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novembro 26, 2008
ABAIXO-ASSINADO: Carta ao presente e futuro das artes no Rio de Janeiro
Uma Tomada de Posicão Colaborativa às Políticas Públicas Municipais da Secretaria de Cultura da Cidade do Rio de Janeiro.
Nós, artistas visuais, críticos, curadores, pesquisadores, educadores, produtores e representantes de instituições culturais, elaboramos um documento como abertura de diálogo a respeito das políticas públicas municipais, a ser entregue à Secretária da Cultura do Rio de Janeiro, Sra Jandira Feghali. Uma reunião pública será marcada em breve para ouvirmos as respostas da Secretária às nossas reivindicações.
Participe deste movimento, assinando e divulgando o link da petição on line para todos aqueles que desejam e acreditam num Rio de Janeiro em sua potência cultural e humana. Fique atento para participar da reunião com Jandira!
Carta ao presente e futuro das artes no Rio de Janeiro
À Exma. Sra. Jandira Feghali
Secretária da Cultura do Rio de Janeiro
Nós, artistas visuais, críticos, curadores, pesquisadores, educadores, produtores e representantes de instituições culturais, comprometidos com a cidade do Rio de Janeiro, gostaríamos de apontar caminhos às políticas públicas municipais. Apresentamos nossas sugestões, requisitando, de forma propositiva, uma participação mais direta no processo de circulação e viabilização da produção artística. Entendemos como essencial a presença das organizações civis no diálogo permanente com os poderes instituídos.
Esta carta foi elaborada através de um intenso processo de debates realizados entre julho e novembro de 2008, com o objetivo de resgatar e potencializar o papel que o Rio de Janeiro ocupa na história cultural do país. Trata-se de reconhecer sua vocação de pólo irradiador de produção artística e reflexão crítica – um lugar simbólico, assumidamente de vanguarda: do Carnaval ao Neoconcreto, do Cinema Novo à Tropicália, da Bossa Nova ao Funk -, propondo políticas públicas que são de direito da classe artística e da comunidade. A ousadia é a nossa tradição.
Panorama Histórico
O Rio de Janeiro, uma das capitais da Arte Contemporânea no Brasil, produz e acolhe artistas que aqui passam a habitar, referenciar e constituir suas linguagens poéticas. Nossos artistas vêm construindo a história da arte num plano internacional, nas vias abertas por valores extraordinários como os de Hélio Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape, entre outros. Historicamente, a diversidade da produção artística do Rio de Janeiro e do Brasil funda novos objetos, situações e paradigmas no âmbito da cultura.
No panorama internacional percebe-se a importância que museus e instituições culturais assumem na construção das identidades culturais locais e na movimentação da indústria turística em seus países. Muitos possuem em acervo obras brasileiras que já são parte da História da Arte Mundial. Fato que nos orgulha e, ao mesmo tempo, nos entristece por não termos acesso a estas obras em nossas próprias instituições.
Situação Local
O que se observa atualmente em nossa cidade são Museus e Centros Culturais com programação aquém de suas potencialidades, reflexo do pouco investimento na difusão da produção artística por parte dos órgãos públicos.
Ao contrário do que se pensa, a produção artística está cada vez mais ligada ao cotidiano das comunidades e se torna uma ferramenta potente de sociabilidade e educação. Vislumbramos o futuro desta cidade com um maior desenvolvimento social e econômico, diretamente ligados a uma vida cultural efervescente.
Com o constante desmantelamento dos aparelhos da municipalidade ligados às artes visuais por parte dos últimos governos, a cidade hoje apresenta um descompasso entre a intensidade da produção artística e o fomento público. Espaços históricos de experimentação e de referência para as artes - Espaço Cultural Sérgio Porto, Centro de Arte Hélio Oiticica, Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho, Centro Cultural Laurinda Santos Lobo, Centro Cultural Parque das Ruínas, entre outros - têm uma programação descontinuada e insuficiente na difusão da produção local.
Ações Autônomas
Em resposta à precariedade dos aparelhos públicos e em busca de formas políticas próprias e autônomas de gestão em produção artística, vários coletivos e artistas criaram, na última década, espaços e mostras independentes em diversos pontos da cidade. Iniciativas que articulam a experimentação com circulação da produção, mobilizam a economia local e apontam para outras possibilidades de atuação em grupo - na arte e na vida.
A Carta que aqui tornamos pública integra um movimento maior em que profissionais da cultura, atuando a partir da sociedade civil, dispõem-se a acompanhar a gestão pública conferindo a esta parceria a relação ética que lhe cabe. A ação política que aqui se expõe amplia a colaboração entre movimentos da sociedade civil e a municipalidade e requisita a esta última a intensidade primeira de sua responsabilidade: gerir um sistema que seja inclusivo e dialógico, atuando de forma efetiva junto ao espaço vivo da criação artística.
A produção cultural, para que seja pensada para além da economia, deve considerar o conhecimento sensível como parte da formação e da transformação dos indivíduos em sociedade.
Solicitamos
1 - Reorganização e potencialização de um órgão de ação específico das Artes Visuais, que ofereça canais de diálogo direto com a classe artística;
2 - Criação de um Conselho Rotativo de artistas visuais e profissionais do setor operando em parceria com a equipe da Secretaria da Cultura na formação e condução de políticas públicas para a área, instituídas a partir de fundos municipais e editais para produções artísticas.
3 - Gestão transparente das políticas e dos recursos para a cultura, disponibilizando as informações para acesso público.
4 - Criação de bolsas de produção e intercâmbio para artistas visuais, curadores, críticos, pesquisadores e arte-educadores, aprovados via edital a ser elaborado em parceria com profissionais da arte;
5 - Aumento da verba pública para a Secretaria da Cultura;
6 - Criação de políticas de manutenção e investimento continuados para as Casas de Cultura, e Centros Culturais, com estruturas técnicas condizentes com a diversidade da produção em artes visuais;
7 - Mapeamento da produção dos Centros e Lonas Culturais municipais de maneira a atender demandas diferenciadas e considerando a interlocução com o público;
8 - Ampliação da rede de políticas públicas municipais na formação de parcerias com os centros culturais de bairros, ateliês e coletivos de artistas que não sejam municipalizados, visando apoiar sua atuação, a exemplo dos Pontos de Cultura.
9 - Participação da classe artística no processo de reabilitação de áreas da cidade com potencial cultural, com atenção especial ao projeto da Zona Portuária, garantindo espaços para as artes visuais, levando em consideração eventos anteriormente realizados nos armazéns do Cais do Porto.
10 - Realização de eventos de grande porte que dêem visibilidade local, nacional e internacional para a produção de arte, facilitando o contato do grande público com novos conceitos e atitudes artísticas. Os Armazéns do Cais do Porto poderiam sediar esses eventos.
11 - Promoção de eventos de intervenção artística de caráter efêmero no espaço público, que considerem a cidade do Rio de Janeiro como contexto;
12 - Criação de incubadora de projetos ligados às artes visuais, facilitando sua realização;
13 - Criação de parcerias entre cursos de formação (técnicos, de graduação e pós-graduação) e a municipalidade, reunindo teoria e prática em diálogo contínuo.
14 – Incentivo à produção teórica e conceitual, viabilizando a circulação de idéias, aportes críticos, históricos e informativos com a realização de encontros de integração entre artistas, críticos, historiadores, educadores, estudantes e professores de artes;
15 - Difusão da produção teórica,e conceitual via organização de encontros públicos, publicações impressas, digitais e veiculação em diferentes mídias (tv, rádio, internet);
16 - Apoio à produção de um programa de televisão veiculado em canal público aberto, com a colaboração de artistas e pensadores de todas as áreas;
17 - Criação de parcerias (cursos, oficinas e espaços de colaboração) de artistas com Escolas da rede de Ensino Municipal que considere o aporte do saber artístico como propulsor de novas maneiras de pensar e agir no mundo;
18 - Programas de visitas e acesso gratuito a centros culturais, museus e eventos de arte a estudantes e professores da rede municipal;
19 - Criação de políticas para aquisição, fixação, manutenção e conservação de acervos e coleções, em museus, bibliotecas e centros culturais;
20 - A participação imprescindível da Secretaria da Cultura na definição de instalações de obras de arte nos espaços públicos: ruas, praças, ou nos prédios municipais;
21 - Parceria entre as Secretarias da Cultura e as Secretarias da Educação, Turismo, Saúde, Urbanismo e Esporte em projetos de interesse comum.
Agradecemos antecipadamente a atenção da Secretaria da Cultura, na esperança de que esse seja um primeiro passo para um rico processo colaborativo. Aguardamos para breve o agendamento de uma reunião com nossa classe.
novembro 25, 2008
Mostra aborda dimensões do silêncio, por Silas Martí, Folha de São Paulo
Mostra aborda dimensões do silêncio
Matéria de Silas Martí, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 25 de novembro de 2008
Coletiva com obras de nove artistas na galeria Vermelho tenta ilustrar a experiência corporal do grito
Caetano Veloso grita a palavra "silêncio" na música que dedicou ao poeta Augusto de Campos. "De Palavra em Palavra" é o ponto de partida para as obras da coletiva que a galeria Vermelho abre hoje -são trabalhos de nove artistas, juntos numa espécie de reflexão sobre a dimensão física do ruído e da ausência dele. Mas também não passa batido o contexto do grito de Caetano. Escrito na volta do exílio, este é um canto de desespero, desabafo, talvez resistência.
Conflito este que ganha ilustração corpórea no vídeo da francesa Anne Durez, em que um homem tenta ler um jornal num vasto descampado, mas é golpeado pelo vento forte, que embaralha o texto e as folhas.
"Existe um ponto de junção física entre grito e silêncio", descreve a curadora Audrey Illouz. Subir a escada para o segundo andar dá uma idéia disso.
Foi ali que o artista Maurício Ianês instalou caixas de som que tocam um poema: o volume aumenta a cada degrau.
Mas é com força calada que foram bordados em retângulos de feltro frases com a palavra "silêncio", juntadas pela artista Marilá Dardot. No mesmo cinza do fundo, as letras somem na margem inferior dos quadros.
Também arriscam se perder no fundo vermelho as inscrições urbanas pesquisadas pela dupla francesa Hughes Rochette e Nathalie Brevet. Grafitadas em sinais de "proibido estacionar" e outras restrições, as expressões "love" e "fuck" são impressas sobre vidro, mas precisam do fundo branco da parede da galeria para serem vistas.
É o mesmo retorno à cor que faz a dupla de brasileiros Ângela Detanico e Rafael Lain. Em "White Noise", os pixels brancos das imagens estouram na tela com o aumento das freqüências agudas da trilha sonora. "É como uma cirurgia visual, que precisa voltar à cor para descrever um som", diz Illouz.
Se não basta a cor pura, o franco-israelense Joseph Dadoune dá um quadro completo. Junto do vídeo de uma vitrola que toca um disco no deserto, compôs gritos sobrepostos a uma sinfonia de Bach. (SM)
novembro 24, 2008
Arte no vermelho, por Fernanda Ezabella e Silas Martí, Folha de São Paulo
Arte no vermelho
Matéria de Fernanda Ezabella e Silas Martí, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 21 de novembro de 2008
Crise financeira global diminui vendas em casas de leilões, feiras e galerias de arte, anunciando um período de estouro de bolhas e de reajuste de preços
Uma iguana muda de cor seguindo as oscilações de Wall Street: verde indica uma alta; vermelho, baixa. Ela está num vídeo que recebe dados do mercado financeiro em tempo real.
A obra, que não foi vendida, esteve na Pinta, feira de arte latino-americana realizada semana passada em Chelsea, bairro descolado de Manhattan, a algumas quadras do epicentro mundial da crise das Bolsas.
E o vermelho apareceu forte não só no réptil mas também nas vendas: se no ano passado a Pinta vendeu US$ 8,5 milhões em obras de arte, este ano viu sobrar mais da metade dos trabalhos no Metropolitan Pavilion, registrando negócios de US$ 4 milhões.
"Estamos vivendo um momento muito difícil, de insegurança e falta de confiança no mercado", disse Diego Costa Peuser, um dos diretores da Pinta, à Folha, em Nova York.
A crise atinge casas de leilões e galerias. Para alguns é o prenúncio do estouro de uma bolha no mercado de arte, inaugurando uma era de reajuste de preços -importantes galerias londrinas já baixaram em até 40% os valores de obras.
Neste mês, a Sotheby's anunciou perdas de mais de US$ 50 milhões em leilões realizados em Londres, Nova York e Hong Kong. A Christie's, outra casa poderosa de leilões, também confirmou perdas milionárias.
Obras de artistas que mais lucraram com o inchaço do mercado, como o japonês Takashi Murakami, ficaram "mais baratas". Ou sem comprador, como no caso agora de Damien Hirst, que em setembro, antes do aperto, embolsou US$ 200,7 milhões em um leilão histórico de suas obras.
"O mercado cresceu mais de 250% nos últimos dois anos, e a crise financeira global obviamente trouxe uma correção", disse Alex Rotter, diretor do Departamento de Arte Contemporânea da Sotheby"s, após leilão em Nova York deste mês.
"Essa venda nos leva de volta a níveis registrados em 2006."
Na China, onde a arte contemporânea é a mais inflacionada do mundo, não é diferente. O mercado inchou de US$ 3 milhões em 2004 para US$ 194 milhões em 2007. Agora, em um leilão em outubro, apenas 35% dos lotes foram vendidos e muitas obras não chegaram aos seus preços mínimos.
Já fora da esfera blockbuster, no mercado mais tímido que é o brasileiro, leilões neste mês em São Paulo sofreram quedas de 30% em relação a outros deste ano. Alguns chegaram a vender apenas 35% dos lotes.
"Acabou a bolha. Esse negócio de badalar artista, inventar quadro, isso acabou. Mas, para coisa boa, não tem crise", diz o marchand carioca Alberto Leon, que arrematou para clientes as obras mais caras do leilão de Aloisio Cravo -três telas de Mira Schendel, por R$ 100 mil cada uma, e um Wesley Duke Lee, de R$ 200 mil.
Latinos no exterior
A Pinta, segunda feira de importância mundial a acontecer depois da queda das Bolsas em outubro, foi o primeiro termômetro para medir o impacto da crise na arte latino-americana.
"No ano passado, nosso desempenho foi melhor", disse a galerista Nara Roesler, que esteve na Pinta. "Vendemos mais no ano passado", repetiu Raquel Arnaud, em Nova York.
Um dos poucos colecionadores brasileiros a circular pela feira semana passada, José Olympio folheava sem ânimo um catálogo da galeria de um amigo, adiantando que não ia comprar nenhuma obra.
O amigo de Olympio é Frederico Seve, brasileiro radicado em Nova York e dono da Latin Collector. Sua galeria, na era da bolha financeira em Wall Street e no mercado de arte, subiu literalmente no mapa: abandonou um espaço mais modesto em Tribeca e rumou para o Upper West Side.
"No ano passado, eu saí daqui com cheques no bolso, este ano só tive umas "vendocas" e uns indicativos de compra", lamentou Seves. "Mas se venderam metade do que venderam no ano passado, é um triunfo, porque a crise é imensa."
"Esta é outra época", resume Marga Pasquali, galerista de Porto Alegre que teve de levar sua obra mais cara, uma escultura de Saint Clair Cemin, de US$ 125 mil, de volta ao Brasil.
"É inevitável o mercado sentir a crise, mas espero que a arte consiga sobreviver a isso", disse à Folha a curadora de arte latino-americana da Tate Modern, Tanya Barson, em Nova York.
Mas se a crise deixa mais contidos os colecionadores privados, os museus aproveitam a baixa para aumentar o acervo.
Barson adquiriu para a Tate um quadro de Arthur Luiz Piza, no estande de Raquel Arnaud. E Nara Roesler vendeu uma obra de Milton Machado ao Museo de Arte de Lima. "Essa feira teve muito boas entradas institucionais", diz Roesler. "Antes, havia mais compradores, mas não eram museus."
novembro 20, 2008
"Vamos reescrever a história da arte", entrevista com Hans-Michael Herzog por Paula Alzugaray, Revista Isto É
"Vamos reescrever a história da arte", Hans-Michael Herzog
Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2037, no dia 19 de novembro de 2008
Diretor da Coleção Daros-Latinamerica diz que o europeu tem preconceito contra a arte latino-americana e que sua função é enfrentar essa arrogância
Com mais de mil obras de 100 artistas - 17 deles brasileiros -, a Daros-Latinamerica é a maior coleção na Europa de arte contemporânea latino-americana. O acervo começou a ser reunido pela colecionadora suíça Ruth Schmidheiny, no ano 2000, em continuidade à Daros Collection, formada por arte americana e européia da segunda metade do século XX.
O curador alemão Hans-Michael Herzog é o diretor das duas coleções e o responsável pela implantação da Casa Daros, no Rio de Janeiro, um edifício de 12 mil metros quadrados reformado pelo arquiteto Paulo Mendes da Rocha e que abrirá suas portas em 2009. A monumentalidade do espaço corresponde à grandeza do projeto: "Dar visibilidade à produção artística latinoamericana", afirmou Herzog à ISTOÉ, por ocasião da abertura da exposição Painted!, em Zurique, que reuniu o artista argentino Guillermo Kuitca, o americano Richard Allen Morris e a alemã Beate Günther.
Crítico em relação ao boom do mercado de arte asiático, Herzog é um otimista quando se fala em Hemisfério sul: "O desenvolvimento do mercado de arte latino-americano é muito saudável, porque está crescendo com estabilidade, passo a passo." Com orçamento regular e um projeto educativo forte, formado por oficinas, residências de artistas, fóruns, seminários, publicações e exposições, a Casa Daros, capitaneada, junto com Herzog, pelo curador cubano Eugenio Valdés Figueroa e a jornalista carioca Isabella Rosado Nunes, aposta no crescimento sustentável do sistema artístico latino- americano.
"Para o público europeu, alguém chamado Regina Silveira pode vir da Espanha, do México ou do Brasil. Ele não faz e não se importa em fazer nenhuma distinção"
ISTOÉ - A arte brasileira vive um momento de grande repercussão internacional. Mas existe um abismo entre o interesse do público e o do especialista. Qual é o real interesse do europeu na arte latinoamericana?
Hans-Michael Herzog - O público não tem o menor interesse em arte latino-americana. Para ele, alguém chamado Regina Silveira pode vir da Espanha, do México ou do Brasil. É a mesma coisa para a opinião pública, que não faz e não se importa em fazer nenhuma distinção. No atual momento, ter um nome chinês ou mesmo indiano é o suficiente para o mercado. Mas não existe o menor conhecimento sobre o resto do mundo. Chamo isso de arrogância e ignorância.
ISTOÉ - A que o sr. atribui essa postura?
Herzog - Tanto aqui como nos EUA, as pessoas acreditam que são superiores e que criaram
tudo. Portanto, para o público e também para o especialista - meus colegas curadores aqui da Europa - tudo o que tiver sido criado na América Latina tem que ser epigonal, tem que ser imitação, adaptação, cópia da cultura européia. Foi por esse motivo que nossa última exposição, Face to face, foi altamente provocativa. Procuramos, de uma maneira didática, fazer o público entender que é evidente que a América Latina criou seus próprios pensamentos e idéias, como qualquer outro lugar.
ISTOÉ - Expor a arte latino-americana, a européia e a americana lado a lado é uma forma de atrair a atenção para essa produção?
Herzog - Sim. Dessa forma, a autonomia dessa produção se torna óbvia. É um absurdo, porque isso deveria estar claro. Mas não estava. Já havíamos feito outras mostras apenas com arte latino-americana, mas teve um público mais restrito.
ISTOÉ - Essa postura européia e americana já dura séculos. Como se pode modificá-la?
Herzog - Esse é nosso principal ponto. Queremos educar as pessoas. Ao colocar no mapa a arte contemporânea feita em países latinoamericanos, queremos mudar a história da arte do século XX. A nossa atividade pode ser uma contribuição pequena ou de médio porte para reescrever essa história.
Vamos mostrar a variedade de possibilidades que existem, criar uma base em Zurique para espalhar um conhecimento sobre a América Latina na Europa.
ISTOÉ - E a atividade da Casa Daros que será inaugurada no Brasil no ano que vem?
Herzog - Esse é o segundo ponto, o Rio de Janeiro. Nossa plataforma na América Latina será muito importante na política de mudança de consciência de outras pessoas que trabalham no campo da cultura. Generalizando, eu diria que o latino- americano não se vê plenamente quando se olha no espelho. Ele tem um preconceito de ser periférico e inferior. Uma censura o faz pensar que, a priori, falta-lhe algo. Mas isso é totalmente equivocado.
Quero mudar a imagem que o latino- americano tem de si mesmo.
ISTOÉ - Mas muitas vezes um artista só é legitimado e reconhecido se ele tem projeção internacional.
Herzog - Esse aspecto é exatamente igual na Europa. Se você é um artista suíço ou alemão que expôs no MoMA, todos vão falar de você. Antes disso, não. O artista latinoamericano pensa que seus problemas são muito especiais e são só latinoamericanos. Mas as dificuldades são compartilhadas com o resto do planeta e não são especificamente locais. Temos que descobrir juntos quais são os problemas específicos e quais são os problemas de todos.
ISTOÉ - A Bienal do Mercosul, que acontece em Porto Alegre, tem desempenhado um papel aglutinador?
Herzog - Sim, é uma bienal fantástica. Visitei todas as edições e, honestamente, essa é
realmente uma das melhores bienais que já conheci. Consegue manter uma ótima qualidade.
ISTOÉ - O sr. vai visitar a Bienal de São Paulo?
Herzog - Não vou ter tempo. Não entendo por que visitar uma bienal que, pelo que li até agora, apresenta muito pouco para ser visto. É uma bienal de debates e eu, pessoalmente, não preciso mais de debates. Não preciso discutir "por que bienais, sim ou não". Isso é absolutamente entediante e desnecessário. Estive em oito bienais asiáticas este ano e muitos debates foram sobre esse tema.
É uma discussão fútil que nem chega a ser teórica. É apenas acadêmica, um debate acadêmico chato. Para mim, é perda de tempo.
ISTOÉ - Se a Casa Daros vai fomentar a reflexão crítica e o conhecimento sobre arte, me parece contraditório que o sr. não esteja interessado em discussões.
Herzog - Estou interessado em discutir questões importantes. Falar sobre bienais é um assunto secundário, uma questão muito superficial. As pessoas têm discutido as bienais por anos a fio. Não há nada de novo.
ISTOÉ - Por que o sr. considera estéril a discussão sobre o modelo das bienais?
Herzog - O que é uma bienal? A Bienal de Veneza foi criada em 1895 apenas por razões turísticas e econômicas. Mas isso ficou para trás e as bienais foram declaradas mortas nos anos 1980. Todo mundo dizia: não queremos mais bienais no planeta, nos moldes da Bienal de Veneza, a primeira de todas. Mas aí o pessoal do marketing entendeu que, com as bienais, você poderia atrair pessoas e fazer dinheiro. E colocar sua cidade no mapa. Mas isso é ridículo.
ISTOÉ - Virou apenas um negócio?
Herzog - Trata-se de dinheiro e turismo. Nos últimos anos, as bienais ficaram parecidas com as feiras de arte e as feiras de arte ficaram parecidas com as bienais. Uma feira significa vender coisas - sapatos, batatas, peixe. Mas as feiras têm convidado todos os críticos, curadores, os grandes nomes. E o crème de la crème senta-se para debater. Então, a feira de arte está abocanhando uma fatia da bienal. Se você freqüenta as bienais, como fiz agora na Ásia, vê que os negociantes estão nas bienais convidando você para conhecer suas galerias. Por isso tudo, não levo a sério nem as feiras nem as bienais.
ISTOÉ - Quais as prioridades de sua agenda artística neste mês?
Herzog - Minhas viagens não têm nada a ver com prioridades. Tenho que visitar, por motivos profissionais, a Bienal da América Central, em Honduras, porque temos um projeto sobre essa região. Mas o que estou querendo dizer sobre feiras de arte e bienais é que elas têm uma função muito importante na América Latina, onde, por um bom tempo, não existia um mercado de arte. E, sem mercado, é muito difícil sobreviver. Portanto, é positivo, pois tanto a feira quanto a bienal contribuem para a formação desse mercado.
ISTOÉ - No Brasil se questiona se há um reconhecimento crescente da arte brasileira no mercado internacional ou se isso é algo passageiro.
Herzog - O desenvolvimento do mercado de arte latino-americano é muito saudável, porque está crescendo com estabilidade, passo a passo. Este é um ótimo sintoma de um crescimento orgânico.
ISTOÉ - Como surgiu o seu interesse pela arte latino-americana?
Herzog - Estava entediado com a arte européia e americana, realmente cansado. Isso foi por volta de 1990, quando comecei a trabalhar e a expor na Espanha. Viajei muito por lá, inclusive pelas Ilhas Canárias, onde há um museu muito interessante chamado Centro Atlântico de Arte Moderna. Eles estavam lidando na época com a conexão entre África, América Latina e Europa. Conheci pessoas que me abriram os olhos.
"É uma bienal de debates e eu não preciso mais de debates. Não preciso discutir 'por que bienais'. Isso é entediante"
ISTOÉ - Por que o sr. prefere que os catálogos da Daros tragam entrevistas com os artistas e não ensaios?
Herzog - Adoro escrever, mas acho que seria uma atitude arrogante e mesmo imperialista se o fizesse neste momento. Os artistas latinoamericanos têm tanto a dizer que seria uma estupidez não lhes dar a palavra. Portanto, quero que as pessoas os escutem, e não o que diz o curador. O curador tem seu lugar no jogo, mas não deveria levar-se tão a sério. Os artistas são muito mais importantes. São eles que criam os trabalhos. Eu definitivamente odeio essa idéia, em prática nos últimos 20 anos, de que os curadores são mais importantes.
ISTOÉ - Como isso acontece?
Herzog - A partir dos trabalhos, eles tentam estabelecer uma idéia, que chamam de teoria. Mas isso não tem nada a ver com teoria. Eles colecionam trabalhos para ilustrar suas idéias, o que aos meus olhos é errado. Tento entender o artista através de seu trabalho e então, a partir disso, elaboro uma idéia para uma exposição. E não o contrário. Chamo meu modo de "indutivo" e o outro "dedutivo". E isso é exatamente o que queremos fazer na educação da Casa Daros. Não queremos ser os donos da verdade.
Retratos da arte globalizada, por Paula Alzugaray, Revista Isto É
Retratos da arte globalizada
Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2037, no dia 19 de novembro de 2008
Duas exposições panorâmicas trazem à tona a explosão da arte contemporânea chinesa
Todo artista chinês em atividade teve a mesma formação artística. Todos foram doutrinados pelas técnicas realistas que durante muito tempo pintaram e esculpiram o heroísmo dos soldados do regime de Mao Tsé-tung. Mas hoje, quando essa arte propagandística a serviço da Revolução Cultural (1966-1976) é vista pelo retrovisor, como um retrato pálido e triste, o artista chinês vive seu tempo de glória, posicionado sob o holofote da globalização econômica.
A China é a moeda da hora no mercado de arte internacional. Na lista dos dez artistas contemporâneos que atingiram os valores mais altos nos leilões internacionais do ano passado, quatro são chineses, segundo a consultoria francesa Artprice. As imagens de Budas gargalhando, que aparecem reincidentemente nas pinturas de Yue Minjun, foram definidas pelo teórico chinês Li Xianting como "uma resposta auto-irônica para o vácuo espiritual e a loucura da China moderna". O riso incontido nas personagens de Minjun formam o novo retrato dessa potência mundial, que viu os valores de suas obras subirem 2.000% em quatro anos. Quem comprou por US$ 50 mil, hoje vende a US$ 1 milhão.
O irresistível glamour da arte contemporânea chinesa abriu as portas da nova Saatchi Gallery, de Londres, no início de outubro, com a mostra The revolution continues: new art from China, e agora chega ao Brasil na mostra China: construção e desconstrução, no Masp São 16 artistas no Masp e 30 na Saatchi, mas não há sequer um em comum nas duas mostras - sinal da explosão de artistas emergentes. "Atingimos um novo patamar onde este boom do mercado terá que se reestruturar e repensar seus valores. Estamos em uma fase de amadurecimento e os artistas que participam da mostra são protagonistas deste contexto", afirma a curadora Tereza Arruda, que na mostra do Masp traz artistas em franca ascensão no mercado de arte, embora ainda não tenham se notabilizado por bater recordes.
Mesmo com tanta variedade, prepondera nas duas exposições uma pintura figurativa, que acumula referências dos anos de chumbo do realismo social, dos anos de abertura do realismo cínico e do fascínio consumista da arte pop americana. São trabalhos que expressam críticas sobre os efeitos da globalização, mas também visões seduzidas pela sociedade de consumo. As fotografias de arquivo de Mao Tsé-tung e de outros símbolos do poder chinês, como a Praça Tiananmen, são as matérias preferidas dos trabalhos de Yin Zhaoyang e Chen Bo, no Masp, e de Zhang Xiaogang e Shi Xinning, em Londres. Wang Chenyun, que viveu dez anos na Alemanha, agora dedica ao seu país um olhar estrangeiro e representa Pequim como um canteiro de obras e de prostituição. Em cena, a China globalizada. "Tenho a impressão de que a pintura que até pouco tempo atrás dominou a cena chinesa está ficando cada vez mais comercial, enquanto a videoarte, a fotografia e as instalações continuam a demonstrar muito vigor", afirma o curador Alfons Hug, que organizou uma mostra de arte chinesa em 2007, no CCBB do Rio. A dica fica para quem conferir a exposição no Masp: olho no videolounge, com obras de cinco videoartistas.
Bienal abre para balanço
Matéria de Juliana Monachsi, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2037, no dia 19 de novembro de 2008
Em um contexto em que tudo conspirava para que a Bienal de São Paulo fechasse para balanço (falta de verbas, crise administrativa e falência do modelo global de empilhar centenas de obras de arte a cada dois anos em uma exposição universal), a 28ª Bienal promove uma pausa para reflexão e debate sobre os caminhos da instituição, e faz isso de portas abertas.
Muito se tem criticado o "vazio" - como se sabe, o segundo andar do Pavilhão da Bienal é apresentado nesta edição da mostra sem obras de arte, como um convite a vivenciar a planta livre do edifício projetado por Oscar Niemeyer -, mas quem reclama do vazio, e a afirmação a seguir vai com um respeitoso perdão aos lamentosos, tem preguiça de pensar e falta de criatividade para preencher aquele espaço com a própria imaginação.
Da 28ª Bienal de São Paulo pode se dizer qualquer coisa, menos que é vazia. O térreo e o primeiro piso acolhem diferentes ações - shows, performances, um primoroso programa de videoarte, obras participativas - que transformam o espaço em lugar de interminável interlocução (a programação muda a cada semana). Além disso, e em rigorosa sintonia com o projeto da Bienal, intitulada Em Vivo Contato, o auditório localizado no terceiro piso e o Belfiore (foto), pub que se deslocou da Barra Funda para o mezanino do pavilhão durante o período da mostra, propiciam de fato um espaço para discussão e "vivo contato".
Fazia décadas que uma bienal não era foco de tanto debate - público ou privado -, e nisso se percebe que o projeto do curador Ivo Mesquita se realizou, e, o que é melhor, se concretizou de forma orgânica e não-autoritária. Valerio sisters, a obra de Carsten Höller, é emblemática deste feito: nos fins de semana, vêem-se filas imensas para escorregar pelo tobogã do artista belga, e o público, conscientemente ou não, ao burlar o percurso de circulação pelo prédio imposto pela autoritária arquitetura modernista, está reforçando a idéia que paira no ar nesta Bienal: de que é hora de mudar.
Ensaio sobre as fronteiras, por Paula Alzugaray, Revista Isto É
Ensaio sobre as fronteiras
Matéria de Paula Alzugaray, originalmente publicada na Revista Isto É edição 2036, no dia 12 de novembro de 2008
Cada um à sua maneira, exposição e ataques de pichadores convidam o público a pensar sobre os processos de legitimação artística
Os trabalhos apresentados em I/legítimo: dentro e fora do circuito, exposição que ocupa simultaneamente o Paço das Artes e o MIS, geram muita estranheza. Os filmes do britânico David Blandy, por exemplo, configuram um pastiche de seriado de Kung fu, com diário de viagem, Sessão da tarde e livro de auto-ajuda, que dificilmente se adequariam a festivais de vídeo, ou, muito menos, à programação de tevê a cabo. Blandy está na fronteira entre a arte contemporânea e os sistemas de comunicação de massa, muito bem inserido nessa exposição que mostra de que forma o circuito midiático se infiltra no circuito artístico. A tevê, o vídeoclipe, a animação, a música eletrônica, as câmeras de vigilância, a tatuagem, a HQ, o grafite, a performance de skate e o hackerativismo interagem no espaço expositivo. "Estamos mexendo em circuitos que estão querendo se estabilizar, o que é perigoso.
No Brasil, a street art está virando um gênero", afirma Fernando Oliva, que assina a curadoria com Priscila Arantes. Para colocar à prova esses sistemas, os curadores trabalharam nas fronteiras: entre o clipe e a novela; entre a HQ e o documentário; entre a formação acadêmica e o autodidatismo, caso dos pintores Rodolpho Parigi e Carlos Dias, colocados lado a lado, em diálogo. A fronteira entre aceitação e ilegitimidade permeia a maioria dos trabalhos e a exposição atinge seu objetivo de convocar o público a pensar os processos de legitimação no circuito artístico.
Por outra parte, a seqüên cia de ataques que pichadores paulistanos têm promovido a instituições artísticas e a becos de grafite da cidade devem ser trazidos ao debate, já que chamam a atenção para os mecanismos de inclusão e exclusão. A exemplo do título da obra de Marcelo Cidade, Técnica de elaborar traçado sem qualquer significação (2004), exposta em I/legítimo, que significados podemos extrair do ataque ao andar vazio da Bienal, promovido no domingo, 26 de outubro? E em que medida esses gestos não perdem sua significação na violência? "A intenção é clara, mas a sociedade não entende porque está habituada a reduzir tudo a vandalismo", afirma Cripta Djan, 25 anos, ex-pichador, eleito porta-voz do grupo de invasores da Bienal por não ter participado das ações. "Os ataques dizem que a única forma da pichação entrar no circuito cultural é pela invasão. A pichação não pode ser domesticada." O protesto se dirige tanto ao sistema de arte quanto a grafiteiros. "Estamos inseridos numa cultura capitalista, em que toda contracultura vira produto e é absorvida.
A história mostra. Aconteceu com o punk, com o hip-hop, com o grafite. Os caras estão brigando contra isso", diz o fotógrafo Choque, 22 anos, autor dos registros das intervenções.
A 28ª Bienal, que tem entre suas prioridades um contato direto com o público, rejeitou essa forma de "participação", apagando as marcas do que anunciou ser um "ato criminoso". A Bienal reage à pichação como qualquer instituição, por mais aberta que se proponha à participação da sociedade.
"O que está em discussão é o papel da instituição. Essa violência é uma tentativa terrorista de implodir a instituição, que permite a participação só até um limite, enquanto ela ainda detém o poder da situação", diz a artista plástica Regina Johas, que no ano passado teve seu trabalho pichado na mostra Vai você, na Galeria Olido.
novembro 18, 2008
Arte em contêiner, por Mario Gioia, Folha de São Paulo
Arte em contêiner
Matéria de Mario Gioia, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 18 de novembro de 2008
Com curadoria de Cao Guimarães e Lucas Bambozzi, projeto no parque Villa-Lobos, em SP, mostra 62 vídeos de 49 artistas
De hoje ao dia 28, o público do parque Villa-Lobos, em São Paulo, vai ganhar algo mais além de pistas para a prática de esportes e bancos para repousar na área verde. "Experiências audiovisuais", de acordo com o curador e videoartista Lucas Bambozzi. "Uma praça", para o arquiteto Bernardo Jacobsen. "Um disco voador que pousou na entrada do parque", segundo a artista Lia Chaia.
Essas são algumas definições que resumem o Container Art, projeto que reúne vídeos de 49 artistas dentro de contêineres, preparados especialmente para essa finalidade, com ar-condicionado, pufes e sofás.
Doze deles abrigam 62 trabalhos, sete são destinados ao papel de teto e um é ocupado pela organização da mostra. Foram instalados na esplanada de concreto logo depois da entrada principal do parque, no Alto de Pinheiros (zona oeste de São Paulo).
Entre os nomes representados na mostra, estão destacados videoartistas, como Eder Santos e Marcellvs, artistas que também têm obras em outros suportes, como Brígida Baltar, Lucia Koch e Sara Ramo, e algumas surpresas, como um vídeo de João Moreira Salles antes de ele se consagrar como documentarista, com filmes como "Notícias de uma Guerra Particular" e "Santiago".
"Quisemos usar o contêiner como uma estrutura em si.
Reunidos, eles parecem uma grande instalação", diz o artista Artur Lescher, que assina a montagem do espaço junto do escritório de arquitetura carioca Bernardes + Jacobsen. "Tínhamos experiência com os contêineres porque fizemos um projeto parecido para o Tim Festival. Sabíamos que não haveria problemas e que teria um resultado legal", conta o arquiteto Bernardo Jacobsen.
O projeto Container Art foi idealizado pelo italiano Ronald Lewis Facchinetti, amigo do galerista Daniel Roesler, que consultou-o para poder trazer a idéia para o Brasil.
Só videoarte
Em São Paulo, a idéia foi adaptada para receber apenas trabalhos de videoarte, com os contêineres agrupados. Em outros locais, os módulos eram espalhados e destacavam apenas um artista em cada um. Hoje, há projetos do Container Art nas cidades italianas de Veneza e de Turim. Já foram expostos projetos similares em Nova York e em Taipé, entre outros centros.
Para montar a estrutura, os organizadores tiveram de trazer os contêineres e montá-los de madrugada, utilizando guindastes. "É uma logística que parece complicada, lembra o trabalho em um porto, mas há um know-how disso bom no Brasil", conta Bernardes.
Para a curadoria do projeto, foram escolhidos Cao Guimarães e Lucas Bambozzi, dois videoartistas de prestígio no Brasil, cujos trabalhos também têm circulação no exterior.
"Não houve a pretensão de apresentar um panorama extenso e com muitos marcos cronológicos", afirma Bambozzi. "Definimos alguns trabalhos e artistas que temos interesse e começamos a reuni-los por certas afinidades estéticas."
Abstrações e narrativas
Assim, a curadoria apresenta um contêiner com "abstrações", outro para "narrativas", um para registros de performances e assim por diante. "As categorias não são engessadas, há obras que poderiam estar em vários contêineres."
Bambozzi diz que não pretendeu limitar as obras a apenas um suporte. "Há filmes, vídeos, projeções, registros de apresentações ao vivo. Isso coloca em xeque a terminologia de videoarte, que é restritiva, assim como são, por exemplo, net art e arte tecnológica. Prefiro chamar os trabalhos de experiências audiovisuais."
Apesar de não ter a ambição de ser um panorama detalhado da videoarte no Brasil, a curadoria quis exibir trabalhos de épocas variadas, apresentando obras mais antigas de nomes como Carlos Nader, Walter Silveira e João Moreira Salles.
"O caso do João é exemplar nessa discussão. Seu vídeo sobre poema de Ana Cristina Cesar, de 1990, é de restrita circulação, mas é uma experiência poética como poucas. Por que será que não vemos mais esse curta? Será que ficou datado?
Vendo a produção, a resposta é não, certamente não ficou datado", avalia Bambozzi.
"Por isso, é importante sua inclusão. Faz com que aponte opções estéticas diversas e mostre que a videoarte não é uma coisa que começou agora."
Artistas presentes na mostra aprovam o seu caráter público. "Exibir trabalhos em um parque, fora do ambiente inibidor das galerias, é interessante", diz Kika Nicolela. "Minha obra se relaciona muito com a cidade e, por isso, ganha força com esse tipo de apresentação e em diálogo com outros artistas", avalia Lia Chaia.
novembro 16, 2008
Sobre a 28ª. Bienal ou "O buraco é mais em cima" por Guy Amado
Sobre a 28ª. Bienal ou "O buraco é mais em cima"
GUY AMADO
Pelo menos ao longo das duas últimas décadas, a cada edição da Bienal Internacional de São Paulo a situação se repete: discussões acaloradas, críticas e mesmo polêmicas afloram a partir da definição da curadoria e do mote conceitual a ser desenvolvido no evento. O próprio formato "temático" como tradicionalmente norteando nossas Bienais colabora nesse processo: afinal, verdade seja dita, quaisquer que sejam as idéias ou abordagens propostas pela curadoria, tenderão já de saída a serem atacadas. Para cada questionamento há uma expectativa a ser contemplada: representatividade nacional e internacional, coerência e/ou pertinência da proposta curatorial - e até que ponto esta se verifica ou se cumpre -, o papel da Bienal na formação do público e o estatuto da audiência no evento, etc.
Como não podia deixar de ser, desde o anúncio confirmando a realização da 28ª Bienal de São Paulo 2008, feito em final do ano passado, com Ivo Mesquita aceitando encampar a empreitada com pouca verba e menos de um ano para realizá-la, muito se especulou a respeito. Sob o mote "Em vivo contato", a plataforma curatorial de Ivo pautou-se prioritariamente em oferecer uma reflexão sobre a propalada "crise" do modelo bienais de arte como um todo, bem como propor um debate acerca da Bienal de São Paulo em si, visando fazer com que esta "reencontre sua especificidade" e a "coloque novamente 'em vivo contato' com seu tempo" (seja lá o que isso signifique). Para tal, seu projeto prevê não apenas a situação expositiva - ostensivamente árida, ou amortecida, em relação às anteriores, mesmo à última - mas ainda diversos outros produtos: ciclos de conferências e mesas-redondas, eventos musicais/performáticos, uma publicação regular em formato de jornal popular de grande circulação, além do "núcleo biblioteca" instalado no 3º. piso. Todos buscando expandir os horizontes de reflexão em torno do evento; sua vocação, estatuto atual e perspectivas de continuidade.
Assim que veio a público a proposta de manter um ou mais pavimentos do prédio sem obras de arte, num gesto de tensionamento simbólico daquele local (de sua história, importância ao longo do tempo e sobretudo, quero acreditar, das condições atuais de funcionamento), iniciou-se uma série de pseudo-querelas, com artistas, teóricos e outros agentes do meio disparando uma saraivada de críticas em torno de um projeto do qual pouco se sabia. Ou se podia "visualizar". A maior parte da indignação mirou o anunciado "vazio" de forma francamente superficial, numa onda de protestos cuja tônica se mantinha não raro no nível de um ressentimento algo corporativista e provinciano, na linha do "que absurdo, um andar da Bienal ficar vazio com tantos artistas de qualidade que poderiam estar ali". E me refiro a personagens de renome do meio artístico, que chegaram a elaborar ou endossar manifestos e abaixo-assinados eletrônicos em repúdio ao projeto de Ivo (o que aliás me leva a indagar por que não se vê tanta energia e potencial mobilizatório, nesse meio, canalizado para propor ações e protestos similares tão ou mais urgentes, como é o caso do Masp, o maior museu da América Latina e "semi-abandonado em público" há tempos. Mas essa é outra questão).
O VAZIO
Poucos se dispuseram a perceber e discutir – e problematizar - em profundidade o potencial simbólico embutido na proposta, a saber a expectativa de que a instauração do referido "vazio" naquele prédio e naquele contexto pudesse, ou possa, gerar uma reflexão efetiva acerca da instituição Fundação Bienal, esse sim possivelmente o maior vazio a ser ali questionado. O segundo pavimento está de fato desocupado, ou expondo sua "planta livre", para adotar a terminologia do vocabulário arquitetônico modernista recuperada aparentemente em cima da hora pela curadoria. Um "vazio" que, diga-se de passagem, não é nem pode ser "obra de arte"; apesar de se afirmar como um gesto autoral, mesmo "autoritário" para uns, da curadoria, não está ali para ser lido como instalação artística.
Mas para além da, digamos, experiência de "fisicalidade alternativa" ou do impacto visual que o ato de imersão neste vazio possa realmente suscitar, é sua potência metafórica o fator a supostamente ser destacado, apontando para um outro vazio, e que os mais dispostos e informados podem localizar logo acima, no terceiro piso. E não na área expositiva (de desenho museográfico especialmente árido nessa edição, o que sem dúvida foi planejado e deve se afinar ao projeto curatorial; mas que por outro lado compromete, ou "achata" excessivamente o corpo-a-corpo com os trabalhos. Se essa solução estabelece uma espécie de des-hierarquização visual entre obras e artistas, também determina certo desconforto nas relações espaciais entre os mesmos), mas nas dependências usadas pela presidência e conselho que administram a Fundação Bienal. Uma administração que vem se provando seguidamente ineficaz em apresentar algo próximo de um programa de gestão efetivo e seqüenciado, que impeça que a cada edição do evento tenha que se reinventar a roda para garantir sua subsistência e a realização da próxima Bienal. Uma administração cujo conselho deliberativo, não custa lembrar, por muito pouco não reelegeu Edemar Cid Ferreira para seus quadros quando este estava na cadeia, em sua infelizmente breve temporada sob custódia do Estado em 2006, respondendo a uma lista de acusações que tomariam o resto do parágrafo. Chega a ser incompreensível, além de deprimente, que aquela que se gosta de considerar "a segunda mais importante Bienal de arte do mundo" (abstraindo todo o relativismo que esse epíteto possa implicar na atualidade) tenha sua sobrevida perpetuada a partir de uma dinâmica tão precária, marcada pelo improviso, parcerias institucionais episódicas e acordos políticos emergenciais para obtenção de verba.
Uma leitura mais adequada do esvaziamento ou não-ocupação do segundo piso talvez fosse assim a de uma suspensão. E não a suspensão da percepção, antes pelo contrário: é a partir da ausência de quaisquer 'estímulos visuais' convencionais alheios à arquitetura nua num evento do tipo (a saber, trabalhos de arte) que se pode talvez enxergar além, ou perceber melhor a capacidade de ruído que este silêncio convoca. E aí de fato não entendo o porquê da curadoria insistir em "dourar a pílula do vazio", agregando discursos da arquitetura e de uma "experiência de imersão" àquele vazio, ao invés de deixar que este fale por si.
O que é de se lamentar em boa parte do que se vê de ataques e críticas negativas a essa Bienal na grande mídia, por especialistas ou pessoas não tão familiarizadas com as idiossincrasias do meio da arte contemporânea, é a tônica em se questionar apenas a superfície. Ou seja, a tendência em se emitir opiniões e juízos inflamados a respeito do "vazio" ou da "aridez expositiva" sem se buscar atingir o ponto que deveria ser realmente abordado, a saber a Bienal de São Paulo em si, ou antes a Fundação por trás do evento. Pela singularidade de seu projeto curatorial, com seus méritos e defeitos (a potência do agenciamento simbólico embutido na proposta e a dificuldade em se verificar objetivamente o alcance ou o sucesso de seus postulados), esta não me parece ser uma Bienal a ser lida, analisada ou comentada na mesma chave que nos habituamos a adotar nas anteriores. Qual o sentido em se lamentar a ausência de obras no 2º andar se isso estava previsto desde a concepção do evento? Alguma "surpresa" nisso? Ou de atacar a montagem das obras expostas no terceiro piso desconsiderando a óbvia intencionalidade de unidade orgânica do projeto museográfico, certamente problemática mas igualmente planejada? Há sem dúvida diversos aspectos a serem questionados neste evento, sobretudo no que tange a certa ambivalência conceitual entre seu discurso e objetivos e possibilidades reais de consumá-los; mas, se é assim, que ao menos as pessoas se disponham a atacá-la com procedência, obrigando-se a familiarizar-se minimamente com os postulados da curadoria.
CONTINGÊNCIA X PERDA DE POTÊNCIA
O que nos leva a um ponto que me parece altamente relevante: até que ponto se cumprem, ou podem se cumprir, os objetivos algo quixotescos aventados no mote curatorial? E até que ponto estes seriam passíveis de ser mensurados? Claro que em se tratando da matéria "curadoria de uma Bienal de arte contemporânea" - e não abordando diretamente a questão mercantil, cada vez mais incomodamente indissociada de eventos deste porte e perfil - não se pode falar de eficácia em termos objetivos; seria mesmo algo ingênuo supor que se pudesse ter ao alcance das mãos uma planilha de resultados nesse caso. A meu ver, um grave empecilho nesse sentido é a convergência de fatores contingenciais minando potencialmente a força de tal projeto. Ou seja, constatar que por mais legítima, pertinente e relevante seja a proposta de Ivo, esta se presta perfeitamente, gostemos ou não de admitir, a suprir as demandas "pouco tempo + pouco dinheiro" já conhecidas de antemão. E que, para efeito institucional (leia-se Fundação Bienal) e de repercussão midiática, alimenta ou reforça posturas e discursos na linha "vejam, apesar das adversidades, realizou-se/realizamos a Bienal". Tenho minhas dúvidas se essa empreitada de Ivo Mesquita – que, ressalte-se, talvez mais que ninguém neste país merecesse poder conceber e realizar uma Bienal com prazo e recursos dignos, dada sua competência e notória relação profissional e afetiva com a mesma, culminando drasticamente na Bienal que tiraram de suas mãos há alguns anos numa operação política -, para além de "pôr em xeque" a instituição, não colabora involuntariamente na perpetuação de um regime de sobrevida marcado pela inoperância de seus supostos gestores. Chego a sugerir, de modo algo pueril e pouco propositivo, que "vazio por vazio", talvez a não-realização da 28ª Bienal este ano fosse mais eficiente. Quem sabe mais um hiato de quatro anos (o último ocorreu entre 1998-2002) não estimulasse uma reflexão mais candente sobre tal vazio... realmente não sei. Por outro lado, reconheço que o debate foi lançado; aguardemos os acontecimentos, até porque o evento segue ainda em curso, com sua plataforma orgânica de estratégias e iniciativas extra-expositivas de ativação da reflexão, para verificar a real extensão de sua potência conceitual. E qualquer que esta se dê a ver, que ao menos vá além do diagnóstico, já anteriormente conhecido.
Seja como for, o vazio, ou o buraco, parece ser mais em cima.