de materiais, suportes e formatos disponíveis no trabalho de Paulo Bruscky está ligada à maneira livre como o artista sempre explorou as possibilidades criativas da arte contemporânea.

Apesar de toda essa pluralidade de imagens, o livro ressalta que é no pensamento, na linha de condução de todas essas peças, que Bruscky mantém sua unidade. O artista é um autor de não-manifestos por excelência. Entre as suas criações há frases-título como “O que é arte? Para que serve?” e a obra Limpo e desinfetado, na qual se lê: “Artistas prontos para exposições, salões, bienais, convenções, debates, acontecimentos, performances, cursos, sessões de tempestade cerebral, etceterarte...”.

“A arte é uma forma de ver, não de fazer” é outra máxima repetida por Bruscky – e que bem expressa tanto seu pensamento quanto sua estética, como lembra Cristiana na abertura do livro. O Museu do Estado fica na Av. Rui Barbosa, 960, Graças.

Posted by Cecília Bedê at 3:29 PM

Mostra revela mundo onírico de Marc Chagall por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 07 de agosto de 2009.

Maior exposição do artista russo já feita no país está em cartaz em Minas Gerais

Mais de 300 obras do artista, mestre do século 20, estão em museu mineiro e vão depois ao Rio, para o Museu Nacional de Belas Artes

Mesmo a morte em Chagall é sublime. Suas flores carregadas de cor não parecem, mas são símbolo de vida frágil. Estão sempre ao lado de amantes, como se marcassem o tempo que resta de êxtase sobre a Terra. Talvez porque o tempo do artista também pareceu medido a conta-gotas. Escapou aos massacres de judeus em sua Rússia natal, fugiu de tropas nazistas que invadiram a França onde se radicou. Numa ironia feliz, Marc Chagall morreu de velho: fez a última gravura, almoçou e dormiu para sempre aos 97.

Na mesma placidez, Chagall escondeu todo o horror sob mantos vibrantes de azul marinho, cor-de-rosa, verde e púrpura. Mais de 300 obras, entre telas, gravuras e esculturas, na Casa Fiat de Cultura, em Belo Horizonte, dão as coordenadas desse universo onírico: homens e animais flutuantes, contornos esmaecidos, luz matizada. "Ele tem essa vibração da cor", diz Fábio Magalhães, curador da mostra. "Por isso, num mundo tão escatológico quanto o da arte contemporânea, Chagall desperta tanto interesse."

Vacas voadoras
Destoa de tudo hoje e destoava então. Em pleno auge do construtivismo russo, no começo do século 20, bolcheviques perguntavam a Chagall o que suas vacas voadoras tinham a ver com a Revolução Russa. Ele rompe com os líderes do movimento, mas não descarta certa geometrização em suas telas com animais, violinistas e amantes em voo livre.

Se não tem a ver com a revolução, tem a ver com a tradição do hassidismo judaico, que pregava a busca do êxtase nas relações com Deus e suas criações no mundo terreno. Chagall mescla tradições e arma um universo cor-de-rosa -a série de gravuras "Dafne e Cloé" é talvez o exemplo mais sólido, na mostra, desse mundo paralelo, embevecido de cores.

Filho de açougueiro, Chagall não esquece bezerros, vacas e os animais de sua vila. Mais tarde, em Paris, tudo ressurge como sonho, cenário pastoril fundido à metrópole que embala toda a sensualidade delicada.

Chagall acabou sendo um amálgama de vanguardas. Nas primeiras paisagens, banais e um tanto esquemáticas, tenta seguir a arquitetura visual de Cézanne -cilindros, cones, esferas. Mais adiante, descobre a selvageria dos campos cromáticos de Matisse. Não chega a destruir a lógica, como os surrealistas, mas desloca tudo de lugar e reorienta o olhar.

O jornalista Silas Martí viajou a convite da Casa Fiat de Cultura


Posted by Cecília Bedê at 3:05 PM

Vale, Cultura? Vale! por Marcos Sampaio, O Povo

Matéria de Marcos Sampaio originalmente publicada na seção Vida e Arte do O Povo, em 08 de agosto de 2009.

Com a chancela de "urgência urgentíssima", foi enviado ao Congresso Nacional o projeto de lei que cria o Vale Cultura. A iniciativa propõe inverter a lógica de incentivo cultural, passando a investir no consumo. O Vida & Arte Cultura de hoje descreve como funciona a nova lei e mostra quem sai ganhando, caso ela seja aprovada

E já se vão 18 anos desde que foi criada a lei nº 8.318, conhecida como Lei Rouanet de Incentivo à Cultura. Infelizmente, esta lei federal chega à sua maioridade cercada por uma série de críticas. Entre elas, o privilégio aos realizadores do Sudeste e o fato de ela incentivar a produção, e, não, o consumo. Nas palavras do ministro da Cultura, Juca Ferreira, ela é “imperfeita, perversa e pouco democrática”. Após tantas divergências, o que mais se fala entre os produtores de cultura é em reforma desta lei ou na criação de novos mecanismos de democratização da cultura.

No último dia 23, numa cerimônia realizada no Teatro Raul Cortez, na sede da Federação do Comércio de São Paulo, um passo decisivo foi dado nesse sentido. Diante de uma plateia repleta de celebridades políticas, foi lançado oficialmente o projeto de lei que cria o Vale Cultura. De acordo com o texto do projeto, os trabalhadores terão direito a um crédito mensal de até R$ 50 para serem gastos exclusivamente com produtos culturais.

“O Vale Cultura é um mecanismo de reforma da Lei Rouanet criado dentro de um novo modelo de financiamento que prevê o incentivo ao consumo de cultura”, explica Roberto Nascimento, secretário federal de fomento e incentivo à Cultura. Segundo ele, pelos dados oficiais, a lei, se aprovada pelo Congresso, poderá atingir algo em torno de 12 milhões de trabalhadores formais. Caso todos os trabalhadores brasileiros optem por utilizar o benefício, isso terá um custo de R$ 2,5 bilhões por ano aos cofres públicos e injetará R$ 7 bilhões no mercado de cultura. “Não existe o hábito de se consumir cultura como teatro, cinema. Por isso, temos potencial para crescer”, avalia.

Todo trabalhador de carteira assinada terá direito ao Vale Cultura, desde que seu empregador esteja disposto a oferecê-lo. E é direito do trabalhador optar entre receber, ou não, o valor correspondente ao benefício. Caso queira, o trabalhador que ganha até cinco salários mínimos poderá arcar com até 10% do valor do crédito (R$ 5). Para os demais, que ganham acima desse patamar, o desconto poderá variar entre 20 e 90% e só vão ter direito o assegurado com a condição de que fique garantido o atendimento à totalidade dos empregados que ganham abaixo desse valor. O restante será coberto pelo empregador.

As empresas que declaram imposto de renda com base no lucro real, que decidam oferecer o Vale Cultura aos seus empregados, serão beneficiadas com a renúncia de até 1% do total. Outros empregadores, que não têm regime tributário com base no lucro, também podem conceder este direito, embora não sejam beneficiados com a renúncia fiscal. Quem ainda não está contemplado pelo projeto são os funcionários públicos, mas já se está pensando numa forma de inclusão deste grupo. O próprio presidente Lula já demonstrou interesse em incluir o segmento.

De acordo com Roberto Nascimento, um dos pontos positivos da adesão dos empregadores é que este benefício não é incorporado ao salário, por isso a empresa não paga tributo extra. “Isso já é um incentivo. Existem muitas empresas que oferecem sem descontar nada do trabalhador”. Segundo ele, os sindicatos já estão ansiosos porque interessa a eles agregar mais um benefício aos trabalhadores. “Não estamos falando de um benefício a mais. E, sim, de um que agrega qualificação à força de trabalho de uma empresa. Com um universo de trabalhadores consumindo mais cultura, você desenvolve o seu senso crítico. Isso impacta positivamente na produtividade, no comprometimento com a empresa, e se coloca como um diferencial competitivo junto a sua concorrente. Vivemos a era do conhecimento. É importante que os trabalhadores possam se inserir nessa era. Todos ganham com isso”.

Experiência
Antecipando-se à aprovação da lei, em abril de 2007, a Sodexo Cheques e Cartões de Serviço lançou o Cultura Pass, que, segundo o diretor de marketing José Roberto Arruda, serviu como modelo para o projeto do Governo. Entusiasta assumido do Vale Cultura, ele conta que o produto surgiu num momento de preocupação com o que chamou de “geração Hommer Simpson, que tem televisão e cerveja, mas não lê um jornal”. Ele citou também a preocupação com o analfabeto funcional, que sabe ler, mas não entendem o que está escrito. “Há saindo uma geração que é tida como alfabetizada, mas que é analfabeta. Quando entram no mercado de trabalho, essas pessoas não decolam”.

Na sua opinião, o maior mérito do Vale Cultura está na inclusão cultural. “Todo mundo paga um pedaço e o resultado é o dinheiro novo entrando no mercado e para a cultura. Que as pessoas comprem o que quiserem, mas vão entrar onde antes não entravam. O trabalhador vai poder escolher entre comprar um disco na loja ou ir a uma peça de teatro mais cara”. Quanto à Lei Rouanet, conclui: “Garante a produção, mas não garante o público. Quando o poder de escolha vai para o consumidor, tudo muda. As pessoas vão começar a ser cobradas por qualidade de espetáculo”.

Posted by Cecília Bedê at 2:49 PM

MUBE demite o curador Jacob Klintowitz e revela falta de rumo, Folha de S. Paulo

Matéria originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 10 de agosto de 2009.

Diretor do museu, Jorge Landmann, diz que novo eixo será "arte-terapia"

Deve ficar mais vazio o Museu Brasileiro da Escultura. Na quinta passada, o curador Jacob Klintowitz foi demitido, seguido de um anúncio que o MuBE não terá mais alguém fixo nesse cargo -decisão que deixa evidente a falta de rumo que vem abalando o museu.

Faz dois anos que a direção da instituição cassou o mandato da ex-presidente Marilisa Rathsam e pôs no lugar Jorge Landmann, que indicou Klintowitz para o cargo de curador. Era uma tentativa de reerguer o espaço, que ficou conhecido como "museu de aluguel".

Mas não parece ter funcionado. "O museu agora acha que todas as exposições têm de ser lucrativas, e eu não entendo de lucro, só entendo de arte", disse Klintowitz à Folha. "Museu sem curador não existe, é como um hospital sem médico."

Landmann discorda. Diz ser "conceitualmente" desnecessária a figura de um curador.
Mesmo assim, Klintowitz diz ter devolvido o museu ao panorama cultural da cidade, passando de "buraco negro" a "galáxia". A frequência do MuBE, de fato, aumentou, mas continua baixa -cerca de 70 mil visitantes por ano. Também é esquizofrênico o programa de exposições, que vai de mostras sobre jovens grafiteiros à homenagem aos 50 anos de carreira de Mauricio de Sousa.
"Nós colocamos coisas boas, coisas que chamaram público, coisas que interessam aos patrocinadores", define Landmann. "Foi um misto grande."

Nesse "misto", não cabe um curador. Alegando não ter verbas para manter alguém no cargo, o MuBE decidiu então extinguir a função. Klintowitz diz deixar o museu sem ter recebido um ano de salários.
Mesmo se a trajetória de Klintowitz está longe de ter sido exemplar, a falta de um curador é um "retrocesso" na opinião do secretário municipal da Cultura, Carlos Augusto Calil.
"Pelo visto, o MuBE é impermeável a projeto cultural", diz Calil. Ainda corre na Justiça um processo que tomaria de volta o terreno e o prédio do MuBE, projeto de Paulo Mendes da Rocha, construído com verbas públicas (cerca de R$ 35 milhões foram investidos ali).

No lugar de um projeto curatorial, Landmann quer agora instituir a "arte-terapia" como eixo central do museu. "É trabalhar via arte a deficiência de uma pessoa, para ela se sentir mais inserida no mundo", diz.
Em outras palavras, seriam mostras para deficientes visuais, auditivos, paraplégicos, sem uma definição clara do que haveria em cada exposição. "Isso foge um pouco a uma curadoria, é uma ação cultural para a sociedade", diz Landmann.

"Arte-terapia não pode ser um eixo, é um complemento de política cultural", rebate Calil. "Jamais o projeto cultural do MuBE se completou; é mais uma prova que as pessoas [no museu] estão desorientadas."
Landmann, que integrou a diretoria anterior e está há dois anos como o titular do MuBE, diz que ainda está tentando traçar um perfil para a instituição. "Nenhum museu é o que quis ser", afirma. (SM)

Posted by Cecília Bedê at 1:52 PM

agosto 10, 2009

MPE condiciona presidência da Bienal a rescisão de contrato por Camila Molina, O Estado de S. Paulo

Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 no jornal O Estado de S. Paulo, em 20 de julho de 2009.

Fundação tem acordo com evento dirigido pela mulher de Heitor Martins, eleito em maio.

O Ministério Público Estadual (MPE), por meio de ofício do promotor Airton Grazzioli, da curadoria de Fundações do órgão, indeferiu ontem os registros da eleição e posse do consultor Heitor Martins como presidente da diretoria executiva da Fundação Bienal de São Paulo. O principal argumento é o "conflito" entre o cargo de Martins e o contrato entre a Bienal e o evento SP Arte - Feira Internacional de Arte de São Paulo - dirigido por Fernanda Feitosa, mulher do presidente eleito. Segundo Grazzioli, há três alternativas: eleger um novo presidente para a diretoria executiva; entrar, em até dez dias, com processo judicial contra a decisão; ou revogar o contrato com o SP Arte, que só venceria em 2015.

Heitor Martins foi eleito em 28 de maio presidente da diretoria executiva da Bienal e empossado em 27 de julho. O contrato entre a Bienal e a SP Arte foi firmado em 2004 e desde 2005 o evento - uma feira de arte moderna e contemporânea que envolve galerias nacionais e estrangeiras - ocorre anualmente no prédio da instituição, no Ibirapuera.

"Fico surpreso e triste com a decisão do MPE", diz Martins. "Tenho uma profissão (é sócio-diretor da empresa de consultoria McKinsey), o cargo de presidente da diretoria é uma posição não remunerada e a relação entre o SP Arte e a Bienal é legítima." Segundo ele, quando foi convidado a se candidatar à presidência da instituição, sua primeira pergunta foi a questão da SP Arte, que a instituição não considerou um problema pelo fato de o contrato de cessão (ou aluguel) de espaço para a realização do evento no prédio ter sido firmado antes, na gestão de Manoel Francisco Pires da Costa. "Vinha colocando todos os meus melhores esforços para revitalizar a Fundação, mas agora o caso é matéria do conselho da instituição." O presidente do Conselho Administrativo da Bienal, Miguel Alves Pereira, não quis fazer nenhuma declaração. "Vamos estudar e não sei quando faremos uma reunião. Fico chocado com a impertinência do MPE, porque a Bienal está há anos em crise e quando se consegue uma equipe profissional é tudo barrado", diz Pereira. Martins já levava adiante o projeto de realização da 29ª Bienal de São Paulo, mostra programada para ocorrer em 2010 (leia ao lado).

"Há conflito de interesse porque o presidente da diretoria executiva vai ter de fiscalizar o contrato, as obrigações que seriam da feira", diz Grazzioli. "Enquanto isso a Bienal fica no limbo", afirma o promotor. Segundo Fernanda Feitosa o fato é um "absurdo". "As pessoas que alugam o prédio não negociam com o presidente. Existe um contrato, todo ano ele é corrigido com os índices que a Bienal estipula", diz a diretora da feira, que fala em "indenizações" caso haja algum encerramento do evento. Segundo ela é "ingenuidade achar que o presidente da instituição, que tem coisas mais sérias para fazer, seja a pessoa responsável por fiscalizar." "Se meu marido fosse membro do conselho em 2004, tudo bem, mas minha relação com a Bienal é anterior à eleição." Fernanda ainda diz que já realiza desde julho pagamento de dez parcelas do aluguel do prédio para a SP Arte de 2010, marcada para ser inaugurada em 29 de abril.

Em 17 de julho o MPE enviou à Bienal ofício pedindo esclarecimentos envolvendo a eleição de Martins. Além da questão da SP Arte, também questionou os membros estatutários da equipe de sua diretoria e a eleição de novos sete conselheiros (Alfredo Egydio Setúbal, Carlos Jereissati, José Olympio Pereira, Paulo Sérgio Coutinho Galvão Filho, Susana Leirner Steinbruch, Tito Enrique da Silva Neto - indicados por Martins - e Cacilda Teixeira da Costa), também ocorrida em 28 de maio. Grazzioli, ainda no ofício de ontem, rejeitou a ata que elegeu os conselheiros.

Impasse pode comprometer realização da Bienal em 2010

Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 no jornal O Estado de S. Paulo, em 20 de julho de 2009.

A confusão jurídica que se formou pode atrapalhar os planos para a próxima edição da Bienal de Arte de São Paulo, que já estavam bem encaminhados. O recifense Moacir dos Anjos foi anunciado oficialmente no dia 14 como coordenador geral da 29ª Bienal, marcada para ser inaugurada entre o fim de setembro ou início de outubro de 2010.

Anjos já havia definido até o projeto curatorial da exposição, por enquanto tendo como título "Há Sempre um Copo de Mar para um Homem Navegar", verso da obra Invenção de Orfeu (1952), do alagoano Jorge de Lima. De Londres, em apresentação por teleconferência, ele adiantou duas diretrizes principais para a mostra: o destaque para o que o curador chama de "política da arte", invocando criações de cunho político; e a mistura de obras de criadores consagrados e jovens na exposição.

Heitor Martins já estava programando para anunciar daqui a uma semana o restante da equipe que faria toda a mostra: o arquiteto da exposição, o designer gráfico, o curador de arte educação, um cocurador brasileiro e três ou quatro internacionais. O projeto da 29ª Bienal de São Paulo é o de se fazer uma exposição grande, com cerca de 200 artistas, e com forte caráter internacional. O orçamento previsto é de R$ 40 milhões - R$ 25 milhões para a mostra, R$ 5 milhões para o projeto educativo e R$ 10 milhões para obras de manutenção do prédio e outras atividades.

O processo de captação de recursos já estava sendo iniciado. No fim de julho a Prefeitura de São Paulo liberou verba de R$ 1,8 milhão e foram feitas captações de R$ 700 mil ( Banco ABC e da Oi). Ainda para 1º de setembro estava programado um jantar na Bienal para arrecadar fundos, com entre 400 a 500 convidados, cada um fazendo contribuição de R$ 2,5 mil.

Posted by Ana Maria Maia at 5:58 PM

agosto 7, 2009

Exposição debate valor monetário atribuído à obra de arte por Monique Cardoso, Jornal do Brasil

Matéria de Monique Cardoso originalmente publicada no Jornal do Brasil, em 10 de julho de 2009.

Na exposição que abre neste sábado na galeria A Gentil Carioca, no Centro, o artista plástico Carlos Contente parece que resolveu abrir o jogo. Explica tintim por tintim o que acontece na cena da arte contemporânea. Na narrativa visual, composta por desenhos, telas objetos e esculturas, mais uma vez insere seu personagem autobiográfico – a carinha em estêncil que faz trocadilho com seu nome – como condutor da história. Compradores de mundo mostra como funciona o universo em que ele, originalmente conhecido por seu trabalho em grafite e outras intervenções urbanas, se inseriu, depois de ultrapassar a fronteira das ruas e muros da cidade para entrar nas galerias pela porta da frente. Além de si mesmo, na figura do artista, Contente retrata uma série de outros personagens-chave que simbolizam as etapas da cadeia produtiva da arte. A escolha do tema não é difícil de explicar: ele mesmo, um jovem artista, está se percebendo dentro deste sistema.

– As obras formam um jogo de tabuleiro, como um Banco Imobiliário, onde se compra e vende arte – sintetiza Contente. – Resolvi falar diretamente sobre este sistema a partir do momento em que fui percebendo como ele funciona. Não que eu não soubesse, mas uma coisa é saber, outra é saber estando dentro dele.

Passado há pouco dos 30 anos, Carlos Contente está rotulado na categoria dos “jovens artistas” e, dando-se conta do papel que lhe coube, começou a criar a partir do incômodo e da inquietação causados pela certeza de estar, desde que passou a viver de arte – trocando em miúdos, quando entrou no circuito das galerias – sendo avaliado o tempo todo.

– É sua criação, sua tela, ou o que seja, que vai para o mundo e ganha preço. Seu valor vai ser medido e julgado ao lado do trabalho de outros artistas que eu gosto, ou que eu não gosto. O valor financeiro não é o valor romântico que a gente atribui – conclui.

Por mais que pareça irônico, o fato de estar sendo, como ele diz, avaliado o tempo todo, é o que demonstra sua inserção neste mercado. Ele tem obras nas principais coleções privadas e públicas do Brasil e do exterior como a do MAM do Rio, a de José Olympio Pereira, de Luiz Augusto Teixeira, de Julio Verme (Lima, Peru), entre outros. Suas obras têm viajado para importantes feiras como a Arco, de Madri, a SP Arte e a feira de Buenos Aires.

O pouco entendimento sobre como o mercado de arte pôs o artista, cujo suporte principal é o desenho, para pensar. A reflexão, que foi se aprofundando nos últimos dois anos, resulta na série de trabalhos que, mais que do criticar o sistema, propõe uma discussão aberta sobre um tema sempre tratado de maneira velada.

– Sempre achei isso muito esquisito, se fala bem pouco sobre como o ciclo funciona. Nas escolas menos ainda. A gente ouve sobre história da arte, sobre quem foram os grandes nomes, mas não se explica como se criou valor para artistas lá fora, desde Duchamp.

Uma das figuras mais recorrentes nas obras é uma espécie de Pac-Man, aquele mesmo do video game, que aparece incorporando o papel do colecionador de arte, cujo maior prazer é algo quase que insaciável, coleções nunca estão completas. Os desenhos também mostram a relação financeira estabelecida: com a boca ele pega as obras, com a mão oferece moedinhas.

– A relação do colecionador com a obra é conceitual, por causa da apreciação estética, da paixão e, ao mesmo tempo, financeira. Arte é um investimento – explica Márcio Botner, diretor da Gentil.

Apesar de a parceria com Botner estar de pé há três anos, nem ele escapou deste raio x – uma “crítica carinhosa ao sistema”, nas palavras do artista. Nos desenhos, das bocas do crítico e do curador saem um interminável blablablá. Em outras cenas, o galerista é visto como o coelho de Alice no País das Maravilhas, acompanhado ora de uma balança que atribui valor, ora de um bolo partido ao meio.

– Há muitos intermediários. O crítico, o curador, o galerista, muita gente que vive da fala em torno da obra, se alimenta da expressão poética do artista. O que tem mais valor, este discurso todo em volta, ou a obra em si? – questiona.

Apesar das constatações, Contente não adotou o tom de reclamação. Faz questão de frisar que não se vê, e que não vê o artista em geral, na condição de vítima. É uma peça no tabuleiro.

– Esta série de desenhos saiu de maneira meio catártica. Não há muito como fugir, é uma situação paradoxal. Cada vez mais estes meus autorretratos passaram a mostrar como eu estou me sentido.

Posted by Ana Maria Maia at 5:58 PM

agosto 6, 2009

"Corpos Estranhos" volta com obra inédita no MAC-USP, Folha de S. Paulo

Matéria originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 6 de agosto de 2009.

A mostra "Corpos Estranhos", que esteve até o último dia 26 no Memorial da América Latina, começa hoje no MAC-USP com obra inédita de Regina José Galindo, da Guatemala, ganhadora do prêmio de melhor jovem artista na 51ª Bienal de Veneza.

Na performance "Juegos de Poder", concebida especialmente para essa exposição, a artista, sob efeito da hipnose, propõe discussão sobre as relações de poder em relações de submissão.

Outro destaque é a obra "(279) Golpes", da brasileira Laura Lima. Nela, a artista se encerrou nua em um cubículo escuro e, ali, se golpeou para registrar os sons de um açoite humano.

Já dentre as obras de Pilar Albarracín, terceira artista que compõe a mostra, um ponto alto é "Lunares".
Usando um vestido branco, a espanhola dança flamenco e, com uma agulha, espeta o próprio corpo, fazendo com que seu sangue tinja o tecido da roupa.

Com curadoria de Cláudia Fazzolari, "Corpos Estranhos" é a terceira mostra do projeto Mulheres Artistas e a Contemporaneidade.


Posted by Ana Maria Maia at 3:26 PM

Som, imagem e silêncio por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na Ilustrada da Folha de S. Paulo, em 6 de agosto de 2009.

Museu da Imagem e do Som faz um ano sob nova gestão com grande sucesso de crítica e fracasso de público; apesar de boas exposições, espaço ainda é um dos menos frequentados em São Paulo

Silêncio é a trilha sonora das exposições no Museu da Imagem e do Som. Depois de passar por ampla reforma e uma troca de gestão, faz um ano que a casa reabriu para o público. Além do banho de loja dentro e fora, realizou mostras elogiadas pela crítica, mas ainda tem dificuldade para atrair visitantes.

Com orçamento anual de R$ 7,2 milhões, da Secretaria de Estado da Cultura, o MIS tem cerca de três quartos dos recursos da Pinacoteca do Estado (R$ 10,5 milhões). Mas são gritantes as diferenças de público.

Enquanto o MIS recebe em média 3.600 visitantes por mês -um dos menores números da cidade-, a Pinacoteca tem 50 mil visitas em média. No primeiro semestre, 280 mil pessoas foram à Pinacoteca, 346 mil foram ao Masp e só 21,5 mil, ao museu do Jardim Europa.

Depois de uma gestão conturbada, alvo de investigação do Ministério Público por emitir notas frias e pelo mau uso do prédio do Estado, o MIS virou uma organização social, dirigida por Daniela Bousso, que prometeu "reposicionar" a instituição, transformando o museu em centro de referência para arte em novas mídias.

Tanto Bousso quanto o secretário estadual da Cultura, João Sayad, reconhecem que os números de público estão, de fato, bem abaixo do desejável.

Nesse meio tempo, Bousso conseguiu inventariar boa parte do acervo e já engata uma reforma da reserva técnica para abrigar novas obras, que serão escolhidas por um comitê de aquisições recém-formado.

"Tem tecnologia, mas não é uma Disneylândia"

Diretora do MIS, Daniela Bousso, quer mais dinheiro para atingir metas de público do museu, mas não quer apelar

Apesar de baixa frequência, nova gestão conseguiu inventariar acervo e formou comitê para definir as novas aquisições da instituição

É difícil comparar o público de museus com grande apelo popular, como a Pinacoteca e o Masp, a números de uma instituição com um nicho específico, como o Museu da Imagem e do Som. Mesmo assim, a frequência do MIS deixa a desejar.

"O público ainda está abaixo do que nós esperávamos", afirma João Sayad, secretário estadual da Cultura.

Ele descarta, no entanto, uma comparação com a Pinacoteca, que chama de "joia da coroa dos museus públicos de São Paulo".

"Nos anos 90, a Pinacoteca já estava começando a bombar", diz Daniela Bousso, diretora do MIS. "Nosso trabalho para bombar começa agora."

Bousso afirma que gostaria de ter no MIS um público de até 30 mil por mês, ou seja, dez vezes mais do que o número atual. Segundo ela, o fracasso de público até agora no museu tem a ver com o fato de a instituição ainda estar se reorganizando, depois de anos no ostracismo. Também diz que falta dinheiro.

Enquanto a Pinacoteca, por exemplo, consegue captar até R$ 4 milhões por ano via Lei Rouanet, Bousso
reclama que poucos projetos do MIS são aprovados no Ministério da Cultura e por patrocinadores porque os comitês de avaliação não entendem o segmento de arte em novas mídias.

"Até o nosso país entender que não é assim que se trabalha, vai ser difícil", diz Bousso. "É um esforço hercúleo."

Bousso diz que precisa de mais dinheiro para levar adiante seu projeto e sugere um orçamento entre R$ 15 milhões e R$ 20 milhões, o que tornaria o MIS um dos museus públicos mais caros de São Paulo.

Posted by Ana Maria Maia at 3:16 PM