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março 24, 2009
Criador da legislação se recusa a analisar texto, O Estado de São Paulo
Matéria originalmente publicada no Caderno 2 do Jornal O Estado de São Paulo em 21 de março de 2009.
O embaixador Sergio Paulo Rouanet, de 75 anos, idealizador da Lei Rouanet, é hoje membro da Academia Brasileira de Letras e não gosta de dar palpites nas reformulações da Lei de Incentivo. O Estado enviou para o seu e-mail informações sobre a reforma da legislação, mas Rouanet não quis comentar.
"Infelizmente não dou declarações sobre a Lei de Incentivo à Cultura, por desconhecer os seus desdobramentos atuais e as várias tentativas que vêm sendo feitas para modificá-la. Estou à sua disposição para qualquer assunto não relacionado com políticas públicas de caráter cultural", disse ontem o embaixador, por e-mail.
O embaixador criou a Lei Rouanet quando no cargo de secretário de Cultura do governo de Fernando Collor de Melo, presidente que sofreu impeachment. Na época, a cultura ainda não tinha status de ministério. Rouanet criou a lei, mas não conseguiu implementá-la. Somente com a elevação da Cultura ao status de Ministério, e com a chegada de Francisco Weffort à pasta (no governo de Fernando Henrique Cardoso), é que a lei efetivamente foi acionada.
Repercussão, O Estado de São Paulo
Matéria originalmente publicada no Caderno 2 do Jornal O Estado de São Paulo em 21 de março de 2009.
"Acho lamentável pensar em mudanças na Lei Rouanet quando o problema está na maneira como ela funciona. Funciona mal porque não há organização e há lentidão na análise dos projetos. O excesso de demora para análise e aprovação dos projetos cria uma situação patrocinador/produtor difícil e o produtor tem de correr contra o tempo. Cria-se praticamente a mesma especulação que acontecia na época da inflação, quando se colocava no projeto um valor mais alto já se levando em conta a taxa de inflação. Os produtores mandam um excesso de projetos para ver se algum emplaca. Mudança sem organização não adianta. Temos de implorar, correr, ir de um lado para o outro porque não existe um caminho. Atualmente temos quatro projetos em curso, dois deles para o Ano da França no Brasil que foram aprovados no ano passado pelo comissariado francês, o que já indicaria uma agilidade para que o Ministério da Cultura aprovasse e até agora nada. São para o segundo semestre, um do grupo de música A Filleta e outro, um espetáculo com a atriz Juliette Binoche. Também temos para setembro o projeto de espetáculo de Pina Bausch, mas o patrocinador não quer nem ver a minha cara enquanto a aprovação do projeto não aparece no jornal. Para o ano que vem vou jogar dez projetos para ter alguma coisa no bolso e vou criar mais trabalho para o Ministério. O erro não está na lei." Emilio Kalil - Produtor Cultural
"Acho fundamental que saia um texto preciso e oficial depois de ficarmos muito tempo conversando de teses e diagnóstico da lei. É importante para o diálogo, uma proposta de amadurecimento. Escalonar as deduções de imposto de renda sempre faz bem, não havia uma graduação entre os projetos, mas, primeiro, é importante que não se acabe o de 100%, não vejo problema. O Itaú Cultural só usa o artigo 26, só 30% de incentivo. Para o Itaú Cultural o escalonamento não muda nada. O debate vai começar agora, a proposta está muito aberta. O processo de utilização do Fundo Nacional de Cultura precisa ser amadurecido. O orçamento do MinC está contingenciado, vamos ver se o do fundo vai ser. Acho positivo que o texto saia para se esclarecer com precisão as propostas do MinC". Eduardo Saron - Superintendente do Itaú Cultural
"É importante dizer que todo o processo da Lei Rouanet, que tenho usado nos últimos anos, é bastante burocrático e sem agilidade. Todos sofremos ao lidar com o MinC, via e-mail, telefone, ofícios, abertura de contas, etc... O que nos leva a crer que o ministério não está preparado estruturalmente para responder e atender à quantidade de projetos que recebe. A organização que administra o processo, na prática, não funciona como deveria. Mudança de conteúdo no sentido de ampliar a lei e trazer novas alternativas é bem-vinda. Desde que seja acompanhada por uma prática que funcione. Imagino que se o CNIC ainda tiver que decidir, por exemplo, sobre porcentagens de isenção de impostos, para cada patrocínio, tornará ainda mais lento o processo. Mesmo crendo que essa mudança seja para melhor." Myrian Taubkin - Produtora Cultural
"Há aspectos positivos, duvidosos e negativos, como sempre. A Lei Rouanet, tal como existe, teve um papel decisivo no País - sem ela, continuaríamos vivendo no deserto cultural que existia antes de ela aparecer. Poder utilizar restos não-aplicados de recursos do ano anterior, além da intenção do governo de injetar recursos públicos diretos, sem depender de patrocinadores, são aspectos positivos do decreto. No entanto, existem alguns pontos que, certamente, devem trazer problemas como, por exemplo, a porcentagem variada que possibilitará ao copatrocinador a dedução de imposto de renda: uma boa lei não pode ser demasiada específica, além do que não estão claros quais serão os critérios para a aplicação de cada parcela percentual (com exceção da de 100%). O artigo de número 32 também é um tanto equivocado, por relatar que os ?projetos passarão por um sistema de avaliação que contemplará a relevância cultural e aspectos técnicos e orçamentários, baseado em critérios objetivos, transparentes e que nortearão o processo seletivo?. Ora, não existem critérios objetivos na cultura e querer identificá-los é extremamente perigoso. Outra aspecto que o novo decreto poderia contemplar são os descontos de incentivo para pessoas físicas com base no lucro resumido, não real, assim a inclusão seria maior." Teixeira Coelho - Curador do MASP
"Minha sensação é que a preocupação menor não é a lei, mas a capacidade do governo de gerir as leis. Elas estão paralisadas, tanto estaduais como federais. O que existe é a dificuldade de fazer as coisas funcionarem para não parar o sistema. Não tem que trocar a turbina do avião com ele voando." Marcello Dantas, Videoartista e Produtor
"O que me preocupa é a alteração da alíquota de 100% de retorno para empresas patrocinadoras, um retrocesso por tudo o que brigamos há cerca de cinco anos, quando finalmente conseguimos equiparar o teatro ao audiovisual. É claro que, na análise de projetos, o gerente de marketing vai preferir o retorno total do seu investimento por meio do incentivo na área de audiovisual e não nas artes cênicas. Não estão claros os critérios que vão nortear a escolha das diferentes porcentagens de alíquotas e quem é que forma essa comissão responsável por enviar o dinheiro diretamente para o projeto. Ao que tudo indica, voltamos ao dirigismo cultural que existia antigamente. O governo deve criar mecanismos de incentivo direto para casos específicos em todo o Brasil como, por exemplo, de projetos de teatro alternativo e experimental. Se o Brasil tem essa discrepância cultural não é papel da Lei Rouanet corrigir essas distorções. Também acredito que os incentivos fiscais devam ficar concentrados no eixo Rio-São Paulo, porque nas demais regiões do País ainda não se alcançaram condições necessárias para a produção de qualidade. Depois disso, seria providencial promover a circulação desses projetos por todo o País." Claudio Fontana - Ator e Produtor
março 23, 2009
Lei Rouanet: ministro da Cultura critica concentração de recursos públicos nas mãos de poucos por Catarina Alencastro, globo.com
Matéria de Catarina Alencastro originalmente publicada no site globo.com em 23 de março de 2009.
As propostas de alteração da Lei Rouanet, lei de financiamento da cultura criada há 18 anos, estarão no site do Ministério da Cultura na internet, a partir desta segunda-feira, para consulta pública até o dia 6 de maio. Depois desse período, o governo acatará (ou não) sugestões feitas e encaminhará o texto de um projeto de lei para votação no Congresso Nacional.
Na entrevista coletiva que concedeu esta segunda-feira, o ministro da Cultura, Juca Ferreira, criticou o pouco acesso que a população tem à cultura hoje (apenas 14% vão ao cinema ao menos uma vez por mês, segundo o Ministério) e a concentração de recursos públicos para o financiamento de propostas culturais nas mãos de poucos proponentes.
- Não queremos demonizar a Lei Rouanet, mas 18 anos depois, temos que fazer uma discussão. A lei tem muitas qualidades, mas também tem defeitos gravíssimos. No ano passado disponibilizamos R$ 1 bilhão em recursos públicos e 50% desses recursos foram captados por 3% (dos proponentes). Isso não é justo. Isso não é política pública - reclamou.
A ideia do Ministério da Cultura é que o financiamento via renúncia fiscal, hoje o principal mecanismo de patrocínio público a projetos, passe a ser apenas uma possibilidade e o Fundo Nacional de Cultura, com cinco novos fundos setoriais (Artes, Memória e Patrimônio Cultural, Livro e Leitura, Cidadania, Identidade e Diversidade Cultural e o Fundo Global de Equalização) passe a ser a principal forma de financiamento. Esses funcionariam como já opera o Fundo do Audiovisual, composto por um comitê gestor formado pela classe artística, sociedade civil e representantes do Ministério. Os recursos do Fundo Nacional de Cultura também poderiam ser transferidos para estados e municípios, desde que o governo local tenha um conselho com representantes da sociedade civil para que este defina o destino do dinheiro e fiscalize sua execução.
Uma das principais críticas às mudanças propostas é que as empresas não poderão escolher que projetos desejam financiar, já que o governo quer que essa decisão seja compartilhada.
- Esses critérios (de decisão) terão que ser aprovados e construídos à luz do dia. Tem que ir para o Conselho Nacional de Cultura para que não haja nenhuma intenção de dirigismo na condução desse processo. Estamos propondo um modelo de gestão compartilhada, público, transparente, ao acesso do controle social. É isso que nós queremos, não disponibilizar dinheiro público para o enriquecimento de dois ou três e pela apropriação de áreas da cultura em detrimento da grande maioria do povo brasileiro e dos produtores culturais do Brasil - rebateu o ministro.
Outra distorção apontada por Juca Ferreira é a falta de conhecimento da sociedade de que é o Estado quem patrocina a maioria das peças, filmes e exposições no Brasil. Ele disse que é preciso desmistificar a ideia de que é a empresa quem financia projetos, quando esta tem 100% de isenção fiscal ao bancar tal iniciativa. O Ministério estima que 90% das atividades culturais são pagas com dinheiro público, enquanto a iniciativa privada arca com somente 10% do total.
- Eu quero construir uma parceria público-privada que seja defensável em qualquer fórum. Ninguém sabe que o Museu do Esporte foi feito com dinheiro federal, da Lei Rouanet, porque não é dito isso. É preciso botar o dedo na ferida para que a gente possa construir uma parceria público-privada nos moldes do que a sociedade brasileira está madura para ter - disse.
Além dos fundos setoriais, o projeto prevê novas formas de captação, como a utilização de recursos de uma Loteria Federal da Cultura, que está sendo negociada com a Caixa Econômica Federal.
Finalmente, o Ministério propõe faixas diferenciadas de renúncia fiscal. Hoje, só são possíveis os percentuais de 30% ou 100% de renúncia. A proposta de projeto de lei sugere a inclusão de faixas de 60%, 70%, 80% e 90% de dedução do imposto.
Juca Ferreira espera que as mudanças sejam implementadas ainda este ano. Segundo ele, o projeto conta com a simpatia da maioria dos congressistas.
Ministério da Cultura disponibiliza nova Lei Rouanet para consulta por Gabriela Guerreiro, Folha Online
Matéria de Gabriela Guerreiro originalmente publicada na Folha Online em 23 de março de 2009.
O Ministério da Cultura vai disponibilizar a partir desta segunda-feira, em seu site na internet, o novo projeto da Lei Rouanet -que tem como objetivo alterar o atual modelo de financiamento para o setor cultural brasileiro.
O texto ficará disponível por 45 dias para consulta, depois será enviado para análise do Congresso Nacional. O ministro Juca Ferreira (Cultura) disse esperar a votação do texto pelo Legislativo ainda este ano.
Com duras críticas ao atual modelo da Lei Rouanet, Ferreira disse que o objetivo das mudanças é permitir que o financiamento das empresas privadas a atividades culturais não se restrinja a grandes produções artísticas nem ao eixo Rio de Janeiro-São Paulo, como ocorre no modelo atual.
O governo também quer acabar com a cobrança elevada dos ingressos para espetáculos culturais no país.
O ministro disse que metade dos recursos captados pela Lei Rouanet, atualmente, são repassados a apenas 3% dos produtores culturais. "Não há política pública que resista. Isso é dirigismo, tão perigoso quanto o dirigismo estatal. Quem paga o preço é a população brasileira. Artista novo que não é do gosto público tem dificuldades de ter acesso à Lei Rouanet", afirmou.
Renúncia Fiscal
A principal mudança diz respeito à renúncia fiscal das empresas que optarem por financiar projetos culturais. Hoje existem apenas duas faixas de isenção de Imposto de Renda para as empresas, de acordo com a lei: 30% ou 100%.
Pela proposta, haverá um escalonamento maior. O Ministério da Cultura vai criar outras quatro faixas de renúncia, de 60%, 70%, 80% e 90%. Os critérios para o uso dos impostos serão estabelecidos por um conselho, composto por governo e sociedade, de forma paritária, correspondente ao atual Cnic (Comissão Nacional de Incentivo a Cultura).
O conselho também vai poder interferir na faixa de renúncia, assim como verificar se a proposta de financiamento vai atender a projetos de diversas áreas culturais, com preços mais acessíveis para a população.
"Tem áreas da cultura que não têm acesso à lei porque interessa ao empresário financiar algo que dê retorno. A última palavra cabe à direção de marketing da empresa, isso tem que mudar", afirmou.
Pelo novo texto, o conselho vai definir anualmente, por meio de portaria, os critérios da renúncia, relacionando-os com cada faixa. Embora o projeto de lei não esclareça esses critérios, Ferreira, disse que a prioridade serão o preço do ingresso, o acesso ao espetáculo e sua diversidade cultural.
"Projetos de música popular brasileira têm hoje só 30% de renúncia. Por que? Não se justifica esse preconceito contra a música. Por que outras áreas têm 100% de renúncia? Os índices serão analisados mediante avaliação", disse.
Na opinião de Ferreira, a remodelação do atual modelo da Lei Rouanet vai impedir que recursos "adormecidos" não sejam aplicados anualmente pelo governo no setor cultura.
Fundo
O projeto também prevê mudanças no Fundo Nacional de Cultura, que passa a contar com recursos do Tesouro Nacional. Também haverá fundos setoriais de financiamento direto da cultura, como de memória e patrimônio, de cidadania e diversidade, artes e equalização.
O governo também que implementar um "Vale Cultura" no valor mensal de R$ 50, nos moldes do atual "Vale Refeição", que poderá ser utilizado no acesso a espetáculos de artes visuais, artes cênicas, audiovisual, música e patrimônio cultural. Pelo projeto, o governo dará renúncia fiscal para 30% do seu valor, o empregador pagará 50% do valor e o trabalhador, 20%.
"Ao invés de alimentar o estômago, o Vale Refeição vai alimentar o espírito", disse o ministro.
Mapeamento da nova geração de artistas revela pouca ousadia por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na sessão Acontece do jornal Folha de S. Paulo em 22 de março de 2009
Com exceções, como Kilian Glasner, Tiago Carvalho e o grupo Empreza, exposição mostra obras em formatos simples e fáceis
Após três anos, novamente o Itaú Cultural apresenta a mostra Rumos Artes Visuais, desta vez sob coordenação geral de Paulo Sergio Duarte e com o subtítulo "Linhas do Desejo".
Em seu formato, o Rumos é muito parecido com um salão de arte contemporânea, portanto uma reunião de trabalhos produzidos recentemente, que funcionam como registro instantâneo de uma geração que está por se afirmar.
A diferença notável é que ele conta com uma extensa equipe curatorial -são 12 pessoas além do coordenador-, o que deveria representar um esforço extra para um mapeamento significativo da produção atual.
Entretanto, se a nova produção de fato se reflete nas 72 obras da mostra, a geração que surge parece vir com problemas. Ousadia, que em geral é o esperado de quem não tem ainda amarras no circuito, é rara. Mas ela acontece, e curiosamente é mais visível num espaço fora da sede do Itaú Cultural, numa casa sete quadras distante, onde Kilian Glasner e Tiago Carvalho realizam seus trabalhos. Glaser destrói parcialmente o segundo andar do local, enquanto Carvalho monta no primeiro a "Galeria Boliche", repetindo uma experiência similar realizada na cidade de Coronel Fabriciano, em Minas Gerais.
Frescor
Mesmo no prédio do Itaú, obras como "Itauçu", do grupo Empreza, de Goiânia, uma instalação complexa e misteriosa, fruto de performance realizada na abertura da mostra, trazem algum frescor ao conjunto.
Em sua maioria, contudo, os trabalhos parecem se encaixar em formatos simples e fáceis, prontos para o mercado. Realizados com receitas já conhecidas, muitas dessas obras parecem simples referências a algum nome já conhecido da cena contemporânea. Alguns vídeos lembram a poética de Cao Guimarães, outros trabalhos a apropriação de objetos cotidianos como ocorre com Marepe ou Rivane Neuenschwander.
Nem todos que usam esse tipo de procedimento, no entanto, são tão redundantes, como se observa com Marcelo Moscheta em "Estudo para Espaço", uma singela mas fascinante representação do céu com algodão e caixas de bombom.
Tem sido consenso em artigos de revistas especializados que o colapso financeiro mundial deve reposicionar os caminhos da arte atual, tornando-a mais livre e arrojada. A produção que se vê nessa edição do Rumos ainda está, definitivamente, querendo participar de um mundo que acabou e, pior, sem reflexão.
Mostra de arte brasileira não terá artistas nacionais por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na sessão Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 20 de março de 2009
Exposição será reservada a estrangeiros que dialoguem com a cultura do país
O 31º Panorama da Arte Brasileira, que acontece em outubro, no MAM-SP, terá ainda projeto de residências artísticas para estrangeiros
Depois da polêmica Bienal do Vazio, no ano passado, que deixou um andar do pavilhão no Ibirapuera sem produções artísticas, a controvérsia do mundo das artes plásticas nacionais deste ano promete ser o 31º Panorama da Arte Brasileira do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), previsto para ser aberto no dia 10 de outubro.
Com curadoria de Adriano Pedrosa, 43, a mostra bienal não terá artistas brasileiros, ao contrário do que indica seu título, mas estrangeiros que estabeleçam algum diálogo com a cultura local ou estejam vinculados a um tipo de produção que ele considere brasileira.
"Minha primeira ideia foi organizar um panorama de arte latino-americana, que acabou amadurecendo nessa ideia de arte brasileira feita por estrangeiros. Esse projeto também reflete minha percepção de que a programação das instituições na cidade é majoritariamente com brasileiros", disse Pedrosa à Folha, na sede do MAM.
Criado em 1969 e transformado em evento bienal em 1995, o Panorama visava até então apresentar uma leitura da produção brasileira contemporânea, tendo sido organizado por curadores como Ivo Mesquita, em 1995, ou o cubano Gerardo Mosquera, em 2003, que agregou três estrangeiros à mostra, entre 19 artistas.
A proposta de não incluir artistas brasileiros significaria que a produção nacional anda fraca? "Estou flexibilizando uma noção ossificada de "arte brasileira", questionando-a. O "brasileiro" nesse contexto deixa de ser nacionalista. Parece-me pertinente, pois o Brasil e a arte brasileira sempre foram muito abertos", diz Pedrosa.
Residências
Outra inovação será a realização de residências artísticas para estrangeiros, como ocorreu na 27ª Bienal de SP (2006), na qual Pedrosa foi cocurador.
Assim como daquela vez, a Faap irá acolher os artistas em um edifício na praça Patriarca. Esse tipo de procedimento, contudo, teve início antes na carreira do curador: "O projeto de residências é algo que primeiro desenvolvi com a Luisa Lambri, uma italiana que fez fotografias de arquitetura brasileira, em 2003. É um bom exemplo de "arte brasileira", nesse sentido ampliado".
Pedrosa pretende selecionar cerca de 30 nomes para a mostra: "Meu objetivo é buscar artistas que estabeleçam uma relação mais profunda com a cultura brasileira, como o Superflex [da Dinamarca], que trabalhou com o guaraná Power, ou a [francesa] Dominique Gonzalez-Foerster, que já trabalhou com muitas referências nossas e vive no Rio".
Cerca de metade da seleção, ainda segundo Pedrosa, deve participar do programa com a Faap: "Nas residências, vamos convidar de dez a 15 artistas que potencialmente possam desenvolver uma relação com o país, não apenas para realizar uma obra para o Panorama mas para algo muito além disso. Trata-se assim de reunir artistas estrangeiros que já produzam "arte brasileira" e oferecer possibilidades para que outros também o façam".
Mais que polêmica, a proposta de Pedrosa é ambiciosa: é possível definir como brasileiro um trabalho de arte contemporânea, independentemente de quem o realize? Essa foi, afinal, uma das questões fundamentais dos modernistas brasileiros, que nunca conseguiram chegar a uma conclusão.
março 16, 2009
Bruscky em consagração internacional por Olívia Mindêlo, Jornal do Commercio
Matéria de Olívia Mindêlo originalmente publicada no Caderno C do Jornal do Commercio, em 11 de março de 2009
Em cartão postal ou museu, a obra de Paulo Bruscky já rodou o mundo. A relação do artista pernambucano com o território internacional é tão intrínseca à sua trajetória que soa lugar-comum falar a respeito de sua participação numa mostra fora do País. Mesmo assim, o reconhecimento com passaporte carimbado é algo bem recente na carreira de Bruscky, ainda marginalizado na história da arte. E este é um ano bem sintomático nesse sentido. Além de ter sido convidado para participar da Bienal do Mercosul, em Porto Alegre, ele será o único brasileiro a ganhar uma sala especial na Bienal de Havana, evento de peso no cenário latino-americano de artes visuais.
“É de fato um movimento de consolidação da carreira de Paulo internacionalmente”, reafirma Cristiana Tejo, curadora do projeto expositivo da sala, cuja abertura está marcada para 28 de abril. Uma galeria inserida numa biblioteca da cidade cubana foi o espaço oferecido pelos organizadores da grande mostra para abrigar as obras do artista – cerca de 150 ao todo. O espaço vem a calhar com a própria poética de Bruscky, um obcecado por arquivar tudo que encontra pela frente.
Diferente do que aconteceu em 2004, durante a Bienal de São Paulo, na qual ele também teve uma sala especial, o ambiente vai ser composto por obras de várias épocas, cujo diálogo se dá numa lógica de retrospectiva. Aliás, menor somente que a realizada pelo MAC-USP, na capital paulista. “A proposta é diferente da Bienal de São Paulo, porque lá foi só o meu ateliê. Desnudaram o meu processo criativo. Em Cuba, só os trabalhos serão mostrados”, compara o artista, que prefere não ligar muito para essa história de reconhecimento nacional ou internacional.
Com projeto cenográfico de Eduardo Souza, a exposição será montada no local em formato de “u”, com uma vitrine na frente. Dois documentários sobre vida e obra de Bruscky (da Globo News e TV Cultura), autorretratos, postais de arte correio, trabalhos de poesia visual, intervenções sonoras e filmes de artista estão entre os trabalhos a serem expostos na sala especial. Alguns inéditos ainda estão sendo feitos em seu ateliê.
Além dele, mais 11 nomes brasileiros vão participar da Bienal de Havana, incluindo o pernambucano José Paulo. No entanto, só Bruscky tem espaço exclusivo, ao lado de oito nomes de fora. O privilégio está garantindo não só a sua ida, mas de toda a equipe de sua exposição para a ilha. Por ser convidado de honra, os governos brasileiro e pernambucano toparam arcar com um custo de R$ 240 mil, já que o País anfitrião só dá o espaço e a viagem de volta das obras. O valor inclui, por exemplo, transporte de todo o material da mostra, do martelo aos aparelhos eletrônicos, difíceis de serem conseguidos em Cuba. Em contrapartida, o artista vai realizar ação no 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, no segundo semestre.
Esta não é a primeira vez que Bruscky expõe na Bienal de Havana. Aliás, quando participou, à distância, da primeira edição do evento, sua obra Teste poético ficou embargada na saída da ilha durante três anos, porque o Brasil não mantinha relações diplomáticas com Cuba. O tal álbum não vai estar nessa mostra, porque, segundo ele, estava muito ligado ao contexto brasileiro de ditadura. “Hoje não faz sentido expor”, diz. Mas a veia política está presente até como uma preocupação curatorial. A censura ficou bem longe desta vez. “Onde há censura eu não entro”, avisa o artista.
Rumos mostra nova arte do país por Mario Gioia, Folha de S. Paulo
Matéria de Mario Gioia originalmente publicada na sessão Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 11 de março de 2009
Mapeamento de 45 artistas realizado pelo Itaú Cultural não encontra regionalismos e política explícita
Mostra, que tem abertura hoje para convidados, é fruto de trabalho coordenado pelo crítico Paulo Sergio Duarte
Mapeamento da nova arte nacional, o projeto Rumos Artes Visuais tem aberta sua exposição hoje no Itaú Cultural celebrando o cruzamento de linguagens -pintura, fotografia, vídeo, gravura, escultura, instalação, desenho e performance- como uma das principais características das 72 obras dos 45 nomes da mostra.
Mas esse não é o único traço comum. O esvaziamento dos regionalismos e a ausência de trabalhos de teor explicitamente político são outros aspectos que surpreenderam a equipe curatorial.
"A arte militante de cunho político-social acabou, ao menos nesse nosso mapeamento", afirma Paulo Sergio Duarte, 62, crítico de arte radicado no Rio e coordenador do grupo. "Nem entre os trabalhos descartados havia esse viés", diz ele, que contou com a ajuda de quatro curadores de outros Estados -Alexandre Sequeira (PA), Christine Melo (SP), Marília Panitz (DF) e Paulo Reis (PR).
Na entrada do último andar da exposição, o diálogo entre linguagens é destacado pelos curadores. Em uma das paredes, quatro fotografias da paulista Sofia Borges, 24, são influenciadas pela luz e pela composição da pintura. E, na frente delas, duas pinturas do paulista Rafael Carneiro se apropriam de imagens registradas por câmeras de um circuito interno de segurança.
"As fotos da Sofia têm uma luz barroca, guardam algo das pinturas dos séculos 16 e 17, de antigas naturezas-mortas", avalia Panitz, 50. "Já as pinturas do Rafael se apropriam dos frames do vídeo, são opacas." Borges concorda com a avaliação de Panitz. "Faço construções fotográficas.
Duplico figuras, faço sobreposições, coloco elementos. De certa forma, o meu método se apropria muito mais do "arbitrário" da pintura que do "instantâneo" da fotografia", diz a artista, um dos 16 nomes de São Paulo, o Estado com mais representantes no Rumos. Logo depois, vem o Rio, com seis, e o Pará, com cinco.
E é do Pará que são exibidos outros bons trabalhos da mostra, como o vídeo "Efêmera Paisagem", de Alberto Bitar, que, em quatro minutos, reconstrói o caminho de 70 km que o artista percorria com a sua família de Belém a Mosqueiro. "Poderia ter sido feito em qualquer lugar, tem uma velocidade próxima do mundo urbano", diz Sequeira, 47. "Por isso acreditamos que os regionalismos mais antigos foram suplantados. O artista usa um discurso que é forte em qualquer ambiente."
Uma noção de precariedade também parece aproximar as obras do paulistano Nino Cais, 39, que faz esculturas com baldes e objetos domésticos, e do gaúcho Ernani Chaves, que exibe tacos empilhados. "Busco o equilíbrio, mas há uma tensão permanente, pois as varas que sustentam o trabalho são frágeis. Um esbarrão mais forte, e desaba tudo", diz Cais.
Senise explora ateliê e arquitetura em exposição por Mario Gioia, Folha S. Paulo
Matéria de Mario Gioia originalmente publicada na sessão Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo em 14 de março de 2009
Pintor carioca surgido na geração 80 ganha mostra na Estação Pinacoteca, em SP
Além de reunião de 24 pinturas de Senise, museu abre individuais de Fabrício Lopez, que exibe grandes gravuras, e de Amelia Toledo
Um banco de plástico no meio de uma massa de tinta. Diversos planos em perspectiva que estão no centro de uma grande tela. Esses elementos de dois quadros de grande dimensão dão a chave da mostra que o artista carioca Daniel Senise, 53, faz na Estação Pinacoteca, em São Paulo. A exposição, com 24 pinturas, segue até o dia 10 de maio no museu.
"Eu queria ter essa situação do meu ateliê. Esse banco ficou lá por muito tempo. A tinta ao lado é uma forma de reconstrução do chão do espaço", diz o artista sobre a tela "Legenda", que fica na entrada de uma das salas expositivas. "E pensei que uma arquitetura de planos que se dividem e sugerem novos espaços, sendo colocada em um outro extremo em relação a "Legenda", pudesse dar uma configuração interessante à mostra", completa o artista, comentando a pintura que abre o espaço da outra sala.
Os movimentos de imersão no próprio local de trabalho e de expansão por arquiteturas fictícias dão ao espectador duas leituras complementares. Egresso da geração 80, conhecida pela renovação da pintura, Senise já teve essas obras exibidas no Museu de Arte da Bahia, no Museu de Arte do Rio Grande do Sul e na Casa do Conde, em Belo Horizonte.
"Não quero que a exposição tenha um tom de retrospectiva, apesar de ter trabalhos de diversas fases da minha carreira", diz o artista. De fato, ele mostra telas como as da série "Bumerangue", de 1997, que simulam as trajetórias do brinquedo pelo ar. O tom vermelho oxidado se dá pela corrosão de pregos sobre a superfície do quadro.
Também muito diversa da produção atual é "Paisagem com Levitação" (1995), em que uma figura humana levita à frente de uma paisagem com pequenas cruzes ao fundo.
Gravuras
Grandes dimensões também são exploradas pelo paulistano Fabrício Lopez, 32, que ganha exposição a partir de hoje. Em 20 obras - algumas delas chegam a medir 2,20 m x 4,80 m-, Lopez explora as paisagens do Valongo, bairro portuário de Santos.
"Gosto desses tamanhos porque dão a ideia de um embate com a matéria. Mas faço uma xilogravura impressa em papel japonês, bem fino, colada diretamente nas paredes. Isso dá a cada mostra uma configuração diferente", diz o artista, que também tem obras exibidas no Rumos Artes Visuais, no Itaú Cultural, em São Paulo.
Outra exposição que é aberta na Estação é a de Amelia Toledo, com 20 trabalhos, entre pinturas, colagens e objetos, que foram doados ao museu.
Contra crise, Bienal do Mercosul cresce por Fabio Cypriano, Folha S. Paulo
Matéria de Fabio Cypriano originalmente publicada na sessão Ilustrada do jornal Folha de S. Paulo, em 12 de março de 2009
Apesar de corte no orçamento, evento amplia participação de artistas, que também estão na curadoria
Em vez de sujeitar-se ao colapso econômico mundial, a 7ª Bienal do Mercosul irá ampliar seu formato. Programada para ser inaugurada em 26 de setembro, em Porto Alegre, a mostra denominada "Grito e Escuta", com curadoria da argentina Victoria Noorthoorn e do chileno Camilo Yáñez, mesmo com um corte em seu orçamento, terá ampliada a participação de artistas.
"A crise foi uma grande sacudida, mas a Fundação Bienal decidiu manter o projeto, e nossa decisão foi aumentar o número de artistas para mostrar a pertinência da arte em abordar o que se passa hoje", disse Noorthoorn à Folha, no ateliê de Lenora de Barros, uma das cocuradoras da mostra, na semana passada. A lista dos selecionados será divulgada em maio, mas a curadora estima que, no total, haja cerca de 150 participações, contando autores de trabalhos sonoros.
Segundo a assessoria de imprensa da mostra, o orçamento da Bienal previa a captação de R$ 14 milhões, e agora se trabalha com a previsão de R$ 10 mi. Para chegar a tal economia, entre outras ações, o período da mostra foi reduzido, caindo de três para dois meses, e a abertura às segundas foi extinta.
"Essa crise até ajudou na definição do título, pois se trata de abordar a criação, o grito, e a reflexão, a escuta, tensionando assim os limites da arte contemporânea", diz a curadora.
Nessa edição, o projeto foi selecionado por concurso internacional e artistas ocupam toda a estrutura da mostra. Da equipe curatorial, de dez pessoas, apenas Noorthoorn é curadora de fato. Os demais são artistas: do Brasil, além de Barros, responsável pela programação de uma rádio, denominada Rádio Visual, participam Artur Lescher e Laura Lima, como curadores-adjuntos; da Argentina, Marina de Caro é curadora pedagógica e Roberto Jacoby, adjunto; do Chile, Mario Navarro é adjunto.
Os curadores editoriais são o mexicano Erick Beltrán e o colombiano Bernardo Ortiz. Uma das inovações é que os curadores editoriais serão responsáveis também pelo projeto gráfico e pela identidade visual da Bienal. Em geral, essas são áreas a cargo de publicitários, que muitas vezes elaboram projetos até contraditórios com os conceitos das mostras.
Para Noorthoorn, "os artistas estão ocupando um território que geralmente não é deles, mas isso tem a ver com o desafio de se repensar o sistema das bienais por meio de uma forma distinta, que é colocar o artista no centro do processo".
Além do Santander e dos armazéns do cais, já tradicionais, o recém-inaugurado Museu Iberê Camargo também funcionará como sede do evento. Estão programadas seis mostras distintas para essa edição, todas com foco na produção contemporânea.
março 11, 2009
Sem começo, meio e fim por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Revista Istoé, em 11 de março de 2009.
Com videoartistas de dez países, mostra investiga loop e narrativa circular no audiovisual contemporâneo (Repeat all / Museu da Imagem e do Som, SP/ até 29/3)
Entrar na exposição Repeat all, no MIS, é como entrar num cinema multiplex e ver todos os filmes ao mesmo tempo. São 14 “filmes” realizados por videoartistas de onze países, que trabalham com o recurso do loop, ou seja, com sucessivas repetições de um mesmo vídeo. Substantivo masculino da língua inglesa, a palavra loop, em informática, é usada para designar um procedimento ou um conjunto de instruções executadas repetidamente, até que um programa seja concluído. Apropriado pelo léxico da videoarte, o loop indica a temporalidade contínua das narrativas circulares. Quando um vídeo é construído em loop, dificilmente identifica-se o padrão “começo, meio e fim”, característico da tradição cinematográfica. Por isso, é o principal recurso das videoinstalações montadas em espaços expositivos.
Com curadoria do crítico suíço Sigismond de Vajay, o objetivo dessa exposição é mostrar a possibilidade de se fazer documentários, animações, videoclipes, videoperformances, obras de ficção ou trabalhos experimentais a partir dessas operações de repetição. Embora essa possibilidade seja efetivamente real, ocorre que as obras selecionadas nem sempre apresentam narrativas circulares. Há várias situações em que apresenta-se um discurso articulado com começo, meio e fim. Esse é o caso, por exemplo, de Tactical disorder, do espanhol Alejandro Vidal; do documentário La visita, de Santiago Sierra, e da belíssima obra performática Disco, da dupla Muntean/Rosenblum, que produz uma versão contemporânea e videográfica da pintura A balsa da Medusa, de Théodore Géricault. Em qualquer um destes casos, fica claro que a sinuosidade narrativa não foi uma questão do artista no momento da realização da obra, mas sim do curador no momento da montagem da exposição.
Entre os pontos altos da mostra está o vídeo Carabanchel Sound System, do coletivo Democracia, e a videoinstalação sonora Em andamento, da dupla de artistas brasileiros Gisela Motta e Leandro Lima, em que a temporalidade é regida não por um padrão narrativo, mas por ritmos musicais. Nessa obra, o desenho de uma onda sonora reconfigura fotografias de paisagens. Mais que abordar o loop, a exposição consegue, afinal, expor as tensões que envolvem essas duas formas narrativas: linear e circular. Um conflito que reflete o embate vivido entre o vídeo e o cinema neste começo de século.
Roteiros
Conexões do design
Rico Lins: uma gráfica de fronteira / Caixa Cultural, RJ / até 15/3
Uma reflexão sobre o design gráfico e suas articulações é a proposta desta exposição. Para isso, evitou-se usar as paredes como “suportes para portfólio” e, juntos, o designer paulistano Rico Lins e o curador Agnaldo Farias procuraram uma maior interação com o público. Nesta retrospectiva, cartazes, capas de livros e discos e publicidades em revistas são organizadas de forma a transformar o espaço de exposição numa grande instalação, onde o visitante pode reconhecer referências visuais das últimas três décadas. “O design é fruto direto do contexto cultural, tecnológico e mercadológico e, por tangenciar tantas áreas criativas, tem uma capacidade ímpar de envolver o espectador”, diz o artista, que começou a carreira no início dos anos 1980.
Não é difícil perceber que nosso repertório visual deve muito aos designers e a exposição reflete essa influência direta que recebemos das produções gráficas. Atente-se,no entanto, para o fato de muitos dos trabalhos expostos trazerem algo cada vez menos óbvio nos produtos de design hoje: a ausência de recursos digitais. “Comecei a perceber que, sem estes recursos disponíveis, cria-se a necessidade de buscar soluções criativas, descobrindo significados novos, originais. Não é uma atitude saudosista. O problema não é dos recursos digitais, mas do desconhecimento de outras opções”, diz o designer, que durante a exposição ministra um workshop de produção gráfica sem uso de ferramentas digitais.
Fernanda Assef
Nada para ver por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Revista Istoé, em 4 de março de 2009.
28ª Bienal de São Paulo, apelidada de "Bienal do vazio", não foi contemplada na retrospectiva sobre o vazio inaugurada em Paris (Vides - une rétrospective /Centre Georges Pompidou, Paris /de 25/2 a 22/3)
O cartaz da exposição Vides - une rétrospective mostra um andar vazio do edifício do Centre Georges Pompidou, de Paris, em fotografia tirada possivelmente quando o museu estava em construção, nos anos 70. A fotografia remete a uma imagem repetida inúmeras vezes na mídia brasileira, no fim de 2008: o segundo andar do Pavilhão da Bienal sem nenhuma obra de arte exposta. Nossa "Bienal do vazio", no entanto, não está contemplada nesta retrospectiva das exposições vazias que aconteceram no mundo ao longo dos últimos 50 anos.
"É claro que nós estávamos cientes da 28ª Bienal e seu projeto ressoa profundamente em nossas pesquisas", afirma Mathieu Copeland, um dos cinco curadores da retrospectiva. "Mas, se me lembro bem, 'apenas' o segundo andar ficou vazio", completa ele, afirmando que um dos critérios de seleção foi o de considerar os eventos que deixaram seus espaços completamente esvaziados.
A mostra propõe um percurso cronológico por nove salas que representam nove exposições em que não havia absolutamente nada a ser visto. O precedente foi aberto pelo francês Yves Klein, que em 1958 pintou de branco a Galerie Íris Clert, em Paris, como uma forma de transpor ao espaço suas pesquisas sobre a pintura monocromática e a sensibilidade pura. Segue-se ao gesto inaugural de Klein uma série de eventos ligados à arte minimalista e conceitual, realizados por Robert Irvin, Robert Barry e pelo grupo Art & Language, nos anos 1960 e 70. "Desde então, o espaço vazio tornou-se um clássico da postura radical e foi reprisado em outros contextos e outros tempos por artistas com intenções similares ou mesmo opostas", explica Copeland.
Segundo o curador, que em trabalhos anteriores também subverte o papel tradicional das mostras de arte (realizou, entre outras curadorias, Une exposition parlée e Une exposition choreographée), "cada um desses vazios tem diferentes naturezas e significados". O de Laurie Parsons, por exemplo, na Lorence Monk Gallery, em Nova York, em 1990, teve a função de anunciar sua renúncia do mundo da arte. Já Maria Eichhorn decidiu dedicar o orçamento de sua individual à reforma da Kunsthalle Bern, na Suíça, em 2001.
"Como acontece frequentemente com os vazios, a Bienal de São Paulo teve uma razão que a legitimou como vazia (financeira, curatorial, arquitetônica...). Mas, sempre que as exposições terminam, o vazio é novamente preenchido com objetos. Esperemos que isso aconteça na próxima bienal", afirma o curador. Embora ausente da mostra, a curadoria de Ivo Mesquita e Ana Paula Cohen é citada no catálogo, uma antologia sobre o vazio, com textos de 45 autores abordando o tema de ângulos tão diversos quanto a arte, a ciência, a religião, a música e o cinema.
Roteiros
Remetentes e destinatários
Cartas/Trajetos / Usina Cultural Energisa, João Pessoa / até 31/3
Diante de uma obra de arte, a tendência é considerar o artista como o remetente (de uma informação) e o espectador como o seu destinatário. É fato que entre autor e público ocorrem relações de correspondência e diálogo e esse é um dos temas de Cartas/Trajetos, que acontece em João Pessoa, na Paraíba. A exposição apresenta obras em que a carta é o suporte para a criação, como nos desenhos de José Rufino (foto). Mas a troca entre duas pessoas não é o único foco. As correspondências escritas também são vistas aqui como um veículo para as relações em rede e como um motivo para se discutir outros temas, como a palavra, a paisagem, a cidade e o corpo. "A carta é um corpo em movimento, formado por palavras que elaboram paisagens particulares e transitam por um coletivo maior: a cidade", explica o curador Bitu Cassundé. Assim, videoinstalações, gravuras, esculturas e fotografias ultrapassam as relações diretas com as cartas enquanto tema e se correlacionam numa rede de assuntos diversos. Entre os "destinatários" dessas cartas, os artistas Yuri Firmeza, Waléria Américo e Bruno Farias.
Colaborou Fernanda Assef
Obras em balanço por Paula Alzugaray, Istoé
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Revista Istoé, em 25 de fevereiro de 2009.
Duas exposições coletivas em Porto Alegre e São Paulo apontam para as correspondências entre arte, arquitetura e cidades (Vértice / galleria Millan, SP / até 7/3 - Lugares desdobrados / Instituto Iberê Camargo, Porto Alegre / até 8/3)
Obras para pendurar na parede? Nem sempre se encontram entre as propostas de arte contemporânea. Mais comum é deparar-se com situações em que a própria parede é a obra de arte, como ocorre com a instalação de André Komatsu na mostra Vértice. O artista não apenas construiu um muro no centro do espaço expositivo da galeria Millan, em São Paulo, como deixou-o inacabado, com as camadas da construção à mostra. Komatsu está entre os sete artistas expositores da coletiva. Cada um apresenta uma maneira pessoal de relacionar-se com o espaço arquitetônico.
A pintura do paulistano Fabio Miguez se acopla à arquitetura da galeria como uma peça articulável. No trabalho, elementos geométricos encaixam-se como jogos de montar, contribuindo para a sensação de uma construção executada “em balanço”, com tênues apoios sobre as paredes. Já as pinturas do alemão Henrik Eiben não estão exatamente penduradas, mas sim fixadas à parede por meio de ilhoses. “Comecei a pesquisa para uma exposição de pintura, mas o que mais encontrei foram trabalhos arquitetônicos, que exploravam a pintura de forma espacial. Por isso, acabei focando esse vértice entre a pintura e a arquitetura”, explica a curadora Cristina Candeloro, que também selecionou para a exposição obras de Emannuel Nassar, Lucia Laguna, Thomas Vinson e Lia Chaia. No vídeo Cidade pictórica, de Lia Chaia, uma São Paulo chuvosa é vista através do vidro do carro. A imagem se dilui à medida que as gotas incidem no vidro e a ilusão da cidade impressionista de desfaz na passagem do limpa-párabrisa.
A relação entre arte e cidade também é o fio condutor de Karin Lambrecht, na coletiva Lugares desdobrados. Seus trabalhos com sangue de carneiro nasceram da observação da cidade de Jerusalém e seus abatedouros de carne. Na mesma mostra, Lucia Koch dá seguimento à sua pesquisa com luz ambiente e posiciona filtros coloridos nas janelas e clarabóias do edifício. Já a construção de Elaine Tedesco coloca o Instituto Iberê Camargo no lugar de obra. Sua instalação não é um objeto para ser observado, mas para servir de observatório, na medida em o público é convidado a entrar ali para olhar para o que se passa fora da obra.
Crítica
O eterno retorno da cópia
Por Marisa Flórido Cesar
Vik / MAM RJ, até 8/4 / MASP, de 23/4 a 12/7
A reprodutibilidade e a manipulação infinitas das imagens, sua sedução e poder, são reflexões constitutivas da obra de Vik Muniz. Afinal, a que se deve a fascinação que exerce sobre o público? Fascínio que não se justifica apenas pelo virtuosismo da técnica (no duplo sentido, da “mão” e da máquina), por seus recursos ilusionistas, mas talvez porque o artista introduza no circuito da reprodução e simulação algo que vem transtornar os jogos da representação e da duplicação. Que vem interrogar como somos afetados no mundo da aparição fantasmática da imagem sem rastro, de um original cada vez mais obscurecido. Apagamento que a imagem digital e os programas de manipulação, como o photoshop, só fazem intensificar.
Andy Warhol já havia mostrado o eterno retorno da cópia: no lugar do original, a superfície sem fundo da série, da indústria, da publicidade, reluzindo em sua oca repetição. Investigando a fotografia, Vik Muniz insere, entretanto, outras questões: no lugar das imagens repetidas e rasas da pop art, camadas que se sobrepõem e se anulam incessantemente. É assim que vemos uma imagem da arte, cuja reprodução circula pelo mundo, copiada pela mão do artista com materiais diversos, para ser outra vez reproduzida em uma imagem técnica, uma fotografia; ou percebemos que as relações insólitas das escalas nas fotografias não nos permitem conhecer a proporção do “original”; ou que o uso simbólico dos materiais tanto pode aludir ao que está ali figurado como ao fazer artístico (a exemplo dos catadores de Gramacho feitos com lixo). As imagens extraviam-se em um jogo hiperbólico de espelhamentos e diferenças. O artista exacerba as armadilhas do trompe l’oeil.
Se à cena representada sobre a tela correspondia um sujeito capaz de dominar as aparências, o trompe l’oeil viria perturbar, na fascinação do duplo, as regras da imitação pictórica. As armadilhas de Vik Muniz não nos serenam, encadeiam-se. Não nos devolvem um sujeito apto a julgar a verdade, a distinguir o original: operam o eterno retorno da cópia como conduzem a representação à sua própria desmedida. Fazendo-a voltar-se contra si mesma, implode-a em seu poder alucinante.
Marisa Flórido Cesar é critica de arte e curadora
março 3, 2009
Tributo das artes ou tributo às artes? por Carlos Mascarenhas & Marcos Costa
Carta-Manifesto escrita a quatro mãos por Carlos Mascarenhas & Marcos Costa
Novidade alguma quanto à incrível capacidade do ser humano em adaptar-se às circunstâncias mais escabrosas e inóspitas nos chamaria à atenção se, contudo, as ondas de insatisfações e sintomas decorrentes de um tal contexto, não se perdessem e se desgastassem sem atingirem devidamente as motivações que geram o estado inaceitável das coisas.
Talvez, por isso mesmo, a qualidade da produção nem sempre é objeto privilegiado. Felizmente, essa postura não atinge a totalidade da classe artística, pois, é sabido que, por outro lado, existem os que prezam, não só pela qualidade da própria obra como, igualmente, pelos expedientes nos quais se envolvem para expor seus trabalhos.
Os descontentamentos advindos deste 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco são profusamente expressos através dos e-mails que circulam entre bolsistas contemplados. Invariavelmente, queixosos quanto ao tratamento amador e à completa ausência de justificação relativa ao abusivo atraso na liberação das mensalidades referentes ao financiamento dos projetos. Como se não bastasse todo esse descaso imobilizante, o artista ainda se depara com uma carga tributária que mutila em um terço o orçamento programado para a realização do trabalho, tal como fora contabilizado no cronograma original do projeto. A natureza desses tributos, vale ressaltar, até então, não está devidamente discriminada e esclarecida. Daí que, numa conjuntura mórbida e paralisante como essa, talvez seja o caso de se saber o que está realmente em questão: O Tributo das Artes ou Tributo às Artes?
Testemunhando assim, como se nos configura o atual quadro onde se denotam as distorções abusivas, sobretudo no que respeita ao trato com os artistas deste 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, a COMPARSA – Companhia de Arte & Saúde –, em nome dos seus respectivos criadores Marcos Costa e Carlos Mascarenhas, autores do “Ópera Crua”, projeto premiado na última seleção, vêm expressa e publicamente manifestar sua dissidência e afastamento do referido Salão, comprometendo-se, através desta carta-manifesto, em devolver na íntegra todo o subsídio financeiro até então disponibilizado pela Fundarpe – Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco.
Artistas desistem de bolsa do Salão de PE, Diário de Pernambuco
Matéria originalmente publicada no Diario de Pernambuco, em 2 de março de 2009
Opera cura // Alegando atrasos e cobranças de impostos excessivos, Marcos Costa e Carlos Mascarenhas anunciam que desistiram do projeto
Em sua 47ª edição, o Salão de Artes Plásticas de Pernambuco, considerado o principal prêmio de arte contemporânea do Nordeste, com uma das maiores verbas do país, corre mais uma vez o risco de arranhar sua credibilidade, construída ao longo de mais de 50 anos, graças a atrasos na distribuição de verbas e cobranças de impostos excessivos. Marcos Costa e Carlos Mascarenhas, dupla de artistas que foi selecionada com o projeto Ópera crua, anunciaram sexta-feira, por meio de uma carta entregue à imprensa, que vão recusar a premiação e devolver para o governo do estado o dinheiro recebido até agora.
O regulamento do 47º Salão foi divulgado em junho de 2008 e o resultado da seleção foi anunciado em outubro, com Ópera crua entre os selecionados. Costa e Mascarenhas, junto com outros artistas, receberiam dez bolsas mensais de R$ 1,5 mil (totalizando R$ 15 mil) para desenvolver o projeto ao longo de dez meses. Segundo o edital, eles teriam que começar a trabalhar em novembro e concluir tudo em agosto de 2009. As parcelas, porém, só começaram a ser pagas no fim de dezembro, com um desconto de cerca de 30% do total.
O pagamento da primeira parcela não ocorreu em novembro. Os artistas só começaram a receber no fim de dezembro, quando ganharam os dois meses retroativos, já com o desconto de 30%. Em janeiro e fevereiro, as bolsas também não foram distribuídas. Até agora, os artistas dizem que não receberam nenhuma justificativa oficial e que também não foram comunicados sobre o motivo dos atrasos.
Burocracia - O atraso no pagamento das bolsas aos artistas deve ser resolvido até esta semana. Essa é a promessa feita pela coordenadora-geral do Salão, Luciana Padilha. "A expectativa é que, até o fim da semana, os pagamentos de janeiro, fevereiro e março sejam efetuados e, a partir daí, a gente não tenha mais atrasos", explica Luciana. Ainda de acordo com a coordenadora, o atraso inicial no pagamento das bolsas - quando os valores referentes a novembro e dezembro foram pagos no fim de dezembro - foram ocasionados por questões "burocráticas". "Agora, esse novo atraso aconteceu porque, até o dia 15 de janeiro, o governo está empenhado na prestação de contas e não faz os pagamentos", complementa.
Esta semana também os artistas devem ter uma resposta com relação aos descontos no valor da bolsa, que chegam a 30%. "O desconto foi previsto no edital, mas nós não especificamos de quanto seria. É o valor referente ao imposto de renda, já que o edital se enquadrou na categoria de prêmio. Mas o jurídico está fazendo um estudo para ver se esse desconto pode ser, de alguma forma, reduzido", esclarece Luciana Padilha.
O cronograma do Salão não deve sofrer muitas alterações por conta dos problemas financeiros. A ideia é conversar com os artistas que se sintam prejudicados para tentar solucionar o problema. "Pode até acontecer um atraso, mas de poucos dias. Vamos tentar resolver de outra forma. O nosso interesse mesmo é que todos desenvolvam seus trabalhos da melhor forma e poder proporcionar pesquisas, fomentar as artes plásticas, ter um salão nacional em Pernambuco, que tenha troca de informações entre os artistas", finaliza a coordenadora.
Inconformismo - "Não temos como nos comprometer se não houver uma regularidade da fonte pagadora", reclama Marcos Costa. "Se aceitarmos trabalhar desta forma, vamos estar sendo incoerentes com o próprio mérito do prêmio. Não temos como garantir a qualidade", explica o artista, que precisaria alugar equipamentos e contratar técnicos e assistentes para produzir Ópera crua, mas fica impedido de se planejar por causa dos atrasos.
"A gente não quer fazer mal feito para depois botar a culpa no Salão. Preferimos não fazer", raciocina Carlos Mascarenhas. "Dinheiro público merece ser gasto com responsabilidade", complementa Marcos Costa, que não quer assumir um compromisso sem receber condições suficientes para cumprir os prazos.
Na carta, intitulada Tributo das artes ou tributo às artes?, os artistas dizem que receberam um "tratamento amador" e uma "completa ausência de justificativa em relação ao atraso na liberação dasmensalidades referentes ao financiamento dos projetos". Eles dizem ainda que "a natureza desses tributos, vale ressaltar, até então, não está devidamente discriminada e esclarecida".
março 2, 2009
Bíblias básicas por Ivo Mesquita, Folha de S. Paulo
Matéria de Ivo Mesquita originalmente publicada no Caderno Mais! da Folha de São Paulo, em 1 de março de 2009
Muito bem escrita, "Economist" é destaque
Museus
Qualquer um de arte, história, antropologia, ciências, em qualquer lugar, assim como jardins botânicos e zoológicos, sempre há o que ver e pensar. Todos têm dia ou horário gratuitos.
www.imdb.com
O site tem tudo sobre cinema, desde a invenção do cinematógrafo ao Oscar deste ano: filmes, atores, técnicos, diretores e mais.
www.economist.com
Revista muito bem escrita, deixa clara sua opinião e apresenta fatos objetivos e análises procedentes.
www.kiosco.net
O site tem jornais do mundo todo. Ver sempre "El País" e "The New York Times", ambos com informação de qualidade e articulistas brilhantes.
Artes Visuais
Em sites como Frieze (www.frieze.com), Artforum (artforum.com), Canal Contemporâneo (www.canalcontemporaneo.art.br), Trópico (www.uol.com.br/tropico), Fórum Permanente (www.forumpermanente.org), e-flux (www.e-flux.com), Akimbo (www.akimbo.biz), Europeana (www.europeana.eu) e The European Library (search.theeuropeanlibrary.org) pode-se ver e ler de tudo.
IVO MESQUITA é curador da Pinacoteca do Estado de São Paulo.