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maio 29, 2009
Heitor Martins é eleito presidente da Fundação Bienal por Silas Martí, Folha Online
Matéria originalmente publicada na Folha Online, em 29 de maio de 2009.
O empresário Heitor Martins, 41, foi eleito nesta quinta-feira (28) presidente da Fundação Bienal de São Paulo. Candidato único ao cargo, ele teve 28 votos a favor, um contra e duas abstenções --27 conselheiros foram à reunião na Bienal e quatro votaram por meio de procuração.
Sócio-diretor da consultoria financeira McKinsey, Martins é investidor e colecionador de arte, casado com Fernanda Feitosa, criadora da feira SP Arte.
Além dele, foram eleitos ontem para a diretoria e o conselho todos os nomes que havia sugerido, priorizando profissionais do setor financeiro para dirigir a instituição e colecionadores para integrar o conselho.
Minutos após a eleição, Martins adiantou à Folha a intenção de convidar mais de um curador para realizar a próxima Bienal, sendo um deles estrangeiro. Ele terá como prioridade agora apresentar propostas para realizar a mostra em outubro de 2010 --o evento corria o risco de ser adiado para 2011 por falta de verbas e atrasos na escolha do curador.
"Essa é a primeira missão, fazer a Bienal em 2010 e expandir a sua conexão com o governo e com diversos níveis da sociedade", disse Martins.
Com apoio declarado do ministro da Cultura, Juca Ferreira, com quem se reuniu na última terça, Martins diz que vai buscar agora estreitar laços com os governos do Estado e do município, além de patrocinadores da iniciativa privada.
Também disse que a escolha do curador será uma decisão dele e de sua diretoria, em vez de uma eleição de projetos submetidos à fundação, como ocorreu nas duas últimas edições da mostra. Segundo ele, serão nomes que nunca fizeram uma Bienal de São Paulo.
Estão na nova diretoria Jorge Fergie, sócio de Martins na consultoria McKinsey; Eduardo Vassimon, ex-vice-presidente do banco Itaú BBA; e os empresários Luis Terepins e Pedro Barbosa. Outros membros são Justo Werlang, ex-presidente da Bienal do Mercosul, o colecionador Miguel Chaia e o advogado Salo Kibrit.
Por indicação de Martins, passam a integrar o conselho da Fundação Bienal: Alfredo Egydio Setúbal, Carlos Jereissati Filho, José Olympio Pereira, Paulo Sérgio Coutinho Galvão Filho, Susana Steinbruch e Tito Enrique da Silva Neto.
maio 28, 2009
Brincadeiras e ocupações de Leirner por Camila Molina, O Estado S. Paulo
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 no jornal O Estado S. Paulo, em 27 de maio de 2009.
Com ousadia, ele propõe uma releitura de suas obras mais emblemáticas
Nelson Leirner quer amordaçar o público, já que as pessoas não reagem politicamente: "Não há mais ideologia na arte, nem política. O discurso do artista só existe hoje se ele tiver um interlocutor", afirma ele, que inaugura hoje para convidados no Itaú Cultural não uma exposição, mas o resultado da Ocupação que fez no espaço de cerca de 120 m² no piso térreo da instituição. Com a liberdade total que o Itaú Cultural lhe deu para abrir o novo projeto da instituição para o local (que ainda vai receber José Celso Martinez Corrêa e Abraham Palatnik), Leirner escolheu colocar trabalhos emblemáticos de sua carreira, todos da década de 1960 - Porco Empalhado, Tronco com Cadeira, Homenagem a Fontana II e Stripencores (feito em 1968 para o Suplemento Feminino do Estado) - e fazer releituras contemporâneas dessas obras. O diálogo entre os trabalhos reitera e faz reverberar seu pensamento: se não há mais espaço para a audácia na arte, deixe o público de castigo.
Quando Leirner criou Homenagem a Fontana, em 1967, a grande novidade do "primeiro múltiplo feito no Brasil, industrializado", como diz, era a de que o quadro, feito com tecido e zíperes, poderia ser manipulado pelas pessoas. De maneira irônica e bem-humorada, o artista fez menção, tal o título do trabalho, ao emblemático corte que Lucio Fontana promoveu na tela de um quadro como parte de sua pesquisa do conceito espacial - na "Homenagem" do brasileiro, cada área da pintura poderia, por assim dizer, se cortada camada por camada pela ação de se abrir o zíper. Agora, na recriação atual dessa obra, não há como interagir: a composição, chapada, é toda feita com pedaços de madeira e ploter. Numa passagem rápida, tirar a brincadeira de seus trabalhos significa podar o caráter interativo de todas as obras. Num sentido mais amplo, significa ainda mostrar que não há espaço para a liberdade.
"O trabalho de arte não pode mais ser interativo: as instituições e a sociedade proibiram isso porque agora aquela obra tem valor comercial. E se você chega ao trabalho e não pode mexer, é frustrante", diz. Nelson Leirner está com 77 anos e ao longo de sua carreira se tornou uma referência da arte contemporânea brasileira. Foi professor de uma turma importante de criadores da chamada Geração 80 - cita entre alunos próximos e com os quais tem relação de afeto Leda Catunda, Sergio Romagnolo, Dora Longo Bahia e Luiz Zerbini.
A interrupção da interatividade nos diálogos entre as Homenagens a Fontana são sua ação mais visível, mas é emblemático também o artista ter optado por colocar O Porco Empalhado nessa mostra, obra que ficou conhecida como "happening da crítica" - foi mandada para o 4º Salão de Arte de Brasília em 1967 e aceita e o artista perguntou publicamente por que um porco empalhado havia entrado para o circuito da arte. Hoje, ao lado do Porco, Leirner colocou um presunto numa mesma grade (enfim, não há mais como fazer uma ação impactante). Apesar de colocar tudo como impossibilidade em sua Ocupação - com curadoria de Agnaldo Farias -, o artista não se sente "otimista nem pessimista". "Não tem amargura, tem realidade: o artista não é mais sonhador."
Eleição tem Martins como candidato único por Fabio Cypriano, Folha S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha S. Paulo.
Hoje, o Conselho da Fundação Bienal escolhe o novo presidente da instituição e deve eleger o empresário e colecionador Heitor Martins, 41, que é candidato único.
A eleição tem início às 18h, a portas fechadas. Segundo o estatuto da Bienal, o candidato é eleito por maioria simples e votos por procuração são aceitos. Não há quorum mínimo, e apenas na hora será decidido se o voto será aberto ou fechado.
"Dificilmente outro candidato aparecerá. Heitor tem apoios fortes e proposta inovadora. Estou aqui há 20 anos e foi a primeira vez que recebemos o projeto de um candidato", disse o arquiteto Miguel Pereira, presidente do Conselho, à Folha.
Martins é casado com Fernanda Feitosa, criadora e diretora da SP Arte, que ocorre anualmente no pavilhão da Bienal, o que fez com que tal relação fosse analisada pelo presidente do Conselho: "Consultei os juristas [e conselheiros] da Bienal, Carlos Bandeiras Lins e Manoel Whitaker Salles. Eles não veem problemas, o contrato da feira é anterior à eleição do novo presidente".
Tal consulta foi motivada pois o atual presidente, Manoel Francisco Pires da Costa, chegou a contratar sua mulher para cuidar do paisagismo do prédio, ação considerada irregular pelo estatuto. Pires da Costa teve de firmar um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público, em 2007.
Segundo o documento, "a Fundação e seu presidente obrigam-se a não mais firmar qualquer tipo de contratação, direta ou indireta, com Diretores, Conselheiros e parentes destes até o 3º grau".
"A SP Arte já tem cinco anos, e a relação com a Bienal é clara e pré-definida. Como é um fato que me antecede, não há problema", disse Martins. A Folha procurou o Ministério Público Estadual, ontem e anteontem, para saber se há algum problema na relação de Feitosa com a Bienal, mas não teve resposta.
Martins possui ainda vínculo com o mercado: "Sou colecionador e colecionar não é só acumular. Vender obras para adquirir outras é uma forma de manter a coleção viva, de reciclar o acervo", justifica ele.
Em carta aos conselheiros, o candidato propôs que sua posse ocorra em até 60 dias, após um período de gestão compartilhada, na qual as contas da Bienal tenham uma sensível melhora -as dívidas estão em cerca de R$ 4 milhões.
"O estatuto já propõe que a posse ocorra em até 60 dias", disse Pereira. Segundo a Folha apurou, além do ministro da Cultura Juca Ferreira, Martins encontrou-se ontem também com o secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil.
A Bienal tem salvação? por Silas Martí, Folha S. Paulo
Matérias de Silas Martí originalmente publicadas na Ilustrada no jornal Folha S. Paulo, em 28 de maio de 2009.
Ilustrada ouve as propostas dos conselheiros da entidade, que elege presidente hoje
Por trás da crise da Bienal de São Paulo, podem estar o "grau de controvérsia da arte contemporânea", o "modelo defasado" da mostra de artes plásticas ou mesmo a última gestão, do advogado Manoel Pires da Costa, que "dilapidou a Bienal de seu cabedal ético".
Nos dias que antecederam a eleição para a presidência da Fundação Bienal, que acontecerá hoje numa reunião a portas fechadas, a Folha ouviu 41 dos atuais 53 conselheiros da instituição. Todos foram procurados pela reportagem -dois não quiseram dar declarações e os demais estavam fora do país.
Mesmo saudosos do mecenato de Ciccillo Matarazzo, acreditam viver o início de uma nova era. Falam em abolir "vícios", limar a "velharia inoperante" e "conselheiros fantasmas". Como solução, sugerem até juntar num só evento as mostras de arte e arquitetura, que hoje acontecem em anos alternados, e aumentar o intervalo entre as exposições.
Candidato único hoje, o empresário Heitor Martins é visto com uma "aura de esperança", "um farolzão no fim do túnel para a Bienal".
Conselheiros admitem crise e sugerem soluções
Entre as propostas está fundir as bienais de arte e arquitetura em um só evento
Também há aqueles que defendem criar estrutura permanente e moderna para a Bienal e tentar rejuvenescer o conselho
Não há dúvida entre os conselheiros da Bienal de São Paulo de que a mostra passa por sua maior crise desde que foi fundada em 1951 por Ciccillo Matarazzo. Mas discordam quando o assunto é como restaurar o prestígio do segundo maior e mais tradicional evento de arte contemporânea no mundo.
Na enquete feita pela Ilustrada, cada conselheiro foi convidado a opinar sobre os motivos da crise atual, sugerir soluções para o futuro e dizer o que espera da nova gestão. Heitor Martins deve ser eleito hoje presidente da Fundação Bienal, substituindo Manoel Pires da Costa, que deixa a presidência com dívida de R$ 4 milhões.
Com 15 membros vitalícios e 38 temporários, o conselho, que não é remunerado, funciona como espécie de congresso da Bienal, podendo vetar decisões do presidente e rejeitar suas prestações de contas.
Formado em sua maioria por representantes da elite paulista, é um órgão que se reconhece como inchado e, com idade média de 69 anos, idoso -ainda há conselheiros que entraram para a instituição a convite do próprio Ciccillo Matarazzo.
A ideia original era que os conselheiros, representantes de classes abastadas e com prestígio político e financeiro, ajudassem a buscar recursos para as mostras. Hoje, no entanto, há reclamações de que boa parte está ali em busca de status, não para contribuir.
Segundo os conselheiros, a falta de verbas é a principal causa da crise da Fundação Bienal. "Está em crise porque vive da caridade da iniciativa privada", resume o jornalista e conselheiro Cesar Giobbi, 60. "Nos últimos tempos, a Bienal foi mal gerida", diz o professor Rubens Murillo Marques, 72.
Outra razão seria o envelhecimento da instituição e do conselho. "Esse conselho não se renovou. Podia dar uma boa sacudida, ter sangue novo, mais gente jovem", diz a jornalista Maria Ignez Barbosa, 64, mulher do ex-embaixador Rubens Barbosa, que chegou a ser cotado para presidir a fundação.
"A arte evoluiu, mas a Bienal não tem evoluído, fica lá uma velharia inoperante, que pouco participa, mas vai a festas, badalações", afirma o arquiteto Carlos Bratke, 66, que já presidiu a Fundação Bienal. "Não é isso que a gente quer, a gente quer gente trabalhando."
Soluções
Até agora, o único passo rumo à mudança foi a aprovação pelo conselho de um novo estatuto para a Fundação Bienal, que, entre outras medidas, deve reduzir para 40 o número de conselheiros e punir, com a perda do cargo, os que não forem às reuniões.
Enquanto isso, conselheiros sugerem desde juntar as mostras de arte e arquitetura numa só Bienal, para facilitar a captação de recursos, a aumentar os intervalos entre as exposições, com itinerâncias da Bienal por outras cidades e parcerias com museus de São Paulo.
A proposta de juntar as bienais numa só deve ser apresentada por uma comissão de conselheiros ao futuro presidente, com o argumento de já não haver distinções tão claras entre arte, arquitetura e design. "Por que separar arquitetura e arte? Estamos tentando encontrar novos formatos para reunir o que há de contemporâneo", adianta Fabio Magalhães, 66.
Para sanar problemas de orçamento, alguns defendem a volta das representações nacionais, mecanismo extinto desde 2006 em que cada país escolhia e financiava seus artistas na mostra. É um ponto polêmico, no entanto, porque limitaria a liberdade do curador.
Conselheiros enfatizaram a necessidade de instalar na Bienal uma estrutura administrativa permanente e moderna, que evitasse o desmanche de equipes a cada edição da mostra. "É preciso um "aggiornamento" da Bienal como um todo", resume Andrea Matarazzo, 53, atual secretário da Coordenação de Subprefeituras de São Paulo, que também foi cotado para o cargo de presidente.
Embora seja vista com bons olhos a candidatura de Heitor Martins, chamado de "herói", "corajoso" e "farolzão no fim do túnel" por alguns conselheiros, também há resistência à sua indicação para o cargo.
"Parece que a Bienal cogitou nomes importantes e acabou com um desconhecido que se aventurou a ser presidente", disse um membro do conselho que não quis ser identificado. (SILAS MARTÍ)
Novo estatuto vai punir os que faltarem
Na tentativa de corrigir os problemas de um conselho idoso, pouco atuante e mais afeito a badalações do que à gestão da Fundação Bienal, conselheiros acabam de aprovar um novo estatuto para a instituição. Dos 33 artigos, 24 foram alterados.
Embora sem efeito imediato, o novo estatuto, obtido com exclusividade pela Folha, reduz de 53 para 40 o número de conselheiros, incluindo os membros vitalícios. Sendo que os mandatos dos 38 temporários vencem em junho do ano que vem, é a brecha para uma renovação ampla e inédita no órgão.
Também limitam cada mandato de quatro anos a uma única reeleição, que depende da presença do conselheiro nas reuniões -a Bienal costuma realizar dois encontros ordinários por semestre- e, caso tenha integrado a diretoria, da aprovação de suas contas.
Pelo novo estatuto, perde o mandato de conselheiro aquele que faltar a mais de cinco reuniões consecutivas do grupo.
Para que se torne vitalício, contará a idade do conselheiro, sua frequência aos encontros e também a aprovação de suas contas pelo conselho fiscal.
Outra medida de grande impacto é o veto à votação por meio de procurações. Até agora, conselheiros ausentes podiam delegar seus votos aos que compareciam às reuniões por meio de procurações, de modo que um só conselheiro acabava votando em nome de muitos outros, distorcendo o resultado das votações.
A partir da entrada em vigor do novo estatuto, será permitido que cada conselheiro compareça às reuniões com no máximo uma procuração e apenas para a votação em matérias que exigem quorum qualificado. É obrigatório também que a procuração indique os itens a serem votados e o sentido dos votos do conselheiro ausente.
Foram definidas também regras para a eleição do presidente e vice-presidente do conselho, que até agora eram definidas a cada eleição. Pelo novo documento, a eleição será por voto secreto e maioria simples.
Novos rumos
Num ponto que indica com clareza algumas intenções futuras do conselho, determinam pela primeira vez que o órgão terá o poder de redefinir ou alterar os intervalos de tempo entre as exposições. Também criam um dispositivo oficial para que se dê maior atenção ao arquivo histórico da fundação, cujo estudo foi um dos motes da última edição da Bienal.
O documento também estabelece a criação de uma comissão de acompanhamento da diretoria, responsável por fiscalizar mais de perto os atos do presidente, apresentando relatórios a cada reunião. (SM)
O Que pensa o Conselho da Bienal
Leia os destaques da enquete que ouviu 41 dos 53 conselheiros
Crise
"O problema da Bienal é que ela tem que fazer uma Bienal a cada dois anos. O problema é o intervalo. Tem anos bons e anos menos bons. Quando as coisas se complicam, é ruim para todo mundo. Seria positivo para a Bienal dar uma repaginada, uma reciclada." ÁLVARO AUGUSTO VIDIGAL, 61, banqueiro
"É difícil dirigir uma fundação desse porte com a vedação de qualquer remuneração. Isso afasta aqueles que poderiam profissionalmente se voltar à Bienal, deixando o lugar a diletantes, que muitas vezes não são os mais talhados ao exercício da função." CARLOS FRANCISCO BANDEIRA LINS, 62, advogado
"A Bienal não está em crise. Estamos saindo de uma gestão excelente. É o mundo que está em crise, e a Bienal faz parte do mundo." ARNOLDO WALD FILHO, 46, advogado
"A Bienal viveu até aqui do espírito do Ciccillo Matarazzo. Ele deu alma à instituição, só que agora o mundo mudou, e a Bienal precisa de um conceito mais moderno de governança corporativa. Não é uma crise terrível, é uma crise que com um pouco de sabedoria se supera." BENO SUCHODOLSKI, 65, advogado
"O motivo principal é a gestão temerária que está se encerrando, que dilapidou a Bienal de seu cabedal ético. Falta gestão que busque resultados, que busque responder às demandas." EVELYN IOSCHPE, 60, administradora cultural
"A Bienal não está em crise nenhuma, está absolutamente em ordem. Não tem nenhum problema, nenhum tipo de constrangimento." MANOEL FRANCISCO PIRES DA COSTA, 70, advogado
"O apego da última diretoria ao cargo desgastou tudo e acabou esvaziando a Bienal e o interesse das pessoas do conselho." ELIZABETH MACHADO, 58, economista
"No dia em que a Bienal não estiver em crise, não será mais a Bienal. É da essência da Bienal esse conflito." ROBERTO DUAILIBI, 73, publicitário
Soluções
"O curador tem a sua importância, mas não pode virar o dono da Bienal. Há uma espécie de ditadura dos curadores. A Bienal é a grande festa das artes, tem que ser uma coisa bonita, atraente. Não pode ter um monte de cacarecos lá. Eleição de curador é bobagem. O curador é uma pessoa de confiança do presidente." CARLOS BRATKE, 66, arquiteto
"Estamos fazendo o que o Ciccillo faria: num momento de exaustão, repensar o modelo para que se inicie uma nova etapa, que esperamos que seja brilhante." DECIO TOZZI, 72, arquiteto
"É importante incorporar [ao conselho] pessoas das novas mídias, senão ficamos tratando de um assunto e a arte vai correndo por outro caminho, atropela isso." FABIO MAGALHÃES, 66, arquiteto
"Precisa ter um retorno às bases, gente que tenha não a vaidade de pertencer ao conselho ou à diretoria, que tenha o que o Ciccillo tinha: uma dedicação genuína e desprendida. Em vez de egoísmo, responsabilidade." MANOEL FERRAZ WHITAKER SALLES, 68, advogado
"A estrutura da Bienal precisa ser reformada, para que seja mais ágil e adequada aos dias de hoje. Precisa fazer um "aggiornamento" da Bienal como um todo." ANDREA MATARAZZO, 53, secretário da Coordenação das Subprefeituras de São Paulo
"Falta à Bienal uma estrutura administrativa profissional. Falta deixar de ser dependente do prestígio de "A", "B" ou "C". Não deveria ser função do presidente sair atrás de patrocínio, com o pires na mão." EMANOEL ARAUJO, 68, artista e curador
Expectativas
"Heitor Martins vai assumir com uma aura de esperança de todos que sempre gravitaram em torno da Bienal, artistas, intelectuais." MIGUEL ALVES PEREIRA, 66, arquiteto
"Não há dúvida de que quem pegar essa presidência é um homem corajoso." PEDRO ARANHA CORRÊA DO LAGO, 51, economista
"A gente espera que ele tenha uma gestão objetiva, prática, moderna, atual e que ele possa manter a fundação num nível de integridade." PEDRO CURY, 75, arquiteto
"Mais do que uma luz, o Heitor [Martins] é um farolzão no fim do túnel para a Bienal sair dessa." CESAR GIOBBI, 60, jornalista
"A expectativa é que a Bienal possa ser o que ela foi no passado, que não fique sendo questionada a cada momento sobre a lisura das coisas." RUBENS MURILLO MARQUES, 72, professor
"Agora é que vai começar o momento em que todos pensam para apagar tudo isso que foi feito pelo atual presidente." BENEDITO JOSÉ SOARES DE MELLO PATI, 84, advogado
maio 26, 2009
Life Work por Jan Verwoert, Frieze
Artigo de Jan Verwoert originalmente publicado na revista Frieze, em março de 2009.
Working in the field of art makes it very difficult to draw a line between a professional and private life. What’s the best way forward?
Life, to start with, is not just about your professional life. There is so much more to it than just work. The trouble is that, when you get into art, that ‘so much more’ is precisely what you want your work to be about. Life is what you want to immerse yourself in through your work. The freedom of the artist and intellectual, Theodor Adorno wrote, lies in the possibility of not having to separate work from pleasure as all those caught up in the system of division of labour do.1 This is our chance for a good life. But this is also why things tend to get messy. Today it’s more difficult than ever to draw a line between our professional and private lives when new communication technologies make it possible for the call of duty to reach you even in the most remote places or intimate moments. For writers, the writing pad used to provide a complete retreat. Now the pad is a laptop, and people Skype you on it.
Not that it ever was easy to draw that line. To be part of an art scene was probably always as emotionally confusing as it is today. With who, and in what guise, do you want to get involved and recognized? As a professional or as a person? How do you mark the difference? How do you draw the line between colleagues and friends? Why even categorize? You may wish to be open to whatever someone who enters your life might become for you. Still, recognizing a real friend seems crucial when everyone around you is professionally friendly. And love is a mess anyway when you happen to be in the same field, in the arts, with all of us being – how shall I put it? – a bit special (beautiful and difficult, grandiose and needy, generous and selfish, seeking and giving intense pleasure). So, rather than draw lines, we may want to invent a new language to commune with the strange phenomena that the people who get under our skin inevitably are and will continue to be.
For no matter how fast the art world grows, we – ‘we’ being those who have become part of each others’ lives through what we do – will continue to inhabit the worlds that we together create for ourselves. How are we to do this? In many ways the question ‘how to continue?’ could well be the most troubling question in a professional art life. To begin with, the very moment of getting started professionally as an artist (writer or curator), after leaving whatever school you may have been to, is notoriously riddled with doubts about how – if at all! – to go on producing work, especially since most people will at this point be steeped in the debts they took on to pay for their education. You know you should tell yourself that things need time to develop. But still, existentially and financially, it’s hard to fight the feeling that you need recognition and money now. And ‘now’ had better be soon, if things are to carry on at all.
Politically, this time is crucial because it is at this point (if not earlier, at art school) that a generational contract is written up between the so-called ‘emerging’ artists and those who are already in professional positions. It is a contract about how – and by whom – art is to be continued. One would assume that the power lies with the members of the older generation here, but that is not necessarily the case, because they in turn need to be redeemed by the appreciation of those who will outlive them. Moreover – at least, this is my experience – the ones who may eventually give you much of what you need are those who currently don’t have it either: they are people of your own generation, who are in a similarly precarious position. Creating the structures that will support you spiritually and economically through building communities, alliances, friendships – anything that is more than just a ‘network’ – is what the contract with your own generation is about. But it may be years in the making.
For anyone who then somehow manages to build a career in art, the question of how to go forward will have other implications. You want that career to continue, but you are afraid it could grind to a halt. With livelihoods built on art being so fragile, for most of us at least, there is a constant awareness that things could come to an end. We just know that, irrespective of our best-laid plans, life may always put an obstacle in our way that changes everything. ‘To put an obstacle in someone’s path’ is the meaning of the Hebrew verb ’stn. It’s also the root of the name ‘Satan’. How to face Satan? Much desperate careerism seems driven by the understandable urge to suppress the fear of uncontrollable turns in life by pushing ahead with eyes wide shut. In contrast, learning to live with your fears probably just means familiarizing yourself with Satan, having him over for drinks once in a while. Not that this would prepare you for anything. But to find some Satanist way of admitting what one cannot control into one’s life seems a better option than careerism.
Perhaps the original ethos of Conceptual art and Fluxus, their way of relating art to life, was actually quite close to this spirit. After all, it was also about realizing that you could just write a sentence on a wall or meet friends and improvise something, and that would be enough: you would be finished with work for the day (!), so you could relax, go out and live your life. Or conversely, if the need to cope with life or make a living was taking up most of your time – and made it impossible to reach what supposedly were the standards of a professional studio practice – you could still create a Conceptual gesture or intervention any time and it would be art: you would be an artist, and you would lack nothing. Whatever happened to this ethos of anti-professionalism? Today, it seems, the concept of Conceptual work has been turned upside down, only to increase the pressure to perform professionally at all times. If ideas come easy, many people seem to think, then surely one can expect a proposal for a project to be presented by the end of the week? No, one can’t. It’s about time we put the concept of Conceptual work back on its feet. It was, and should continue to be, part of an experiment with finding ways in art to live a good life.
Yet anxieties about the continuation of a career don’t manifest themselves only in the fear that things may come to an end. They notoriously also erupt in moments of (mid-life) crisis when, once your career is established, you realize that your life may always carry on exactly the way it is now. For something to bring that way of life to an end may now be what you secretly crave. The traditional options that bourgeois society offers to satisfy this craving and flirt with potential disaster are alcoholism and adultery. In art Modernism provides more heroic terms of surrender: to paint the last picture, your black canvas, and take your leave with a masterpiece that will stun all and thus end art for everyone. Even though this is so obviously just a suicidal fantasy of instant relief, its grand momentum has never quite lost its allure. To counter this faux heroism probably means coming to terms with the fact that the most courageous thing to do may be to face the everyday reality of the life and work you have created for yourself – and continue.
One reason why the works of Mary Heilmann, for instance, are so strong, is that they are radiant with precisely this courage to carry on, to continue painting beyond the Modernist melodrama of last pictures but with the Modernist insistence that painterly form matters – and while being pleasurably Satanist in letting some of the emotional mess that life can involve spill into the work and permeate its form. Take Save the Last Dance for Me (1979).2 It’s black all right. But on the black canvas there are three pink rectangles of different sizes, all upright but ever so slightly askew. The determination in the painterly form lies in its carefully crafted indeterminacy: while their luminescent colour and clear contours make the rectangles look like windows onto a space beyond the wall of black paint, a few pink drippings on the black below them create the impression that they could actually also be on top, moving across the canvas in what, owing to the varying uneven angles of their outlines, looks like a continuous dancing motion. The black canvas here is not the end of but the exit to painting, through which it enters anew, dancing, into a different space, a pink space. The pink feels soft and sexy, while its dark hard edges look restrained and cool. If there was sound to the painting, this emotional tension would probably be best expressed by Motown Soul played New Wave-style: think ‘Tainted Love’.
So in Save the Last Dance for Me, Heilmann admits life into the work, not through rigid heroic gestures but by creating a tension inherent in painterly form that captures precisely what defines certain existential emotional states: their indeterminacy, the way in which in such states nothing is ever clear, all feelings are mixed and one thing always means another, but determinedly so. The work’s title amplifies this tension: if the dance the pink planes perform is the last one, then, paradoxically, this last dance always continues in the painting. It won’t stop, as the painterly illusion keeps setting the planes in motion. But even if it is obviously already happening, the last dance, as the title insists, is always yet to come. It should be saved. By whom, and for whom? By a ‘you’ for a ‘me’. Could this be anyone? No, it would have to be someone special. The title is an open formula for an intimate contract over a future exchange of appreciation.
It seems like the peculiar indeterminable temporality of these contractual terms is exactly what we would need to grasp in order to draft an agreement on the future of art. This is not supposed to sound too morbid – but the generation that opened up crucial possibilities for the present in the 1960s and ’70s is about to reach a critical age. Some of its members are already dead. How are we going to express our indebtedness to them? More artists’ estates will come into circulation, or are already doing so. Who is going to take care of them, and how?
In a highly thoughtful and provocative way this question was raised by a recent exhibition at Cubitt Gallery, London. Together with the artist Tris Vonna-Michell, curators Bart van der Heide and Caterina Riva developed a setting in which to provide access to the private archive of the late poet Henri Chopin. In the semi-intimacy of a half-closed séparée installed in the gallery, visitors would receive an index from which to select works, whereupon the curator, wearing white gloves, would disappear into the gallery office to return with what was requested: pieces of typewriter or sound poetry, rough in the facticity of composition and surreal in their humour, or issues of the magazines Cinquième Saison and OU which Chopin had published. Some issues came as boxes filled with peculiar objects: toys for mind-games. Going through the material, you faced a monitor with a video showing the curator doing the same thing: turning pages, opening boxes. This doubling of the scene further heightened its theatricality. Like a child, you found yourself playing ‘archive’ (like children playing ‘post office’). While this intensified the experience of the situation, it also suspended its reality, the curator becoming a 19th-century copy of himself and the artist-run space an imaginary museum. The terms of the generational contract negotiated in this state of indeterminate identity were thus terms of becoming: becoming a subject of remembrance. The theatricality of Cubitt ‘playing’ the Louvre made you grasp that remembrance must be performed. It’s a performance that needs people to be continued, and for which institutions can only ever set the stage.
Thinking of other such contractual terms of becoming, the title of a collaborative exhibition comes to mind – one that Roman Ondák devised in 2003, together with the late Július Koller, protagonist of first-generation Slovak Conceptualism: they called it ‘Teenagers’. Beautifully, the tongue-in-cheek invocation of a teenage state of disoriented becoming projects a scenario of two generations meeting to share their ongoing confusion and plot some mischief together.
How we approach the generation of artists who worked under conditions imposed by the ideological regimes of Cold War times is in fact crucial for how art history will continue. This applies to artists such as Koller, whose work was marginalized at the time and begs to receive the appreciation it merits. Yet it also concerns artists whose work, for instance, was temporarily celebrated during the heroic Modernist phase of postwar socialism and, with the demise of the system, now too seems destined to disappear.
The work of the Croatian artist Vojin Bakic is a case in point. Bakic designed iconic (surreally energetic) Modernist monuments for postwar Yugoslavia, which are now left to decay. To take another look at Bakic’s art, the curatorial collective WHW and Søren Grammel created a scenario in the Grazer Kunstverein in which small sculptures from the Bakic family estate, including many models for future monuments, were staged next to recent pieces by Marine Hugonnier, Sean Snyder and Luca Frei. This instantly proved that Bakic’s sculptural sketches were no less searching and fragile than the contemporary work. In down-scaling Bakic’s oeuvre, the exhibition made it clear that monumentalism did not have to be its only destiny but that it also had another trajectory: the continuous, sensually intellectual inquiry into the possibilities of abstract form. By performing the staging of the work in a contemporary key, Bakic’s art was thrown back into an open process of becoming.
One of the most crucial sites for negotiating the terms of (inter-) generational politics today, finally, are biennials. For it is here that the systemic pressure for a new artistic generation to be churned out like a fresh product line every two years becomes most painfully apparent. Against this backdrop the 5th Berlin Biennial stood out because its curators, Elena Filipovic and Adam Szymczyk, formulated a determinedly different stance in presenting works by artists of an older generation such as Babette Mangolte, Michel Auder, Susan Hiller or Kohei Yoshiyuki alongside contributions by younger artists. Unlike Documenta’s officious art-historical exercises in comparative viewing, their approach rather conveyed a commitment to very particular people whose work has remained difficult to place, not least because it epitomizes a certain spirit of irreverence. Notably, quite a number of younger artists, such as Nairy Baghramian, Susanne Winterling and Paulina Olowska, articulated in their work a similar desire to summon and channel certain wandering spirits – Janette Laverrière, Eileen Gray and Zofia Stryjenska, respectively – not least to rewrite the generational contract in feminist terms. This practice of artistic channelling was in turn given particular attention as some participating artists, including Baghramian and Olowska, were invited to curate exhibitions of the work of these older artists in a space (the Schinkel Pavilion) that was dedicated exclusively to this purpose. Strikingly, in the show as in individual works, art with a history was treated not primarily as a vehicle of legitimization but primarily as a source of inspiration.
If we assume, then, that life in art, beyond professionalism, is about negotiating ways to continue (our life, work, relationships, history) together, it seems that in and through art certain terms could be proposed for a generational contract that, drafted in an irreverent spirit of determinate indeterminacy, will allow us to keep things in a state of becoming – saving the last dance for each other, for someone special, for quite some time.
1 Theodor Adorno, Minima Moralia, Verso, London and New York, 2005, pp. 130f.
2 My thoughts here are indebted to Terry R. Myers, Mary Heilmann - Save the Last Dance for Me, Afterall Books, London, 2007
Jan Verwoert
Jan Verwoert is a contributing editor of frieze and teaches at the Piet Zwart Institute in Rotterdam, The Netherlands.
Candidato promete "agenda positiva" para Bienal por Fabio Cypriano, Folha S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha S. Paulo, em 26 de maio de 2009.
Heitor Martins, que deve ser eleito presidente da instituição na quinta, diz que edição de 2010 não vai atrasar
O empresário Heitor Martins, até agora único candidato à presidência da Fundação Bienal de São Paulo, encontra-se hoje com o ministro da Cultura, Juca Ferreira. A reunião sugere que dificilmente outro candidato terá chance na eleição, marcada para quinta-feira.
"Martins saberá conduzir a Fundação Bienal em sua missão fundamental no desenvolvimento das artes visuais do país, num momento excepcional de visibilidade internacional dos artistas brasileiros da área", divulgou o Ministério da Cultura, na semana passada, em nota de apoio inédito a um candidato na história da Bienal.
Sucedendo três gestões de Manoel Francisco Pires da Costa, marcadas por crises, Martins, 41, chegará à instituição com um perfil técnico, quando muitos ex-presidentes usaram a instituição para melhorar a imagem. "Não vou ser a mesma coisa", disse Martins em entrevista exclusiva à Folha, no domingo, em sua casa, perto do Jóquei Clube de SP.
As dívidas da Bienal, em torno de R$ 4 milhões, não assustam o candidato: "Traremos uma agenda positiva. Creio que com isso os recursos virão".
Ontem, Martins enviou uma carta aos conselheiros da Bienal com suas propostas, que incluem a realização da Bienal em 2010 -o que, para a atual gestão, estava quase descartado por problemas financeiros e atrasos- e os nomes de sua diretoria. Entre estes, o ex-presidente da Bienal do Mercosul, Justo Werlang, o crítico e colecionador Miguel Chaia e o advogado Salo Kibrit.
"Nosso maior desafio está no fortalecimento do modelo de gestão e no aprimoramento da relação com a sociedade", disse.
Na carta, segundo a Folha apurou, são sugeridos conselheiros para a instituição, todos empresários ligados ao colecionismo, que se tornam importantes apoios para a eleição: Suzana Steinbruch, José Olympio Pereira, Alfredo Egydio Setúbal, Milú Villela, Carlos Jereissati Filho, Paulo Sérgio Coutinho Galvão Filho e Tito Enrique da Silva Neto. O banqueiro Roger Wright, morto em acidente de avião na última sexta, também estava na lista.
"Déficit da Bienal não é tão absurdo"
Heitor Martins afirma que endividamento ganhou dimensão exagerada e que montará equipe para superar dificuldade
"Posso dizer que 80% do tempo que já gastamos é em pensar como levar a Bienal para frente", diz candidato à presidência
Mesmo sendo eleito nesta quinta, o empresário Heitor Martins só deve tomar posse após um período de transição de no máximo dois meses, para a captação de R$ 1,8 milhão, de acordo com a carta enviada ontem, pelo candidato, aos conselheiros da Fundação Bienal. A eleição do presidente depende da aprovação do conselho, que se reúne a portas fechadas e define as regras da votação, por exemplo, se será por unanimidade ou maioria simples. Não há quórum mínimo.
"Vamos trabalhar já, mas fazer uma transição que não seja uma ruptura", disse Martins à Folha, cercado de obras de artistas contemporâneos como Lygia Clark, Tunga e Jac Leirner, além de modernos como Volpi e Pancetti, todos de sua coleção. Entre as propostas do candidato, aliás, está reforçar a presença da arte brasileira na Bienal. Leia a seguir. (FCY)
FOLHA - O que levou o sr. a ser candidato a presidência da Bienal?
HEITOR MARTINS - Foi uma combinação de fatores. Tenho uma grande afinidade com o tema, desde criança me entusiasmei com artes plásticas. Quando universitário, tive um pôster da mostra "Tradição e Ruptura" [realizada na Bienal, em 1984] no quarto. Eu visitava as bienais, depois passei a colecionar e, quando morei na Argentina, fiz um curso livre na Faculdade de Belas Artes.
Poucas instituições culturais no Brasil têm 60 anos, como a Bienal, e a sua importância, na divulgação da arte, é evidente, comparável somente ao MoMA [Nova York], à Bienal de Veneza, à Documenta de Kassel, ao Centro Pompidou [Paris]. Contribuir com uma entidade que tem essa história é um chamado ao qual não se pode recusar.
FOLHA - Quem o convidou para ser candidato?
MARTINS - Foi o Jorge Wilhem, que conheci por conta da Fundação Nemirovsky, com a qual eu contribuí. Ele me indicou há uns três meses, mas, quando surgiu a candidatura do Andrea Matarazzo [secretário da Coordenação de Subprefeituras de São Paulo], eu achei que ele tinha condições. Com a desistência dele, fui procurado também pelo Julio Landmann [conselheiro da Bienal] e aceitei.
FOLHA - E o sr. procurou se inteirar da situação financeira da Bienal?
MARTINS - A questão da situação da Bienal ganhou dimensão exagerada. Objetivamente ela é simples. O déficit da Bienal passada se transformou num endividamento de R$ 4 milhões, que não é um valor tão absurdo. A questão para mim foi entender isso e montar uma boa equipe que possa superar esse problema e colocar a Bienal nos trilhos novamente.
FOLHA - É isso que o sr. faz em sua empresa de consultoria?
MARTINS - Trabalho numa empresa de consultoria estratégica, que tem como clientes empresas que querem crescer. Para mim, a questão na Bienal é isso, não olhar para o passado, mas acertar os recursos para ela voltar a florescer. Posso dizer que 80% do tempo que já gastamos é em pensar como levar a Bienal para frente, qual equipe, como organizar, que tipo de aspiração.
FOLHA - O sr. leu o relatório do Ivo Mesquita para pensar sua proposta?
MARTINS - Sim. O que temos tido como questão central é a ideia de "refazer" e, é claro, isso só pode ser em cima das bienais anteriores. Nos últimos anos se abriu um debate sobre o papel das bienais e como elas devem ser geridas, mas a segunda questão deve estar baseada na primeira.
Vamos repensar a Bienal, na gestão, nos recursos, na relação com o governo, a sociedade. Nossa gestão é dar continuidade ao debate. A última Bienal, no entanto, teve um debate mais intelectual, e o que queremos é que esse debate seja plástico. Também queremos que a arte brasileira tenha uma presença ainda maior, e que se pense na produção internacional tendo a produção nacional como referência.
FOLHA - Mas isso não é um debate para o curador?
MARTINS - Sim. E como nossa agenda está apertada, já que não queremos prorrogar a Bienal para 2011, mas mantê-la em 2010 -afinal, esse é o objetivo da instituição e, se ela não o cumpre, perde o sentido-, nós vamos indicar uma equipe de curadores logo. Mas não queremos curadores que já trabalharam na Bienal de São Paulo, queremos um novo olhar.
FOLHA - E quanto à Bienal de Veneza, a Bienal de São Paulo deve continuar indicando os representantes do pavilhão brasileiro?
MARTINS - Creio que sim. Nossa diretoria gostaria de manter essa tradição e, por isso, estamos integrando essa representação em nosso projeto. Já que queremos abordar a arte brasileira como referência no contexto internacional, Veneza é um ponto estratégico, e gostaríamos que os curadores que organizarem São Paulo indicassem a representação de Veneza já na própria proposta.
FOLHA - Qual será seu maior desafio, na sua opinião?
MARTINS - Temos três objetivos: resolver a situação financeira, viabilizar a 29ª Bienal em 2010 e preparar as bases para um projeto continuado. A Bienal tem um efeito fênix, a cada novo presidente ela morre e tem que recomeçar. Queremos uma fórmula de estabilidade, fortalecendo o modelo de gestão, que precisa quer uma relação estreita com a sociedade. Vamos trazer uma agenda positiva, e creio que, com isso, os recursos virão, mas é preciso entusiasmar a sociedade.
Instituições vivem crise permanente
A crise que ronda a Fundação Bienal não é muito distinta da situação pela qual passam outras instituições de arte paulistanas, como o Masp (Museu de Arte de São Paulo) e o MAM (Museu de Arte Moderna de São Paulo).
Criados no mesmo período, o Masp (1945, por Assis Chateaubriand), o MAM e a Bienal (1948 e 1951, por Ciccillo Matarazzo) têm modelo de gestão centralizador e personalista, como foram seus mecenas fundadores.
Chateaubriand e Matarazzo construíram impérios com boas assessorias, mas profissionais da arte nunca foram incorporados a tais instituições. Com a morte de ambos, os museus e a Bienal ficaram com estruturas frágeis, dependentes de personalidades fortes. Quando Edemar Cid Ferreira assumiu a Bienal, por exemplo, injetou dinheiro e recolocou-a no circuito mundial.
Sem tal cacife, o empresário Manuel Francisco Pires da Costa dependeu de verbas governamentais, mas, com suas confusões administrativas, contratando parentes e usando sua empresa para criar a revista da instituição, perdeu legitimidade e aporte financeiro, levando a Bienal à sua mais séria crise.
Renovar a estrutura dessas instituições ajudaria a imunizá-las contra as crises. Foi o que propôs Ivo Mesquita, curador-chefe da última Bienal: "Importante e procedente é uma nova composição do conselho, incluindo [...] profissionais experientes como diretores de museus, curadores, artistas, galeristas, acadêmicos, que possam contribuir para um entendimento e uma presença mais orgânica da instituição na sociedade e no meio artístico brasileiro e internacional". (FABIO CYPRIANO)
maio 25, 2009
Bienal de SP terá eleição no próximo dia 28, Folha S. Paulo
Matéria originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha S. Paulo, em 21 de maio de 2009.
O presidente do Conselho da Fundação Bienal de São Paulo, Miguel Pereira, convocou para 28/5 a eleição do novo presidente da Fundação Bienal. Até agora, o único candidato é o colecionador e consultor Heitor Martins, sócio-diretor da consultoria internacional McKinsey, casado com Fernanda Feitosa, organizadora da SP Arte. Sua candidatura foi antecipada pela Folha no último dia 12.
Martins foi indicado ao cargo pelo arquiteto Jorge Wilheim e tem o apoio do ex-presidente da instituição, Julio Landmann. Até o próximo domingo, Martins deve entregar uma carta à Bienal na qual estabelece condições para que sua candidatura seja de fato efetivada. Entre elas, propõe que durante 60 dias seja realizada uma gestão conjunta com o atual presidente, Manoel Francisco Pires da Costa.
Entre as condições, ele também indica uma série de novos membros para o Conselho da Bienal, já que há cargos vagos. Segundo a Folha apurou, o candidato não pretende postergar a 29ª Bienal de 2010 para 2011, mas sim realizá-la dentro do cronograma normal da instituição, ou seja, no próximo ano. Entre as novas pessoas de sua diretoria, deve tomar parte o secretário-adjunto estadual da Cultura, Ronaldo Bianchi.
USP teme perder obras de Edemar por Fabio Cypriano, Folha S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada do jornal Folha S. Paulo, em 20 de maio de 2009.
Obras do ex-banqueiro mantidas pela universidade terão destino definido por juiz estadual e correm risco de ir a leilão
Coleção foi transferida em 2005, mas STJ determinou que juiz que cuida da falência do Banco Santos decidirá o que fazer
Mais de R$ 1 milhão investido pela USP (Universidade de São Paulo) na manutenção, catalogação e restauro das cerca de 12 mil obras de arte do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira podem ter sido gastos inutilmente. As peças foram transferidas para quatro órgãos da universidade, em 2005, segundo determinação do juiz federal Fausto De Sanctis.
Na semana passada, contudo, por conta de decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça), o destino das obras passou a ser decidido pelo juiz estadual responsável pelo processo de falência do Banco Santos, Caio Marcelo de Oliveira, o que leva a crer que todos os acervos de Cid Ferreira distribuídos por quatro museus (veja quadro ao lado) podem ir a leilão.
"Essa decisão é muito ruim, um péssimo exemplo do ponto de vista da relação entre sociedade e poder público. Essas obras além de bens pecuniários são bens culturais, portanto, a destinação deles deveria ser decidida pelo Ministério da Cultura", diz o presidente do Instituto Brasileiro de Museus do Ministério da Cultura, José do Nascimento Júnior.
Nesse sentido, já tramita no Congresso Nacional um projeto de lei da deputada Alice Portugal (PCdoB) atribuindo tal poder para o MinC.
O cálculo de R$ 1 milhão é do pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária da USP, Ruy Alberto Corrêa Altafim: "Esse valor refere-se a materiais de consumo, equipamentos e adequação de espaço físico, mas em relação a pessoal técnico qualificado, este valor é superior e difícil de ser mensurado".
Segundo o pró-reitor, a consultoria jurídica da USP estuda medidas judiciais para evitar a perda das coleções. "Além do prejuízo dos valores orçamentários já investidos, é possível questionar o fato de se privar a sociedade do acesso, que se dá por meio de exposições e publicações, ao acervo que poderia vir a se tornar um bem público", afirma Altafim.
"Os motivos para a consternação dos museus são pequenos perto das perdas dos credores do Banco Santos, que somam R$ 2,8 bilhões", diz Vânio Aguiar, diretor da massa falida do banco. Estima-se que as 12 mil obras em poder da USP, além de 20 em poder do Museu de Arte Sacra, valham entre R$ 20 milhões e R$ 50 milhões, valor que ficaria em torno de 1% da dívida com os credores. "Não é porque o valor é pequeno que se deve abrir mão dele", diz ainda Aguiar.
Outras obras do ex-banqueiro, localizadas no exterior pela aduana norte-americana, como pinturas de Roy Lichtenstein, estariam mais bem avaliadas: entre R$ 30 milhões e R$ 100 milhões, e o destino delas tampouco foi definido.
Público x privado
Anteontem, parte desse acervo, começou a ser exibido no Palácio dos Bandeirantes, na mostra "Vida após a Vida: Testemunhos da Passagem", com 37 objetos relacionados a rituais de homenagem a mortos, incluindo um sarcófago egípcio, pertencentes ao MAE (Museu de Arqueologia e Etnologia da USP).
"Esta mostra faz parte de um comprometimento do museu em conservar, restaurar, estudar e exibir as peças que recebemos", diz José Luiz de Moras, diretor do MAE.
"É lamentável que tudo isso possa ser perdido, considerando a coleção como um todo, mas as peças que recebemos são as únicas que não correm o risco de ir a leilão, pois, segundo a Constituição, são bens da União, já que se trata de peças arqueológicas", afirma o diretor do museu.
No Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga, peças da coleção do ex-banqueiro também se encontram em exibição, na mostra "Acervos a Descobrir".
"Não me parece condizente com esses acervos que eles fiquem em mãos de particulares. A questão fundamental é que eles são acervos públicos, que nos ajudam a compreender a história do Brasil e constituem, portanto, patrimônio nacional", diz Cecília Helena de Salles Oliveira, diretora do Museu Paulista.
O museu já gastou cerca de R$ 100 mil com a coleção, o que representa cerca de 10% de sua dotação orçamentária.
Para Vânio Aguiar, tal argumento é "voluntarismo artístico": "A lei precisa ser cumprida. E, na hora que as obras forem a leilão, a USP pode pedir para ser ressarcida dos gastos que realizou".
Juiz estadual incluiu obras na massa falida
A opção do STJ (Superior Tribunal de Justiça) a favor de o juiz estadual responsável pelo processo de falência do Banco Santos, Caio Marcelo de Oliveira, para que também seja o juiz competente para julgar o destino das obras de arte do ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira representa que as peças possam ir a leilão, pois o juiz já havia determinado que tais bens fossem adicionados à massa falida.
Contudo, até a semana passada, as obras estavam sob responsabilidade do juiz federal Fausto De Sanctis, segundo a compreensão de que bens adquiridos com recursos ilícitos pertencem à União, salvo o direito de lesados de boa-fé, o que para o juiz não poderia ser a forma de classificar os credores.
Agora, tanto o Ministério Público Federal (MPF) como a Advocacia Geral da União (AGU) podem recorrer da decisão. A Folha apurou que a AGU estaria entrando com uma petição junto ao juiz de falência demonstrando interesse da União pelos bens
Frases
"Essa decisão é muito ruim. Essas obras são bens culturais, portanto, a destinação delas deve ser decidida pelo MinC". José do Nascimento Júnior - presidente do Instituto Brasileiro de Museus do Ministério da Cultura
"Além do prejuízo dos valores já investidos, é possível questionar o fato de se privar a sociedade do acesso ao acervo". Ruy Alberto Corrêa Altafim - pró-reitor de Cultura e Extensão Universitária da USP
"Os motivos para a consternação dos museus são pequenos perto das perdas dos credores do banco, que somam R$ 2,8 bilhões". Vânio Aguiar - diretor da massa falida do Banco Santos
Criaturas estranhas, melancólicas e tropicais por Suzana Velasco, O Globo
Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo, em 21 de maio de 2009.
Janaina Tschäpe expõe fotos e vídeos em que suas esculturas são prolongamentos dos corpos e da natureza
Desde criança, Janaina Tschäpe sonhava em ser pintora e, aos 18 anos, entrou para a Escola de Belas Artes de Hamburgo, na Alemanha. Sua pintura foi ficando mais densa, volumosa, “cheia de gordura”, como ela diz, e Janaina passou a criar peças tridimensionais. Quando se deu conta de que não precisava de um estúdio para fazer suas esculturas infláveis de látex, pôs o material na mala e começou a registrar suas criações por onde viajava.
Depois de alguns anos, as peças biomórficas, que de início eram fixadas no próprio corpo e fotografadas por Janaina, passaram aos corpos das amigas. Em belas paisagens de natureza, as esculturas, que criam seres um tanto estranhos, dão um tom melancólico às imagens. Essas criaturas de Janaina estão na exposição “Melantrópicos”, aberta hoje ao público, na galeria Casa de Cultura Laura Alvim, com fotografias e vídeos de 2002 a 2006. O nome da mostra é o de uma série de imagens em que mulheres como a atriz Mariana de Moraes e a bailarina Dani Fortes, amigas da artista, são camufladas pelas esculturas criadas por Janaina e pelas plantas do Parque Lage.
— Gosto desse mundo íntimo, por isso trabalho com minhas amigas, não com modelos. Não quero uma equipe enorme em volta. Gosto da intimidade que deixa transparecer essa melancolia nas fotos, não quero um trabalho tão teatral — diz Janaina, que nunca fotografou homens. — A mulher tem mais facilidade de se expor.
Ainda que encare esse trabalho como amigas que brincam juntas, ela sabe que ele é performático. As séries de fotos expostas foram feitas no Rio e em locais como Ilhabela e Bocaina de Minas, e em cada um deles a artista e sua escolhida — que ela chama de musa — passaram algumas semanas. Nessas viagens, Janaina leva todo o seu aparato de câmeras e suas esculturas/vestimentas costuradas à mão, busca seu cenário e compõe a fotografia — que ela só verá revelada depois, pois ainda trabalha com filme fotográfico.
Todo esse cuidado só foi possível quando a artista deixou de fotografar o próprio corpo. Com camisinhas cheias de água presas aos pés e aos braços, ela tinha nove segundos para pôr a câmera fotográfica no modo automático e se posicionar para as fotos, feitas em lugares públicos.
— Muita gente me parava para perguntar se eu precisava de ajuda — conta ela, autodidata na fotografia. — Trabalhar com outras pessoas me deu possibilidade de evoluir tecnicamente. Passei a usar câmeras de grande formato e a ter tempo para compor as fotos.
Uma das séries de fotos, “After the rain” (“Depois da chuva”, de 2003), também inspirou um vídeo de mesmo nome, exibido na exposição. Um tríptico, que mostra suas musas interagindo com as esculturas e a paisagem. Outros dois vídeos, exibidos frente a frente, formam a obra “The sea and the mountain” (“O mar e a montanha”, de 2004): balões coloridos no mar encaram balões na montanha, numa exibição em tempo real, contemplativa e melancólica.
— A beleza tem às vezes uma tristeza, porque a gente não sabe explicar de onde ela vem — diz ela, que criou, para a Ópera da Bastilha, em Paris, o banner da fachada e todas as peças gráficas do programa do balé para março e abril deste ano.
A terceira obra em vídeo da mostra, “Dreamsequence” (“Sequência de sonho”, de 2002), projeta na parede um balão de água que cresce lentamente sobre uma cama, até explodir.
— Fui comprar um colchão e fiquei imaginando o quanto ele absorve. A gente sua durante a noite, faz amor... Então pensei no líquido explodindo da cama — explica a artista. — Muitas das minhas ideias têm relação com o universo infantil, de uma imaginação sem limites.
Os títulos das obras não são em inglês por capricho. Janaina nasceu em Munique, morou no Brasil até os 11 anos, mas vive desde os 24 em Nova York, onde fez mestrado em fotografia na School of Visual Arts — na verdade, ela foi expulsa por não frequentar as aulas, tendo que receber o título de mestre na Alemanha, onde a Academia lhe dava mais liberdade. Apesar do acidente de percurso, Janaina, que detesta rotina, decidiu se fixar em Nova York.
— No Brasil, eu era vista como alemã, e, na Alemanha, como brasileira. Foi bom ir para um lugar onde ninguém estava questionando de onde eu era — diz ela, hoje aos 36 anos.
Pintura, de volta há seis anos, levou cor para as fotos
Foi em Nova York que Janaina conheceu o artista plástico Vik Muniz, com quem é casada e tem uma filha de 3 anos. Ambos trabalham com fotografia, mas suas obras são completamente diferentes, e cada um tem seu próprio estúdio na cidade. Janaina tem ainda um ateliê no Rio, onde passou os últimos cinco meses. Pintando.
Só com a volta à pintura, há seis anos, que a artista inseriu as cores fortes em suas esculturas, como na série “Melantrópicos”, em que formas laranja e rosa se destacam da natureza. Nos últimos meses, Janaina criou pinturas e desenhos para a mostra que abre na galeria Fortes Vilaça, em São Paulo, no próximo dia 30. E acabou levando um desses desenhos para a exposição na Laura Alvim.
— O processo de fotografar e filmar exige uma energia muito grande, e, quando você volta com todo aquele material para o estúdio, é quase uma ressaca, dá uma tristeza... — diz ela. — Então comecei a desenhar a memória dessas performances, dessas criaturas, e a imaginar como esses seres seriam por dentro. E isso voltou para as fotos.
maio 20, 2009
Bourriaud analisa artes plásticas sem temor nem preconceito por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Bourriaud analisa artes plásticas sem temor nem preconceito
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada no Jornal Folha de S. Paulo, em 16 de maio de 2009.
Crítica/"Estética Relacional" e "Pós-Produção"
Obras fundamentais sobre a produção contemporânea, no entanto, chegam atrasadas ao país
Finalmente, dois livros fundamentais sobre a produção contemporânea em artes plásticas são publicados no Brasil: "Estética Relacional", de 1998, e "Pós-Produção", de 2004, ambos do crítico e curador francês Nicolas Bourriaud.
O primeiro, já um clássico, é dos poucos livros que olha a produção dos anos 90 sem preconceito, por alguém que acompanhou de perto toda uma geração, especialmente como curador, e conseguiu traçar linhas comuns. No geral, livros com tal ambição estão mais ocupados em detratar a arte contemporânea em vez de compreendê-la.
Em 1998, Bourriaud partiu de um grupo de artistas, hoje quase todos estrelas de grandes mostras ou bienais, como Dominique Gonzalez-Foerster, Pierre Huyghe, Rirkrit Tiravanija e Maurizio Cattelan, e percebeu que, em todos, a ideia de arte como um campo de trocas é comum. Com isso, o crítico francês chegou à definição da estética relacional como "uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das relações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado".
Tal conceituação amparou-se ainda na produção de artistas que se tornaram referência nos anos 90, como o cubano Felix Gonzalez-Torres, e os americanos Gordon Matta-Clark e Dan Graham, entre outros.
Não à toa Bourriaud foi um dos conferencistas da 27ª Bienal de São Paulo, "Como Viver Junto", de 2006, que exibiu vários dos artistas abordados em "Estética Relacional". Centrada nas ideias de Hélio Oiticica, contudo, a própria Bienal tornou clara uma das deficiências centrais da produção de Bourriaud -seu total desconhecimento da obra de Oiticica, um precursor da arte como estado de encontro, um dos pilares da estética relacional.
Já o livro "Pós-Produção", mais recente, continua o raciocínio de "Estética Relacional" sob nova ótica. Enquanto no primeiro volume o foco está no aspecto de convivência e interação da arte contemporânea, o segundo trata das formas de saber que constituem essa produção, especialmente aquelas vinculadas à estrutura em rede da internet, que geram um infinito campo de pesquisa para os artistas.
Reorganizar elementos
Assim, as práticas contemporâneas não estariam mais preocupadas com a ideia de original, singular, e sim em como reorganizar elementos já existentes, dando a eles novos sentidos, o que, obviamente, tem uma relação forte com os "ready-mades" de Marcel Duchamp, cuja "virtude primordial", segundo o autor, é o estabelecimento de "uma equivalência entre escolher e fabricar, entre consumir e produzir".
Esse procedimento pós-produtivo, então, seria a marca fundamental do processo de produção contemporâneo. Essas ideias de Bourriaud, contudo, já fazem parte da recente historiografia da arte contemporânea e influenciaram a organização de várias mostras pelo mundo. Aqui elas chegam um tanto atrasadas.
Tanto que, há duas semanas, o próprio Bourriaud encerrou sua curadoria na Trienal da Tate, denominada "Altermodern", criando aí uma nova forma de pensar a produção contemporânea.
Não há dúvida de que Bourriaud é dos poucos que não têm medo de pensar a arte hoje. A questão é que ele transforma sua reflexão na mesma velocidade das estações de moda o que, afinal, é mesmo um sintoma desses tempos.
ESTÉTICA RELACIONAL e PÓS-PRODUÇÃO
Autor: Nicolas Bourriaud
Tradução: Denise Bottmann
Editora: Martins
Quanto: R$ 25,50 ("Estética Relacional", 152 págs.) e R$ 19,80 ("Pós-Produção", 112 págs.)
Avaliação: ótimo (ambos)
Mesmo com crise, SP Arte chega maior à 5ª edição por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Mesmo com crise, SP Arte chega maior à 5ª edição
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada no Jornal Folha de S. Paulo, em 13 de maio de 2009.
Feira paulistana aberta hoje no pavilhão da Bienal terá a participação de 80 galerias, entre brasileiras e estrangeiras
"Nós surgimos numa fase de crescimento do mercado e nadamos de braçada, mas a situação hoje não é difícil", diz diretora Fernanda Feitosa
Acompanhando o surto na ascensão dos preços na arte contemporânea pré-colapso financeiro, a feira SP Arte, que é inaugurada hoje à noite para convidados, dobrou de tamanho em seus cinco anos de existência: de 40 galerias chegou agora a 80.
E a crise? "Nós surgimos numa fase de crescimento do mercado e nadamos de braçada, mas a situação hoje não é difícil, pois a crise está chegando aqui menos acelerada do que na Europa e o cenário que temos hoje é o que estávamos acostumados, antes é que era uma exceção", diz Fernanda Feitosa, 42, diretora geral do evento.
No entanto, assim como no cenário internacional, Feitosa acredita que existe uma nova postura no circuito das artes: "Quando há excesso de dinheiro, as pessoas são menos seletivas, mas agora as compras são mais conscientes, a qualidade irá ter mais importância e as galerias sabem disso."
Como exemplo, a diretora aponta para o estande da galeria mineira Celma Albuquerque. "Olha lá, em vez de encher o espaço com pequenos trabalhos, eles apresentam apenas uma instalação do José Bento, o que é uma aposta bacana", diz Feitosa. A instalação é composta pela série "Viagem de Balão", com nove fotografias, o vídeo "Verdades e Mentiras" e a escultura "Ócio".
Outro destaque da feira é um "Bicho", de Lygia Clark, realizado em 1984 e que, segundo Luiz de Paula Séve, da Galeria de Arte Ipanema, que comercializa a obra, é o maior já feito pela artista e tem seu preço em torno de US$ 1 milhão. Nesse ano, contudo, com um espaço para jovens galerias, como Polinésia, Emma Thomas e Mezanino, há maior variedade de preços.
Assim como no ano passado, esta edição da SP Arte também irá patrocinar a compra de algumas peças na feira para instituições brasileiras.
O Iguatemi dará R$ 30 mil para a Pinacoteca do Estado e para o Museu de Arte Moderna do Rio, na contrapartida que cada uma coloque mais R$ 10 mil para aquisição, enquanto a própria feira irá doar uma peça para o MAM paulista.
Já o Banco do Espírito Santo também doará um trabalho para a Pinacoteca. As aquisições devem ser anunciadas hoje.
Já o programa com debates, que sempre ocorre paralelamente ao evento, acontece, desta vez, na quinta e na sexta, no auditório do MAM, e terá a presença, entre outros, da curadora do Centro Georges Pompidou, Emma Lavigne.
Assunto comentado em burburinho na feira é a candidatura de Heitor Martins, casado com Feitosa, à presidência da Fundação Bienal de São Paulo. "Isso é um assunto dele, é ele quem vai decidir o que fazer, nós temos muito independência um do outro", diz a diretora, que já tem agendada a feira no espaço da Bienal até 2015.
maio 19, 2009
Modernismo precário, por Marcelo Coelho, Folha S. Paulo
Matéria de Marcelo Coelho originalmente publicada no Caderno Mais do Jornal Folha S. Paulo, em 10 de maio de 2009.
Banal e mal pensada, obra do historiador Peter Gay decepciona ao tratar do movimento que influenciou decisivamente a cultura ocidental no século 20
Conhecido por sua biografia de Freud ["Freud - Uma Vida para o Nosso Tempo", Companhia das Letras], e seus grandes painéis sobre o Iluminismo e sobre a "experiência burguesa" no século 19, o historiador Peter Gay dedica as mais de quinhentas páginas deste livro (com mais de 80 notas, bibliografia e índice remissivo) ao modernismo -ou, como diz o subtítulo, ao "fascínio da heresia, de Baudelaire a Beckett".
O resultado é dos mais decepcionantes. Trata-se de um livro mal pensado em sua arquitetura, frágil na conceituação, com vários erros de acabamento e incolor, quando não banal, na sua escrita. O maior erro de Peter Gay é tratar cada arte -pintura, cinema, música- em capítulos separados. Poucas coisas são mais características da arte moderna do que a criação de movimentos estéticos (o surrealismo, o expressionismo) nos quais pintores, músicos e poetas compartilhavam de um projeto comum.
A estrutura escolhida pelo autor termina levando a um ziguezague cronológico que, abrangendo um período de 150 anos, não só se torna trabalhoso para o leitor, como também leva a algumas repetições na exposição.
Pior: tratando-se de um livro claramente introdutório, destinado, por exemplo, a quem nunca ouviu falar da palavra "móbile" ou desconhece o enredo de "Luzes da Cidade" [1931], de Chaplin, a falta de uma explicação coerente do que significaram os diversos "ismos" da arte moderna haverá de ser sentida pelo leitor.
É que, no fundo, a preocupação de Peter Gay não incide sobre os aspectos da linguagem, do programa estético, das inovações formais propostas pelos diversos artistas e correntes do século 20.
Pela bibliografia comentada que consta ao final do livro, vê-se que Peter Gay é, antes de tudo, um leitor de estudos biográficos, aparentando ignorar a imensa quantidade de textos teóricos já escritos sobre a arte moderna e mesmo algumas introduções didáticas ao tema que superam de longe o livro que ele acabou escrevendo.
Tornam-se quase vergonhosos, assim, os trechos que Peter Gay dedica ao "modernismo" de Orson Welles. O autor oferece um convencional resumo de "Cidadão Kane" [1941], sem dar atenção às ousadias de linguagem do filme.
Inscreve, ademais, os filmes de Chaplin na rubrica "modernismo". Mas este é um caso evidente em que o cinema foi antes fonte de inspiração para a vanguarda do que seu autêntico representante.
Se quisesse dar uma ideia mais precisa do modernismo no cinema, Gay poderia ter citado, por exemplo, "Um Cão Andaluz" [1928] de [Luis] Buñuel, ou "Um Homem com uma Câmera" [1929], de Dziga Vertov.
Naturalmente, apontar omissões em um livro panorâmico desse tipo pode parecer covardia.
Mas é difícil não reagir com espanto a um estudo sobre modernismo que mal toca em nomes como Apollinaire e Maiakóvski, na poesia, Pirandello e Brecht, no teatro, e Isadora Duncan, na dança, enquanto discorre longamente (privilegiando sempre a biografia) sobre Knut Hamsun e Gabriel García Márquez.
"Modernismo" é falho, ademais, no breve capítulo encarregado de contextualizar historicamente a arte moderna. Concentra-se nos fenômenos mais evidentes (a urbanização, o transporte ferroviário, a Primeira Guerra), sem retratar as revoluções científicas e filosóficas da época. Einstein e Bergson, Chklovski e Spengler, Mach e Husserl estão fora de seu ângulo de visão.
Freud, com certeza, é invocado. Pobremente: o autor identifica sinais de complexo de Édipo em Kafka e Strindberg.
Tem-se uma impressão de ainda maior amadorismo quando Peter Gay se refere às influências recebidas pelo "modernista" (?) Jean-Paul Sartre em sua filosofia. Resumiam-se, segundo o autor, "aos velhos escritos do teólogo dinamarquês Soren Kierkegaard".
Nada de Husserl e Heidegger, portanto, nesse autor que, depois de 1941, teria (erro de Peter Gay) se engajado na Resistência.
Pequenos erros desse tipo aparecem com irritante frequência. Confunde-se dodecafonismo com serialismo. O compositor russo Scriabin teria inventado "novas tonalidades". A famosa estreia da "Sagração da Primavera", de Stravinski, foi em 1913, e não em 1911, como assevera a pág. 25.
Mesmo as ilustrações do livro representam desserviço ao leitor. Uma foto do Museu Guggenheim de Bilbao traz junto, ostensivo na fachada, um filhote de cachorro gigantesco, obra do escultor Jeff Koons, que, na ausência de qualquer esclarecimento na legenda, pode ser confundida com a arquitetura do edifício.
A banalidade das legendas é, aliás, um capítulo à parte. Sob a reprodução de um quadro de Gustave Caillebotte, lemos: "Este óleo enorme é provavelmente sua tela mais famosa".
Uma foto de Samuel Beckett nos informa que sua obra, "décadas depois, permanece altamente controvertida".
Mais banalidades? Disso o livro está repleto. "Em suma, o que os teatrólogos do absurdo tinham em comum era o desafio de todas as convenções consagradas que o teatro usou irrestritamente ao longo dos séculos". Como se [o escritor francês] Victor Hugo não tivesse desafiado todas elas, antigas também, em 1830...
Sobre Marcel Duchamp, lemos que "uma coisa é certa: Duchamp estava absolutamente distante das convenções estéticas vigentes e adorava a originalidade".
O tom se torna piegas ao tratar de Franz Kafka: "Por mais que gostasse de escrever, porém, a escrita não tinha força suficiente para salvá-lo de si mesmo".
O que ler para entender o movimento
Quem quiser salvar-se de Peter Gay pode tentar muitos outros livros sobre o período. Modris Eksteins ("A Sagração da Primavera") e Roger Shattuck ("The Banquet Years") oferecem um retrato histórico vivo e integrado dos anos iniciais do modernismo. Perry Anderson, em "As Origens da Pós-Modernidade" [Jorge Zahar], traça hipóteses sociológicas sobre a arte moderna que Peter Gay não leva em conta e refina um conceito crítico que está ausente de seu livro recém-lançado.
Sobre a história da música no século 20, outro lançamento da editora, "O Resto é Ruído" [de Alex Rox], é um guia delicioso, preciso e brilhantemente escrito.
Sem contar o didático "O Castelo de Axel", de Edmund Wilson, os livros de Hugo Friedrich ("Estrutura da Lírica Moderna") e Marcel Raymond ("De Baudelaire ao Surrealismo") são belos guias para a literatura do século 20.
O ilustradíssimo livro de Giulio Carlo Argan ["Arte Moderna", Cia. das Letras], e os quatro volumes da Open University sobre pintura moderna ["Arte Moderna - Práticas e Debates", Cosac Naify], valem tudo o que Peter Gay poderia imaginar em termos de história das artes plásticas, se a fada do talento crítico o tivesse abençoado antes de escrever um livro tão infeliz. (MC)
maio 14, 2009
Cidades pelo avesso por Mario Gioia, Folha S. Paulo
Matéria de Mario Gioia originalmente publicada na seção Ilustrada do jornal Folha S. Paulo, em 14 de maio de 2009.
Com retratos incomuns de grandes metrópoles, o paulista Mauro Restiffe é destaque da Photoespaña, importante mostra fotográfica internacional
"Mauro Restiffe não é um fotógrafo de arquitetura ou de paisagens." A avaliação do crítico de arte e curador Rodrigo Moura pode causar um estranhamento inicial a respeito da obra do artista paulista, conhecido por retratar cidades diversas como Istambul, Nova York, Brasília e São Paulo, mas vai ao encontro do que Restiffe pretende: inverter expectativas.
Moura assina a curadoria e o texto do catálogo da exposição "Mirante", uma das principais dentro do Photoespaña 2009, um dos mais importantes eventos fotográficos do mundo, que começa em junho em Madri (no dia 3) e outras três cidades.
Reunindo 40 imagens, é a primeira mostra de fôlego sobre a obra de Restiffe, 39, que teve importantes passagens em exposições de prestígio -a Bienal de São Paulo, em 2006, e a Bienal de Taipé, em Taiwan, no mesmo ano-, mas nunca havia ganhado uma individual de grande porte.
O artista vai levar para a Casa das Américas, em Madri, duas séries inéditas de fotografias. Uma retrata a multidão que tomou conta da arborizada e organizada Washington, durante a posse do novo presidente dos EUA, Barack Obama, em janeiro passado. A outra foi feita em Portugal no ano passado.
Junto dos registros inéditos, serão expostas séries sobre outras cidades percorridas pela lente da Leica do artista, já vistas por aqui em outras mostras.
"Embora tenha uma gama de assuntos bastante ampla, a sua obra voltou seu interesse nesta última década para a cidade. Trata-se de um tema bastante comum à história da fotografia e que o artista consegue renovar de maneira única e pessoal", avalia Moura, 34, curador do Instituto Inhotim (MG) e da última "Paralela", no ano passado, em São Paulo.
"Acho que a reunião dos trabalhos têm duas linhas. Uma delas é a reflexão sobre a própria fotografia, uma investigação formal", afirma Restiffe. "A outra é a captação das massas, das multidões, no que podemos chamar de arenas."
No entanto, Restiffe não segue a linha fotojornalista ou documental. A posse de Obama, por exemplo, tem diversas fotografias imperfeitas, com borrões produzidos pela entrada de luz quando fotografava. A multidão muitas vezes é observada de costas e não há retratos expressivos nem detalhes de personagens. E o próprio Obama não é visto.
"Assim como na série feita na posse de Lula ["Empossamento", em 2003], essas figuras mais emblemáticas não me interessam. O que enfoco é o anônimo e sua inserção nessas grandes manifestações", conta o artista. "Também não busco a perfeição técnica, incorporo o acidente. É um erro assumido."
Restiffe levará à Espanha imagens paulistanas que podem ser vistas na mostra "À Procura de um Olhar", em cartaz na Pinacoteca do Estado, em São Paulo (pça. da Luz, 2, tel. 0/xx/11/3324-1000).
É uma cidade de tom pouco turístico, vista por meio de imagens que trazem viadutos e praças em estado de abandono, figuras andando a ermo e um estado geral de degradação.
"O fato de eu morar aqui poderia modificar meu trabalho. Mas acho que as imagens de São Paulo dialogam com a desolação presente em outras séries. É o retrato de um projeto de modernidade que não deu certo", afirma ele.
Mais brasileiros
Além de Restiffe, o Photoespaña 2009 terá uma mostra individual da hispano-brasileira Sara Ramo (que também estará na Bienal de Veneza, no mês que vem). A artista Rosângela Rennó e o galerista Eduardo Brandão, da Vermelho, também são convidados do evento, cujo tema é o cotidiano.
"Mauro e Sara são dois artistas muito diferentes, mas com trabalhos de muita qualidade, que sigo há alguns anos. Mauro está mais vinculado ao campo específico da fotografia. Já Sara tem uma forma sensível e espontânea do fazer artístico", diz à Folha o curador do Photoespaña, Sergio Mah, 39.
Afinal, o que constitui o Panorama da Arte Brasileira? por Patricia Canetti
Afinal, o que constitui o Panorama da Arte Brasileira?
PATRICIA CANETTI
A discussão no blog Como atiçar a brasa sobre o Panorama da Arte Brasileira vetado a artistas brasileiros rendeu uma segunda matéria de Fabio Cypriano na Folha de São Paulo em 4 de maio. A matéria, que resume a discussão a um 'ataque' ao conceito da curadoria de Adriano Pedrosa, apresenta algumas opiniões favoráveis e termina dizendo que "a polêmica está ajudando o curador a redefinir sua própria exposição".
Deixando esta discussão de lado, a nova matéria da Ilustrada levanta outra questão: as relações de nosso mercado de trabalho.
Uma discussão calorosa com 80 comentários, em sua maioria postada por artistas, levantando as mais diversas questões em relação à curadoria, que exclui a participação de artistas brasileiros do Panorama da Arte Brasileira, não foi suficiente para o curador ou algum representante da instituição entrar na discussão. Adriano se limita a comentar na nova matéria:
"Sabia que a proposta geraria polêmica, e o formato de blog propicia reações violentas. Como a curadoria é uma prática que exclui muito mais do que inclui, pois o conjunto incluso é sempre infinitamente menor do que o excluído, quanto mais reputada a mostra curada, maior o número de potencialmente frustrados ou irados em relação a ela".
Parece que o curador quis radicalizar a função de excluir e, desta vez, simplificou o trabalho e excluiu a todos... Mas o ponto que considero importante em sua fala é quando ele se refere ao Panorama como sendo uma mostra reputada. Mas, quem a tornou uma mostra reputada? A instituição que a criou, os curadores que trabalharam suas versões anteriores, os artistas que apresentaram suas obras mais recentes em cada uma das edições ou ainda as galerias dos artistas e suas ações comerciais paralelas? Este é um belo exemplo de um trabalho fruto de um sistema, aonde todas as funções importam para chegar a um resultado. Qualquer um destes agentes trabalhando de maneira insatisfatória é capaz de prejudicar o resultado final de um projeto; esta é a natureza dos sistemas.
Mas, se o nosso sistema dispõe de funções hierárquicas para funcionar, não deveríamos confundi-las com a importância de seus produtos para o sistema. Afinal, se os artistas brasileiros cruzarem os braços, instituições, galerias, críticos e curadores terão realmente que trabalhar com arte brasileira feita por estrangeiros (enquanto público e patrocinadores concordarem) ou, simplesmente, mudar de profissão.
Levando-se em conta que a exposição em questão não foi inventada agora, sendo ela fruto de uma genealogia pré-existente, e que os artistas brasileiros, que nela trabalharam ao longo de trinta edições do Panorama da Arte Brasileira (mesmo sem remuneração, como é da praxe da maioria das exposições neste país), ainda não cruzaram os braços, não seria minimamente desejável que esta discussão fosse acolhida pela instituição e pelo curador?
Este episódio só reforça a nossa incapacidade de pensar e agir coletivamente tanto em relação ao crescimento quanto à sustentabilidade (na direção do futuro e de novas gerações) de nosso mercado de trabalho. É mais fácil deixarmos a Bienal de São Paulo falir, museus perderem o rumo, não lutarmos por políticas públicas ou por representações fortes frente a governos e patrocinadores. Somos um segmento fragilizado e vulnerável neste sentido, por sermos mestres apenas em ações individuais e individualistas.
Termino o texto lembrando-me de uma terrível discussão que tive uma vez com duas curadoras. O motivo da discussão: elas não viam problema algum em participar de comissões de seleção e premiação de editais que não remuneram as participações de artistas e ainda cobram que eles sejam responsáveis pelos custos de produção. Na verdade, essas curadoras nem se quer se preocupavam em ler os regulamentos desses editais, porque diziam não ter nada a ver com isso... Será?
Patricia Canetti
Artista e criadora do Canal Contemporâneo
maio 12, 2009
Fotógrafo Martin Parr faz workshop e palestra em SP
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 do jornal Estado S. Paulo, em 11 de maio de 2009.
Famoso por seu estilo irreverente, britânico está no Brasil para lançamento de festival de fotografia
Conhecido por suas imagens irreverentes e bem-humoradas do cotidiano, o fotógrafo britânico Martin Parr proclama sua verdade: "A realidade é muito engraçada." Valendo-se dessa premissa, Parr vai tirar algumas horas do dia de hoje para fotografar o que encontrar pela frente na Avenida Paulista, em São Paulo. Escolheu o rush do horário de almoço.
Parr é um dos nomes celebrados da fotografia contemporânea, vencedor de muitos prêmios e membro, desde 1994, da cultuada agência Magnum - criada há mais de 60 anos por Henri Cartier-Bresson, Robert Capa, David 'Chim' Seymour e George Rodger (há um brasileiro no time atual: Miguel Rio Branco). Mas esse britânico não é propriamente um fotojornalista. Como gosta de dizer, é uma "testemunha do mundo" ao captar - em átimos - os flagrantes do nosso tempo, travestindo-os de cenas irreais, ou seja, de ficção. Sim, todas as suas imagens são retiradas da realidade mesmo, e de lugares bem diversos. É um olhar esperto o olhar de Martin Parr.
Esta não é a primeira vez que ele, nascido em Epsom, em 1952, vem ao Brasil. "Já estive umas cinco, seis vez antes, a primeira delas, há uns 15 anos", conta. As fotos na Paulista fazem parte do workshop que realiza hoje e é fechado para 12 fotógrafos. Amanhã, a partir das 19h30, dará uma palestra gratuita no Museu da Imagem e do Som (MIS). Nos dois eventos, mas, principalmente, no encontro com o público amanhã, em que ele será entrevistado pelos jovens membros do coletivo fotográfico Garapa (Leo Caobelli, Rodrigo Marcondes e Paulo Fehlauer), Martin Parr falará de sua carreira e de sua maneira de tratar a fotografia. Para quem não puder ir ao MIS, a palestra terá transmissão simultânea pelo site www.garapa.org. Uma recomendação, do próprio Parr, é a de que não lhe perguntem o que ele sabe ou acha da fotografia brasileira. "Não posso responder, não conheço muito", diz Parr. "Essa pergunta é um sinal de insegurança. Ninguém pergunta o que se acha da fotografia americana, por exemplo", completa, em poucas palavras.
O fotógrafo britânico trabalha em várias vertentes ao mesmo tempo. Edita livros, faz filmes, trabalha para o ramo da publicidade, faz curadorias, etc - e também é um grande colecionador de livros de fotografia de todo o mundo. Essa característica ágil se reflete em suas fotos. Ele criou um estilo em que suas imagens, "à primeira vista, parecem exageradas ou grotescas". Isso pode se explicar pelo modo como ele utiliza a cor e também pela inusual escolha de perspectiva, como descreve o curador alemão Thomas Weski, completando que, por trás do humor, há também muita crítica aos valores da nossa época.
Unindo o útil ao agradável, o empresário Luiz Marinho aproveitou que Parr viria a São Paulo para participar do projeto Fotolivro Latino Americano e promoveu duas atividades em torno do britânico: o workshop de hoje, com vagas que foram vendidas, cada uma, por R$ 1,6 mil (entre os "alunos" está Bob Wolfenson), e a palestra de amanhã no MIS. Os dois eventos, como conta Marinho, marcam o lançamento do SP Photo Fest, novo festival de fotografia que ocorrerá de 17 a 20 de setembro no MIS.
"Desliguei-me do (festival) Paraty in Foco no fim do ano passado, mas, dirigindo-o por quatro anos, percebi que eventos desse porte acabam por funcionar apenas durante seus poucos dias de realização, o que é uma pena", afirma Marinho, agora diretor executivo do SP Photo Fest. Segundo ele, a Secretaria de Estado da Cultura apoia o novo festival (ainda nem inscrito nas leis de incentivo) não financeiramente, mas cedendo o espaço do MIS. Marinho adianta também próximas atividades, confirmadas, como parte do festival: uma oficina, dia 13 de junho, com o fotógrafo Pedro Martinelli, e workshop e palestra, em setembro, com o fotojornalista checo-americano Antonin Kratochvil, fundador da Agência VII.
Flores, corpos e luz, pelas lentes de Mapplethorpe por Camila Molina, Estado S. Paulo
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 do jornal Estado S. Paulo, em 11 de maio de 2009.
A composição é vital nas mais de 30 imagens criadas entre 1979 e 1989, que celebram a leveza e o purismo das formas
Corpos e flores são dois temas que o americano Robert Mapplethorpe (1946-1989) tomou como os motes máximos para explorar uma relação, por assim dizer, escultórica da luz na fotografia em preto e branco. Deixando de lado o viés polêmico de sua carreira - os retratos que ele fez de teor sexual e que em exposições em todo mundo já levaram a debates fervorosos e até a censura -, vê-se em suas fotografias uma rigidez constante quando a questão é a composição. "É a luz que investiga as superfícies", diz Alexandre Gabriel, diretor da Galeria Fortes Vilaça, onde será inaugurada nesta quinta-feira para convidados e na sexta para o público uma mostra com mais de 30 fotografias do celebrado Mapplethorpe, realizadas entre 1979 e 1989 e todas em torno dos corpos e das flores.
Esta é a segunda vez que a galeria paulistana expõe obras do fotógrafo graças à parceria firmada com a Fundação Robert Mapplethorpe, criada nos EUA por ele mesmo, em 1988, antes de morrer, vítima da aids. Ele imprimiu uma grande quantidade de um conjunto amplo de suas fotografias para que fossem comercializadas depois de sua morte e a renda destinada ao tratamento da aids - as tiragens das imagens são de 5, 10 e 15 exemplares. A primeira mostra na Galeria Fortes Vilaça ocorreu em 2005 e teve curadoria do artista brasileiro Vik Muniz, que escolheu do acervo da fundação 50 imagens feitas entre 1975 e 1989, privilegiando um caráter inusual da produção de Mapplethorpe, como fotografias de paisagens e de interiores de casas - mas todas elas de uma composição minimalista, de formas em destaque em detrimento do tema. Agora, nesta nova exposição, também a seleção feita pela Fortes Vilaça não traz nenhuma das obras da produção mais radical de Mapplethorpe - fica em evidência a leveza ou o purismo das formas, obsessão na carreira do americano que teve, na base de sua formação, a pintura e a escultura, desenvolvidas em cursos no Pratt Institute de Nova York.
Como conta Alexandre Gabriel, a inspiração para se fazer esta atual mostra em São Paulo foi a de coincidir com o tema da exposição Perfection in Form, que será inaugurada no dia 26 na Academia de Belas Artes de Florença, na Itália. "Lá estarão as fotografias de Mapplethorpe entre as esculturas de Michelangelo", diz Gabriel. E também as imagens que o fotógrafo realizou das obras do artista italiano na galeria onde está a famosa escultura do Davi. "É uma relação direta com a escultura", diz ainda o diretor da galeria.
Na Fortes Vilaça, as fotografias que têm como tema os corpos são maioria, mas, eles nunca aparecem inteiros - e, muitas vezes, nem aparecem rostos dos retratados. Das celebridades e personalidades do underground nova-iorquino que Mapplethorpe tanto registrou estão apenas um retrato da cantora e compositora Patti Smith (de costas, em meio a véus) e outro da fisiculturista Lisa Lyon - as duas foram amplamente clicadas pelo artista em sua vida.
As imagens, quando não de flores ou de detalhes de plantas, na maioria enfocam partes do corpo como mãos, pés e mamilos. Na montagem, elas estarão expostas entremeadas pelas de temas florais. "São aproximações fáceis entre as imagens, em diálogo lado a lado, como a da flor copo de leite, tema famoso na obra de Mapplethorpe, com a de um torso masculino", acrescenta Gabriel.
Serviço
Mapplethorpe. Galeria Fortes Vilaça. R. Frad. Coutinho, 1.500, 3097-0384. 10/19 h (sáb. até 17h; fecha 2.ª e dom.). Até 20/6. Abre 5ª, 19h
O modernismo segundo Peter Gay por Antonio Gonçalves Filho, Estado S. Paulo
Matéria de Antonio Gonçalves Filho originalmente publicada no Caderno 2 do jornal Estado S. Paulo, em 10 de maio de 2009.
Autor reacende debate ao defender em seu novo livro que o 'fascínio da heresia', e não a ideologia, uniu os modernistas
O historiador judeu de origem alemã Peter Gay, hoje com 86 anos, tinha pouco mais de 10 quando escapou da Alemanha de Hitler, em 1933. Estabelecido nos Estados Unidos, dedicou sua vida a pesquisar a história que deixou para trás, produzindo estudos e biografias de personagens da cultura europeia, dos quais os mais célebres são um ensaio sobre o panorama artístico na República de Weimar e uma biografia de Freud. No entanto, seu mais recente livro, Modernismo (Companhia das Letras, tradução de Denise Bottman, 578 págs., R$ 64) dividiu os críticos, como atestam os textos publicados na página ao lado, do crítico e curador Teixeira Coelho e do historiador Francisco Alembert.
Acusado de eurocentrismo - por ter eleito apenas artistas, escritores, dramaturgos e músicos modernistas europeus, omitindo americanos e latinos - Gay defendeu-se antecipadamente das críticas que viria a receber escrevendo, no prefácio, que seu livro não é um estudo sobre o nascimento, crescimento e declínio do modernismo. Esta seria, segundo o historiador, tarefa impensável para um único volume - daí a ausência de grandes romancistas como Faulkner e Saul Bellow ou pintores como Willem De Kooning e Francis Bacon.
Numa história geral, teria de acomodar todo mundo. Em sua história particular, ele buscou apenas os traços comuns aos modernistas, dissociando-se da ideologia de seus contemplados, sejam eles o Nobel de Literatura Knut Hamsun, simpatizante do fascismo, ou o dramaturgo antifeminista August Strindberg, passando pelo ultracatólico poeta T.S. Eliot e outros pilares do modernismo associados a regimes totalitários (o futurista Marinetti, por exemplo). Gay defende que o liberalismo é o princípio fundamental do modernismo e faz de sua lista uma declaração de princípios, provando que a modernidade não é a pátria da democracia. Ao contrário. É o paraíso de autocratas como Picasso, bancados pelos burgueses sobre os quais destilou seu ódio.
Embora diga que não se arriscou a oferecer uma leitura psicanalítica do modernismo, o historiador, ao falar de Kafka, vai além de Freud e transfere para a arena da psicanálise a discussão sobre a obra do escritor. Seu diagnóstico: o autor de A Metamorfose era um edipiano desajustado, vítima do desamparo moderno provocado pela tirania do pai - celestial ou biológico. O fato de Kafka ser judeu e de tantos outros criadores judeus terem influenciado o modernismo poderia, então, conduzir a outras interpretações igualmente polêmicas? Gay é mais cauteloso nesse terreno minado, lembrando que não existe tal coisa chamada de "gosto judeu". Judeus ricos compravam tanto os acadêmicos dos salões como Picassos e resistiram às inovações de Schoenberg quase tanto como evitavam a revolucionária arquitetura da Bauhaus.
A rebelião modernista, ainda segundo Gay, tampouco foi esquerdista, embora tenha sido uma resposta ao mundo burguês. Regimes totalitários, defende, foram sempre hostis ao modernismo, do nazista - e a exposição Arte Degenerada, de 1937, é prova incontestável - ao comunista. Com relação ao último, ele dá um jeito de contornar o incontornável, omitindo o nome do dramaturgo alemão Bertolt Brecht. Gay discorda do crítico, também marxista, Georg Lukács, que decretou 1848 o ano da morte da ideologia burguesa. Lukács disse que a burguesia francesa não mais desempenharia um papel na progressista peça da modernidade. Gay diz o contrário: a primeira qualidade dos modernos é o que chama de "fascínio pela heresia". Artistas de origem burguesa provocam outros burgueses escandalizáveis e são por eles financiados. Não haveria, segundo ele, uma única ideologia política capaz de bancar ou explicar o modernismo.
Seja como for, Gay admite o ano da publicação do Manifesto Comunista - 1848 - como um marco, escalando o poeta francês Charles Baudelaire como o primeiro herói do modernismo. Alvo preferencial do ódio burguês, Baudelaire foi o herético encarregado de provocar a sociedade francesa, ao desprezar a poesia tradicional e expor suas taras sexuais em poemas profanos. O "subproduto degenerado" do modernismo, no entanto, teve ancestrais ilustres - o protomodernista Diderot, cita Gay, descartando a localização histórica do modernismo, que, segundo o mesmo, não acabou. Para provocar, ele diz que não sabe o que é pós-modernismo e conclui o livro chamando de "moderno" o "herético" arquiteto Frank Gehry. O que Bilbao pode fazer pelo modernismo? Nem Gay sabe. Diz que é historiador, não profeta - mas não hesita em culpar Duchamp por ter destruído a ideia de modernismo, ao afirmar que tudo pode ser arte, sonho que a arte pop, segundo ele, converteu em realidade.
Para Gay, o declínio do modernismo começou quando o público aceitou a provocação dos artistas pop - Warhol, em particular, por ter eleito tantos ícones do consumo como arte. Até então, a arte exigia uma sensibilidade mais "educada" (ou elitista), argumenta. Após Andy Warhol, vale tudo.
maio 11, 2009
Cartas-bomba por Paul Starr e Steven Johnson, Folha S. Paulo
Fragmentos de troca de cartas entre Paul Starr e Steven Johnson originalmente publicados no Caderno Mais! da Folha de São Paulo, em 10 de maio de 2009.
Em troca de mensagens, Steven Johnson defende a web como espaço de ampliação da cidadania, enquanto Paul Starr diz que mídia impressa é central para o combate à corrupção e para a sobrevivência da democracia
(...)
16 de abril de 2009
Caro Paul,
É verdade que sou otimista quanto às possibilidades de longo prazo do jornalismo, mas a última coisa que quero fazer é incentivar a "inação". O objetivo todo de meu argumento é sugerir um futuro otimista e inspirar as pessoas a construí-lo. Você quer ação para preservar um modelo de jornalismo de jornais que nos serviu bem durante um século. Eu acho que podemos construir algo melhor.
Você fala das forças de longo prazo que se alinharam contra os jornais. Elas são reais. Mas você passa por cima de muitas das forças compensatórias --políticas, econômicas e tecnológicas-- que beneficiam o jornalismo e também a cultura cívica que o cerca.
Hoje vemos novas e vastas eficiências na distribuição, graças à passagem da imprensa impressa à digital. Existem oportunidades inusitadas de participação na criação, curadoria e discussão das notícias. O acesso às informações governamentais se tornou mais fácil, graças em parte a iniciativas de transparência como as tomadas pela administração Obama.
Enquanto isso, novos sites --incluindo um que eu criei, Outside.in-- permitem aos cidadãos tratar de questões "hiperlocais" ao nível de quarteirões e bairros das cidades, coisas que os jornais de cidades jamais poderiam alcançar.
Tudo isso vem acompanhado da capacidade de agregar muitas vozes diferentes num único site, sem pagar pelos custos de criação desse conteúdo. E não se esqueça dos US$ 10 bilhões de publicidade local que virão on-line nos próximos cinco anos.
Mas não falemos das tendências de longo prazo. Falemos sobre o que está acontecendo agora mesmo em minha cidade natal, Brooklyn.
Você fala do declínio da cobertura jornalística do governo estadual em Nova Jersey. Nos últimos três anos, a questão cívica dominante em Brooklyn tem sido a polêmica em torno de um grande projeto de reurbanização, o Atlantic Yards.
No Outside.in, a página dedicada ao Atlantic Yards reúne notícias, reportagens, comentários e bate-papo. Nos últimos cinco dias saíram 30 artigos. A edição impressa do "New York Times" publicou exatamente uma matéria nos últimos 30 dias mencionando o assunto.
Quão mais rica será a cobertura de uma questão pública importante como o Atlantic Yards nos próximos cinco anos? Como você diz, é arriscado dar um palpite, então imaginemos um futuro baseado inteiramente em empreendimentos e sites já existentes.
Eis o que eu acho que existirá. Grandes bloggers, como o blog imobiliário do Brooklyn Brownstoner, vão apresentar notícias pela primeira vez, comentar acontecimentos e até ganhar dinheiro. Plataformas de dados como Everyblock vão informar as pessoas sobre novos empreendimentos imobiliários. Pessoas e sites com paixão por trazer fatos escusos à tona --como o corajoso blog Atlantic Yards Report-- vão comparecer a todas as audiências públicas para formular perguntas difíceis e vão postar na internet transcrições das audiências, com comentários adicionais. Amadores locais vão vasculhar documentos públicos em busca de detalhes reveladores, e pais presentes às audiências escreverão em blogs sobre o impacto sobre escolas específicas à sombra do projeto. E sites como o Outside.in vão circular as observações deles a leitores que vivem nessa zona escolar, enquanto novas organizações beneficentes como a Spot.us vão financiar artigos investigativos sobre o histórico passado das empresas envolvidas na construção.
Se forem espertos, jornais de Nova York como o "Times" e o "Post" vão aproveitar essa cobertura, compartilhá-la com seus leitores, usá-la para vender anúncios locais e às vezes colocar um de seus repórteres treinados para desenvolver artigos novos.
Estes últimos, por sua vez, acrescentarão valor enorme à cadeia de informação, e o ciclo inteiro recomeçará.
Sim, é verdade que no final desse processo haverá menos jornalistas oficiais de jornais cobrindo acontecimentos como o Atlantic Yards. Mas haverá um declínio correspondente no engajamento cívico público? Não acredito. Você fala sobre o velho sistema dos jornais aumentar o engajamento em parte porque as pessoas tropeçavam na primeira página a caminho das páginas de quadrinhos. Eu nem sequer aceito essa premissa. Desconfio que a web vai mostrar-se muito mais afortunada que os jornais impressos. Mas, mesmo que não o seja, qual sociedade lhe parece incluir mais participação cívica? Uma em que o noticiário é controlado por uma pequena minoria e onde as interações cívicas das pessoas acontecem como leitura feita a caminho da seção de esportes? Ou uma em que milhares de pessoas comuns participam ativamente na criação do próprio noticiário?
Steven
17 de abril de 2009
Prezado Steven,
Que tal olharmos mais de perto a seu negócio, o Outside.in, e ver se funciona como substituto do jornalismo profissional.
Vejo que, quando você lançou o Outside.in, em outubro de 2006, empregou o mesmo exemplo do projeto Atlantic Yards. Dois anos e meio já se passaram desde então, e tenho certeza de que você já deve ter outro. Mas qualquer pessoa que navegue por seu site verá que ele não faz reportagem investigativa. Pelo que pude apreender, ele não faz nenhum trabalho de reportagem próprio. Ele agrega o que aparece em outros lugares. Não parece haver qualquer critério de relevância ou importância. E, se o que aparece em outros lugares é lixo, o site ajuda a difundir esse lixo, porque, por sua própria natureza, um site de notícias automatizado não possui aquilo que tem todo bom editor: um detector de lixo.
Você se refere a um blog chamado Atlantic Yards Report como uma das fontes chaves das notícias sobre o Brooklyn publicadas no Outside.in.
Chequei essa informação com o editor do Report, Norman Oder. Eis o que ele disse em resposta à pergunta de se o Outside.in faz qualquer trabalho de reportagem ou exerce qualquer seleção editorial: "O Outside.in não 'cobre' o Atlantic Yards e, a meu ver, não exerce virtualmente nenhum impacto sobre a discussão local. Ele apenas agrega uma multidão de cobertura noticiosa e de blogs, pegando carona especialmente no meu blog e no portal NoLandGrab.org".
É claro que você não paga Oder ou qualquer outra pessoa pelo uso de seu trabalho. Isso pode ser um bom modelo econômico. Mas, se é um modelo para resolver os problemas do jornalismo, isso é outra história.
Vamos também olhar mais de perto o discurso que você vem usando para colocar-se como corajoso defensor da inovação. Você diz que eu "quero agir para preservar um modelo de jornalismo impresso".
Mas, como deixei claro num artigo recente, "Adeus à Era dos Jornais" [publicado em 4/3 na "New Republic"], precisamos buscar novas formas de jornalismo adaptadas às exigências de um ambiente digital, aproveitando plenamente as vantagens deste. O problema é que o tipo de inovação que você está promovendo não responde com eficácia ao problema triplo que mencionei: financiar o jornalismo de serviço público, engajar o público e gerar responsabilidade política.
Sites como o seu, que tiram notícias, comentários --e lucros-- da web dependem inteiramente de que outros paguem pelo trabalho original de reportagem. Alguns blogueiros podem dar furos jornalísticos ocasionais, mas fazer de conta que eles possuem as capacidades de um grande jornal metropolitano é enganoso.
Um site que tira notícias de outros lugares pode ampliar o público do material que coleta, mas, se existe algum efeito de engajar o público, isso acontece porque outros estão fazendo o trabalho. Engajar o público requer que se identifiquem os acontecimentos e apontem seu sentido, e não apenas que se reproduzam informações (e desinformações) isoladas.
Finalmente, criar responsabilidade política efetiva requer um poder compensatório da imprensa que um site que tira notícias de outras fontes não terá. Quando falei de jornais reduzindo sua produção e da incapacidade de o jornalismo on-line preencher essa brecha, eu estava me referindo à cobertura do governo estadual em Nova Jersey. Isso é verdade, e se aplica também à cobertura dos governos de outros Estados.
Nada do que você disse propõe soluções para essa diminuição da cobertura jornalística e suas implicações para a responsabilidade política, e seu site com certeza não é uma solução --você não pode agregar artigos que não estão sendo escritos.
Para resolver esse problema serão necessários novos investimentos em jornalismo por parte de organizações sem fins lucrativos, novos modelos econômicos que financiem o jornalismo e novas políticas públicas que permitam a organizações noticiosas captar uma parte maior da receita do bem público que produzem.
E, já que estamos falando em receita, que tal pagar a Norman Oder e outros pelo trabalho que você vem divulgando como se fosse a contribuição de seu próprio site ao debate público?
Paul
(...)
Como mudar de fato o financiamento à cultura por Sharon Hess, Folha S. Paulo
Matéria de Sharon Hess* originalmente publicada na seção Tendências/Debates do jornal Folha S. Paulo, em 4 de maio de 2009.
Com mudanças nas leis de incentivo, alguns de fato vão perder, mas a cultura e os princípios republicanos serão fortalecidos
Em recente manifesto, profissionais de teatro de São Paulo exigiram do Ministério da Cultura o fim da renúncia fiscal e a implantação de um fundo de financiamento direto com recursos orçamentários, regras democráticas e regido por política cultural.
Os manifestantes vivenciam, desde 2002, a Lei de Fomento ao Teatro, na cidade de São Paulo, que, a exemplo do Fumproarte (Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre), na cultura, e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), na ciência e tecnologia, comprova ser possível o financiamento público direto no Brasil como alternativa às leis de incentivo fiscal.
Predominantes no país, as leis de incentivo contrariam princípios republicanos ao transferir para empresas a tarefa de definir, com base em critérios privados, individuais e não necessariamente qualificados, quais projetos culturais receberão recursos públicos. O que é saudável e desejável quando o dinheiro é de fato das empresas configura-se aqui como anomalia. O Brasil carece de um modelo de financiamento à cultura de alcance público. Um modelo efetivo de financiamento direto.
O projeto de lei do Ministério da Cultura, em consulta pública, não soluciona as incongruências do modelo atual ao manter os incentivos fiscais e não abordar a mais irracional das leis de incentivo, a Lei do Audiovisual, que remunera empresas pela alocação de recursos públicos.
Sem tocar nas questões de base, a nova lei, se implementada, será mais do mesmo, salvo um aspecto: o fortalecimento proposto do Fundo Nacional de Cultura (FNC), de financiamento direto, que opera desde 1991 com recursos ínfimos e sem regras claras. A efetividade desse mecanismo, porém, depende de uma política cultural e de recursos expressivos e contínuos.
A formulação da política é primordial para reger a destinação dos recursos do FNC, orientando a definição de critérios claros e transparentes para a seleção dos beneficiados e otimizando a alocação dos recursos para atender ao interesse público, afastando também o temido dirigismo cultural.
A política é também necessária para a obtenção de recursos para o fundo. O conflito distributivo do Orçamento exige racionalidade maior que a fundamentação na sugestão da Unesco de 1% para a cultura. Exige responder: recursos para que e para quem?
A resposta virá de uma estratégia para a cultura. A transferência da incumbência sobre os recursos públicos às empresas tem isentado o ministério dessa resposta há 18 anos. É fato que a atual gestão avançou com o Plano Nacional de Cultura e definição de prioridades, mas, para o conflito distributivo, além de priorizar objetivos de acesso ou diversidade, é preciso planejar como estes serão atingidos, com quais ações, critérios, prazos, retornos e indicadores. Disso ainda não há sinal.
Ainda para a obtenção de recursos para o FNC, o ministério deve reconhecer que o atual R$ 1,3 bilhão abatido do Importo de Renda de empresas que se beneficiam das leis Rouanet e do audiovisual faz, sim, parte da conta da cultura e hoje provém de apenas 5% das 400 mil empresas que podem usar o incentivo. Se mais empresas passarem a adotá-lo, a renúncia poderá atingir muito além do atual valor.
Sob a ótica do conflito distributivo, difícil imaginar que o Tesouro, nessas condições, libere novos e expressivos recursos para o FNC.
Se o ministério estiver convencido de que o financiamento direto é o mais adequado, deve propor a transferência gradual ao FNC dos recursos incentivados que hoje não entram nos cofres públicos, definindo tetos anuais decrescentes para a renúncia fiscal. Garantirá assim o controle sobre o montante de recursos públicos para a cultura e a transição entre os modelos com a acomodação dos atuais beneficiados.
É certo que, mesmo de forma gradual, os financiados pelos incentivos fiscais serão contrários à mudança, como já vêm demonstrando desde a publicação do projeto de lei.
Cabe ao próprio meio cultural refletir e defender o investimento público efetivo, como fizeram os profissionais de teatro. Cabe também aos gestores públicos enfrentar posições divergentes em nome do interesse público.
Novamente, uma estratégia para a cultura ajudaria o ministério a demonstrar que alguns de fato vão perder, porque não estão alinhados à política estabelecida, mas que a cultura e os princípios republicanos, certamente, serão fortalecidos.
*Sharon Hess, 34, bacharel em administração de empresas, é diretora da Articultura. Fez mestrado em gestão e políticas culturais na City University de Londres (Inglaterra), com tese sobre modelos de financiamento à cultura para o Brasil.
maio 7, 2009
Hora de crescer - Vik Muniz, o digital e os novos modelos de negócios
Vik Muniz, Marat (Sebastião) da série Pictures of Garbage, 2008 - impressão digital, 129,5 x 101,6 cm / Jacques-Louis David, Marat assassiné, 1793 - óleo sobre tela, 165 x 128 cm ( Musees Royaux des Beau-Arts de Belgique Brussels)
Após ver a exposição de Vik Muniz no MASP no domingo passado, conversava com um amigo artista e empresário sobre a produção de produtos e ele disse que o grande negócio na atualidade era “cópias e produção em grande escala”. Com esta frase ele acertou em cheio o ponto de meu interesse na obra de Vik Muniz.
Os artigos sobre Vik sempre contam que ele copiava telas dos grandes mestres para se sustentar antes da carreira artística. Juntando esta demanda existente à nossa eterna fome artística em desvelar as obras que nos marcam, Vik dedica sua carreira a esta obsessão de copiar e retrabalhar as grandes obras e, ao fazer isto, inventa para si um espaço até hoje restrito às "performing arts": a re-encenação dos clássicos. Como um diretor, ele escolhe e dirije os atores e os técnicos necessários para que sua produção atinja os resultados desejados.
Sempre me irritei muito com a ladainha proclamada a respeito do trabalho de Vik Muniz, quando esta se refere ao seu virtuosismo e a importância do fazer no seu trabalho. A partir destas falas, poderíamos considerar o trabalho de Vik um desserviço à arte contemporânea. Mas realmente não creio que esteja aí o X da questão, pois não importam a qualidade do desenho (e isso fica claro no traço quase infantil apresentado nos trabalhos) ou quem desenha, pinta, monta ou fotografa. Tampouco o original importa. Descolando-se aqui das "performing arts", as qualidades que deram origem à partitura inicial são descartadas, assim como o próprio original produzido e fotografado pelo artista. Ao tratar as obras utilizando novos materiais e linguagens, Vik busca procedimentos já utilizados por outros artistas em diferentes momentos da história da arte e, com isso, compõe um trabalho com camadas e camadas de cópias. Portanto, o que importa enfim é a imitação, a cópia, a reprodução em todo o seu esplendor.
Fim do original e início do digital
No momento em que a produção digital elimina a matéria original (ai, que aflição, não temos mais película!) e propaga na rede o trabalho colaborativo (web 2.0), também sofremos um outro vazio importante nos modos de produção: a falta de novos modelos de comercialização e remuneração de autor. Esta questão cara ao Canal Contemporâneo veio a tona no debate de Geert Lovink e Ronaldo Lemos na PUC-SP, promovido pelo grupo de pesquisas Net Art e agência Click (leia o relato de Ananda Carvalho). O debate pegou fogo com a colocação de Lovink de que deveríamos deixar de lado o "mantra da cultura livre" e tratar de pensar e desenvolver novos modelos de negócios. Ronaldo Lemos, como representante no Brasil do Creative Commons, respondeu dizendo que o CC era tão somente uma ferramenta jurídica para lidar com os desafios das novas mídias, rejeitando o rótulo de incentivador da produção livre.
Desde a minha primeira ida ao Festival Ars Electronica em 2004 - enviada pelo Nokiatrends juntamente com Ricardo Ruiz do Mídia Tática -, quando ouvi a representante da Fundação Rockefeller falar de "common knowledge" e assiti a palestra de Lawrence Lessig, criador do Creative Commons, e ao seu vídeo de apresentação com o ministro Gil de garoto propaganda, sinto este torturante vazio em relação aos novos modelos. Lessig apresentou o CC da mesma maneira que Ronaldo Lemos hoje, o que deixava à margem as questões em relação ao jogo econômico e de quem levaria a melhor fazendo uso desta ferramenta jurídica. Também não obtive resposta da representante da Fundação Rockefeller quando a argui sobre como deveríamos entender o sentido de "common" vindo de um país como os EUA que havia se negado a assinar o Protocolo de Quioto.
O fato é que passados cinco anos ainda não vislumbramos novos modelos. Estou falando de web, mas também de mercado de arte, que persiste em trabalhar no século XXI como se estivesse no XIX.
Suspensão
Devido ao excesso de trabalho e à falta de tempo, trabalharei este texto em processo aberto. Eis aqui o início que darei sequência pesquisando e trocando ideias na publicação de comentários aqui no Como atiçar a brasa.
Patricia Canetti
Artista e criadora do Canal Contemporâneo
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maio 6, 2009
"Panorama estrangeiro" é atacado na web por Fabio Cypriano, Folha S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha S. Paulo, em 4 de maio de 2009.
Tradicional mostra bienal sobre arte brasileira, agora curada por Adriano Pedrosa, gera polêmica por só ter estrangeiros
"Que presunção, que vaidade, que egocentrismo", diz artista Artur Barrio; ideia também tem defensores, que a Ilustrada ouviu
Em vez de "Panorama da Arte Brasileira", "Brazilian Art Landscape" é como o artista Alex Cabral propõe que seja denominada a mostra com curadoria de Adriano Pedrosa, a ser inaugurada em outubro, no MAM-SP (Museu de Arte Moderna de São Paulo).
Já a artista Ligia Borba sugere "Panorama da Arte Brasilianista". O sarcasmo faz parte da maior parte das 58 mensagens já postadas (até o fechamento desta edição) no site Canal Contemporâneo, a partir da proposta de Pedrosa de não incluir artistas brasileiros na exposição com caráter bienal, criada há 40 anos.
No blog do Canal Contemporâneo -uma comunidade digital organizada pela artista Patrícia Canetti-, a grande parte dos comentários à proposta de Pedrosa, após reportagem publicada na Folha, é marcada por reações bastante violentas (http://www.canalcontemporaneo.art.br/
brasa/archives/002119.html).
Um dos exemplos é como o artista Artur Barrio contesta Pedrosa: "Que presunção, que vaidade, que egocentrismo, que exclusão, que ignorância".
"Sabia que a proposta geraria polêmica, e o formato de blog propicia reações violentas. Como a curadoria é uma prática que exclui muito mais do que inclui, pois o conjunto incluso é sempre infinitamente menor do que o excluído, quanto mais reputada a mostra curada, maior o número de potencialmente frustrados ou irados em relação a ela", diz Pedrosa.
Opiniões favoráveis
A Folha ouviu outros 13 artistas e curadores (leia íntegra dos depoimentos em www.folha.com.br/091221) e a maioria, ao contrário do que ocorre no Canal Contemporâneo, posicionou-se a favor do projeto de Pedrosa. De todos, apenas a artista Carmela Gross e o curador Paulo Venancio Filho foram contrários à proposta.
A favor manifestaram-se os artistas Jac Leirner, Rivane Neuenschwander, Rosângela Rennó, Sandra Cinto e Ricardo Basbaum, além dos curadores Agnaldo Farias, Lisette Lagnado, Daniela Labra, Rodrigo Moura, Cristiana Tejo e Felipe Chaimovich.
Curador do MAM-SP, Chaimovich coloca a instituição em defesa de Pedrosa: "O "Panorama" caracteriza-se pelo questionamento regular da natureza da arte brasileira e o debate gerado pela proposta curatorial de 2009 mostra a relevância de uma reflexão renovada a cada edição, quebrando expectativas e apontando interpretações inesperadas, como cabe a um museu de arte moderna".
No entanto, nem todos são a favor da ideia de forma integral, apresentando algumas ressalvas, como o artista e curador Ricardo Basbaum.
"Parece que somente os curadores são capazes hoje de provocar polêmicas; antes estas eram produzidas pelas obras, pelos artistas. Se pensarmos na 28ª Bienal, a discussão que mobilizou a opinião pública foi provocada pelos curadores e não por qualquer artista ou obra da mostra", diz ele.
"Isso me preocupa: obras e artistas não estão sendo mais percebidos enquanto agentes provocadores, e sim os curadores", completa Basbaum, que está em cartaz em São Paulo, na galeria Luciana Brito.
A polêmica, contudo, está ajudando o curador a redefinir sua própria exposição.
"A princípio, eu tinha pensado em fazer uma exposição mais esparsa, com um número menor de artistas, mas agora estou considerando incluir mais obras, mais exemplos de "arte brasileira feita por estrangeiros", sem querer esgotar o assunto, mas tornando o argumento mais claro", diz Pedrosa.
Mostra é tradicional coletiva por Fabio Cypriano, Folha S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na Ilustrada no jornal Folha S. Paulo, em 4 de maio de 2009.
O "Panorama da Arte Brasileira" foi criado pela Comissão de Arte do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), em 1969, portanto alguns anos após o desmonte do museu, ocorrido em 1962, quando seu fundador, Ciccillo Matarazzo, doou à Universidade de São Paulo toda a coleção do museu, o que deu origem à criação do Museu de Arte Contemporânea da USP.
Sem acervo, o MAM criou então o Panorama como estratégia para se recriar e reorientar: o foco da coleção passaria a ser a produção contemporânea nacional, o que de fato é o perfil do museu, traindo em parte a denominação "de arte moderna".
Os prêmios de aquisição do "Panorama", que ocorrem desde sua primeira edição, foram uma importante forma de constituição do acervo da instituição e das poucas ações permanentes para tal fim num museu paulistano.
Em 1995, pela primeira vez, o "Panorama" foi organizado por um curador, no caso Ivo Mesquita, que rompeu com o formato tradicional da mostra por suportes, inspirado no espetáculo "O Livro de Jó", do Teatro da Vertigem.
Em 2003, sob a designação "Desarrumado", o "Panorama" apresentou pela primeira vez artistas estrangeiros, com curadoria do cubano Gerardo Mosquera. Além de 16 brasileiros, o curador apresentou o belga Wim Delvoye, o argentino Jorge Macchi e a chinesa Kan Xuan. Também pela primeira vez, o "Panorama" foi visto no exterior, em itinerância na Espanha.
Em 2005, organizado por Felipe Chaimovich, atual curador do MAM, o "Panorama" gerou polêmica ao comparar a produção contemporânea aos gêneros da pintura clássica. (FC)
Leia depoimentos sobre as mudanças do "Panorama da Arte Brasileira", Folha S. Paulo
Depoimentos originalmente publicados na Folha Online, em 4 de maio de 2009.
Leia a íntegra dos depoimentos dados à Folha opinando sobre as mudanças no próximo "Panorama da Arte Brasileira" propostas pelo curador Adriano Pedrosa.
CONTRA
"O sr. Adriano Pedrosa que se cuide! A sua estrangeirice é tamanha que um dia ele ainda vai ser deglutido pelos canibais de plantão!"
Carmela Gross, artista
"Será que não há no MAM uma mente lúcida para se opor a tamanha arrogância ridícula?"
Paulo Venancio Filho, curador
A FAVOR
"Um 'Panorama' com 'trabalhos nacionais de artistas estrangeiros' é, obviamente, fruto de uma ação que inverte e questiona territórios concretos e políticos. Frente à quantidade de exposições voltadas à produção nacional em 'n' instituições paulistas, a ideia para esse 'Panorama' do MAM me parece bem humorada, antiterritorialista e pertinente. O tratamento especial reservado à produção dos trabalhos e aos artistas deveria ser praxe em quaisquer instituições, só nos resta ver a qualidade da arte que se apresenta, apesar da resistência do meio local."
Jac Leirner, artista
"A ideia parece-me muito interessante. É sempre bom lembrar que a cultura sempre ultrapassou os limites fixados pela geopolítica. Por conta disso é que se pode dizer que o Brasil não é obra exclusiva daqueles que nasceram aqui. Já não foi dito que a literatura latino-americana começou na escrita do primeiro europeu impactado pelo que viu? E alguém aí discute que o Sergio Leone não é norte-americano e que depois dele o faroeste mudou um bocado? Embora brasileiros, temos lá nossa parcela de norte-americanos, franceses, ingleses, alemães..."
Agnaldo Farias, curador
"A proposta aponta para um esgotamento: depois do 'Antarctica Artes com a Folha', hoje o 'Rumos' cumpre a missão de mapear a arte feita no Brasil. A identidade das mostras muda. A 'Paralela' virou um 'Panorama' e o último 'Panorama' teve calibre de Bienal. Por ser uma mostra autoral, deve formular algo a partir de uma falta. Adriano é um dos embaixadores da arte brasileira no exterior, já tendo inserido Sandra Cinto, Marcelo Cidade e Marcellvs L. em mostras importantes."
Lisette Lagnado, curadora
"Existem muitas mostras deste tipo no mundo todo, e a premissa de que um artista tenha de pertencer a um lugar específico como justificativa para a sua participação já não é mais o suficiente (vide o fim das representações nacionais na 27ª Bienal de São Paulo). Além disto, acho válido (re)pensar o nosso país como um lugar que assimile diversas culturas, gerando assim discussões mais abrangentes inclusive e sobretudo sobre nossa própria identidade."
Rivane Neuenschwander, artista
"Não conheço todos os argumentos de Adriano Pedrosa, mas acredito que sua proposta pode indicar uma questão interessante, a de se permitir indagar o que faz de uma arte brasileira _se é a nacionalidade de seu autor, o país onde ele cria, a temática de sua obra, entre outros. Porém, a proposta corre o risco de se concretizar numa mostra repleta de clichês: a miséria, o carnaval, o sensual, a luta de classes, o precário, o exuberante etc, são aspectos facilmente encontrados em leituras estrangeiras superficiais sobre o Brasil. Acredito, contudo, que Pedrosa é bastante hábil para se desviar desse risco e se quiser, poderá levar a cabo uma discussão eficaz sobre o panorama da arte (e do circuito de arte) brasileira."
Daniela Labra, curadora
"A ideia de uma bienal nacional, que, de dois em dois anos, dê conta da totalidade da produção emergente, está esgotada há muito tempo. A verdade é que não dá tempo de fazer um update neste período, o que gera exposições muito parecidas umas com as outras. Com a proposta do Pedrosa, o MAM deixa claro que pensa o 'Panorama' como uma exposição que pode questionar seu formato até limites radicais. A ideia de pensar arte brasileira através dos óculos do estrangeiro é, em si, questionável, mas acho que faz sentido propor um formato radicalmente diferente a cada edição do 'Panorama', já que sua essência e origem não têm mais relevância no panorama de hoje."
Rodrigo Moura, curador do Instituto Cultural Inhotim
"Cada vez mais artistas brasileiros são convidados a desenvolver trabalhos específicos em exposições internacionais e, do lado oposto, várias obras são produzidas, no Brasil, por artistas estrangeiros e muitas vezes não podemos usufruí-las. Essas trocas são saudáveis e devem ser prestigiadas. Além do mais, gosto muito da idéia de desvincular o 'brasileiro' do 'nacionalista', como disse o Adriano Pedrosa. O 'Panorama' não precisa ser encarado como mais uma coletiva de arte brasileira que acontece de dois em dois anos, com um curador diferente (aliás, pelo que me consta, a 'Paralela' também adotou esse perfil). Particularmente não vejo problema algum, de vez em quando, vermos um 'Panorama' diferente, como aconteceu quando o Gerardo Mosquera convidou estrangeiros pra integrarem a mostra curada por ele, em 2003; se o ponto de vista for bom, e a arte for boa e feita no Brasil, não pode ser feita por estrangeiro?
Rosângela Rennó, artista
"É interessante notar como cada 'Panorama' responde a seus antecedentes, seja para negá-los ou reafirmá-los ou partir de nortes anteriormente abertos. O foco do evento parece ter se cristalizado em sua própria história e na afirmação e/ou desconstrução de uma estética nacional do que firmar posicionamentos críticos diante de uma produção artística de uma época inscrita num lugar chamado Brasil.
Eu achava que a discussão literal em torno da identidade e do pertencimento nacional já tivesse vivido seu esgotamento e migrado para pontuações de poéticas provenientes de vários 'lugares', mas pelo visto ela ainda suscita malabarismos curatorais e reações nacionalistas acaloradas."
Cristiana Tejo, curadora da Fundação Joaquim Nabuco (PE)
"O 'Panorama da Arte Brasileira' do Museu de Arte Moderna de São Paulo caracteriza-se pelo questionamento regular da natureza da arte brasileira. O debate gerado pela proposta curatorial de 2009 mostra a relevância de uma reflexão sempre renovada a cada edição do 'Panorama', quebrando expectativas e apontando interpretações inesperadas, como cabe a um museu de arte moderna."
Felipe Chaimovich, curador do MAM-SP
"Acho a provocação do Adriano Pedrosa interessante. Mas o curador terá de ser capaz de reunir trabalhos que realmente provoquem uma reflexão sobre o tema - e não simplesmente figurar slogans superficiais. É preciso sair de provincianismos nacionalistas - resquício da ditadura militar - e atuar politicamente no mundo, internacionalmente. Muitas vezes somente ligações políticas internacionais podem provocar a renegociação de impasses políticos locais. Muitas instituições brasileiras são provincianas e se esquivam do debate global da arte contemporânea, assim como dos debates locais. Os dois pólos não estão tão distantes e reverberam um no outro.
Mas uma coisa me intriga principalmente, e para mim é o ponto que me chama mais a atenção: parece que somente os curadores são capazes hoje de provocar polêmicas; antes estas eram produzidas pelas obras, pelos artistas. Se pensarmos na 28ª Bienal, a discussão que mobilizou a opinião pública foi provocada pelos curadores e não por qualquer artista ou obra da mostra. Isso me preocupa: obras e artistas não estão sendo mais percebidos enquanto agentes provocadores, e sim os curadores. Entretanto, acredito que os principais agentes provocadores são de fato as obras. O curador teria que re-aprender a recolocar o conflito 'obra x sociedade', e não apenas 'evento x sociedade', 'exposição x sociedade' - e assim sair do centro da cena."
Ricardo Basbaum, artista e curador
"Eu penso que o 'Panorama da Arte Brasileira' que propõe um olhar sobre a influência da mesma na produção internacional é um projeto que vai além de uma mostra coletiva. Constatar que a arte brasileira deixou de ser periférica, que é uma referência no contexto internacional é algo que só a fortalece. Nós, artistas brasileiros, estaremos representados sim, de uma maneira muito mais profunda. 'Panorama' significa uma visão ampla, em todas as direções, sem obstáculos."
Sandra Cinto, artista