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Como atiçar a brasa

 


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fevereiro 27, 2009

Resposta de João Loureiro sobre retirada de obra no CCSP

Carta de João Loureiro, de 13 de fevereiro de 2009, enviada ao Canal Contemporâneo em resposta às matérias CCSP retira obra após reclamações de funcionários, de Silas Martí, e Para diretor do CCSP, decisão é resultado de diálogo e reflexão, de Martin Grossmann, para a sessão Ilustrada da Folha de S. Paulo.

Gostaria de fazer alguns comentários sobre a matéria publicada ontem, na Ilustrada, que trata da retirada de exposição da minha obra “O fantasma”, que estava instalada no acesso à área administrativa do Centro Cultural São Paulo. Acho que ocorre uma omissão fundamental nos textos publicados, que favorecem uma leitura tendenciosa do trabalho. Em nenhum momento, nesses textos, é questionada a interpretação de que o trabalho teria como objetivo mostrar os funcionários do setor administrativo como “funcionários-fantasma”. Foi essa interpretação limitada e um tanto persecutória, justamente, que deu origem à reação dos funcionários.

Para que seja dada ao leitor a possibilidade de julgar por si mesmo, acho necessário contar como pensei o trabalho. Recebi o convite da curadora Carla Zaccagnini para participar, junto com os artistas Marcelo Cidade, Fernando Limberger e Jarbas Lopes, do Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo como artista convidado. A idéia da curadora era que os convidados criassem trabalhos específicos para outros espaços do CCSP que não os destinados tradicionalmente às artes visuais, de modo a favorecer a integração entre os diversos setores da cultura que o lugar contempla.

Minha proposta inicial era realizar uma intervenção na Biblioteca Volpi, que abriga os livros de arte. A idéia era reorganizar a Biblioteca de acordo com a cor das lombadas dos livros, formando um critério catalográfico baseado na experiência visual. Para criar o sistema de catalogação por cor e programar a logística da intervenção de modo a não causar prejuízo ao público, contei com o auxílio das bibliotecárias Rejane Alves e Dina Uliana, da Biblioteca da FAU-USP. Mesmo com o sistema montado e com a confirmação de que o acesso ao acervo da Biblioteca não seria prejudicado, a proposta foi recusada, com intransigência, pela direção da Biblioteca do CCSP.

Pensei então que uma nova proposta, necessariamente, teria que ser feita com consciência desses acontecimentos. A primeira idéia era instalar nos porões do CCSP um trabalho ainda não realizado, um “fantasma mecânico”: um pano branco com olhos pretos depositado sobre uma esfera, formando a representação mais codificada possível de um fantasma, que circularia suspenso por um trilho montado no teto. O fantasma mecânico se amparava na ambigüidade entre uma imagem meio cômica e declaradamente artificial e um certo grau de terror, de desconforto com a circulação desenganada do objeto no subsolo, à revelia da vida que ocorre no seu entorno. Não era, como acredito seja possível perceber, uma crítica objetiva aos funcionários que trabalham no porão. O que havia aí de reativo era fazer o trabalho circular escondido, longe da vista do público para o qual ele seria, em teoria, destinado, já que, quando foi proposto um trabalho de maior visibilidade, ele foi rechaçado.
Seguindo essa linha, pensei em propor que os guardas noturnos do CCSP circulassem, entre o horário de fechamento e o de abertura do prédio, vestidos de fantasmas. Outra vez, interessava o clima meio melancólico e meio cômico da proposta, e também que o trabalho fosse secreto, que ocorresse em silêncio.

Durante todo esse processo, estive no setor administrativo diversas vezes. E a visão que se tem a partir da escada de acesso ao setor, de onde se avistam todas as mesas organizadas em linha até o fundo da sala, foi se tornando cada vez mais interessante para mim, o que me levou a desenhar situações com fantasmas ali. A fotografia que, afinal, resultou desse percurso é coerente com as intenções de causar estranhamento, melancolia e comicidade que existiam nos projetos que a antecederam. Preserva, também, a idéia de um acontecimento que ocorre longe da nossa vista, um acontecimento que não presenciamos – e, nesse sentido, tira partido do caráter documental que a fotografia pode carregar. Minha intenção com a fotografia “O fantasma” foi criar uma imagem de forte carga narrativa, uma cena com pequenas situações do cotidiano de trabalho de qualquer repartição ou empresa. Criar uma situação ficcional aberta, onde não parecesse possível localizar o motor da imagem. É uma cena sobrenatural? Nós aceitamos os elementos que aparecem na cena como fantasmas? Ou, se não, o que teria feito essas pessoas e objetos se vestirem assim? Por que a imagem é tão rebaixada? Por que não há drama?

Trata-se de uma situação ficcional. A câmera apresenta a cena de um ponto de vista externo, mais alto, frontal, descolado do que ocorre na imagem. A fotografia é, portanto, notoriamente planejada e construída. Todos os fantasmas “humanos” executam funções condizentes com o dia-a-dia de um escritório. Com exceção de um – que assombra. O fantasma.

É preciso considerar que o trabalho se refere mais diretamente às dificuldades da minha relação com o CCSP quando “achata” a expectativa de uma intervenção de sítio-específico nos espaços do edifício. Ao invés de uma intervenção de grande impacto visual, como a que eu havia proposto para a biblioteca, o trabalho se tornou uma imagem, emoldurada e pendurada na parede. Um “sítio-específico” de espessura mínima, instalado em local de acesso público restrito, junto à entrada para o setor administrativo. Local este que, a despeito da grande atividade, permanece invisível aos freqüentadores do CCSP. Por que se associa “fantasma” à ausência, e não ao silêncio, à invisibilidade? É que é muito mais fácil se apegar a um trocadilho – “funcionário-fantasma” – do que olhar com cuidado uma imagem, examinando as relações que ela, de fato, propõe. A polêmica entre os funcionários começou antes mesmo da foto estar pronta. Era a idéia de “funcionário-fantasma” que apavorava, e não a situação criada pela foto – que, ademais, segue pouco examinada.


Posted by Ana Maria Maia at 2:38 PM | Comentários (2)

fevereiro 26, 2009

Toda nudez será aperfeiçoada por Paula Alzugaray, Istoé

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Revista Istoé, em 18 de fevereiro de 2009.

Galerias paulistanas unem esforços em uma grande mostra sobre a representação do nu na arte moderna e contemporânea

Adriana Varejão faz, na fotografia Dadivosa (1999), uma viagem à arqueologia da arte, a um tempo remoto em que nem mesmo o padrão de beleza clássica havia sido inventado. Assim como em sua representação de uma Vênus de quatro peitos, a fotografia O escultor e a deusa (1995), de Ernesto Neto, também evoca as mitologias antigas. Ambos se referem a um momento em que as representações da nudez haviam apenas começado a surgir. Os trabalhos integram a mostra Nus (Nudes), composta por mais de 100 obras de artistas brasileiros e estrangeiros, a partir do acervo contemporâneo da galeria Fortes Vilaça, do acervo moderno da galeria Bergamin e de empréstimos de outras galerias.

"A exposição divide-se em dois módulos: erotismo e referências históricas", afirma Alexandre Gabriel, que assina a curadoria. O segmento de arte erótica - também conhecido, desde o Império Romano, como ars erotica - reúne na Fortes Vilaça desenhos do pernambucano Gil Vicente e fotomontagens da polonesa Goshka Macuga, entre outros, além de promover a aproximação inédita entre os trabalhos do contemporâneo Luiz Zerbini e do moderno Di Cavalcanti.

"Zer bini fez uma versão da capa do disco Electric ladyland, de Jimi Hendrix, a partir de uma vontade de se aproximar das mulatas do Di Cavalcanti", afirma o curador.

Entre as referências históricas não há apenas exemplares da arte moderna, como Anita Malfatti, ou da arte acadêmica, como Carlos Leão. Incluem-se também as releituras e reflexões que artistas contemporâneos fazem de representações da nudez em períodos diversos da história da arte. Assim, nas esculturas do paulistano Edgard de Souza ecoam os mármores gregos de corpos atléticos em movimento. O mesmo cruzamento temporal aparece na pintura do americano Roe Ethridge, que representa um corpo renascentista tomando Diet Coke.

Se ao longo da história a realização do nu esteve sempre vinculada a um aperfeiçoamento técnico, visando a uma representação cada vez mais próxima de um ideal de beleza, harmonia e graça (pelo menos até o aparecimento de Picasso, no início do século XX), a arte contemporânea não o faz sem uma boa dose de crítica e ironia.

Posted by Ana Maria Maia at 6:10 PM

América com sotaque mexicano por Paula Alzugaray, Istoé

Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na Revista Istoé, em 11 de fevereiro de 2009.

Coleção mostra como artistas latino-americanos absorvem e confrontam movimentos estéticos vigentes

Formar uma coleção de arte latino-americana talvez seja uma tarefa tão complexa quanto promover a integração geopolítica, econômica e ideológica sul-americana (e exercitar a mediação em casos de conflito na região, papel que tantas vezes cabe ao presidente Lula). Toda grande coleção de arte latino-americana depara-se com o mesmo dilema: contemplar a pluralidade do continente. O desafio é evidente nesta exposição de 41 obras da Coleção Femsa, metade das quais realizada por artistas mexicanos ou residentes no México. A mostra é um pequeno recorte da coleção de mais de mil obras que o conglomerado empresarial mexicano acumula desde 1977.

O cubismo, o surrealismo, a abstração geométrica e informal são algumas das correntes estéticas europeias que foram absorvidas, deglutidas e interpretadas à moda local por artistas mexicanos, argentinos, cubanos, chilenos, colombianos, brasileiros, etc. O Chile está representado por Roberto Matta, Cuba por Wifredo Lam, Uruguai por Torres García, Venezuela por Jesús Soto, Colômbia por Fernando Botero. Segundo o crítico mexicano Luiz-Martin Lozano, em texto do catálogo, a busca de identidades locais é "talvez uma das características que mais coincidem nos processos históricos das diferentes nações americanas".

Mas, na exposição, são mexicanas as obras que melhor representam esse desejo de alcançar uma expressão independente dos modernismos vigentes.

Diante de belíssimas pinturas de Frida Kahlo, Cordelia Urueta, Alfredo Ramos Martinez, David Alfaro Siqueiros e José Clemente Orozco, surpreende a ausência da antropofagia brasileira, que se inicia em 1928 nas pinturas de Tarsila do Amaral e no manifesto de Oswald de Andrade, ressaltando os contrastes entre as culturas ameríndia e afro-brasileira e a herança europeia. Outras lacunas marcantes são o neoconstrutivismo brasileiro e a arte concreta argentina. A seleção brasileira da Coleção Femsa recai sobre a pintura de viés expressionista de Iberê Camargo e o abstracionismo de Arcangelo Ianelli. Apesar das inevitáveis ausências, a exposição é um bom convite para repensar nossas noções de vizinhança.

Posted by Ana Maria Maia at 5:55 PM

Artistas captam a imprecisão da realidade cotidiana por Camila Molina, Estado de São Paulo

Matéria de Camila Molina originalmente publicada no Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo, em 20 de fevereiro de 2009.

Mostra reúne diversidade de obras de 13 jovens criadores que buscam ultrapassar o automatismo contemporâneo

Primeiro somos falados que vistos; primeiro somos palavra que imagem. A citação lacaniana que o artista Thiago Honório faz cai bem para o mote de Realidades Imprecisas, coletiva que o Sesc Pinheiros inaugura hoje para o público e da qual ele faz parte ao lado de Débora Bolsoni, Fabiana Queirolo, Flamínio Jallageas, Flávia Bertinato, Helena Martins, Marcelo Amorim, Mariano Klautau Filho, Milena Travassos, Nino Cais, Orlando Maneschy, Tatiana Blass e Tatiana Ferraz. Na mostra, com curadoria de Carolina Soares, a diversidade de obras coloca em evidência um campo caro da produção contemporânea: o da "re-significação das coisas", o da criação de ambiguidades a partir de elementos da realidade cotidiana, alguns deles tão banais.

Na entrada da mostra, no térreo, o díptico de fotos de Maneschy já remete a uma ideia que perdurará por todo o percurso da exposição. Uma imagem revela uma porta com cortina esvoaçante na qual um homem adentra e a outra, o local depois dessa ação. Mesmo assim, o curioso das passagens para o "campo sensível", traduzidas em todas as obras da mostra ou nessa especificamente, é que o espectador não vai atravessar o espelho como a Alice de Lewis Carrol. Do outro lado não encontrará fantasia ou maravilhas, mas uma sensação de imprecisão a partir do real.

Evoca-se um mergulho nos trabalhos para que se ultrapasse uma espécie de "automatismo convencional pelas palavras", como diz a curadora. "O enunciado é ampliado em seu caráter conotativo para abarcar outros sentidos", completa. Em À Espera, de Helena Martins, por exemplo, três fotos horizontais mostram grupos de pessoas sentadas, mas não temos o índice de quem são, nem de onde, tampouco de que época e há um banco para que também nos sentemos. As intervenções de Débora Bolsoni, igualmente, traduzem de forma imediata a relação de deslocamento de tempo e espaço: a artista colocou uma porta de casas simples e uma torneira no meio das salas expositivas.

Para um campo mais abstrato, pode-se citar a instalação Amante, de Flávia Bertinato, abrigada no terceiro piso. Um cubo se fecha com suas paredes feitas de cortinas vermelhas e de dentro das camadas de véus sai a música repetida Ad Ogni Costo, de Ennio Morricone, "divertida circense", diz Flávia. Mas mesmo que se especule sobre "alguma manifestação maior" dentro daquele espaço, é difícil chegar ao interior do cubo. É um trabalho que coloca a questão de que "não há brecha para o corpo", mas a proposta de um "exercício para o olhar". Ao lado dessa obra, outro destaque é o vídeo Exposição, de Thiago Honório: na ação, o artista vai despelando um pêssego e promove uma vontade de simbiose com a pele do fruto. Mais uma vez se fala de limites, agora não de interior e exterior, mas de significados de "superfícies".

Serviço

Realidades Imprecisas. Sesc Pinheiros. RR. Paes Leme, 195, 3095-9400, 3.ª a sáb., 10h30/21h30; dom., 10h/18h30. Grátis. Até 19/4

Posted by Ana Maria Maia at 4:02 PM

Livro lista 77 nomes que compõem história da arte contemporânea brasileira por Suzana Velasco, O Globo

Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo, em 26 de fevereiro de 2009.

RIO - Você está perdido? Todo mundo também está." Assim o crítico de arte Paulo Sergio Duarte se dirige a um público leigo em artes, ainda que letrado, em seu recém-lançado livro "Arte brasileira contemporânea - Um prelúdio" (Silvia Roesler Edições de Arte). Além de apresentar um texto que procura dar sentido histórico à arte contemporânea - há "luz no início do túnel", diz ele -, o livro relaciona, com imagens e pequenas biografias, 77 artistas que compõem essa história no Brasil, de Hélio Oiticica e Lygia Clark a jovens que o crítico, assim como o leitor, ainda está tateando:

- Eu estou perdido, no sentido de que não sei no que a arte contemporânea vai dar - afirma Duarte. - Mas essa não é uma situação das artes. A crise que o mundo está vivendo, ninguém antecipou. O mundo contemporâneo não é previsível e não pode cobrar da arte previsibilidade.

É desse mundo imprevisível, em que brotam tantas teorias e críticas, em que as cifras estratosféricas dos leilões não são parâmetros para se dar valor a uma obra de arte, é desse mundo que o crítico se aproxima. Com uma sólida experiência acadêmica, Duarte se volta para o leitor não especializado, porém interessado em artes, muitas vezes confuso com a aparente falta de parâmetros nas obras contemporâneas.

- Hoje os projetos são muito mais radicalmente idiossincráticos. Cada artista tem seu próprio idioma, seu vocabulário visual é formado por ele mesmo - diz. - Em qualquer lugar do mundo, se você vir uma obra com vidro, ímãs e malha de ferro, vai reconhecer uma obra do Tunga.

Vinte e um dos artistas mostram um pouco de seu idioma num DVD dirigido pelo cineasta Murillo Salles, com extras de trechos de vídeos de artistas. O livro traz ainda um CD-ROM com entrevistas de Duarte a 15 críticos e curadores - de Ferreira Gullar, crítico veemente da arte contemporânea, a Ana Paula Cohen, cocuradora da última e polêmica Bienal de São Paulo. O autor, assim, oferece vários caminhos a quem quiser se aproximar melhor dos artistas e da arte de hoje.

Duarte, que nos últimos anos trabalhou em projetos como a Bienal do Mercosul e o Rumos Itaú Cultural, conta que começou a se dar conta de que a arte contemporânea data dos últimos 50 anos e que uma perspectiva histórica poderia lhe dar mais sentido. Ele diz que esse caráter idiossincrático de que fala, por exemplo, tem origem na própria modernidade, quando já se percebia uma diferença radical na linguagem de pintores como Cezánne, Seurat, Gauguin e Van Gogh.

- O próprio da alta modernidade é esse momento que aponta para várias dimensões simultaneamente. No Renascimento ou no barroco, era impensável haver artistas com linguagens absolutamente diferentes - diz ele. - No caso brasileiro, o que me interessava sublinhar é que a modernidade não se impôs com contundência e com força em termos visuais. A cultura visual brasileira nunca incorporou as experiências radicais dessa modernidade, ela não se impôs à arte contemporânea como um superego. Por isso, o artista brasileiro não tem um índice de revolta, ele dialoga com questões modernas e se utiliza da sintaxe moderna, apesar de usar materiais contemporâneos.

Posted by Ana Maria Maia at 3:25 PM | Comentários (1)

Crítico percorre a arte contemporânea do país por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na sessão lustrada do jornal Folha de São Paulo, em 21 de fevereiro de 2009.

Paulo Sergio Duarte lista 77 artistas para dar "perspectiva histórica" à cena atual

Compilação, que traz DVD feito por Murilo Salles, reúne nomes consagrados e jovens que representam a formação da arte brasileira de hoje

Pela fresta da porta, vazam os acordes de "uma música que ainda não está sendo tocada". Paulo Sergio Duarte compara sua lista de 77 artistas contemporâneos brasileiros a ouvir, sem compromisso, uma série de prelúdios: "Improvisações que um intérprete executava para afinar seu instrumento".

No livro que acaba de lançar, "Arte Brasileira Contemporânea - Um Prelúdio", o crítico radicado no Rio elenca os nomes que julga mais relevantes na arte contemporânea do país, entre consagrados e jovens em ascensão, num dicionário visual que inclui um bom DVD a cargo do cineasta Murilo Salles.

Estão lado a lado verbetes sobre os ditos seminais Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape, os colegas de geração do autor, como Carlos Vergara, Antonio Dias, José Resende, Carmela Gross e Tunga, além dos jovens Thiago Rocha Pitta, Marcelo Cidade, Laura Erber, Renata Lucas e Tatiana Blass.

"O recorte foi feito para fazer interagir uma produção mais jovem com outra historicamente situada", diz Duarte, 62.

"A ideia é dar perspectiva histórica à arte contemporânea." Um soco inglês duplicado e folheado a ouro, obra do jovem Marcelo Cidade reproduzida no livro, ilustra essa ideia. Chamado "Amor e Ódio a Lygia Clark", o trabalho atualiza o legado da estética relacional, moldado pela fricção entre histórico e contemporâneo, que Duarte, querendo ou não, imprime nas páginas do livro.

"O que se faz hoje não está dissociado de uma pequena, jovem, porém interessante, tradição", diz Duarte, que foi curador da Bienal do Mercosul, em 2005, e é professor da Universidade Candido Mendes, no Rio.

Depois de reduzir uma lista de 300 nomes aos 77 finais, num recorte que, adverte, é "arbitrário e excludente", Duarte constatou que o que se faz hoje, apesar de marcado pela urgência urbana e por preocupações arquitetônicas, está mais leve.

"Digamos que há menos angústia", afirma Duarte. "O peso da angústia é menor do que na arte moderna, movida por ela." Dos "Penetráveis" de Oiticica às pesquisas arquitetônicas de Renata Lucas, Cidade e Joana Csekö, Duarte mostra a evolução de uma arte de carga político-visceral até a ironia atual, mais egocêntrica, mas nem por isso menos relevante.

E ele não está sozinho. Numa série de entrevistas ao crítico, a curadora Lisette Lagnado constata a "saída da menoridade da arte brasileira" e revela que a passividade do artista nunca lhe "caiu bem", enquanto Ivo Mesquita, curador da última Bienal de São Paulo, diz que "tudo ficou mais fácil".

ARTE BRASILEIRA CONTEMPORÂNEA - UM PRELÚDIO

Autor: Paulo Sergio Duarte
Editora: Silvia Roesler Edições de Arte
Onde comprar: disponível nas livrarias Travessa, no Rio, e, em breve, em livrarias de arte em SP
Quanto: R$ 150 (300 págs.)

Posted by Ana Maria Maia at 2:47 PM

Crise exige mudança no mercado por Holland Cotter, Folha de S. Paulo

Matéria de Holland Cotter, do New York Times, publicada em português, com tradução de Clara Allain, na sessão Ilustrada, do jornal Folha de S. Paulo, em 23 de fevereiro de 2009.

É mais uma vez hora de os artistas terem outros empregos convencionais; o segredo é fazer deles uma fonte de energia

No ano passado, a revista norte-americana "Artforum" possuía a espessura de uma lista telefônica, com edições de cerca de 500 páginas, a maioria das quais com anúncios de galerias. A edição atual tem pouco mais de 200 páginas. Muitos anúncios desapareceram.

Com sua reputação duradoura de transações pouco claras e valores inchados, o mercado de arte contemporânea é um organismo vulnerável, tradicionalmente atingido dura e precocemente por qualquer mal-estar econômico. É o que está acontecendo agora. As vendas desaparecem no ar. Carreiras estão minguando. Aluguéis em Chelsea estão sem pagar. O boom que havia deixou de existir.

A diminuição não foi quantitativa, de maneira alguma. Nunca antes houve tanto produto. Nunca antes o mundo americano das artes funcionou com tanta eficiência como indústria de marketing no modelo corporativo, dotada de todos os serviços necessários.

Todos os anos, escolas de arte em todo o país produzem milhares de formandos preparados para o sucesso, gente a quem caberá fornecer produtos desejáveis para as galerias e casas de leilões. Eles contam com o respaldo de hostes de especialistas em relações públicas (também conhecidos como críticos, curadores, editores, publishers e teóricos de carreira), que fornecem informações atualizadas e pontuais sobre o que significa "desejável".

Muitos desses especialistas fazem parte, direta ou indiretamente, da folha de pagamentos dessa indústria, que é controlada por outro conjunto de profissionais: os marchands, corretores, assessores, financistas, advogados e (figuras cruciais nesta era de feiras de arte) planejadores de eventos, que representam a divisão de marketing e vendas da indústria.

São essas as pessoas que vasculham as escolas de arte, identificam talentos novos, orientam carreiras e, por meio de algum cálculo inescrutável, determinam o que vai vender -e por qual valor.

Não que esses departamentos sejam separados de qualquer maneira: as divisórias éticas não fazem o estilo dessa indústria. Apesar da profissionalização da década passada, o mundo da arte ainda gosta de enxergar-se como um grande e único barco do amor. Noite após noite, críticos e colecionadores consomem jantares pagos por marchands que estão promovendo artistas, ou museus que estão promovendo exposições, com todos juntos à mesa, bajulando uns aos outros, trocando ideias e farpas, pesando as vibrações.

E onde está a arte em tudo isso? Proliferando, mas enfraquecida. A "qualidade", definida primariamente como habilidade formal, está em voga outra vez, como parte integral de um revival conservador -alguns diriam regressivo- da pintura e do desenho. E ela nos vem dando uma enxurrada de desenhos bem feitos, esculturas engenhosas, fotografias meticulosas e espetáculos cuidadosamente encenados, cada um baseado nos mesmos elementos fundamentais: uma ideia única, embutida no trabalho e exposta na declaração de um artista, e um visual ou estilo feito para captar a atenção tanto quanto o refrão numa canção de rock.

As ideias não variam muito. Durante algum tempo, ouvimos muito sobre o radicalismo da beleza; mais recentemente, sobre a política subversiva da ambiguidade estetizada. Seja o que for, é tudo alimento para o mercado. A tendência chegou a um nadir na véspera da eleição presidencial, quando, com fanfarra triunfalista, o New Museum, em Nova York, expôs uma pintura de Michelle Obama feita por Elizabeth Peyton e a acrescentou à retrospectiva da artista. O intuito promocional da exposição era evidente. E a grande declaração política? Que o establishment das artes votara no partido Democrata.

Expectativas
Os estudantes que ingressaram na escola de arte alguns anos atrás provavelmente terão que sair dela com expectativas drasticamente modificadas. Eles terão que se considerar com sorte se tiverem as facilidades profissionais hoje vistas como algo garantido e certo: a exposição solo numa fase precoce da carreira, as vendas iniciais, a possibilidade de poder viver de sua arte.

Hoje nos EUA é mais uma vez hora de artistas terem outros empregos convencionais para sobreviver, e tudo bem. Os artistas sempre tiveram esses empregos (Van Gogh foi pregador; Pollock, assistente de garçom) e os terão novamente. O segredo é fazer deles uma fonte de energia, e não algo que cansa e exaure.

Ao mesmo tempo, os artistas também poderão tomar conta da fábrica e tornar deles a indústria da arte. Coletiva e individualmente, poderão customizar os equipamentos, alterar os modos de distribuição, ajustar ritmos de produção de modo a permitir crescimento orgânico e mudanças de rumo e objetivo. Poderão fantasiar e se concentrar. Poderão fazer nada por algum tempo, ou fazer alguma coisa e fazê-la errada, poderão fracassar em paz e recomeçar.

Escolas
As escolas de arte também poderão mudar. A meta atual dos programas de ensino prático parece ser estreitar o talento até aguçá-lo para que possa penetrar agressivamente na arena competitiva. Mas, com os mercados incertos, possivelmente inexistentes, por que não afrouxar esse modo?

Por que não fazer do treinamento em ateliês uma experiência interdisciplinar, que se entrecruze com sociologia, antropologia, psicologia, filosofia, poesia e teologia? Por que não embutir em seu programa de estudos um semestre de estudos e trabalho que tire os estudantes totalmente do mundo das artes e os insira em lugares como hospitais, escolas e prisões, às vezes em ambientes extremos -ou seja, na vida real?

Mudanças como essas exigiriam novas maneiras de pensar e escrever sobre a arte, de modo que os críticos teriam que voltar à escola, faltar a algumas festas e mergulhar nos livros e na internet. A discussão sobre a "crise na crítica" percorre o mundo da arte periodicamente, sugerindo uma nostalgia pelos criadores de gosto à moda antiga, como policiais do trânsito.

Mas, se existe uma crise, não é uma crise de poder; é uma crise de conhecimento. Para dizê-lo em palavras simples, não sabemos o suficiente sobre o passado ou sobre quaisquer outras culturas exceto a nossa.

O século 21 quase certamente verá mudanças modificadoras de consciência no acesso digital ao conhecimento e na moldagem da cultura visual. O que os artistas farão com isso?

Será que a indústria da arte vai continuar a agarrar-se ao status analógico tradicional da arte, insistir que o objeto material, comprável é a única forma de arte verdadeiramente legítima, que é o que fez realmente o revival da pintura? Ou os artistas -e os professores e críticos- vão nadar para uma terra que ainda é difícil de localizar nos mapas e fazer dela seu lar e seu local de trabalho?

Posted by Ana Maria Maia at 2:22 PM | Comentários (2)

"Não tenho essa ambição de artista" por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na sessão lustrada do jornal Folha de São Paulo, em 26 de fevereiro de 2009.

Assistentes de Nuno Ramos, Tomie Ohtake e Adriana Varejão revelam como ajudam a fazer as obras que não vão assinar

"Decidi ser um técnico e me satisfaço só com chegar ao resultado", afirma Cláudio Vasques, que ajuda a fazer gravuras no ateliê de Ohtake

Dentro do galpão, grandes fornos multiplicam o calor do verão. É numa fundição de ferro na zona leste de São Paulo que Rômulo Fróes, assistente do artista Nuno Ramos, reveste de sabão e fibra de vibro um barco em tamanho real.

"A primeira coisa a fazer era arrumar um barco", conta Fróes, 37, gotas de suor escorrendo da testa. "Depois fui atrás de sabão e de quem sabe mexer com fibra de vidro."

Mas Fróes é "o cara dos contatos", então não foi tão difícil. Em dez anos, já teve de congelar cachorros, coletar restos de metal e pelúcia e até conseguir um urubu vivo para fazer parte de uma obra -tarefas normais para quem se dedica aos bastidores das grandes obras de arte.

Enquanto Damien Hirst, Jeff Koons e Terence Koh têm no exterior ateliês que viraram linhas de montagem, com mais de 50 assistentes e trabalho em escala industrial, artistas brasileiros, num contexto mais intimista, também contratam assistentes para dar uma força.

No ateliê de Tomie Ohtake, dois arquitetos, um pintor e um gravurista cuidam da produção da artista. Adriana Varejão, no Rio, tem uma assistente, mas costuma contratar um batalhão para as obras maiores.
"A maioria dos assistentes são artistas que queriam conhecer outro artista para ver como é", conta Fróes. "Mas o meu caso é mais raro: eu era artista e deixei de fazer arte para trabalhar com o Nuno."

Ao contrário desses jovens que trocam o patrão pela carreira solo, Fróes não se arrepende. "Ocupei esse lugar com a música", diz ele, que lança seu terceiro disco no mês que vem. "Eu continuo em contato com a arte, mas essa coisa autoral é a música que me supre."

Sem ambição
De fato, os não-artistas têm menos conflitos. "A minha vantagem é que eu não sou artista", diz Cláudio Vasques, 59, que há 20 anos imprime as gravuras de Tomie Ohtake e já trabalhou com Volpi, Arcângelo Ianelli e Ademir Martins. "Decidi ser um técnico e me satisfaço só com chegar ao resultado, não tenho essa ambição de artista."

Mesmo aos 95, Ohtake controla de perto o processo de produção. Faz questão de moldar à mão o primeiro esboço de suas esculturas em alumínio, depois entrega a peça a arquitetos que trabalham para ela.

"A gente sabe onde começa o nosso trabalho e onde acaba a incumbência da Tomie", diz Jorge Utsunomiya, 56, que ao lado da mulher, Vera Fujisaki, ajuda a projetar as esculturas da artista. "A última escultura dela tinha 85 toneladas, mas nasce muito pequena, então a gente oferece possibilidades."
Ohtake diz que pensa muito antes de fazer o trabalho, depois só pergunta se é possível. "Eles têm técnica, eu não tenho nenhuma, mas tenho que passar por cima de tudo", admite.

"Eu poderia fazer qualquer escultura para qualquer pessoa, sou um grande fazedor de esculturas", brinca Utsunomiya. "Quem sabe a gente não fica doente e vira artista?"

No Rio, Adriana Varejão conhece o outro lado dessa história. Ela teve como assistente Thiago Rocha Pitta, que também trabalhou com Tunga e hoje é um nome valorizado da arte contemporânea no país. "Não existe espaço para o assistente criar dentro da minha obra", diz Varejão, 45. "Eu só passo para os outros o trabalho que eu posso controlar."

Sua ajudante hoje, Flávia Metzler, é outra artista plástica em início de carreira. "A gente troca ideias sobre coisas, cores", diz Varejão. "A Adriana é uma referência importante para mim, mas não influencia meu trabalho, que não tem a ver com o dela", diz Metzler, 34.

Na outra ponta do processo, Maurício Pereira, 44, que chegou a assinar uma obra com o artista que ajudou, é uma espécie de faz-tudo para vários nomes, entre eles Cildo Meireles, Waltercio Caldas e Tunga. É do ateliê dele em São Paulo que saem muitas das soluções para as obras mais complexas.

"A maior qualidade para alguém dessa área é conseguir soluções técnicas, mas sabendo o que o artista quer", diz Pereira. Para satisfazer alguns desejos, ele já saiu à caça de crinas de cavalo e bolas de bilhar, usadas numa obra de Tunga, brigou com engenheiros em Paris para fazer uma instalação no Louvre e suspendeu uma estrutura de ferro de 23 toneladas do teto de um museu paulistano.

"Eu faço uma consultoria, uma parceria, mas nunca tive vontade de ser artista", diz ele. "Meu prestígio entre os artistas já é suficiente para o meu ego."

Posted by Ana Maria Maia at 1:57 PM

fevereiro 19, 2009

Desejo de reencontro por Tatiana Py Dutra, Zero Hora

Matéria de Tatiana Py Dutra originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal Zero Hora, em 19 de fevereiro de 2009

Carlos Vergara, artista que está com grande exposição em Porto Alegre, fala sobre Santa Maria, cidade onde nasceu e à qual não voltou mais

Santa Maria está de olho em um artista que nasceu lá, que construiu uma carreira admirável, de projeção nacional, mas que nunca voltou a sua própria cidade. Trata-se de Carlos Vergara, 67 anos, gaúcho radicado no Rio de Janeiro, atualmente em cartaz no Margs, em Porto Alegre, com a exposição Sagrado Coração, que tem como ponto de partida as ruínas de São Miguel das Missões.

O secretário de Cultura de Santa Maria, o artista plástico Titi Roth, diz que entrará em contato com Carlos Vergara para convidá-lo a expôr na cidade o mais breve possível. O plano é que as obras dos grandes artistas da região (além de Vergara, Carlos Scliar e Iberê Camargo) sejam expostas no Museu de Arte de Santa Maria (Masm). Para que isso aconteça, Roth quer fechar uma parceria com o Margs. Ele fala com entusiasmo da obra de Vergara:

– Ele tem uma pintura extremamente vigorosa e contemporânea. Há toda uma trajetória de brasilidade na cor, nos elementos que ele usa. É uma produção representativa de nossos valores.

Apesar de jamais ter morado no Estado, Vergara colocou o Rio Grande em seu mapa-múndi artístico na mostra Sagrado Coração, um olhar do artista sobre as ruínas de São Miguel das Missões, em cartaz no Museu de Arte do Rio Grande do Sul (Margs). Em uma das idas às reduções jesuíticas, no ano passado, o artista sobrevoou sua terra natal e sentiu uma certa nostalgia.

– A Santa Maria, não voltei não por falta de curiosidade, mas de oportunidade – diz. – Iberê Camargo (pintor gaúcho que foi professor de Vergara), que tinha uma relação grande com Santa Maria, tentou mesmo fazer uma exposição minha lá. É uma coisa que ainda está para acontecer. Tomara que aconteça logo.

Carlos Vergara deu entrevista, de seu estúdio em Santa Teresa, no Rio, por telefone. Na oportunidade, vibrava com a expectativa de desfilar no bloco carnavalesco Cariocas do Mundo, formado só por pessoas que vivem no Rio de Janeiro mas que não nasceram lá.

– Já tem até uma ambulância contratada. Pode ser a última entrevista – riu o artista, de 67 anos.

“Quero pisar no chão onde eu nasci”, diz Vergara.

“Diga aí para os nossos conterrâneos, que espero ter oportunidade de fazer alguma coisa em Santa Maria, uma exposição, alguma obra. Soube de dois lugares que me interessariam muito. Um é a velha estação férrea. Talvez eu pudesse fazer uma coisa que não fosse pieguice de novela (risos). Outra são umas águas paradas que Iberê pintou, em 1939 ou 1940, e que ficam na região de Santa Maria. Me interessaria muito visitar esses locais e retrabalhar com olhos contemporâneos uma coisa que ele pintou na época em que eu estava nascendo. Só estou esperando um convite para visitar a cidade, da universidade, da prefeitura. Se me chamarem, eu vou. Sobrevoei Santa Maria, na última vez que fui a São Miguel, ano passado. Mas quero pisar no chão, olhar as colinas, andar, e de repente, descobrir em qual maternidade eu nasci. Quero revisitar os alfarrábios da minha velha certidão de nascimento.”

Posted by Ana Maria Maia at 5:16 PM

Ruas de concreto por Henrique Araújo, O Povo

Matéria de Henrique Araújo originalmente publicada na sessão Vida e Arte do jornal O Povo, em 19 de fevereiro de 2009.

A exposição Certos Lugares, do artista plástico Murilo Maia, apresenta trinta imagens de ruas, marquises, muros e grades de ferro. As imagens flagram a indisciplina involuntária de uma cidade quase invisível

Das trinta imagens expostas pelo artista plástico Murilo Maia no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, uma deve chamar mais atenção que as demais. O muro tem exatamente 5,8 metros de comprimento por 2,1 de altura. Sua extensão é percorrida por tijolos e arames farpados sobrepostos, numa mistura de elementos essencialmente ligados ao medo. O tamanho da foto é natural. Representa o mesmo paredão visto por Murilo enquanto passava de ônibus na BR-116. O muro integra a exposição Certos lugares, aberta no MAC na última quinta-feira.

Dividida em quatro ambiências, a primeira exposição individual de Murilo apresenta imagens de uma Fortaleza cujos muros, gradis, calçadas e telhados dividem espaço com elementos diversos. Por exemplo: na calçada, o poste aperta-se contra um tronco de árvore. Em menos de um metro quadrado, convivem. Na avenida Aguanambi, um muro caiado engoliu um poste, que se tornou parte de sua constituição. Na Praia de Iracema, em frente ao Estoril, uma árvore de caule retorcido é escorada por dois troncos. Para sobreviver, ela carece do suporte, que lhe é totalmente estranho. Um último exemplo: numa rua qualquer da cidade, uma casa era guardada por um portão de ferro vazado. Meses ou anos depois, uma placa de ferro foi acrescida do anteparo, tornando-o chapado. Quem está dentro de casa não pode ver quem passa e vice-versa.

Que Fortaleza - lugar cujo nome denota símbolos de ambigüidade -, pode ser vista em Certos lugares? “Tempo. Tensão urbana. Violência. Tem o acaso e a temporalidade”, explica Murilo. Aquarelas, Simbioses, Possuídos e Diaslongos são os escaninhos que recebem as imagens da cidade. Aquarelas traz infiltrações em paredes. Fotografadas e expostas, elas viram objeto de apreciação, um tipo especial de arte. O tempo é o artífice dessas obras. Simbioses apresenta “a vida que, junta, tem relações positivas e negativas”. Uma palmeira atravessando o gradil de um condomínio fechado, uma goiabeira sustentada por uma raiz antinatural. Em Possuídos, o inusitado. Debaixo do telhado, não há nada. A marquise não guarda nada. É como se o corpo humano tivesse um órgão cujo funcionamento é nulo. Diaslongos é isolamento. Uma página em branco riscada de uma ponta a outra por uma única palavra: dia.

Assim, Certos lugares é dedicada “a uma cidade de coisas que passam despercebidas, de coisas lentas, de segurança, mas também a algo mais poético”. Infiltrações assumem formas inesperadas na parede, ganham contornos monocromáticos, jogam com texturas e desenhos. “Na cidade, uma coisa negativa pode, de repente, ganhar um outro contexto.” No MAC, a visão das fotos sugere indisciplina. A indisciplina das formas que não respeitam a vocação organizativa dos homens. A indisciplina dos marginalizados, expressa nos portões que se reforçam com placas de ferro. Nesse esteio, Murilo receita a indisciplina do olhar. Que Fortaleza pode ser vista na exposição? Os movimentos da cidade, de expansão e retração; as relações de poder; as trocas simbólicas, materiais e imateriais.

As trinta imagens reunidas por Murilo estão repletas de potencialidade. Ainda que o suporte da fotografia apenas funcione como mero registro (“Eu não faço nenhum tipo de manipulação na foto”) e o conjunto das obras não contenha tantos elementos que apontem para algum tipo de alteração dessa ordem impositiva, os trabalhos funcionam muito bem como convite. Um convite para ver a cidade com olhos de indisciplina.

SERVIÇO
Exposição Certos Lugares, do artista plástico Murilo Maia. Aberta no último dia 12 de fevereiro, a exposição segue até o dia 30 de março, no Museu de Arte Contemporânea (MAC) do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Horários para visitação: de terça a quinta, das 9h às 19h (acesso até 18h30min); de sexta a domingo, das 14h às 21h (acesso até 20h30min). Ingressos: R$2,00 / R$1,00. Aos domingos o acesso é livre. Outras informações nos telefones 3488 8600 ou 8608 8624.

Posted by Ana Maria Maia at 5:01 PM

Aquarelas de Samson Flexor, pioneiro do abstracionismo, mostram sua faceta mais informal por Suzana Velasco, O Globo

Matéria originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo, em 17 de fevereiro de 2009.

RIO - O teste para se entrar no Ateliê Abstração, fundado em 1951 por Samson Flexor (1907-1971), em São Paulo, era desenhar um violão com régua e esquadro. Um dos pioneiros do abstracionismo no Brasil, Flexor é conhecido pelo cálculo e pela ordenação em suas pinturas, mas no fim da vida, nos anos 1960, libertou seus traços da rigidez geométrica. É essa faceta mais solta que o Instituto Moreira Salles (IMS) exibe a partir desta quarta-feira (18-02) para o público, nas 98 obras da exposição "Aquarelas e desenhos".

- O Flexor é muito conhecido na história da pintura, sobretudo por sua produção dos anos 1950. Ele criou uma obra geométrica calculada, com projetos para a tela final. Agora, mostramos as aquarelas dos anos 1960, que já são mais livres. Algumas têm autonomia, e outras são esboços para pinturas a óleo, mas a geometria não é mais o foco - afirma a coordenadora do setor de artes visuais do instituto, Heloisa Espada.

Com curadoria da equipe do IMS, a mostra tem como base uma exposição que, em 2007 e 2008, percorreu países europeus que fizeram parte da trajetória de Flexor, passando depois por São Paulo. Nascido onde hoje é Chisinau, capital da Moldávia, Flexor se radicou no Brasil em 1948, vindo de Paris, onde fora um dos fundadores do grupo Surindépendants, cujo lema era "independência e disciplina".

Referências às formas da natureza
Na capital paulista, Flexor levou a bandeira a sério e se tornou um abstracionista independente, pessoal, batendo de frente com os concretistas de São Paulo. Foi no Brasil que o artista acentuou seu afastamento da representação, para se tornar um dos pioneiros no país da pintura abstracionista, que já se esboçava em suas obras do início dos anos 1940, quando ainda vivia na França. No fim da década de 1950, toda marcada pela abstração, ele já caminhava em direção a formas mais orgânicas, que, como se vê na exposição, acabaram levando-o de volta à figuração, ainda que de modo completamente diferente daquele do início de seu percurso artístico. Aos poucos, ele vai se aproximando do corpo humano, criando seres meio robóticos, meio desajeitados, com uma certa fragilidade - diz Heloisa.

Essa aproximação é evidente, na exposição, nas aquarelas da série "Bípedes", esboços para telas a óleo exibidas na Bienal de São Paulo de 1967. Segundo a curadora, mesmo antes dessa volta mais explícita à figuração, podem ser encontrados resquícios de elementos figurativos em algumas pinturas que, aparentemente, são completamente abstratas.

- A exposição mostra que, embora Flexor tenha ido à abstração, continuou olhando para a natureza. Suas obras sempre têm referência às formas naturais, seja na paisagem ou corpo - afirma Heloisa, que ressalta, nesse processo, a série de desenhos "Paisagem de Poços de Caldas". - Ele vai abstraindo a partir da observação da natureza e, aos poucos, se aproxima da forma geométrica, saindo da aparência das coisas e as depurando até chegar somente às suas linhas. É um processo bem kandinskyano.

Além de retornos à figuração, a obra de Flexor é marcada por transições e combinações entre o racionalismo geométrico e a abstração mais informal. Em paralelo ao lado lírico de suas aquarelas, que compõem a maior parte da exposição, o público poderá ver o rigor geométrico nos desenhos do artista, em lápis sobre papel.

- Na sala dos desenhos, mostramos um pouco do processo de trabalho de Flexor - diz a curadora. - Vemos que, nos esboços de retratos para pinturas a óleo, a geometria é a estrutura da obra. Os rostos são traçados e compostos a partir de uma geometria rígida e equilibrada.

Instituto Moreira Salles. Rua Marquês de São Vicente 476, Gávea. Tel: 3284-7400. Ter a dom, das 13h às 20h.

Posted by Ana Maria Maia at 4:49 PM

fevereiro 17, 2009

Para diretor do CCSP, decisão é resultado de diálogo e reflexão por Silas Martí, Folha de S.Paulo

Matéria originalmente publicada na sessão Ilustrada do jornal Folha de São Paulo, em 13 de fevereiro de 2009.

Procurado pela reportagem para comentar a retirada da obra do artista João Loureiro, o diretor do Centro Cultural São Paulo, Martin Grossmann, enviou um texto em que defende que a decisão "foi resultado de um processo de diálogo, transparente, e de reflexão acerca não só da arte, mas da prática cultural institucional".

Leia a íntegra a seguir:

"Centros culturais não são museus, são equipamentos culturais plurais. O Centro Cultural São Paulo não é qualquer centro cultural: seu projeto, sua arquitetura, sua atuação na cidade e seu uso diferem substancialmente de outros espaços semelhantes. É, talvez, o espaço cultural mais democrático da cidade.

Mais do que receber público, abriga usuários que se apropriam de seus ambientes, criam pertencimento com o local, participam ativamente. Uma verdadeira multidão (em média, 2.000 pessoas por dia) ocupa de maneira diversa as dependências de sua arquitetura aberta e transparente que estimula o livre acesso ao conhecimento e à cultura.

Mas não é só: há também um grupo de usuários formado por cerca de 450 funcionários, responsáveis por um equipamento público de 46 mil metros quadrados. De 2007 a 2008, operacionalizamos e finalizamos um processo de reforma administrativa cujo planejamento foi iniciado na gestão à frente do centro cultural do atual secretário de cultura do município, Carlos Augusto Calil (2001 a 2004).

Essa nova estrutura administrativa possibilitou, entre outros ganhos: a integração das cinco bibliotecas em torno da praça das bibliotecas; a inclusão do deficiente visual nesse ambiente com a transferência para o local da biblioteca Louis Braille; um programa modelar de acessibilidade; novas formas de mediação cultural e educativa; o primeiro serviço Wi-Fi gratuito em um equipamento cultural público; a integração da programação artística e cultural; a integração técnica dos quatro acervos (Coleção de Arte da Cidade, Arquivo Multimeios, Discoteca Oneyda Alvarenga e Missão de Pesquisas Folclóricas), bem como a implantação de um novo espaço administrativo que hoje abriga por volta de 200 funcionários.

Foi este novo espaço de trabalho que o artista João Loureiro escolheu para realizar sua obra site-specific. O convite para idealizar uma obra inédita em diálogo com as particularidades físicas, conceituais, funcionais e discursivas do centro cultural visava uma maior cumplicidade e interação entre os artistas e a instituição.

Ocorre que, por se tratar de uma obra que comenta criticamente aspectos da prática institucional, acabou provocando, nesse contexto (fora dos espaços de exposições considerados como neutros), uma série de reações ligadas ao seu conteúdo e intencionalidade.

Nomear de "fantasma" o espaço administrativo no momento em que toda a equipe vem trabalhando incansavelmente para sua revitalização, investindo todos os esforços na qualificação e expansão de sua programação e atendimento ao público, provocou uma reação adversa no seio da instituição.

Entendemos que a retirada antecipada da obra foi resultado de um processo de diálogo, transparente, e de reflexão acerca não só da arte, mas da prática cultural institucional. A obra correspondeu à proposta da curadoria e, esperamos, às intenções do artista, cumprindo assim seu propósito. A instituição também cumpriu seu papel garantindo a produção e exposição da obra, até o limite aqui exposto."

Posted by Ana Maria Maia at 3:18 PM | Comentários (4)

CCSP retira obra após reclamações de funcionários por Silas Martí, Folha de S. Paulo

Matéria de Silas Martí originalmente publicada na sessão Ilustrada do jornal Folha de S.Paulo, em 13 de fevereiro de 2009.

Servidora mandou carta à prefeitura reclamando de fotografia que retrata trabalhadores como fantasmas

Obra do artista João Loureiro foi produzida e financiada pelo CCSP, ficou exposta por 2 meses e, depois, retirada pela direção

Depois de reclamações de funcionários, que se disseram ofendidos pelo artista, a direção do Centro Cultural São Paulo decidiu retirar de uma mostra uma obra de arte que ficaria em cartaz até 29 de março. A fotografia "O Fantasma", de João Loureiro, retrata pessoas e objetos de trabalho cobertos com lençóis brancos no setor administrativo do CCSP, onde ficou exposta até o dia 2 deste mês, quando foi retirada.

"A gente tem uma imagem de fantasma lá fora, mas trabalha muito, rala muito", disse à Folha Rogéria Massula, 51, funcionária do CCSP que mandou uma carta à ouvidoria da prefeitura pedindo que fosse retirada a obra de Loureiro. "Achei de mau gosto, porque era a minha mesa de trabalho ali, com olhinho, boquinha. Por mais que eu queira, não dá para desconsiderar que é uma afronta contra os funcionários."

Antes mesmo do início da mostra, em 29 de novembro do ano passado, funcionários haviam reclamado à direção do CCSP, irritados com o teor da fotografia. Na abertura da exposição, tanto o diretor da instituição, Martin Grossmann, quanto a curadora de artes visuais, Carla Zaccagnini, optaram por expor a obra.

"Houve resistência dos funcionários à obra, e isso foi virando uma bola de neve", conta Loureiro, 36, que diz não considerar o episódio um caso de censura, embora discorde da remoção da obra. Segundo ele, que teve R$ 8.000 do CCSP para produzir a foto, alguns funcionários foram trabalhar vestidos de branco em protesto.

A curadora e o diretor do CCSP negam que houve censura. "Acho que se trataria de censura se a obra não tivesse sido realizada ou tivesse sofrido alterações por exigências externas ao trabalho. Neste caso, a obra foi realizada de acordo com o projeto do artista e esteve exposta no local por ele escolhido", diz Zaccagnini, 35.

A curadora deixará seu cargo no CCSP no mês que vem, mas nega que seja por causa do episódio. "A minha saída, que está sendo negociada de forma a não prejudicar o projeto institucional, não tem nada de represália", afirma a curadora.

Pressão externa
O secretário municipal da Cultura, Carlos Augusto Calil, que já dirigiu o CCSP e nomeou Martin Grossmann para a posição, confirmou, por meio de sua assessoria, que foi procurado por funcionários do CCSP.

O diretor da instituição, a curadora de artes visuais e funcionários ouvidos pela Folha negam, no entanto, que tenha havido qualquer interferência por parte do secretário da Cultura ou da prefeitura. "Não houve nenhuma pressão por parte da ouvidoria da prefeitura, tampouco da Secretaria da Cultura", afirmou Grossmann, 48.

"Não havia nenhuma posição da Secretaria da Cultura nem da ouvidoria com relação ao conteúdo da carta", diz Zaccagnini. "Foi por meio de uma longa discussão interna, iniciada ainda durante o processo de produção da obra [de Loureiro], que se chegou à decisão."

Posted by Ana Maria Maia at 3:08 PM | Comentários (5)

Diário, livro e abandono por Eduardo Jorge, Diário Catarinense

Matéria de Eduardo Jorge* originalmente publicada no caderno Cultura do Diário Catarinense, em 31 de janeiro de 2009.

O relato íntimo das anotações pessoais do artista Yuri Firmeza ganha as páginas do jornal e inventa a cidade

Querido Diário, – É assim que geralmente se inicia uma conversa íntima consigo mesmo e com a escrita. A pergunta em torno do íntimo e de um segredo vem junto de uma outra própria ao diário: como passar o íntimo, sobretudo um segredo, pelo gesto da escrita? Uma escrita presume um terceiro, mesmo que este ainda não se faça presente. O pensador francês Maurice Blanchot, em O livro por vir, estudou o caso curioso de um escritor chamado Joubert. Ele não escreveu nenhum livro. E, se ele não escreveu nenhum livro, pode ser chamado de escritor? Joubert, mesmo que nunca tenha escrito um livro, passou a vida se preparando para escrever um. Blanchot se ateve em seus estudos justamente ao que o escritor chamou de Carnês, cujo subtítulo era Diário íntimo de Joubert. E o que o pensador francês traça como um dos leitores-críticos destes carnês é que o Diário de Joubert, mesmo apoiado no seu dia-a-dia, não é um reflexo de seus dias, e, sim, aponta para algo diverso.

A pergunta insiste: o que significa escrever um diário? E, sem uma resposta imediata por mais simples que seja, entramos nas perguntas contidas no próprio diário de Joubert, especificamente no que ele escreveu no dia 22 de outubro de 1799: "Mas, de fato, que arte é a minha? Que fim ela se propõe? O que ela produz? O que faz com que ela nasça e exista? O que pretendo e quero fazer ao exercê-la? Será escrever e assegurar-me de ser lido? Única ambição de tanta gente! Será isso o que desejo?... É o que devo examinar atentamente, longamente, e até que eu o saiba". Joubert tinha 45 anos quando escreveu este fragmento.

Outro diarista compulsivo era o dramaturgo alemão Bertold Brecht. Seus Diários de Trabalho (Arbeitsjournal), alguns publicados no Brasil, possuem, de fato, muitas informações visuais e textuais do que se passava no mundo ao qual Brecht viveu. Seus diários, a grande maioria escrita em situação de exílio, são, também, relatos de um viajante que viveu perseguido, como o que foi escrito em 17/4/1940: "Para a Finlândia de navio, deixando para trás móveis, livros, etc." Ou, de vez em quando, o encontro com outros exilados, como o filósofo alemão Walter Benjamin, escrito em 25/7/1938: "Benjamin está aqui. Está escrevendo um ensaio sobre Baudelaire. Há boas ideias no texto." O dramaturgo alemão, dentro de seu vasto material dos diários, ainda escreve em 20/10/1942, agora nos Estados Unidos: "Uma coisa que gosto de fazer é aguar o jardim." Somos terceiros a ler estas anotações. Fazendo desta escrita confessional, que se comporta dentro dos diários, algo público, mesmo que pesquisadores e editoras já tenham feito uma mediação. E, além de Joubert e Brecht, diversos escritores tiveram publicados seus diários. A vontade de conhecer um segredo, de desvendá-lo, de entrar no espaço íntimo do outro é algo que faz parte da natureza humana? Ler um diário íntimo é o momento no qual a leitura pode ser considerada um ato de violação?

Mais perguntas e outro desvio. Durante o ano passado, o Museu da Pampulha realizou mais uma edição do seu programa para artistas residentes chamado de Bolsa Pampulha. Dentre os artistas selecionados, um deles, Yuri Firmeza, ocupou as páginas do jornal Estado de Minas durante cinco meses, com uma proposta de escrita que concluía seu trabalho em Belo Horizonte com um diário. Na pequena edição de Ecdise, título do livro, as datas, as do jornal e as do diário, se misturam para que o artista desenhe e se desenhe na cidade, como no texto de 9/8/2008, publicado no Estado de Minas: "Pensar minha estada na cidade como sendo a minha intervenção no espaço público. Criar esse espaço por meio, justamente, das relações que invento com 'a cidade'. Chegar a Belo Horizonte, amassar e moldar pão de queijo com a Anita, conversar sobre os mexilhões dourados com a bióloga Mônica Campos, dialogar com os motoristas de táxi na tentativa de entender o fluxo da capital, ir ao festival de cinema de Tiradentes, conversar com os travestis da Afonso Pena à procura de alguma Yuri, aprender a tocar flauta, ir a Patos de Minas, conversar sobre meus trabalhos com os alunos da Escola Guignard, escrever diário, andar com mapa no bolso, dar oficinas, seguir carteiros, ir a Lagoa Santa, ziguezaguear no Opala do Pablo, ir às reuniões de condomínio, fazer performances, comer doce de leite, ir ao museu, fazer piquenique no Parque das Mangabeiras, encontrar-me com os outros bolsistas, ir a Ouro Preto, conhecer pessoas na rua, desenhar a cidade, desenhar na cidade, desenhar-me na cidade."

O desafio para Yuri Firmeza, como um artista-residente-viajante, é abrir o mapa de Belo Horizonte e, ao olhar para suas linhas e cores, sair desses contornos para entrar na cidade, na vida de vários moradores, na conversa, na convivência diária. O Diário de Yuri, lançado no final do ano passado, quando os artistas residentes do Museu da Pampulha concluíram o seu período de estada, não tem todas as datas fixas e está intercalado com páginas do jornal, justamente uma seleta de seus textos publicados. Yuri levou o jornal, logo, o público, para dentro do diário, o espaço íntimo – Brecht também o fez à sua maneira. Divisão, esta, constantemente alterada, rasurada, a cada dia impossível de conter, como se pode ler na anotação sem data do diário de Yuri: "Hoje tentei conter algumas coisas. Elas me transbordaram."

O desafio para Yuri (e não só para ele) é justamente fazer da vida um diário com muitos encontros casuais. Como a fez, também, Brecht, cuja anotação de 2/8/1945 registra um desses encontros: "Encontro Schönberg à porta de uma drugstore. Ele se queixa de suas enfermidades e da legislação dos direitos autorais, já que seu filho deixará de receber esses direitos ao completar 28 anos." Fazer um diário que inclua bons encontros, conversas, é um gesto político, como também foi a escrita de Joubert, sem deixar um único livro, como ele próprio escreveu: "Não acabamos quando paramos ou quando declaramos ter terminado." Ou na conversa do Diário do Yuri, que, junto com Joubert e Brecht, nos convida a pensar os prolongamentos do gesto da escrita, seu próprio abandono:

"– O que vai fazer quando as folhas acabarem? – perguntou o Diário.

– Vou continuar fazendo, só que sem as folhas – respondeu".

* Poeta, autor do Caderno do Estudante de Luz (Lumme Editor) e San Pedro (edição do autor). Mestrando em Teoria da Literatura na UFMG

Posted by Ana Maria Maia at 2:47 PM

Bloco de artistas no Pátio de São Pedro por Olívia Mindêlo, Jornal do Commercio

Matéria de Olívia Mindêlo originalmente publicada no Caderno C do Jornal do Commercio, em 17 de fevereiro de 2009.

Mostra Comissão de frente é a prévia de 11 artistas que invadem, de hoje a quinta-feira, o Centro de Formação em Artes Visuais

A arte contemporânea quer ser popular. Essa é a proposta da mostra coletiva Comissão de frente, que invade o ruge-ruge do Pátio de São Pedro a partir de hoje, com um time de 11 artistas. O intuito é fazer parar os transeuntes que circularem pelo Centro nesses dias de semana pré-carnavalesca, procurando interagir com o fervor da maior festa da cidade em pleno vuco-vuco.

O apelo se divide entre o aspecto conceitual, visual e festivo, já que até quinta-feira rola por lá saída de bloco (É Tudo Artista), banho de espuma, Bazar da Monga e até orquestra de frevo. A arte, na verdade, é puro pretexto. Hoje mesmo, a “exposição mista carnavalesca recreativa contemporânea” faz dois abre-alas: um pela manhã, a partir das 10h, e outro à noite, às 20h, com pocket show da banda Saltos Ornamentais, formada por integrantes do coletivo TV Primavera.

“Existe uma arbitrariedade na arte contemporânea de se distanciar das manifestações populares. É uma tentativa de elitizar, mas nós vimos que é uma besteira não interagir com o Carnaval. A cidade bomba de gente que nunca vem no restante do ano nesta época, então vamos aproveitar”, justifica Aslan Cabral, um dos artistas e organizadores da iniciativa, ao lado de Bruno Faria.

Eles se somam a mais nove artistas – Bruna Rafaela, Cristiano Lenhardt, Derlon Almeida, Augusto Ferrer, Jonathas de Andrade, Maurício Castro, Mozart Santos, Marcelo Solá e Yuri Firmeza. Estes dois últimos são de Goiás e do Ceará, respectivamente. De Solá pode ser revisto a versão pop do Preto Velho em cartazes lambe-lambe, apresentados no ano passado no Mamam no Pátio, ao lado da casa do Centro de Formação em Artes Visuais (CFAV), onde a mostra coletiva fica em cartaz durante esses dias. De Firmeza, foi enviado um livro de artista.

Bruna Rafaela distribui corações, no trabalho Dois mil in love – o amor está no ar. Bruno Faria exibe vídeo inédito em que brinca com a imagem do Recife passada pela Empetur. Christiano Lenhardt também mostra vídeo inédito. Aslan Cabral recepciona o visitante com um “parangolé” de pinturas sobre acetato com adereços carnavalescos. Ferrer leva suas esculturas em ferro. Mozart Santos apresenta desenhos. Jonathas de Andrade, um mural de lambe-lambe com foto aérea do Recife. Derlon, suas pinturas “gravurais” sobre papel. Por fim, Maurício Castro leva sua nova “máquina” de banho de espuma para animar a saída do bloco É Tudo Artista na quinta, às 17h.

» Comissão de frente, de hoje (17/02) a quinta (19/02), no CFAV – Pátio de São Pedro, Bairro de São José, casa 11, Recife - PE. Entrada franca


Posted by Ana Maria Maia at 2:15 PM

fevereiro 16, 2009

Só pedindo socorro por Suzana Velasco, O Globo

Matéria de Suzana Velasco originalmente publicada no Segundo Caderno de O Globo, em 15 de fevereiro de 2009.

Importantes museus do Rio não estão bem preparados para receber turistas

Um estrangeiro chega a um museu no Rio e é recebido com boa vontade por um funcionário na recepção, que em geral fala inglês. O visitante chega sem saber o que vai encontrar ali — até procurou se informar no site, mas não há versões em outras línguas — e continua assim, meio perdido: não há folhetos explicativos sobre as mostras, mapas do museu, audioguias. O funcionário diz que ele poderá encontrar informações no interior da instituição, mas os textos das exposições nem sempre estão traduzidos para o inglês. E, dentro do museu, a sinalização é precária. Ele sai frustrado por sentir que poderia ter aproveitado muito mais sua visita.

— Gostaria de ter mais controle sobre a informação. O mais importante seria ter uma noção geral de que exposições o museu oferece, para eu poder escolher aonde ir, com um mapa para saber como acessar o local — afirma o arquiteto alemão Henning Pöpel.

O GLOBO acompanhou a visita do estrangeiro a cinco importantes museus, no Rio e em Niterói: Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), Museu de Arte Moderna (MAM), Museu Histórico Nacional (MHN), Museu da República e Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC). Alternando pontos positivos e negativos, todos eles pecam num aspecto fundamental: a falta de informações básicas sobre a instituição, mesmo em português. É um cenário desanimador, no ano em que o tema da Semana Nacional de Museus, de 17 a 23 de maio, será “Museus e turismo”.

Verbas ainda não foram utilizadas

Seis meses depois de terem recebido recursos do Programa de Qualificação de Museus para o Turismo, do Ministério da Cultura (MinC), MNBA, MHN e Museu da República ainda não executaram seus projetos. O MNBA, cujas exposições não têm textos em inglês, recebeu R$457.610,22 para adquirir audioguias e folhetos trilíngues (português, inglês e espanhol), com informações sobre as coleções permanentes. A diretora do museu, Mônica Xexéo, acredita que esses produtos estarão prontos em abril e suprirão as necessidades dos turistas, mas sabe que precisará de mais recursos para renovar periodicamente os informativos:

— Este ano vou enviar um projeto para a manutenção dos folhetos.

Os turistas, brasileiros ou estrangeiros, e mesmo quem nunca visitou o museu, não têm orientação para saber o que há para ser visto. Esse é o mesmo problema do Museu Histórico Nacional, que na última semana não tinha qualquer impresso informativo na recepção, nem funcionários bilíngues. Segundo a diretora do MHN, Vera Tostes, os folhetos do museu se esgotaram com o aumento excepcional do número de visitantes, devido à mostra “O corpo humano”.

— Normalmente temos folhetos bilíngues, mas passamos a receber quase 300 mil visitantes por mês, por isso eles acabaram — diz Vera.

A diretora afirma que, com os R$202.331,98 dados pelo MinC, providencia audioguias em português, inglês, espanhol e francês, além de um guia especial para surdos-mudos, com previsão para abril. O museu é o único dos cinco que tem uma versão de seu site em inglês, mas nem todos os textos das mostras têm versões em língua estrangeira. Além disso, como o MHN fica num casarão histórico, que não foi construído para ser um museu, ele precisaria de uma sinalização interna eficiente. Porém, o visitante que desconhece o espaço se perde dentro dele.

— O museu tem ótimas exposições, como a de moedas internacionais, mas eu não tinha idéia do que estava exposto e não podia decidir o que queria visitar. Tive que ficar procurando pelas exposições. Saí com a sensação de que havia muito mais para ver — diz o alemão.

Administradores ignoram falhas

O estrangeiro teve o mesmo problema no MNBA e no Museu da República, também instalados em edifícios históricos e sem boa sinalização. No Museu da República, guardas tiveram que orientá-lo sobre o percurso de visitação através de mímicas. Além disso, as obras da mostra de arte contemporânea “Nós” estão misturadas às peças históricas, sem uma explicação para o turista. O museu, que recebeu R$161.219,51 do MinC, informa que haverá audioguias bilíngues este ano, sem data prevista. A direção ainda alega que o museu tem folhetos em português, inglês, e espanhol. Na visita do estrangeiro, porém, um funcionário disse que todas as informações em inglês ficavam no interior das salas.

— Você deve ter chegado num momento em que novos folhetos estavam sendo feitos — diz Débora Reina, assessora técnica do museu.

As mímicas também foram necessárias no MAC. O museu é o único com folhetos bilíngues, tem um funcionário que fala inglês na recepção e textos em inglês sobre sua mostra principal. Dentro do museu, porém, os monitores, universitários que supostamente deveriam falar inglês ou francês, não conseguiram se comunicar nessas línguas.

— Quando cheguei ao museu, em 2003, contratamos universitários com a condição de que eles falassem inglês ou francês porque a comunicação é muito importante. Saí do museu em 2005 e voltei agora. Achei que essa condição estivesse vigente. Você me pegou de surpresa — espanta-se Telma Lasmar, coordenadora executiva do MAC, que, por ser um museu da prefeitura, teve sua direção alterada com a mudança de administração.

O diretor do MAM, Reynaldo Roels, também foi pego de surpresa ao ser informado de que não havia folhetos com a programação do museu, nem mesmo em português.

— Você deve ter chegado na hora em que os folhetos estavam sendo substituídos — disse. — Nossa sinalização é toda bilíngue. A gente encara o fato óbvio de que o inglês serve como apoio mínimo para parte do nosso público, que, como em todos os museus do mundo, é de turistas.

Apesar de haver sinais em português e inglês, o museu não reúne informações sobre o que pode ser encontrado em seu edifício. Parte do público que vem lotando a mostra temporária de Vik Muniz fica sem saber que, ali em cima, no terceiro andar, existe uma exposição permanente com a coleção de Gilberto Chateaubriand, com obras-primas da arte moderna brasileira.

Roels diz que está providenciando informativos bilíngues com um mapa do MAM. Mas o diretor não considera que os audioguias sejam prioritários porque acredita que eles desviam o visitante do foco principal de um museu, a obra de arte. Segundo ele, o estrangeiro pode recorrer a um monitor se precisar de informações:

— Há uma pessoa que fala inglês e francês na exposição permanente. É só pedir socorro.

Posted by Ana Maria Maia at 5:46 PM | Comentários (1)

fevereiro 13, 2009

Construções de Niemeyer no centro de SP recebem galeria de arte africana, por Silas Martí, Folha de S.Paulo

Matéria de Silas Martí, originalmente publicada na sessão Ilustrada do jornal Folha de S.Paulo, no dia 4 de fevereiro de 2009

No volume máximo, o pagode grita nos alto-falantes das lojas. No chão em frente ao prédio, alguns sem-teto tentam dormir. Mas bem pouco do som nervoso do centro vaza para dentro do mais novo cubo branco de São Paulo, a imaculada Soso Arte Contemporânea Africana, galeria que será inaugurada amanhã no segundo andar do edifício Seguradoras.

Foi neste prédio quase esquecido de Oscar Niemeyer, na avenida São João, a alguns metros do vale do Anhangabaú, que se instalou a primeira galeria de arte africana do país.

"Mesmo que haja gente dormindo na rua, há segurança aqui", diz Mário de Almeida, empresário hoteleiro angolano, dono da Soso. "Este é o centro de uma das maiores cidades do mundo, e o centro de uma das maiores metrópoles do mundo não pode ser decadente."

Deslumbrado, Almeida conta à Folha que decidiu comprar o segundo andar do Seguradoras quando soube que era um projeto de Niemeyer, pelo qual diz ter pago R$ 300 mil. Desembolsou mais R$ 1,5 milhão para comprar o antigo Hotel Central, projeto de Ramos de Azevedo, do outro lado do calçadão da avenida São João.

"As pessoas querem prédios com assinatura", afirma o secretário municipal da Cultura, Carlos Augusto Calil, que está tocando agora um projeto de revitalização da área, a chamada "praça das artes", orçado em R$ 100 milhões. "Essas iniciativas espontâneas de empresários nos sinalizam que há uma demanda de parte da sociedade por prédios de qualidade."

Cada um dos 40 quartos do antigo hotel de Ramos de Azevedo vai receber artistas africanos para residências a partir de agora, sendo que em maio cada apartamento abrigará uma instalação, parte de uma grande mostra que integra o calendário da próxima Trienal de Luanda, marcada para 2010.

A reforma do hotel, que deve ser concluída em 2011, está orçada por Almeida em cerca de R$ 11,6 milhões - valor que deve vir do próprio bolso, mas terá parte captada por leis de incentivo e créditos do BNDES.

"Eu já fiz isso em Angola, investir numa área decadente, que depois vira motor do desenvolvimento", diz Almeida. "Eu tenho um complexo em Luanda que era uma construção do século 18, um armazém destelhado, que hoje virou um grande espaço de lazer."

Almeida, casado com a filha do cantor Djavan, não descarta também a possibilidade de sua atual residência artística virar hotel de luxo no futuro, algo na linha dos "concept hotels" que pipocam pelo mundo, sendo que "cada quarto será uma possível instalação de arte".

No lado artístico da jogada, Almeida também não faz feio. Tem o apoio do artista e curador angolano Fernando Alvim, responsável pelo primeiro pavilhão africano na Bienal de Veneza, em 2007, e também mentor da Trienal de Luanda.

"Venho de uma situação particular em Angola, em que artistas têm de ser curadores, críticos e galeristas ao mesmo tempo, porque não temos os sistemas da arte", conta Alvim. "Por isso consideramos o artista o epicentro de um fenômeno cultural e criamos um movimento cultural para tentar legitimar a arte africana."

Alvim é também vice-presidente da Fundação Sindika Dokolo, por trás da maior coleção de arte contemporânea africana do mundo, com mais de 3.000 peças, e em parte responsável pelos gastos dos artistas angolanos que participam da nova residência paulistana, grande aposta da fundação.

"É importante uma galeria que mostra um pouco da África, mas com uma versão da história contada por nós mesmos", diz Alvim. "Queremos o comando da nossa própria história, já que ninguém sabe mais disso do que nós mesmos."

São Paulo acaba surgindo então como vitrine da produção contemporânea africana e contraponto a Veneza, que, nas palavras de Alvim, "já morreu".

São Paulo acaba surgindo então como vitrine da produção contemporânea africana e contraponto a Veneza, que, nas palavras de Alvim, "já morreu".

"No pavilhão africano, pusemos líderes políticos que lutaram pelo fim do preconceito, porque achamos que Veneza era preconceituosa", afirma Alvim. "Foram 112 anos sem arte africana, e ainda fomos submetidos a um júri mais incompetente do que nós. Não é preciso passar por Veneza para fazer arte contemporânea.

Posted by Gabriela Miranda at 4:29 PM | Comentários (1)

fevereiro 11, 2009

Índia é país convidado da feira de arte Arco, em Madri, por Silas Martí, Folha de São Paulo

Matéria de Silas Martí,originalmente publicada na sessão Ilustrada da Folha de São Paulo, no dia 11 de fevereiro de 2009

Nem a crise intimida o mais novo gigante da cena artística mundial. Se a última década viu despontarem no circuito as chinesas Pequim e Xangai, que conseguiram criar bienais etrienais para acompanhar o boom econômico de suas galerias, é a vez de Mumbai e Nova Déli fincarem um pé na arte contemporânea internacional.

A Índia, que realizou sua primeira feira de arte no ano passado, o India Art Summit, hoje é tema de três grandes exposições coletivas no Instituto Valenciano de Arte Moderno, em Valencia, no Mori Art Museum, em Tóquio, e na Serpentine Gallery, em Londres, além de ser o país convidado da Arco, uma das mais tradicionais feiras de arte no mundo, que começa hoje em Madri --em 2008, o Brasil ocupou o lugar agora reservado a seu vizinho entre os Brics.

"Temos um país emergente em todos os sentidos", resume a diretora da Arco, Lourdes Fernández, 47, à Folha. "A decisão de convidar a Índia foi tomada antes da crise financeira, mas é um mercado emergente, que sofreu muito menos."

Enquanto o Brasil, que já tinha forte presença no cenário internacional, levou 30 galerias à Arco no ano passado, a Índia participa com 13 neste ano. "O Brasil é muito mais próximo do Ocidente, mas a Índia era totalmente desconhecida até agora", justifica Fernández.

Do zero, o país galgou rápido algumas posições na escala global. Segundo os organizadores do India Art Summit, a primeira feira de arte na história do país, que levou 10 mil pessoas a Nova Déli, leilões de arte contemporânea na Índia cresceram de US$ 5 milhões faturados em 2003 para US$ 150 milhões no ano passado, ou seja, quase 30 vezes mais.

"É como surfar uma grande onda, por isso criamos uma plataforma profissional para mostrar arte indiana", afirma a diretora do India Art Summit, Neha Kirpal, 28, que estará em Madri nesta semana para falar sobre o mercado de seu país. "É um momento em que nossos artistas estão se globalizando."

Em fotografias e vídeos --suportes preferidos de uma geração que vive da tecnologia desde a independência do país--, esses artistas retratam o movimento acelerado em boa parte de suas obras: as transformações por que passa o país, as grandes paisagens urbanas e o desenvolvimento econômico.

"Esse interesse pela arte indiana tem muito mais a ver com a abertura econômica. É tudo impulsionado pelo crescimento pré-recessão", afirma Amar Kanwar, 45, um dos artistas mais relevantes da cena contemporânea indiana, agora em cartaz na Serpentine. "Só fico feliz que consegui mostrar meu trabalho na Documenta [em Kassel, na Alemanha] antes de virar o sabor do mês."

Kanwar e outros, de fato, acabam mostrando mais suas obras no exterior do que no próprio país, ainda às voltas com a censura extraoficial. Além de Kanwar, não participaram do India Art Summit, por exemplo, alguns dos artistas mais relevantes da arte indiana, como o grupo Raqs Media Collective, Nalini Malani, Tejal Shah e M.F. Husain.

"É verdade que Husain teve de se exilar por causa da censura do seu trabalho na Índia", admite Hans Ulrich Obrist, 41, curador da Serpentine Gallery, que convidou o pintor para a mostra no museu londrino.

Os mesmos nomes que faltaram no India Art Summit estão hoje na Serpentine e no Mori Art Museum, lugares que não se acanham ao receber obras sobre sexo e religião --temas recorrentes na produção desses artistas e vetados por instituições indianas, a maioria delas sob controle do governo.

Outro exemplo contundente é Anish Kapoor, possivelmente o artista indiano mais conhecido no mundo, que se acostumou a viver fora do país para fazer seus trabalhos.

Contradições profundas

"Existe censura, mas ela não é oficial. Só não exibem obras sobre sexo ou ateísmo", afirma a artista Tejal Shah, 30, também na mostra da Serpentine. "É um país de contradições profundas: enquanto constrangem minorias, a homossexualidade é ilegal e não há acesso a nada, subsidiam a construção de multiplex de cinema."

São as mesmas contradições que aparecem nos vídeos do Raqs Media Collective. Eles misturam numa sala especial da Serpentine ícones tradicionais da cultura do país e registros de mazelas ontemporâneas. "São relatos da vida no subcontinente, que lidam com a violência, a tentativa de manter certas culturas", descreve Jeebesh Bagchi, 44, um dos artistas do grupo criado em 1992.

"Houve tantas mudanças e um desenvolvimento tão rápido, que a memória fica ameaçada, como um caso de amnésia", diz Obrist, que enxerga "uma tensão muito interessante entre a tradição e a modernidade na Índia hoje."

Posted by Ananda Carvalho at 5:59 PM

Artes Visuais - Situação de risco, por Nahima Maciel, Correio Brasiliense

Matéria de Nahima Maciel, originalmente publicada no jornal Correio Brasiliense, no dia 10 de fevereiro de 2009

Demissão de Bené Fonteles, curador do Museu de Arte de Brasília, traz novamente à tona a crise da instituição, fechada e sem a reforma de que tanto precisa

Decepcionado com a impossibilidade de reformar e revitalizar o Museu de Arte de Brasília (MAB), o curador Bené Fonteles pediu demissão do cargo ocupado desde maio de 2007. Interditado pela Promotoria de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Cultural (Prodema) desde junho do mesmo ano por causa das instalações inadequadas, o MAB teve o acervo transferido para o Museu Nacional da República, na Esplanada dos Ministérios, e a promessa de reforma por parte da Secretaria de Cultura do DF adiada sem prazo de início. "Não há política do GDF para museu, isso todo mundo sabe, tanto para o Museu Nacional quanto para o Museu Vivo da Memória Candanga. Não houve vontade política e cultural para que o MAB fosse restaurado. Me sinto curador de um museu que não existe", desabafa Fonteles.

Silvestre Gorgulho, secretário de Cultura, explica que o prédio ocupado pelo MAB ao lado do condomínio Lake Side e da Concha Acústica nunca foi apropriado para um museu e que ainda há dúvidas sobre o destino da instituição. "O projeto para o MAB virar museu é muito bonito, mas custa R$ 6 milhões. O projeto está pronto, já conversei com a Secretaria de Obras. Mas quero fazer uma comissão para ver se é melhor fazer mesmo o MAB ou pegar o acervo e jogar no Museu Nacional. Não sou eu quem vai decidir isso", avisa Gorgulho.

Em 2008, um pedido de Fonteles a Gilberto Gil, então ministro da Cultura, garantiu repasse de R$ 300 mil do Ministério da Cultura (MinC) para a secretaria do GDF. O dinheiro deveria ser destinado a uma série de nove projetos, que incluíam aquisição de molduras, restauro de obras e aparelhamento técnico. Fonteles diz que o valor foi repassado para a Secretaria de Cultura, mas as licitações para a tomada de preços das empresas que executariam as obras nunca foram adiante. "Nos disseram que o dinheiro foi aplicado. Era a informação que tinha do secretário", afirma o ex-curador. No entanto, Silvestre Gorgulho garante que o dinheiro nunca entrou na conta do órgão. "Sei que houve essa intenção. Não foi repassado. Foi pedido, anunciado, mas não repassado. Devem ter prometido de boca porque não entrou dinheiro de MinC nem de Iphan. Não assinei nenhum convênio", afiança Gorgulho.

Segundo Eneida Braga Rocha, gerente de articulação e fomento do Departamento de Museus do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o recurso foi liberado, mas nunca foi executado. "Foi repassado no fim de 2007 para execução em 2008. Acompanhei duas reuniões no primeiro semestre e estava esperando a execução, mas eles tinham dificuldade de abrir uma licitação para contratar a empresa", ela conta. Para utilizar o recurso, a Secretaria de Cultura precisaria submeter o projeto à avaliação da consultoria jurídica do Iphan até 31 de dezembro. "Senão perdem o dinheiro, que seria devolvido ao tesouro nacional", explica Eneida.

Durante os quase três anos em que ocupou o cargo, o curador procurou fazer o acervo circular por galerias da cidade. Na carta de demissão, ele lembra que promoveu 17 exposições, a maioria como parte do projeto MABMóbile, para que as obras não ficassem longe dos olhos do público. "O acervo está guardado de forma gravíssima, uma obra de arte não pode ficar mais de três meses em plástico bolha e algumas estão lá há um ano e meio", lamenta. "A secretaria não tem estrutura para manter museu nenhum, não tem museólogo, técnico, conservador, lugar para manter o acervo, uma coisa surrealista. Nunca tinha me visto nessa situação, é muita omissão do Estado."

Para dar um rumo ao MAB, Silvestre Gorgulho pretende criar uma comissão de estudos destinada a decidir o futuro do museu. Os integrantes já foram convidados e, de acordo com o secretário, são Ione de Carvalho, atual subsecretária de políticas culturais, Glênio Lima, diretor do MAB, Ana Frade, museóloga do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico (Depha), e Laís Scuotto, fundadora do Museu dos Correios. "Em duas reuniões, eles encontram uma solução e eu implemento", garante.

Principais problemas

- Reserva técnica não possuía móveis adequados e climatização, além de não ter portas adequadas para garantir a segurança das obras.

- Vazamentos no teto ameaçavam a segurança das obras.

- O acervo está guardado na reserva técnica do Museu Nacional da República, que também não tem mobiliário adequado.

- O quadro de funcionários do museu não prevê museólogo, restaurador nem curador. O cargo de Bené Fonteles era, na verdade, de gerente.

- O acervo conta com 1.300 obras, em grande parte peças representativas da transição da arte moderna para a contemporânea.

Posted by Gabriela Miranda at 5:00 PM | Comentários (5)

Territórios em exploração, por Paula Alzugaray, Revista Isto É

Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2047, no dia 4 de fevereiro de 2009

Artistas se convertem em expedicionários para detectar e documentar efeitos da globalização na Antártida e na Espanha

Habituados à abordagem científica e etnográfica que grande parte dos documentários televisivos dedica aos territórios distantes, experimentamos uma sensação nova ao visualizar a Antártida sob a ótica de artistas plásticos. A convite do Espaço Cultural Oi Futuro, um grupo de 15 artistas de nove países embarcou em "missão artística" ao continente gelado e agora apresenta as fotografias e videoinstalações resultantes em Intempérie - fenômenos estéticos da mudança climática e da Antártida. Mesmo que o enfoque não seja científico, todos os trabalhos se mostram sensíveis aos efeitos da globalização na ecologia mundial e, nesse sentido, guardam uma relação com a missão original do documentário: testemunhar e informar.

Mas, em vez de ouvir um narrador afirmar que a Antártida é a região mais seca e fria do planeta - com ventos de até 333 km/h -, somos introduzidos às variações climáticas do continente austral em abordagens menos objetivas. Pressentimos seus ventos glaciais na performance de tecidos esvoaçantes realizada por Andrea Juan, observamos sua luminosidade instável através da janela de Simon Faithfull e presenciamos a urgência do degelo no vídeo de Phil Dadson. Se em Intempérie o intuito é, segundo os curadores Alfons Hug e Alberto Saraiva, refletir sobre "o ponto zero da cultura", na exposição Espanhas/Spains, na Caixa Cultural, em São Paulo, o fotógrafo Leonardo Kossoy investe na diversidade cultural.

Sem deixar de perseguir alguns estereótipos hispânicos, como touros, pentes, cartazes de filmes de Almodóvar ou procissões de nazarenos, a série surpreende quando localiza uma Espanha insólita e interiorizada, por exemplo na imagem de uma mulher assistindo a uma tourada na tevê da cozinha. As fotografi as de Kossoy indicam que há culturas de vários povos dentro da cultura espanhola: árabes, africanos, sul-americanos, portugueses. Mas afi rmam também que a Espanha existe fora de seu território geográfi co: em uma saia de babados dentro de uma vitrine de loja em Nova York. Em geral bastante povoadas, as fotos de Kossoy apontam para a densidade cultural.

Já a Antártida, em sua imensidão desértica - com 28 vezes a superfície da Espanha -, é um espaço de investigação científi ca e cooperação internacional, que reúne pesquisadores de 30 países. Essa presença do mundo no Polo Sul é evidente nas fotografi as que o brasileiro Caio Reisewitz fez da estação científi ca da Rússia.

Circuitos no mundo

Passagem para a Índia

Índia moderna/ Instituto Valenciano de arte moderno (Ivam), Espanha/ até 15/2

Todos os olhos voltam-se para a Índia. coqueluche do momento no mercado de arte internacional, o país será homenageado na feira de arte contemporânea arco 09, que acontece entre 11 e 16 de fevereiro, em madri, e é representado em Índia moderna, uma grande exposição no Instituto Valenciano de arte moderno.

A Índia é a bola da vez no mundo da arte por dois motivos. o primeiro é econômico: com o crescimento espetacular dos últimos anos, o país é cotado como potência emergente. o segundo atrativo, definitivo, é seu irresistível apelo exótico, que em outros tempos atraiu desde generais britânicos até músicos psicodélicos. agora, seu poder de atração não está tanto na espiritualidade, mas em sua complexidade e diversidade.

O que torna a Índia sedutora aos olhos do mundo é uma cultura urbana mais que híbrida, caótica, que integra "Bollywood" - plágio assumido e declarado do cinema hollywoodiano - com a ioga, a filosofia oriental, a tecnologia da informática, os conflitos étnicos e a perspectiva nada animadora de, em 2020, ser o pais mais populoso do planeta. todos esses aspectos estão explorados pelo Ivam, que, num percurso de 500 obras realizadas por mais de 100 artistas nos últimos dois séculos, mostra de que forma a Índia deixou de lado o nacionalismo e tornou obsoleta a ideia de cultura como patrimônio.

Mas, enquanto canibaliza o mundo, a Índia também é consumida com voracidade. seja na novela das nove brasileira, seja pelo maior colecionador de arte britânico, charles saatchi, que apresenta até 15/3 na saatchi Gallery, em londres, a mostra the empire strikes back: Indian art today.

Posted by Gabriela Miranda at 2:19 PM | Comentários (1)

Brasileiros veem feira da Arco como vitrine, por Mario Gioia, Folha de S.Paulo

Matéria de Mario Gioia,originalmente publicada na sessão Ilustrada da Folha Online, no dia 11 de fevereiro de 2009

A participação brasileira na Arco 2009 está bem mais econômica que no ano anterior, quando o Brasil foi o país convidado, mas os galeristas que participarão da feira espanhola veem uma boa oportunidade para vendas a instituições. Mesmo com a crise financeira, acreditam que o evento continua a ser uma boa vitrine da produção nacional para curadores, críticos e diretores de museus internacionais.

"A expectativa de venda não é das maiores, mas não posso só pensar no dinheiro que vou ganhar. Uma feira não serve só para isso. O mundo da arte passa por Madri nesses dias. A Arco continua a ser uma boa chance para apresentar artistas", diz Eduardo Leme, dono da paulistana galeria Leme.

Além da Leme, participam as galerias Dan, Nara Roesler, Vermelho, Raquel Arnaud, Novembro e Gentil Carioca.

Tradicionais participantes da Arco, como as paulistanas Casa Triângulo e Baró Cruz, ficaram ausentes dessa edição. "Neste ano, só vou visitá-la. Com o panorama pessimista, decidi não participar", diz Maria Baró, uma das sócias da Baró Cruz.

Cena contemporânea

Para a edição deste ano, a Leme investe em nomes emergentes, como o paulista Marcelo Moscheta. Também se destacam artistas já com certo trânsito no exterior, como a peruana radicada na Espanha Sandra Gamarra e o britânico David Batchelor.

A Nara Roesler leva ao evento um staff mais consagrado, com artistas como Abraham Palatnik, representante histórico da arte cinética no país, o cineasta e artista mineiro Cao Guimarães, 44, e o engajado Antonio Manuel, 61, português que chegou ao Rio em 1953.

A Raquel Arnaud apresenta nomes prestigiados, como Carmela Gross, Cassio Michalany e Iole de Freitas. E a Dan investe no filão da arte construtiva, exibindo obras de nomes como Almir Mavignier, brasileiro que participou do concretismo e mora na Alemanha.

Há ainda obras do jovem mineiro Matheus Rocha Pitta (pela Novembro) e a instalação do argentino radicado em SP Nicolás Robbio (pela Vermelho).

Posted by Gabriela Miranda at 12:04 PM

fevereiro 9, 2009

Livro mapeia produção contemporânea de arte; leia capítulo, Folha de S. Paulo

Matéria originalmente publicada na sessão Cotidiano da Folha Online, no dia 27 de janeiro de 2009

O livro "Arte Brasileira Hoje" , volume da coleção "Folha Explica", da "Publifolha", traça o perfil de 26 artistas contemporâneos brasileiros e explica tudo o que você precisa saber para entender pinturas, esculturas, desenhos e gravuras contemporâneas.

Assinada por Agnaldo Farias, professor do curso de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos (USP), a obra lida com o tema em diversas frentes profissionais. Destacam-se os textos que aliam a objetividade histórica à análise técnica de obras, tais como aqueles sobre Leda Catunda, Carmela Gross, Ivens Machado e Lygia Pape.

Além de lecionar no curso de arquitetura e urbanismo, Farias foi também curador da representação brasileira na 25ª Bienal de São Paulo.

Como o nome indica, a série "Folha Explica" ambiciona explicar os assuntos tratados e fazê-lo em um contexto brasileiro: cada livro oferece ao leitor condições não só para que fique bem informado, mas para que possa refletir sobre o tema, de uma perspectiva atual e consciente das circunstâncias do país.

O primeiro capítulo pode ser lido abaixo.

Pequeno guia para os perplexos

Este livro, exclusivamente dedicado a um mapeamento da arte contemporânea brasileira, destina-se àqueles que ficam perplexos com muito daquilo que hoje se faz em nome da arte. Por exemplo: aqueles que, dotados de boa vontade, disposição física e sapatos confortáveis, se põem a peregrinar pelos vastos espaços onde acontece a Bienal de São Paulo e lá submergem em meio às instalações, performances, vídeos, obras de fatura conceitual, trabalhos que no geral lhes soam incompreensíveis, inescrutáveis; sucumbem, sobretudo, aqueles que para lá se encaminham tendo em mente que arte é coisa que acontece na forma de pinturas, esculturas, desenhos e gravuras.

O livro é especialmente dedicado àqueles que trocam o que pode haver de estimulante na inquietude e no desconcerto proveniente da incompreensão de algo pela sensação de estarem sendo enganados ou mesmo insultados por ele. A esses a lembrança de que não se deve cobrar transparência de um livro escrito em língua que se desconhece ou não se domina. Por que então cobrar isso da arte, se arte é expressão em toda a sua potência - além da forma e significado da expressão que se emprega cotidianamente, além da realidade que nos é ofertada a cada dia, cujos limites se fecham antes de até onde pode ir a imaginação?

Para começo de conversa, uma obra de Tunga

A fotografia traz o artista sobre uma rocha fustigada pelo mar. De costas para nós, de frente para a água, ele está descalço sobre o chão de pedra corroído, com a barra da calça e as mangas da camisa enroladas, com o corpo retesado e o braço esquerdo deslocado de modo a compensar o esforço que o outro braço está fazendo: sobre sua cabeça, tomando o próprio corpo como eixo, ele gira vigorosamente outra cabeça; uma cabeça cujos longos cabelos ele está agarrando pelas pontas, aparentemente para lançá-la mar adentro o mais longe possível. A cabeça que ele está girando é a sua própria. De acordo com a seqüência de fotos e com o texto que as acompanha - fotos e texto que, juntos, compõem o trabalho Semeando Sereias, de 1987 -,1 ele encontrou a cabeça quando esta boiava numa poça de água criada por uma cavidade na rocha. O texto confirma o arremesso da cabeça ao mar. E descreve como ela ficou batendo nas pedras por causa dos cabelos emaranhados em sargaços e mariscos; e como o narrador tentou desembaraçá-la e, empenhado nisso, esbarrou em novas surpresas.

O nome do autor desse trabalho é Tunga. Ele, assim como vários de seus colegas brasileiros, passa grande parte do ano viajando, realizando exposições aqui e lá fora, alvo de ensaios, de críticas e até de chilreantes crônicas sociais, numa rotina que contrasta com os tempos heróicos, de há bem pouco, quando ser artista plástico no Brasil era invariavelmente empresa árdua, de reconhecimento e rendimento quase nulos, sem o direito trivial de uma conta em banco (que para isso era necessário renda regular), no geral com a vida somente aplainada pela ventura de um bom berço ou por colocar seu talento a serviço da ornamentação das casas burguesas ou mesmo do poder estabelecido. Não que hoje seja um mar de rosas, mas qualquer grande exposição internacional, e os curadores em sua peregrinação pelo mundo à cata de valores, já incorporou a arte brasileira e o Brasil como parada obrigatória. E, quando a imprensa periódica cuida em divulgar os altissonantes valores das Bienais de São Paulo (entre outras mostras temporárias), vê-se logo que pensar em arte hoje significa pensar num negócio rentável, seja do ponto de vista do capital financeiro, seja do ponto de vista do capital simbólico.

Embora tratada como um produto em alta crescente no meio internacional, em nosso país a arte contemporânea brasileira é ainda vista com reservas por um público forquilhado entre a curiosidade e a irritação causada pela dificuldade em compreendê-la.

Semeando Sereias é um exemplo suficientemente intrigante: o que dizer do artista que arremessa sua cabeça ao mar? Em vez do cotidiano contabilizado e confortável, do comércio habitual de mercadorias, atitudes e pequenos sonhos, o espaço em que o artista age fica na fronteira que separa do chão firme, ainda que dilacerado, o mar, a parte móvel do mundo, ilimitada e insondável. Lugar de onde ele volta portando objetos, imagens, textos, à primeira vista incompreensíveis. Com sua pletora de significados, a imagem retirada de Semeando Sereias alinha-se com a experimentação realizada sobre a mistura de narrativas e materiais diversos que move a arte que se produz hoje. E, nesse sentido, a trajetória de Tunga é exemplar - razão pela qual ele é o primeiro artista a ser apresentado neste livro.

Desde o início, no começo dos anos 70, Tunga vem promovendo o "contágio mútuo" (o termo é dele) de coisas díspares. Ainda que aparentemente fechadas e irredutíveis, as coisas - entre elas, nós - podem comunicar-se umas com as outras; até mesmo metamorfosear-se umas nas outras, como no vídeo Nervo de Prata (de Arthur Omar, 1987), em cujas últimas imagens se embaralham um túnel e um sapo que vai sendo devorado por uma serpente. O olho do espectador, por sua vez devorador de imagens, engole um túnel contínuo e posteriormente assiste à engolição de um animal pelo outro.

São inúmeros os materiais de que o artista faz uso, e imenso o recurso a todas as expressões artísticas, da literatura à música e até às disciplinas científicas. Para Tunga, tudo vale, tudo interessa. Desde a matéria mais opaca e densa até aquela intangível - como o charuto e sua fumaça (Barroco de Lírios, 1995), a qual, segundo o artista, é parte indissociável do objeto, num caso em que a continuação da matéria acontece em volutas de ar.

É freqüente que um trabalho de Tunga solicite que se saiba como ele se relaciona com suas outras obras. Nem pintura, nem escultura, nem nenhuma das modalidades expressivas convencionais - onde, enfim, encaixar esse trabalho de Tunga e os à primeira vista inclassificáveis trabalhos de Waltercio Caldas, Artur Barrio e José Resende, entre tantos outros de que este livro irá tratar, trabalhos com os quais deparamos em galerias, museus e bienais dedicados à arte contemporânea?

Arte Contemporânea - Notas sobre uma noção

Primeiro foi o futurismo, e hoje o senso comum identifica "moderno" como sinônimo do que há de mais novo, o mais atual ou mais contemporâneo. Mas, no que se refere a arte, moderno é uma coisa, e contemporâneo, outra. Moderno é o nome de um movimento com características particulares que nasceu na Europa, com variados desdobramentos por quase todos os países do Ocidente, e que entrou em crise a partir da década de 1950. A partir daí, foi sendo substituído por um conjunto de manifestações que, cada qual dotada de peculiaridades, foram, na falta de um nome melhor, reunidas sob a etiqueta simples e genérica de arte contemporânea.

Embora escorado no senso comum, quando aplicado à arte o termo contemporâneo vai além de simplesmente designar o que vem sendo feito agora. Em primeiro lugar, convém observar que nem tudo que anda sendo feito no campo da arte é contemporâneo; do mesmo modo, será prudente alertar que a arte contemporânea não é prerrogativa de gente jovem. Salvo exceções, os jovens artistas possuem trajetórias de início irregular, incapazes de propor um conjunto homogêneo de problemas e enigmas consistentes.

Assim como vamos em direção ao passado movidos por indagações feitas agora, no presente, faz sentido argumentar que é contemporânea toda e qualquer manifestação artística que ressoa em nós. De acordo com esse raciocínio, seria contemporânea tanto uma instalação dos anos 90 do iconoclasta artista carioca Artur Barrio ou uma obra do compositor e maestro francês Pierre Boulez, quanto Las Meninas, a célebre pintura de Diego Velázquez, do século 17, ou uma sinfonia de Mozart, do século 18. Se o argumento é legítimo, por outro lado encontra lá suas insuficiências, notadamente no presente caso, quando se pretende apresentar as novidades ocorridas não tanto no âmbito da recepção por parte do público, que pode sensibilizar-se com uma pintura rupestre, uma estatueta grega do século 5 a.C. etc., quanto no da produção artística propriamente dita. Nesse sentido, é forçoso reconhecer que há um abismo entre Mozart e Boulez, entre Las Meninas e uma instalação do Barrio --em particular uma apresentada recentemente em exposição realizada no Paço das Artes, em São Paulo, com muito pó de café espargido pelo chão, textos garatujados nas paredes, cheiro de urina e dos peixes ressecados pelas pilhas de sal grosso.

Cada obra de arte é em si mesma um sinal de descontentamento. Todo artista, diversamente do comportamento-padrão, em vez de simplesmente satisfazer-se com as obras já existentes, de ficar extasiado pela leitura de um livro, pela contemplação de uma pintura ou pela audição de uma música, prefere ir além: prefere produzir mais um livro ou pintura ou obra musical. Sintoma de uma insatisfação, cada obra de arte traz embutida uma crítica à própria noção de arte e pode mesmo modificar aquilo que entendemos por arte.

Uma vez que o contemporâneo deita suas raízes no período moderno que lhe é imediatamente anterior, sua definição passa necessariamente pela definição desse movimento, o que aqui só poderá será feito em termos simplificados.

Empreendimento temerário, ainda assim

O tema é vasto, e os debates sobre ele seguem caudalosos. Mas, de um modo geral, situa-se o início da arte moderna em meados do século 19, com o realismo de Gustave Courbet, anunciado por ele em 1847, e o impressionismo que o seguiu. A partir daí, a arte paulatinamente se afastou de seus cânones renascentistas, do compromisso de uma representação fidedigna do mundo, com as pinturas e esculturas se ocupando não em fabricar duplos da realidade, mas em afirmar suas próprias realidades. A bidimensionalidade das primeiras, a concretude de seus planos e cores seriam sua nova razão de ser, do mesmo modo que a tridimensionalidade das segundas abandonou a ilustração de temas --o elogio de um herói, a encenação de uma passagem mítica etc.- para encerrar-se numa discussão sobre sua materialidade, sobre o gesto que a formalizou, as peculiaridades de sua volumetria etc.

O desembocar na abstração foi o corolário desse processo de tematização de seus próprios elementos constitutivos, com a arte dando as costas para qualquer relação de ilustração do mundo. Coerente com esse vetor, a persistência das vanguardas em buscar o novo sublinha o desejo dos artistas de manter a experiência estética como fim em si mesmo, longe, como salientou o artista russo Kasimir Malevich em seu Manifesto Suprematista, de 1913, da clássica subserviência à religião ou ao Estado2.

A arte contemporânea nasce como resposta ao esgotamento desse ensimesmamento da arte, com as modalidades canônicas - pintura e escultura - explorando-se, investigando suas naturezas até o avesso. Entre os índices - e são tantos! - desse esgotamento, figuram desde o retorno de questões e fórmulas antes vistas como ultrapassadas -a pintura e a escultura figurativas, de conteúdo político, mitológico etc. - até o florescimento de expressões híbridas, quando não inteiramente novas, como as obras que oscilavam entre a pintura e a escultura, os happenings e as performances; as obras que exigiam a participação do público; as instalações; a arte ambiental etc.

Arte Contemporânea no Brasil

Um livro como este, de dimensões reduzidas e com a intenção de tratar da arte contemporânea no Brasil, deve proclamar logo de saída seu inacabamento. Esse fracasso que com algum descaro se anuncia deriva do fato de a arte contemporânea ser, por definição, algo em processo; algo que, mesmo na qualidade de desdobramento de influentes genealogias, não se limita a reproduzi-las com subserviência. Ao contrário, nega-as expandindo seus limites ou confrontando seus princípios normativos; assume caminhos e formas que elas não prescreveram ou que o fizeram como um impedimento.

Tratar da arte contemporânea no Brasil implica tratar de um universo amplo, embora não tanto quanto o da cena internacional. Fenômeno que se explica não só pela pouca quantidade de artistas, mas também porque o estágio atual da produção artística, embora sirva-se de temáticas, instrumentos e preocupações provenientes de fora, depende em essência do que já aconteceu por aqui, das sendas abertas pelos artistas que vieram anteriormente e que transpuseram os modelos da arte européia para nosso meio, por meio de obras que lograram ressoar na arte produzida localmente. Não foram tantos -Tarsila do Amaral, Cândido Portinari, Vítor Brecheret, Lasar Segall, Di Cavalcanti, Alberto Guignard, Oswaldo Goeldi, Livio Abramo, Iberê Camargo, Sérgio Camargo, Milton Dacosta, Alfredo Volpi, Lygia Clark, Hélio Oiticica, Mira Schendel a lista, não tão grande, prossegue - e até os anos 50 eram como fenômenos isolados, que diante de um meio artístico ainda por ser construído, com poucas obras e raros debates de alto nível, tiraram de si mesmos os parâmetros que balizaram a construção de suas obras. De fato, só a partir da passagem dos 50 para os 60, com as discussões em volta do expressionismo abstrato e sobretudo com o abstracionismo geométrico (concretismo e neoconcretismo), obteve-se a emancipação de nossa inteligência plástica e constituiu-se um solo que, com o tempo, se mostraria grandemente fértil.

No Brasil, sob a genérica etiqueta de arte contemporânea, convivem artistas das mais variadas gerações, responsáveis por obras que vão desde as de raiz eminentemente moderna até as que rompem com esses cânones. Ao primeiro caso pertencem obras de artistas cujas trajetórias tiveram seu ponto de partida nos anos 50 e 60 e que ainda se mantêm perfilados e lavrando sob os mesmos princípios de então, embora expandindo-os, demonstrando que arte não confina com moda. Esse é o caso de Amilcar de Castro, Tomie Ohtake, Franz Weismann, Eduardo Sued, Gilvan Samico, Arcângelo Ianelli, Franz Krajberg, Flavio Shiró e mais alguns poucos. Artistas cuja consagração não rima com cristalização, embora sua raiz moderna sugira que eles não sejam tratados neste livro.

Incluiremos, sim, os artistas que iniciaram suas trajetórias a partir dos anos 60, a maioria na passagem para os anos 70 e ao longo destes, quando produzir arte significava operar na expansão do objeto artístico, seja pela apropriação de coisas e imagens extraídas do cotidiano, seja por radicalizações cada vez maiores, traduzidas em obras mais complexas do ponto de vista conceitual, mais interessadas no plano intelectual dos espectadores do que em suas retinas. Durante esses anos, a arte apostou numa relação mais próxima com o público, e para isso foi estratégico o revigoramento do binômio arte-política. A arte estava duplamente preocupada em efetuar a crítica de um país que se urbanizava avassaladoramente e em romper o amordaçamento coletivo da expressão promovido pela ditadura militar, instituída por meio de um golpe em 1964. Foi em nome disso que as obras abertas à manipulação chegaram aos museus e galerias junto com a busca de lugares alternativos e de outros materiais e suportes expressivos: um fluxo de novidades que punham em xeque a natureza e o papel da arte, de seu circuito, do aparato institucional que a legitimava e a veiculava.

Sob o signo da arte contemporânea, estão também os artistas surgidos nos anos 80, que ficaram conhecidos pela retomada - ainda que em outra chave - das formas tradicionais de expressão, com destaque à pintura, o que, tanto na forma quanto no conteúdo, era índice de um relacionamento com o grande inimigo da modernidade: o passado.

Finalmente, estão os artistas da década de 90, encerrada há pouco, cujas obras em construção confirmam a sensação de uma crise aguda ou mesmo do fim da arte moderna. Obras que se opõem ao projeto de uma linguagem universal e da busca metódica da novidade pela ruptura, que irrompem numa miríade de poéticas originárias das mais diversas matrizes: das que mergulham em referências históricas e pessoais àquelas que parodiam a própria arte e o círculo na qual ela está enredada; das que criticam a idéia de autonomia da arte, preferindo abandonar os suportes convencionais - pintura, escultura etc. - em favor de manifestações híbridas, àquelas que descartam as respeitáveis heranças do neoconcretismo, buscando outras fontes, do barroco mineiro à arte popular, do debate sobre o problema da imagem na vida atual à especulação sobre o corpo e suas pulsões etc.

A Arte Contemporânea entendida como arquipélago

Diversamente do período moderno, com suas correntes e tendências artísticas organizadas em grupos como as vanguardas construtivas, os futuristas, dadaístas, surrealistas e outros, autores de manifestos, fundadores de revistas e até escolas, a arte contemporânea no Brasil, como já foi dito, embora possuindo suas matrizes, avança num número tal de direções e é constituída por obras tão singulares que, tudo considerado, ela sugere um arquipélago. A imagem é boa porque foge do reducionismo das grandes etiquetas, que, ao valorizarem as semelhanças entre as obras de alguns artistas, não atentam convenientemente para as diferenças entre elas. Outros argumentos a favor dessa imagem: em primeiro lugar, a descontinuidade que ela sugere, o que contraria a idéia de que seu desenvolvimento se dá linearmente, com cada obra se apresentando como um desdobramento da anterior; e, em segundo lugar, porque com ela nos afastamos da pretensão de um levantamento total de nosso problema, inviável pela extensão que ele assumiria, incompatível com a proposta deste livro.

Um arquipélago porque cada boa obra engendra uma ilha, com topografia, atmosfera e vegetação particulares, eventualmente semelhante a outra ilha, mas sem confundir-se com ela. Percorrê-la com cuidado equivale a vivenciá-la, perceber o que só ela oferece.

Para melhor levar adiante esse princípio de valorização da obra, o mais adequado será apresentar ao leitor análises de um ou mais trabalhos realizados por cada um dos artistas aqui apresentados. As obras serão comentadas por ordem alfabética de autor. Procedendo desse modo, renovo a lição do poeta Mário Quintana, que, quando indagado sobre o que se deveria ler para compreender Shakespeare, bradou incontinenti: Shakespeare!

Por último, o leitor deverá considerar que este livro corresponde apenas a um mapeamento. Cabe alertá-lo para o fato de que o arquipélago formado por nossa produção é tão rico que seria fácil mapeá-lo a partir de outras obras.

1 -Tunga, Tunga - Barroco de Lírios. São Paulo: Cosac & Naify, 1997.
2 - Em H.B. Chipp, Teorias da Arte Moderna. São Paulo: Martins Fontes, 1988.

"Folha Explica - Arte Brasileira Hoje"
Autor: Agnaldo Farias
Editora: Publifolha
Páginas: 128
Quanto: R$ 18,90
Onde comprar: nas principais livrarias, pelo telefone 0800-140090 ou pelo site da Publifolha

Posted by Gabriela Miranda at 2:30 PM

Justiça condena quatro por furto de obras do Masp, Folha Online

Matéria originalmente publicada na sessão Cotidiano do jornal Folha Online, no dia 6 de fevereiro de 2009

Quatro acusados de envolvimento no furto ocorrido no Masp (Museu de Arte de São Paulo) em 20 de dezembro de 2007 foram condenados na última quarta-feira. A decisão, divulgada nesta sexta pelo Tribunal de Justiça, é do juiz Marcello Ovídio Lopes Guimarães, da 18ª Vara Criminal.

Na ação, os criminosos levaram duas das mais importantes obras do acervo do Masp: "Retrato de Suzane Bloch", de Pablo Picasso, e "O Lavrador de Café", de Cândido Portinari.

O furto expôs a fragilidade da segurança do museu. Não havia alarme, sensor ou seguro para as obras. Após o assalto, o Masp ganhou um novo sistema de segurança.

A Polícia Civil localizou os quadros após sete dias de investigação. As obras foram encontradas em uma casa em Ferraz de Vasconcelos (Grande São Paulo). Foram presos Francisco Laerton Lopes de Lima, Robson de Jesus Jordão, Alexsandro Bezerra da Silva e Moisés Manuel de Lima Sobrinho.

Condenação

Segundo a Justiça, antes de levar as obras, o grupo tentou outros dois furtos - em 29 de outubro e em 18 de dezembro de 2007.

De acordo com a decisão, os condenados foram "procurados por pessoas com interesse nas obras de arte de enorme valor, que somente possuem mercado de venda em outro país".

A pena mais alta foi aplicada a Robson, condenado a nove anos e seis meses de reclusão; Francisco foi condenado a oito anos e um mês de reclusão; Moisés a seis anos e cinco meses e Alexsandro a três anos de reclusão, conforme a participação de cada um no furto. Cabe recurso.

Moisés, Francisco e Robson deverão cumprir pena em regime inicialmente fechado e não poderão recorrer em liberdade. Alexsandro cumpre pena em regime inicialmente semiaberto.

Processo

Segundo o processo, em interrogatório, Moisés confessou envolvimento no crime e informou ter entrado no museu com outras duas pessoas.

Robson negou participação no caso, mas disse ter ido ao Masp em outra ocasião para observar a sala do cofre. Em inquérito policial, afirma o documento, ele confirmou envolvimento na tentativa de roubo ocorrida dois meses antes no local e admitiu ter levado os quadros para uma casa em Ferraz de Vasconcelos.

À Justiça Alexsandro negou participação no caso. Disse conhecer Robson e confirmou que os quadros furtados estiveram em sua casa. No entanto, disse que cedeu a casa dos pais, que já morreram, a um conhecido de Robson.

Francisco negou à Justiça e à polícia envolvimento no caso.

Tentativa de invasão

Em janeiro, a juíza Cristina Escher Fanucchi condenou Robson por uma tentativa de invasão ao Masp, ocorrida em outubro de 2007. Ele foi condenado a seis anos e cinco meses de prisão.

Na ocasião, Francisco, também acusado, foi absolvido por falta de provas.

Posted by Gabriela Miranda at 2:08 PM | Comentários (1)

fevereiro 4, 2009

O lugar das utopias em tempos de mudanças, por Camila Molina, Estado de São Paulo

Matéria de Camila Molina, originalmente publicada no Caderno 2 do jornal O Estado de São Paulo, no dia 31 de janeiro de 2009

Sete Intelectuais na Floresta de Bambu, videoinstalação do chinês Yang Fudong no Paço das Artes, é densa narrativa sobre as experiências de grupo de jovens

Numa linha fronteiriça entre o cinema e o vídeo, o artista chinês Yang Fudong vem criando, desde o início da década de 1990, filmes em preto-e-branco e em 35 mm, de estética e de complexidade narrativa que poderiam remeter ao que se costuma caracterizar de filmes de arte. O próprio Fudong, nascido em Pequim, em 1971, afirma que suas criações são ora exibidas em festivais, ora estão no espaço das exposições de artes visuais, mas essa elasticidade de meios de exibição não é para ele um problema. Pelo contrário, já que desde antes de se formar em pintura na Academia de Arte da China em Hangzhou, em 1994, o gênero audiovisual lhe interessou mais a ponto de se dedicar totalmente a esse meio, e atualmente ser um artista de renome internacional. Felizmente, agora em São Paulo, é possível ver um de seus mais ambiciosos trabalhos, a videoinstalação Sete Intelectuais na Floresta de Bambu, em cartaz no Paço das Artes. A mostra, com curadoria do holandês Maarten Bertheux, apresenta uma obra de fôlego, formada por uma narrativa feita em cinco partes, projetadas em grandes telas.

Fudong começou a desenvolver o projeto de Sete Intelectuais na Floresta de Bambu em 2001 e só o concluiu em 2007, quando o trabalho foi exibido em sua totalidade na 52ª Bienal de Veneza. Nessa obra, o artista recorre a uma história milenar chinesa, Os Sete Sábios no Bambual, do século 3º a.C., para tratar pela vertente contemporânea uma questão que lhe é tão cara: como viver com as mudanças, as utopias e os ideais? (“A utopia, o paraíso e o ideal são como a Lua. Alguns a deixam pendente nos céus enquanto outros a puxam para baixo e a acolhem entre as mãos”, já disse o artista. )

Na primeira cena, como numa espécie de “quadro vivo” (tableau vivant) –define o curador –, belo e em preto-e-branco, um grupo de jovens nus na Montanha Amarela começa a colocar suas roupas (de estilos e épocas diversos). É a chave para entrarmos na narrativa da trajetória de sete jovens que se desconectam da cidade em busca do entendimento das “grandes coisas” em experiências de isolamento na natureza, numa fazenda e numa ilha de pescadores até regressarem novamente a Xangai. Cada passagem é retratada separadamente e quase sem nenhuma fala, numa atmosfera de colagem de imagens com certos toques surreais. Há uma ideia romântica na oposição entre cidade e campo, mas, afinal, esses jovens, os intelectuais meio ingênuos, que vivem na dicotomia entre “seguir o coração e cumprir o dever”, realmente se transformam nos interstícios de suas passagens?

“Fudong fala de sua geração por meio da criação de uma realidade artificial, evocando uma sensação de alheamento e atemporalidade”, diz Maarten Bertheux. Por isso, como completa, não interessa nesse trabalho retratar o indivíduo,o que seriam as personalidades representadas pelos atores. A obra fala do lugar da utopia numa China que entra na vida moderna a toda velocidade, mas, ela também, ao misturar os tempos e as realidades, abre a reflexão para ocampo universal.

Posted by Ananda Carvalho at 6:15 PM

Espaços reinventados, por Paula Alzugaray, Revista Isto É

Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2046, no dia 28 de janeiro de 2009

Museus encomendam obras site specific para ocupar átrios, corredores e outros espaços fora dos padrões

Chelpa Ferro/ Espaço Octógono Arte Contemporânea, Pinacoteca do Estado, SP/ de 25/1 a 15/3

TH.2058 by Dominique Gonzales-Foerster/ Turbine Hall, Tate Modern, Londres/ até 13/4

Pipilotti Rist: pour your body out (7354 cubic meters)/ Donald B. and Catherine C. Marron Atrium, Museum of Modern Art, Nova York/ até 9/2

Ano de 2058. Uma coleção de esculturas, livros e filmes são resgatados das chuvas torrenciais que assolam Londres há anos e guardados sob o teto de uma usina elétrica desativada. Os livros são épicos e os filmes, clássicos. Sob o efeito das águas, as esculturas crescem como plantas tropicais. Tudo é grandiloqüente aqui. Fazer com que as coisas atinjam proporções gigantescas e catastróficas é a maneira que a artista francesa Dominique Gonzalez-Foerster encontrou para preencher o espaço monumental da Turbine Hall, na entrada Tate Modern de Londres. Nesta ficção, o público veste o papel de refugiado que lhe foi designado e ocupa os beliches da instalação em seus horários de almoço e descanso. O projeto TH.2058 é um site specific, isto é, uma obra concebida especificamente para o hall das turbinas do museu. Quando for removida, dificilmente encontrará outra área museográfica com 35 m de altura e 152 m de extensão. Mesmo que encontrasse, o projeto perderia o sentido, já que foi pensado para o contexto chuvoso de Londres. Ou seja, quando for removido da Tubine Hall, TH.2058 se auto-destruirá automaticamente.

O site specific, que em geral nasce com tempo de vida contado, é uma prática comum nas artes plásticas desde os anos 60. Existe desde que artistas norte-americanos começaram a trabalhar diretamente sobre a paisagem, esculpindo a natureza. Mais recentemente a prática foi assimilada por museus, que lhe dedicam áreas de circulação, átrios e outros espaços “difíceis”, que fogem aos padrões expositivos.

Quanto mais incomum, mais estimulante para alguns artistas. Esse é o caso do grupo carioca Chelpa Ferro, cujo desafio é, via de regra, preencher grandes espaços com instalações sonoras. Desde Sábado 25, o grupo ocupa o Espaço Octógono da Pinacoteca com uma escultura robótica de caixas de som que movimenta-se acionada por um guindaste.

“Nosso intuito é aproveitar o potencial vertical do espaço”, diz Luiz Zerbini, que integra o grupo com Jorge Barrão e Sérgio Mekler. A Pinacoteca destina sua sala octogonal a trabalhos encomendados desde 2003. O MAM SP tem o Projeto Parede, atualmente ocupado por Mabe Bethonico. A Fundação Iberê Camargo seguiu a tendência e iniciou seu Programa Átrio com uma instalação da artista mineira Iole de Freitas, até 8/2. Esta é também a última semana da intervenção da artista suíça Pipilotti Rist, que foi convidada a transformar o átrio do MoMA-NY em uma videoinstalação imersiva.

Bate papo

Paulo Monteiro A pintura espacial

Um dos ícones da pintura neo-expressionista paulistana dos anos 80, Paulo Monteiro mostra trabalhos recentes na galeria Marilia Razuk, até sexta 30, e faz retrospectiva de 20 anos de carreira na Estação Pinacoteca, até 22/2. A exposição apresenta obras de 1989 a 2008 e mostra como a pintura ainda alimenta suas criações em outros suportes.

Nos anos de formação, a dificuldade financeira foi um incentivo à experimentação?

Não. A dureza é mais um problema que um incentivo. É claro que, ao procurar uma saída numa situação adversa, você encontra coisas interessantes, mas eu perdi mais de 34 esculturas, porque foram feitas de restos de madeiras e, com o passar do tempo, foram quebrando. O fator financeiro agia como um limitador.

A pintura dos anos 80 ainda está refletida na sua produção atual?

A experiência pictórica que tive conta muito na hora de fazer uma escultura. O barro, o chumbo, essas matérias meio moles que eu uso nas esculturas são uma aproximação do óleo, das tintas, das massas de pintura. Mas o que conta na escultura é o material e não a cor. Trabalhar o tri-dimensional não é como o quadro, que já te dá um suporte de antemão. A escultura é mais complexa que a pintura.

Fernanda Assef

Posted by Ananda Carvalho at 2:50 PM

Olhares cruzados, por Paula Alzugaray, Revista Isto É

Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2045, no dia 21 de janeiro de 2009

Exposição itinerante mapeia a fotografia documental realizada por coletivos da América Latina, Espanha e Portugal (Laberinto de miradas - coletivos fotográficos ibero-americanos / Galeria Olido, SP/ até 1º/3)

Diversidade é a tônica dominante, sempre que se fala em América Latina. Mas entre as preocupações de artistas, fotojornalistas e documentaristas da região, que trabalham em âmbitos de ação social, é possível detectar pelo menos três grandes temas comuns: a identidade, os fluxos migratórios e os relatos das fronteiras. Essas são as questões que conectam os 15 coletivos de fotógrafos participantes da exposição Laberinto de miradas.

A idéia de labirinto é perfeita para orientar o visitante no roteiro dessa viagem, formada por 15 subcuradorias, já que cada grupo propõe seu próprio tema de exposição. Os territórios são muitos: há desde os coletivos que abordam temas e projetos sociais de maneira mais "clássica" e tradicional - o que não diminui seu interesse - até aqueles com propostas mais experimentais e artísticas. A Cooperativa Sub, por exemplo, que se autodefine como uma "mistura de agência de fotos, banda de rock e família", apresenta a exposição Ciudad invento, formada por imagens de um lugar inventado, com características fragmentárias de várias culturas. Mexican way of life, do coletivo Mondaphoto, do México, se utiliza de uma estética editorial e publicitária para fazer uma autocrítica sobre a forma com que os sonhos dos mexicanos são influenciados pelo gigante vizinho. Já a agência espanhola Pandora ilustra uma realidade antagônica àquela defendida pela Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Composto por três exposições itinerantes - no roteiro, mais de 20 países da América e da Europa -, o projeto Laberinto de miradas é também uma ótima oportunidade de jogar um foco de luz sobre o fenômeno recente dos coletivos de fotógrafos. "Organizar- se em coletivo é uma maneira de fugir de um mercado saturado e criar uma alternativa comercial que seja funcional.

Num coletivo conseguimos uma produção muito maior porque somamos forças e nos dividimos em funções para responder a uma demanda de encomendas de todo tipo, ensaios de fotografias comerciais ou artísticas, publicitárias ou jornalísticas. É um processo muito colaborativo", diz João Kehl, fotógrafo da paulistana Cia da Foto.

Colaborou Fernanda Assef

Posted by Ananda Carvalho at 2:41 PM

O pacto entre o grafiteiro e o gravurista na terra do cordel, por Paula Alzugaray, Revista Isto É

Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2044, no dia 14 de janeiro de 2009

Exposição no Recife revela a presença da xilogravura popular na obra do gravador Gilvan Samico e do grafiteiro Derlon (Narrativas em madeira e muro / Espaço Cícero Dias – Museu do Estado de Pernambuco, Recife/ até 18/01)

O que a xilogravura e o grafite podem ter em comum?

O imaginário nordestino, com seus costumes e lendas fantásticas, narrados pela literatura e pela xilogravura de cordel. O traçado simples, que ilustra a vida sertaneja com encanto e eficácia, é o tema de Narrativas em madeira e muro, exposição que aponta para a influência da xilogravura popular na obra dos artistas Gilvan Samico e Derlon Almeida. A mostra inaugurou o 47º Salão de Artes Plásticas de Pernambuco e promove uma espécie de repente entre esses dois pernambucanos de diferentes trajetórias e gerações.

O encontro é descrito por ambos como inusitado e interessante. Aos 80 anos, Samico vê as xilogravuras que realizou na década de 60 – quando a influência do cordel fez-se mais afirmativa em seu trabalho – em franco diálogo com os grafites de Derlon, de 23 anos. “Por que não? Meu trabalho pode ter uma afinidade com o dele, bebemos na mesma fonte da gravura popular. É uma experiência válida e um resgate do espírito da literatura de cordel”, diz Samico. Por sua vez, Derlon, que tem se destacado no panorama do grafite por substituir a usual relação com o hip-hop pela citação à iconografia popular nordestina, reverencia seu interlocutor. “A miscigenação dessas linguagens permite novas leituras. Conhecer o Samico estimulou meu trabalho. E acredito que ver o grafite como arte também foi bom para ele”, diz o jovem artista.

Se o grafite é uma manifestação urbana, o trabalho de Derlon imprime à estética do cordel uma qualidade própria da vida na cidade. O artista apresenta na exposição as pinturas em papel jornal que costuma colar nos muros da cidade, um grande mural inédito e fotografias de suas grafitagens em muros de Olinda e do Recife.

“Seu trabalho lembra as ilustrações do J. Borges. Derlon transporta aquelas gravuras para um suporte novo e aos poucos vai encontrando uma identidade própria”, diz Samico, que renovou a gravura brasileira ao aproximar a tradição nordestina da linguagem expressionista que aprendeu com os mestres Oswaldo Goeldi e Lívio Abramo – de quem foi aluno nos anos 1950. A associação ao cordelista J. Borges é um atestado de qualidade para o grafiteiro. Mas, tanto nos desenhos de um quanto nas gravuras do outro, é possível vislumbrar os temas das xilogravuras de J. Borges, o contador de histórias mais cobiçado de Pernambuco, que certa vez declarou a um documentarista: “Gosto de escrever mentira. A mentira é que me alimenta, consigo viver dela. Mas mentira com fundamento. Mentira que tenha condição de ter acontecido, de estar acontecendo ou de futuramente acontecer.”

Colaborou Fernanda Assef

Roteiros

Era uma casa muito engraçada

Saudade/ Fundação Eva Klabin, RJ até 18/1

José Bechara – Sobremirada/ Lurixs: Arte Contemporânea, RJ/ até 17/1

À entrada da Fundação Eva Klabin, a casa que pertenceu à colecionadora Eva Klabin até sua morte, em 1991, e que guarda um acervo de 50 séculos de história da arte, temos a sensação de que algo está fora de ordem. No salão principal, os sofás organizam-se em ziguezague e uma escada de serviço impede o acesso à cristaleira, em plena sala de jantar (foto abaixo). Dentro do quarto, no andar superior, uma estante está despencada no chão, esparramando roupas, chapéus e sapatos sobre os tapetes kilin de Eva. Em toda a casa do bairro da Lagoa, no Rio, objetos pessoais ocupam lugares esdrúxulos e próteses brotam em cantos inesperados. Essa espécie de poltergeist que parece ter tomado conta da casa chama-se, na realidade, Saudade, e trata-se de uma intervenção do artista José Bechara, convidado da nona edição do Projeto Respiração, que estabelece uma ponte entre o acervo clássico da fundação e a arte contemporânea. Segundo o artista, a desordem é o sintoma do “desamparo” da casa diante da ausência de sua proprietária. “A casa desperta o imaginário literário dos artistas”, afirma o curador Marcio Doctors, autor do Projeto Respiração. “Os artistas são convidados a se relacionar não só com a casa e a coleção, mas com a personagem Eva Klabin”, diz ele.

Os móveis da colecionadora adquirem vida aos olhos de Bechara, mas sua experiência com objetos domésticos “animados” começou muito antes, em 2002, no projeto A casa, durante uma residência artística no Paraná. Nesse trabalho, o artista transformou a casa que estava ocupando em uma escultura de grandes dimensões, que cuspia seus móveis portas e janelas afora. De lá para cá, essas operações de exorcismo de armários, colchões, mesas, poltronas, etc. ganharam diversas versões no trabalho de Bechara. A escultura Cega, em alumínio fundido (foto acima), é o mais recente desdobramento dessa série, em cartaz na individual do artista da galeria Lurixs: Arte Contemporânea, no Rio.

Posted by Ananda Carvalho at 2:30 PM

Entre mares, por Paula Alzugaray, Revista Isto É

Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2042, no dia 24 de dezembro de 2008

Lívia Flores mostra seu “cinema sem filme” e Sandra Cinto fala de ética e politica, em exposições individuais no Rio (Livia Flores – Sandra Cinto/ Galeria Progetti, RJ/ até 21/2)

Depois de inaugurar a galeria Progetti com uma exposição do artista grego Jannis Kounellis, a galerista italiana Paola Colacurcio se aventura pelos mares do sul, apresentando individuais de duas artistas brasileiras: a carioca Livia Flores e a paulista Sandra Cinto. As duas criaram trabalhos especialmente para a galeria, situada no centro histórico do Rio. Livia Flores, que surgiu no contexto das artes visuais na mostra Como vai você, geração 80?, no Parque Lage, em 1984, fazendo pintura (como boa parte de sua geração), partiu depois a explorar projeções de filmes super-8, e hoje define seu trabalho como a prática de “fazer cinema sem filme”. Nessa exposição, a qualidade cinética de seu trabalho pode ser notada nos padrões geométricos dos papéis de presentes esticados em chassis e colocados nas paredes – pendurados como se fossem pinturas ou como telas de LCD. O cinema faz-se presente, especialmente, em uma escultura de espelhos, na forma de um rebatedor de luz, que poderia perfeitamente ser o instrumento de um fotógrafo. O objeto, que segundo a artista “rebate a imagem do ambiente”, foi instalado estrategicamente no vão livre da galeria, assumindo a função de “observatório”. De posicionamento articulável, a escultura pode, inclusive, refletir o trabalho de Sandra Cinto, instalado no andar térreo da galeria.

Sandra Cinto, que faz sua primeira individual em uma galeria carioca em vinte anos de carreira, começou e termina o ano de 2008 realizando instalações que têm o oceano como tema. A artista encerra aqui sua série Travessia difícil, inaugurada em janeiro na galeria Tanya Bonakdar, em Nova York. Lá, a artista representou um mar em fúria com milhares de barquinhos de papel que convergiam para uma série de reproduções da pintura A balsa da Medusa, de Théodore Géricault. Ela traz ao Rio uma variação sobre o mesmo tema. Utilizando os recursos da pintura, do desenho, da gravura e da fotografia em uma grande instalação, Sandra Cinto desenvolve a mesma narratividade realizada pelo pintor romântico naquela que é considerada a primeira pintura de teor abertamente político da história da arte francesa. Mas o que está em pauta aqui não é o drama específico das pessoas que tiveram que praticar canibalismo para sobreviver ao naufrágio da fragata Medusa, em 1816, por causa da ingerência de um capitão protegido por Luis XVIII . Através de Géricault, Sandra Cinto fala de fronteiras geo-políticas, do drama de imigrantes nas fronteiras da Europa e dos Estados Unidos, dos abusos de poder, do naufrágio da ética na sociedade contemporânea. “Esse naufrágio, que aconteceu por questões políticas no século 19, acontece hoje. Estamos vivendo essa crise!”, diz Sandra.

Diante da instalação, pensamos na população brasileira que vive à deriva e lembramos da deriva em que ficou a população do Complexo da Maré, desde que, há duas semanas, o menino Matheus Rodrigues Carvalho, de 8 anos, foi morto a queima roupa por um tiro de fuzil, quando saia de casa para comprar pão. O trabalho de Sandra Cinto tem um significado político que deve ser absorvido.

Roteiros

A Baía de Todos os Santos como moldura

15o SALÃO DA BAHIA / Museu de Arte Moderna da Bahia, Salvador/ de 19/12 a 1o/3/09

Com direito a um jardim de esculturas de frente para a Baía de Todos os Santos, o 15º Salão da Bahia inaugura seu panorama anual da arte, apresentando 40 artistas de dez estados. O Salão, que acontece no histórico Solar do Unhão, sede do MAM-Bahia desde 1966, oferece este ano R$ 223 mil em prêmios, a maior premiação de sua história. Os vencedores do Prêmio Aquisição terão seus trabalhos incorporados ao acervo do museu, atualmente com 1133 obras que acabam de ser inventariadas e catalogadas em livro recém lançado pelo Banco Safra.

O Salão esse ano conta ainda com a reinauguração de seu Parque de Esculturas restaurado e reconfigurado. A coleção de esculturas modernistas e contemporâneas desse museu a céu aberto conta com obras de Tunga, Rubem Valentim, Mestre Didi, Cildo Meireles, entre outros, e recebe a nova escultura da portuguesa Gabriela Albergaria, primeira artista internacional convidada a fazer uma Residência Artística no museu. A obra, uma estrutura de vidro no chão que permite ver as raízes de uma árvore, receberá junto às outras esculturas iluminação especial e visitas monitoradas. “Seja por falta de vontade, seja por falta de paisagem, poucos museus no mundo integram suas obras de arte ao entorno, ao meio ambiente, à natureza”, afirma Solange Farkas, diretora do MAM-Bahia.


Roteiros

É permitido brincar

ARTE PARA CRIANÇAS / Centro Cultural Banco do Brasil, Brasília / até 18/1

“Não toque em nada!”, “Cuidado”. É isso o que as crianças costumam ouvir dos pais nas exposições de arte. O mesmo acontece com adultos quando as advertências vêm de seguranças. Felizmente, Arte para crianças, no CCBB, recupera a tradição da “arte participativa” dos anos 60 e reúne um conjunto de obras que foram criadas para entrar em interação com o público. Há dezesseis artistas brasileiros e norte-americanos que comprovam que a arte contemporânea é, sim, acessível. Inclusive para crianças. Em Onochord, Yoko Ono pede a visitantes que enviem sinais de luz que significam “Eu te amo”. A artista também convida a todos para pendurar pedidos na obra Árvore dos Desejos. Já o carioca Ernesto Neto seduz o público a entrar em um ambiente “uterino”, em Uni Verso Bebê II Lab, mais uma de suas instalações imersivas, construída com tecido e espuma. Mais que interagir, há obras que convidam à invenção. Em De corte e dobra, de Amílcar de Castro, esculturas podem ser recortadas e remontadas. Depois de Brasília, a exposição segue para o Sesc Pompéia, em São Paulo.

Colaborou Fernanda Assef

Posted by Ananda Carvalho at 1:53 PM

Destinos da pintura, por Paula Alzugaray, Revista Isto É

Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2041, no dia 17 de dezembro de 2008

Exposição panorâmica da arte emergente na última década privilegia a pintura realizada por essa geração (Nova arte nova/ CCBB RJ - até 4/01/09 / CCBB SP - de 27/01/09 a 12/04/09)

Se em anos recentes o vídeo e a fotografia têm presença marcante em salões, bienais e coletivas – em certos casos, preponderante até –, temos hoje uma panorâmica em que a pintura é o destaque. Com o intuito de mapear a arte contemporânea produzida por jovens artistas nesta primeira década do século 21, a mostra Nova arte nova reconhece a diversidade de técnicas e propostas dessa geração, apresentando esculturas, objetos sonoros, desenhos, fotografias, vídeos e instalações (poucas). Mas a marca da pintura é aqui incontornável. Um terço dos 56 artistas de 14 estados brasileiros, em exposição no CCBB Rio, apresentam trabalhos em pintura ou obras desenvolvidas a partir de questões próprias do âmbito da representação pictórica. Esse é o caso, por exemplo, das fotografias do amazonense Rodrigo Braga, que elabora arranjos com peixes, frutas e legumes, remetendo ao gênero clássico da pintura de natureza-morta; ou das esculturas do carioca Felipe Barbosa, que faz composições com casas de pássaros, em citação às bandeirinhas do pintor Alfredo Volpi.

Entre os jovens pintores selecionados pelo curador Paulo Venâncio Filho há desde aqueles já inseridos no circuito, como Tatiana Blass, Vânia Mignone, Henrique Oliveira e Marcone Moreira, até artistas que estão colocando seu primeiro pé no mercado, como Bruno Miguel, Gisele Camargo ou Alice Shintani. Ao cercar as várias expressões contemporâneas da pintura, Venâncio assume uma direção bem definida e deixa de se aprofundar em outros campos muito transitados pelos artistas hoje: os terrenos conceituais, imateriais, virtuais ou digitais, que efetivamente representam o “fenômeno novo” perseguido pelo curador. Mesmo diante dessa lacuna – um panorama é, afinal, um recorte que não pode dar conta da totalidade de um contexto –, a exposição enche os olhos pela qualidade e quantidade de suas obras e atesta a vitalidade do que está surgindo no horizonte. Um vigor que a 28ª Bienal de São Paulo, encerrada Sábado 6, definitivamente não apresentou.

Crítica: A possível revoada, por Marisa Flórido Cesar
Fuga/ A Gentil Carioca, RJ/ até 20/12

Um homem, atado a árvores por cordas que atravessam a janela, tentava, em vão, puxar a paisagem para dentro do espaço expositivo. O puxador, de Laura Lima, nos confrontava a questões da pintura: ser a janela rasgando o mundo e o espelho onde esse mundo se refletia. Aquelas cordas, como linhas de fuga convergindo para um ponto ilusório no infinito, ensaiavam inutilmente emoldurar a dispersão da paisagem. No ponto de fuga da perspectiva linear, os horizontes sonhavam ancorar-se no olhar e na medida do homem. Derrisória presunção.

Fuga, em exposição em A Gentil Carioca, lembra O puxador, realizado anos atrás pela artista. Na entrada, desenhos de pássaros, colocados nas mais variadas alturas. Na galeria, transformada em um enorme viveiro, caminhamos entre uns 50 pássaros, algumas esculturas – para pássaros e homens! – (foto) e pinturas de paisagem com os horizontes oblíquos. Em meio ao canto das aves, os “bípedes sem penas” - como Platão chamou certa vez o homem - participam, emoldurados, da obra viva. Coadjuvantes, decerto, pois desenhos e quadros seguem o horizonte dos pássaros, a sinuosidade de seus vôos, a elevação de seus olhos. Somos, ali, matéria pictórica.

Laura Lima trabalha com “coisas vivas”, como costuma dizer, desde os anos 90. Já colocou pavões e faisões no CCBB do Rio de Janeiro, já aplicou plumas de carnaval em “galinhas de gala”. Para essa exposição, a artista, em parceria com um criador, ambientou pássaros, acostumados a espaços pequenos, em grandes viveiros para que “reaprendessem a arte de voar”.

Se O puxador se esforçava para trazer as fugas do mundo para dentro da galeria, em Fuga o viveiro transborda pelas janelas, projetando-se sobre a rua. Talvez os pássaros possam “descobrir a passagem mimética que os conduza à fuga”, como diz o texto de apresentação. E, quem sabe, o bípede implume descubra com seu parceiro de penas, na abertura da janela e no estilhaço do espelho, o infinito das cintilações e dos desvios. Inversão da perspectiva: as fugas irradiando-se para a infinidade de um homem sonhador de vôos. O artista? O que abre a janela e quebra os espelhos para a possível revoada.

A exposição de Laura Lima tem o acompanhamento do IBAMA e de profissionais especializados para o bem estar dos animais e do público.

Marisa Flórido Cesar é crítica de arte e curadora independente

Posted by Ananda Carvalho at 1:27 PM | Comentários (1)

fevereiro 3, 2009

Vik Muniz leva cariocas de volta para o MAM, por Miguel Conde, O Globo

Matéria de Miguel Conde, originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo, no dia 2 de fevereiro de 2009

Museu tem a maior média de público dos últimos anos com exposição

É sábado de sol no Rio de Janeiro, mas a exposição no Museu de Arte Moderna (MAM) está lotada. Postada diante do quadro, a mulher se concentra e examina a imagem por alguns segundos antes de se decidir:

— Geleia e doce de leite!

Uma discreta expressão de ceticismo surge no rosto da amiga a quem o comentário é dirigido. A mulher então resolve se aproximar para confirmar.

— Ah, não: é geleia e manteiga de amendoim — reconhece o erro, explicando-se. — Também, manteiga de amendoim é uma coisa que nunca pegou por aqui. Lembra daquele Amendocrem?

Dirigindo-se à próxima obra, elas prosseguem com entusiasmo o jogo de adivinhação, numa atitude que parece estranha se considerarmos onde estão, mas que é típica entre os visitantes da exposição do brasileiro Vik Muniz, em cartaz no MAM desde o último dia 23. A mistura meio infantil de encanto e perplexidade é uma pista para entender o sucesso da exposição, que tem atraído em média pouco mais de mil pessoas por dia. Foram 4 mil já no primeiro fim de semana, recorde desde a exposição “Picasso — Anos de Guerra”, que teve 8 mil visitantes no fim de semana de estreia em 1999.

A divulgação, com painéis espalhados pela cidade e anúncio em horário nobre, certamente ajudou. Mas os níveis de entusiasmo dos visitantes sugerem que o boca a boca também está fazendo sua parte.

— Várias amigas vieram e disseram que era imperdível — diz Therezinha Borges, acompanhada pelas amigas Maricilla Lamounier e Ely Norbert.

Não só diante da “Mona Lisa dupla” de geleia e amendoim, mas por toda parte surgem entre os visitantes polêmicas na linha “como diabos ele fez isso?!”. Apesar dos monitores por perto, há os que preferem investigar por si mesmos se aquelas bolinhas formando o rosto de um catador de lixo são tampinhas de refrigerante, rodinhas de metal ou sabe-se lá o quê.

— Não pode ser tampinha, olha o tamanho do chinelo do lado! — um homem discute com a namorada diante de uma foto da série “Imagens do lixo”.

Muitos dos visitantes confessam não serem grandes fãs de arte contemporânea. Caso de Leticia Jarlicht, de 6 anos, arrastada para o museu pelos pais, Carla e Isaac. Exposições são “sem graça”, ela resume, mas se interessa ao saber que há ali a foto de uma pintura feita com macarrão e molho de tomate.

— Uma vez eu fiz um rei com estrogonofe — anima-se, enquanto seus irmãos Leonardo e Guilherme, gêmeos de 12 anos, mascam chiclete e olham em volta, aparentemente ainda tentando decidir se estão gostando ou se devem manter o ar blasé padrão para ocasiões assim.

Já os adolescentes Victória Reis e Thales Fonseca, de 17 anos, estavam completamente decididos, ainda que lacônicos.

— Incrível — ela disse.

— Muito impressionante — ele completou.

Ali por perto, uma senhora comenta com a amiga:

— Realmente, um dos grandes artistas do nosso tempo.

Descansando num banco com a namorada Andréia Pereira, o militar Anderson Soares Pinho concorda.

— É a melhor exposição que já vi até hoje. É uma coisa clara, não é só para aquelas pessoas que já se aprofundaram no assunto. Você consegue entender.

Um discurso afinado com o do próprio Vik Muniz:

— Quando crio meus trabalhos, não imagino um público específico: pode ser o cara da padaria, o vigilante do museu ou um filósofo. Tento partir de coisas primárias, básicas, e daí construir algo que seja ao mesmo tempo inteligente e acessível. Não são todos que consideram importante esse compromisso do artista com o público. Para muitos, o diálogo do artista consigo mesmo é até mais importante. No meu caso é diferente — afirma.

Os produtores Leonel Kaz e Nigge Loddi dizem que se guiaram por essas ideias ao montarem a exposição e escreverem os textos para as obras.

— São textos fáceis de ler, sem aquele ranço do especialista que se acha superior às outras pessoas — diz Kaz.

Numa iniciativa coerente para um artista preocupado em ser acessível, a exposição tem usado um ônibus para levar moradores de comunidades de baixa renda ao museu nos dias de semana. Na semana que vem, quando começam as aulas na rede estadual, haverá também visitações escolares.

— As diretoras já estão brigando para marcar visitas — conta Rosane Cantanhedes, do projeto educativo.

Dono de uma loja de design no museu, Tulio Mariante está feliz com o movimento.

— O carioca fez as pazes com o MAM. Há muito tempo não via tanta gente por aqui.

Posted by Ananda Carvalho at 6:44 PM

Uma janela para as artes plásticas, por Suzana Velasco, O Globo

Matéria de Suzana Velasco, originalmente publicada no Segundo Caderno do jornal O Globo, no dia 1 de fevereiro de 2009

Artistas de Rio, Niterói, São Paulo, Belém e Ourinhos ganham o Prêmio Marcantonio Vilaça

É raro que artistas plásticos tenham a chance de ganhar R$30 mil, o acompanhamento de um crítico de arte por um ano, uma exposição itinerante pelas cinco regiões do Brasil e a publicação de um catálogo. Trinta tinham a chance, mas cinco foram os vencedores da terceira edição do Prêmio CNI-Sesi Marcantonio Vilaça, entregue na quinta-feira no Museu da Indústria, de Fortaleza. No dia seguinte, o carioca Eduardo Berliner, a niteroiense Rosana Ricalde, o paraense Armando Queiroz e os paulistas Yuri Firmeza e Henrique Oliveira aproveitaram para conhecer um pouco do trabalho um do outro.

— Ouvindo o Eduardo falar sobre seus cadernos de desenhos, pensei no meu processo de acumulação de objetos, que ficam num quarto de serviço — comentou Queiroz.

Quatro dos cinco já tinham tentado ganhar o prêmio

Com trajetórias de oito a 15 anos de criação, os cinco já têm parte de seus quartinhos de objetos particulares preenchida. Estão num momento crucial da carreira, em que já não são mais iniciantes, mas ainda podem ver suas vidas mudarem a partir de um prêmio. Persistentes, quatro deles já tinham se inscrito no prêmio, que homenageia o galerista e colecionador Marcantonio Vilaça, morto em 2000.

Quando se inscreveu pela primeira vez, Berliner já se dedicava à pintura, após ter se formado em design pela PUC-Rio, onde hoje dá aulas. Enquanto fazia um mestrado na Inglaterra, ele começou a experimentar aquarelas e colagens.

— Passei um ano fazendo colagens, mas pensando em forma de pintura. Quando experimentava no computador, às vezes me proibia de usar o comando “desfazer”, porque isso não seria possível na pintura — conta Berliner, de 30 anos. — Na faculdade, meus trabalhos já eram muito pessoais. O projeto final, em 1999, foi um livro com textos e desenhos meus, e desde então mantenho a prática diária de desenhar.

É um processo que se relaciona com o de Queiroz. O artista paraense também começou fazendo anotações regulares, porém sob a forma do acúmulo de objetos com os quais tinha um vínculo afetivo.

— Já passei quatro anos sem entrar no quarto de objetos. Eu acumulo, e às vezes vem uma água e limpa tudo — diz o artista, que, do trabalho com objetos diminutos, iniciado em 1993, passou a intervenções nas ruas de Belém, como numa instalação no telhado do mercado Ver-o-Peso, em 2005. — Percebi que os objetos poderiam dialogar com os espaços e as pessoas.

Queiroz, de 40 anos, também cria poemas visuais, com objetos e palavras. É aí que ele vê um vínculo com a obra de Rosana. A artista, que hoje vive em Rio das Ostras, faz um trabalho todo vinculado à palavra. Para ela, o momento em que conseguiu unir o conteúdo do texto à sua forma foi na obra “Alfabeto de verbos” (2000), em que todos os verbos da língua portuguesa foram datilografados em painéis.

— Ali eu comecei a fazer algo consciente. Mas, ainda hoje, o resultado visual da minha obra é consequência da escrita — diz ela, que, aos 37 anos, já fez obras inspiradas em textos como “Cidades invisíveis”, de Italo Calvino, e “As palavras e as coisas”, de Michel Foucault.

Rosana se inscreveu na primeira edição do prêmio, mas não foi selecionada. Agora, como os outros quatro, ela foi escolhida pelo crítico de arte Paulo Herkenhoff, pela historiadora e crítica de arte Aracy Amaral e pelo artista plástico Eduardo Frota. Originalmente, foram 353 artistas inscritos.

Premiado ficou famoso ao inventar artista japonês

O único entre os cinco que ainda não havia concorrido ao prêmio é Yuri Firmeza, cuja obra foi chamada de audaciosa e “sem empáfia” por Herkenhoff. Nascido em São Paulo, Firmeza morou 22 dos seus 26 anos em Fortaleza, onde estudou artes na faculdade. Seu nome se tornou conhecido há dois anos, quando ele inventou um artista japonês, Souzousareta Geijutsuka, e divulgou para a imprensa cearense uma exposição no Museu de Arte Contemporânea do Ceará, com a chancela da instituição. Muitos jornais publicaram reportagens sobre o genial japonês.

— Isso tem repercussão até hoje — conta ele, que costuma se inserir na obra, seja em fotos, vídeos ou performances, muitas vezes nu. — Começaram a dizer “o Yuri é aquele que fica nu”, então vesti roupa de novo.

Também nascido em São Paulo, porém no interior, em Ourinhos, Oliveira foi se fazendo artista aos poucos. Depois de estudar comunicação e artes, ele fez um mestrado em artes na USP, onde, num tapume que viu se decompor durante dois anos, criou sua primeira pintura sobre madeira. Hoje, sua obra ganhou escala monumental e está no limiar entre a pintura e a escultura.

— Até hoje meu pensamento se constrói na pintura. Trato a sobreposição dos planos de madeira como pinceladas, mas essas texturas acabam influenciando minhas telas também.

Posted by Ananda Carvalho at 6:02 PM

fevereiro 2, 2009

A nova tela das artes, por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo

Matéria de Fábio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 27 de janeiro de 2009

Artforum.com lidera lista de melhores sites de artes plásticas em votação feita pela Folha com profissionais

Não há dúvida de que é a tela do computador o suporte mais visto pelos profissionais das artes plásticas. Por meio de newsletters gratuitas, revistas on-line ou mesmo um "YouTube das artes", como é chamado o site UbuWeb, pode-se acompanhar não só a produção atual como o debate sobre ela e seus reflexos no mercado.

Artistas, curadores e galeristas foram solicitados pela Folha a indicar os sites que visitam com maior frequência.

O líder, com seis indicações, foi o site da revista norte-americana Artforum, mencionada pelos curadores Adriano Pedrosa, Rodrigo Moura, Lisette Lagnado e Solange Farkas, além das galeristas Márcia Fortes e Luisa Strina."Esta é a revista "mainstream" mais "mainstream" da arte. Americanófila e um tanto leviana, é uma mistura estranha entre a "Vogue" e a "October". A versão on-line tem conteúdo diferenciado de resenhas e relatos de viagem e, felizmente, menos anúncios que a impressa", afirma Moura, curador do Instituto Cultural Inhotim, em Minas Gerais.

A Artforum.com noticiou, por exemplo, o caso dos pichadores na Bienal e o roubo das obras do Masp, o que não ocorreu em sua versão impressa.

Já em segundo lugar, com quatro indicações, ficaram empatados E-flux, UbuWeb e a revista brasileira Trópico.

O E-flux é uma newsletter gratuita que, diariamente, envia por e-mail, a seus 40.116 mil cadastrados, duas ou três mensagens com aberturas de exposições ou outras informações do circuito. O serviço gratuito é possível pois se trata de anúncios pagos por instituições como o Museu de Arte Moderna de Nova York, o Guggenheim e mesmo a Bienal de São Paulo.

A precisão na qualificação de seus afiliados é interessante. Segundo o site, do total de cadastrados, 47% são europeus, 42% norte-americanos, e 11% de outros continentes, sendo que 18% são críticos de arte, 16% galeristas, 16% curadores, 15% membros de museus, 12% artistas, 10% consultores e 8% colecionadores.

Newsletter por assinatura

Outro serviço de newsletter, mas pago, é o Baer Faxt, usado pela galerista Márcia Fortes. "O Josh Baer, figurinha das antigas de Nova York, começou isso no início dos anos 1990, enviando informações por fax e agora migrou para um e-mail semanal", conta Fortes.

A assinatura anual do serviço está em US$ 200 (R$ 471). Numa de suas edições de dezembro, em pesquisa com seus leitores, a mostra de Cildo Meireles na Tate foi indicada como menção honrosa por melhor exposição em museu europeu.

Já o UbuWeb, também com quatro indicações, é considerado pelo curador Fernando Oliva uma "espécie de YouTube das artes": "Ele reúne milhares de trabalhos em vídeo, áudio e poesia experimental, em obras que remontam aos anos 1920".

O acervo do UbuWeb é de fato impressionante, ao reunir de performances de Marina Abramovic a conferências de Yves Klein (1928-1962).

Site brasileiro com mais indicações, a revista Trópico tem como responsável o editor de Moda da Folha, Alcino Leite Neto. "É um dos raros exemplos brasileiros de jornalismo cultural de qualidade feito na web, não apenas a seção "Em Obras", dedicada às arte plásticas, mas todo o conteúdo é bem pautado e conta com excelentes autores", afirma Moura.

Em terceiro lugar, com três indicações, ficaram empatadas a versão digital da revista inglesa Frieze, do mesmo estilo da Artforum, e o brasileiro Fórum Permanente, uma plataforma com artigos, informações e eventos próprios.

Com duas indicações, aparece ainda o Canal Contemporâneo, que se apresenta como uma "comunidade digital focada na arte contemporânea brasileira para promover sociabilidade", com afiliação paga ou gratuita, que dá direito a newsletters diferenciados.

Também com duas indicações foi mencionado o site do Itaú Cultural, que contém a maior enciclopédia virtual das artes plásticas brasileiras.

Posted by Ananda Carvalho at 5:34 PM

Exposição de artista chinês indica ascensão do Paço das Artes, por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo

Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 1 de fevereiro de 2009

Crítica Sete Intelectuais na Floresta de Bambu: Série de filmes de Yang Fudong, exposta em projeto de Álvaro Razuk, é a mais sofisticada mostra da instituição

Instituições públicas de arte estão passando por um radical processo de transformação em São Paulo. Após a consolidação da Pinacoteca do Estado, com uma programação que obscureceu os museus privados paulistanos, o que se percebe agora é a vez do Centro Cultural São Paulo, do Museu da Imagem e do Som (MIS) e do Paço das Artes alcançando o mesmo patamar.

No caso do Paço das Artes, isso fica patente com a exposição "Sete Intelectuais na Floresta de Bambu", com cinco projeções de Yang Fudong, realizadas entre 2003 e 2007, e curadoria de Maarten Bertheux. Trata-se da montagem mais sofisticada já vista na instituição, realizada por um dos mais renomados artistas chineses na cena contemporânea.

O único senão é a injusta falta de crédito para o arquiteto Álvaro Razuk, responsável pela cenografia, que transformou o Paço num local à altura de qualquer museu digno para a arte contemporânea. As cinco projeções de Fudong podem ser tanto vistas individualmente como em seu conjunto, através de um conjunto de rampas que partem de um mesmo ponto e se transformam em locais adequados para se assistir aos filmes -uma maratona de quase cinco horas em seu total.

Antonioni

Fudong é um mestre na produção da imagem em movimento, criando situações oníricas em filmes preto e branco, hipergranulados e que têm muito a ver com a estética de Michelangelo Antonioni (1912-2007) e seu "neorrealismo interior". O vazio pequeno-burguês dos personagens de Antonioni se transforma na alienação dos jovens "intelectuais" urbanos, que se repetem nos cinco filmes, testemunhas da acelerada ocidentalização da China.

Ainda da mesma maneira que Antonioni, o silêncio -só dois filmes possuem diálogos e, mesmo assim, escassos- é uma forma de fazer com que o espectador tenha um papel mais atuante frente às projeções, cheias de situações ambíguas.

No início da primeira parte, por exemplo, os jovens estão nus, sentados em meio a rochas e, lentamente, se vestem de roupas elegantes, num confronto entre natureza e cultura, que vai se repetir diversas vezes não só naquele como nos demais filmes, especialmente na terceira parte.

Cenários encantadores, que levam ao êxtase, são o pano de fundo para os "intelectuais" habitantes da cidade, situação propícia para que o observador se identifique com diversas situações. Aliás, outro trunfo da montagem, que permite ver, de dentro do Paço, o verde abundante da Cidade Universitária, mimetizando a problemática dos filmes de Fudong.

Posted by Ananda Carvalho at 4:59 PM | Comentários (1)