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agosto 25, 2008
Um teto para o museu, nota de Mônica Bergamo, Folha de São Paulo
Um teto para o museu
Nota de Mônica Bergamo, originalmente publicada na Folha de São Paulo no dia 12 de agosto de 2008
O MuBE (Museu Brasileiro da Escultura) acaba de conseguir na Justiça o direito de manter as portas abertas. A prefeitura havia entrado com uma ação pedindo a rescisão da concessão do museu. O processo foi julgado no Órgão Especial do Tribunal de Justiça de SP, na semana passada, dando ganho de causa à instituição. A Secretaria da Cultura diz que ainda não sabe se vai recorrer.
agosto 8, 2008
MinC e Petrobras anunciam R$ 28 mi em editais para cultura, Folha de São Paulo
MinC e Petrobras anunciam R$ 28 mi em editais para cultura
Matéria originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 8 de agosto de 2008
Patrocínio para projetos de temática afro-brasileira é uma das novidades
O ministro interino da Cultura, Juca Ferreira, que substitui Gilberto Gil desde sua saída, em 30 de julho, anunciou ontem, em evento no Rio, o programa de editais de seleção pública que serão realizados em parceria com a Petrobras, ainda em 2008.
O ministro interino divulgou a publicação de dez editais que vão contemplar diversas áreas da cultura, com patrocínios no total de R$ 28 milhões. Oito darão prosseguimento às ações conjuntas desenvolvidas com a empresa desde 2003. Dois são novos.
Cultura negra
O Prêmio Nacional de Expressões Culturais Afro-brasileiras atende ao desenvolvimento de atividades de grupos, companhias e profissionais que trabalham com temáticas culturais negras em teatro, fotografia, dança e artes plásticas. Será distribuído R$ 1,5 milhão entre os projetos selecionados.
O outro é o edital nacional de apoio a programações de centros culturais, que deve oferecer um auxílio financeiro a instituições que desenvolvam projetos nas áreas de artes cênicas, artes visuais e música, promovendo a integração entre manifestações artísticas locais e regionais no país.
Segundo ciclo
Durante o seu discurso, Juca Ferreira disse que possivelmente o Ministério da Cultura e a Petrobras lançarão um segundo ciclo de editais ainda neste ano. Formato, recursos a serem disponibilizados e áreas que serão beneficiadas ainda estão em estudo. O gerente executivo de Comunicação Institucional da Petrobras, Wilson Santarosa, adiantou que a idéia é dar prioridade a projetos que gerem emprego e renda, especialmente em regiões com IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) baixo.
Cultura digital
Na mesma solenidade, o ministro reiterou que, a partir de 15 de outubro, estarão abertas as inscrições para a edição 2008/2009 do Programa Petrobras Cultural.
A novidade deste programa fica por conta de uma seleção dedicada especificamente à cultura digital, que vai apoiar o aprimoramento de sites culturais brasileiros já existentes e a produção de festivais e eventos de arte eletrônica e mídias digitais.
As demais áreas beneficiadas serão as de música, artes cênicas, audiovisual e literatura.
Os valores a serem destinados a cada modalidade ainda não foram definidos.
Graças a um acordo de cooperação técnica firmado entre a Petrobras e o MinC, não haverá a exigência de que os projetos inscritos no programa já estejam previamente aprovados pela Lei Rouanet, exceto aqueles que vão concorrer na categoria de produção e difusão de filmes de longa-metragem.
Os editais divulgados ontem ficarão disponíveis ao público na página do MinC na internet (www.cultura.gov.br).
MIS repaginado, por Silas Martí, Folha de São Paulo
MIS repaginado
Matéria de Silas Martí, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 6 de agosto de 2008
Após reforma, Museu da Imagem e do Som reabre com mais espaço para exposições e foco na tecnologia
Cibelle canta Björk e Paulo César Peréio declama Ezra Pound bombardeados por imagens sampleadas em tempo real por um grupo de VJs. Neste sábado, eles sobem ao palco do auditório reformado do Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, que reabre para o público após oito meses de reforma. Estão marcadas mais duas performances -uma delas terá biscoitos em formato de prédios assados no museu- e duas exposições de estréia.
A idéia é mostrar que depois da saída da antiga direção -alvo de investigação do Ministério Público por emitir notas frias e pelo mau uso do prédio do Estado- e de um arrastado período de decadência, com queda no número de visitantes e menor peso entre museus da cidade, o MIS mudou o perfil.
Saiu a fotógrafa Graça Seligman e entrou a nova diretora Daniela Bousso, à frente da organização social também responsável pelo Paço das Artes, na Cidade Universitária. Quando saiu, em junho de 2007, Seligman disse que as acusações do MP eram "inverdades".
Bousso diz que foi chamada pela Secretaria de Estado da Cultura, responsável pelo MIS, para "reposicionar" a instituição. O que era um órgão para a coleta de depoimentos sobre a vida brasileira, com o advento do videotape nos anos 80, agora tem como objetivo ser um espaço cultural dedicado à produção e à exposição de obras que misturam arte e tecnologia.
"A gente não está reinventando a roda", diz Bousso. "O museu tem uma identidade, uma história, um acervo, mas foi ficando para trás." Levando isso em conta, a nova direção assumiu com o Estado o compromisso de inventariar todo o acervo, com mais de 350 mil itens, para erguer sobre ele, desconhecido em grande parte, os novos planos do museu.
O mais ambicioso deles é sem dúvida o LabMIS, que Bousso espera se tornar um "celeiro ou incubadora de conhecimento". Com um investimento de R$ 550 mil, há salas de captação de som e vídeo, ilhas de edição e um programa de técnicos e programadores que vão auxiliar artistas convidados a realizar suas obras tecnológicas.
Neste ano, vão trabalhar no novo laboratório, a convite do museu, Caetano Dias e Paulo Meira. Depois deles, seis artistas por ano participarão de projetos semelhantes.
Para dar conta das novas demandas, foram investidos na readequação do MIS até agora R$ 7,2 milhões, repassados do Estado para a organização social. Além de aumentar em 200 m2 a área expositiva, que passou para 800 m2, o projeto prevê ainda um restaurante -o antigo, que ficava dentro do MIS, foi removido- orçado em cerca de R$ 1 milhão, ainda em fase de licitação e que deve levar um ano para sair do papel.
Também dobrou o orçamento anual do MIS, que passou a dispor de R$ 4 milhões por ano de verbas do Estado neste ano. Ainda assim, a nova direção fechou parcerias com a iniciativa privada e a Imprensa Oficial do Estado, que ocupará uma loja no térreo, para garantir novos equipamentos, mais verbas e a publicação de catálogos.
1/3 das obras pode deixar o museu
Segundo diretora, inventário técnico, que deve ser concluído em dois anos, vai determinar transferência de parte do acervo
Se a reforma do prédio do MIS atrasou quatro meses, e ainda havia cimento molhado e paredes por fazer quando a Folha visitou o museu na última sexta, há muito mais a ser feito em relação ao acervo.
Embora o inventário técnico das obras do MIS e sua catalogação adequada fossem exigências do governo à nova organização social responsável pelo museu, só uma lista prévia dos mais de 350 mil itens sob a guarda da instituição foi concluída até agora.
"Foi feito um levantamento, não um inventário técnico", diz a diretora Daniela Bousso. "Esse inventário tem que dizer qual é o estado da obra, se está tombada, se há um título."
A nova diretora acredita que esse estudo aprofundado do acervo levará à transferência de cerca de um terço das obras a outras instituições, já que muito do que está lá não cabe mais no novo perfil do MIS. Mas para chegar ao resultado final, Bousso prevê mais dois anos de trabalho pela frente. "É um trabalho muito longo, mas um desafio interessante", diz.
Entre o que pode sair do MIS e passar para outro museu, estão uma coleção de roupas e objetos pessoais do sambista Adoniran Barbosa, vídeos de consulados e imagens históricas de governadores tomando posse. "Temos que tratar assunto por assunto e ver o que cabe ficar no MIS", diz Bousso.
"O acervo estava recebendo peças que não faziam sentido", diz à Folha o secretário estadual da Cultura, João Sayad. "Muita coisa vai mudar, porque algumas peças acabam ficando só por valor sentimental. É uma coleção muito variada, que precisa ser pensada."
Segundo Bousso, o MIS deve formar em breve uma comissão de especialistas para ajudar a definir e pesquisar o que fica no acervo e o que sai do museu.
Um projeto que pode acelerar o processo é o chamado "Acervo Vivo" em que convidados escolhem filmes do acervo para exibir em ciclos de cinema. A primeira curadoria da série é do professor Arlindo Machado e estréia neste domingo, com filmes de Charles Atlas e Bruce & Norman Yonemoto.
Ao todo, Machado escolheu 300 filmes do acervo do MIS, todos restaurados nos últimos dois meses. Serão exibidos 180 deles, mas cada vez que um convidado faz um recorte, os filmes já passam pelo processo de digitalização. Esses primeiros 300 títulos, no entanto, são ainda uma parcela ínfima dos 350 mil itens no acervo. "É um trabalho que está começando", reconhece Bousso.
Política de aquisições
Apesar da vontade declarada de devolver ao MIS a "efervescência" que tinha nos anos 80, Bousso admite que ainda nem pensou em outra de suas metas: a formação de uma política de aquisições do museu.
Embora reconheça que o acervo não pode "ficar parado", Bousso diz que uma segunda comissão de especialistas deverá ser formada para definir aquisições. Outra idéia é negociar com artistas que desenvolverem seus trabalhos a convite do MIS: uma vez concluído, o trabalho pode passar a pertencer à instituição.
agosto 5, 2008
Elogiado pela crítica, pintor faz 1ª mostra aos 59 anos, por Mario Cesar Carvalho, Folha de São Paulo
Elogiado pela crítica, pintor faz 1ª mostra aos 59 anos
Matéria de Mario Cesar Carvalho, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 5 de agosto de 2008
Morador do bairro do Limão, Bernnô é dono de uma oficina de pintura de carros
O curador Cauê Alves compara Bernnô com Volpi pela "articulação entre cor e formas geométricas nada rígidas"
José Bernnô sempre se sentiu um estranho no mundo dos pintores contemporâneos de São Paulo. Primeiro, porque ele mora do outro lado do rio Tietê, no Limão, um bairro de classe média baixa na zona norte, enquanto o mundo da arte gira em torno da classe média alta. Segundo, porque é dono de uma oficina de pintura de carros.
Terceiro, porque na sua idade os pintores que conhece já têm livros publicados enquanto ele inaugura hoje sua primeira exposição individual numa galeria de arte. Bernnô tem 59 anos. O pior modo de se aproximar da obra de Bernnô é pelo viés folclórico ou fabuloso, do tipo "o pintor de carros que virou pintor de telas". Seu trabalho não tem nada de ingênuo ou primitivo. Em texto inédito, o crítico Rodrigo Naves diz que a compreensão de Bernnô da pintura contemporânea passa pela mediação de artistas como Sean Scully, Paulo Pasta, Rodrigo Andrade e Marco Giannotti, com quem ele estudou. O crítico Cauê Alves, curador da exposição, compara o trabalho de Bernnô com o de Alfredo Volpi (1896-1988), o pintor que vivia num bairro popular, o Cambuci, e criou uma das obras mais poderosas da pintura brasileira. "Talvez a pintura de Volpi do início da década de 1960 em diante -pela sabedoria na construção das telas e articulação entre cor e formas geométricas nada rígidas- seja uma aproximação pertinente", escreve no folder da mostra. Seria equivocado, porém, ignorar que Bernnô vem do outro lado da marginal. O próprio artista frisa a ligação de sua obra com o bairro onde vive. Há uma padaria no bairro do Limão chamada A Lareira, que Bernnô freqüenta há décadas. Fica no alto de um morro. "Quem quiser saber de onde vem minha pintura, é só olhar aqui de cima do morro: minha pintura vem das casas simples", afirma.
As cores de Bernnô são um espanto para quem está acostumado com o mundo asséptico da pintura brasileira pós-50.
Ele não tem medo de usar vermelho, amarelo, rosa fluorescente ou três tons de verde numa mesma tela. Há uma alegria que parecia perdida na arte contemporânea.
"Sabe de onde vem essas cores?", pergunta Bernnô. "Comecei a estudar pintura e fiquei fascinado com as cores puras.
Agora estou imitando o Matisse. Ele era um defensor da cor pura. Daí eu quis saber o que ele chamava de cor pura. É a cor que sai do tubo de tinta, sem nenhuma mistura", conta.
O uso abusado das cores não transforma as obras de Bernnô em paródia da pintura moderna, como ocorre com certos pintores contemporâneos.
"Não quero chocar", diz, sobre o uso de cores cítricas ao lado de preto ou vermelho. "O que me interessa é o bonito."
Numa tela, Bernnô pinta formas abstratas em vermelho, preto e rosa, "a cor dos puteiros", como diz o colecionador e galerista Maurício Buck. O pintor diz não ter medo das chamadas cores decorativas. "Depende de como você usa essas cores", ensina.
agosto 4, 2008
Juca Ferreira: debater lei Rouanet é prioridade, por Raphael Prado, Terra Magazine
Juca Ferreira: debater lei Rouanet é prioridade
Matéria de Raphael Prado, originalmente publicada no Terra Magazine, no dia 31 de julho de 2008
Secretário-executivo do ministério da Cultura desde o início do primeiro mandato do presidente Lula, o sociólogo e ambientalista João Luiz Silva Ferreira, o Juca Ferreira, assume como titular da pasta com a saída de Gilberto Gil. Temporariamente interino, Juca confirma nesta entrevista exclusiva a Terra Magazine que será empossado assim que o presidente voltar da cerimônia de abertura dos Jogos de Pequim, marcada para o próximo dia 8.
Baiano de Salvador, Ferreira passou 9 anos exilado no Chile, na França e na Suécia, durante o regime militar. Ele é filiado ao Partido Verde (PV), foi Secretário de Meio Ambiente da prefeitura soteropolitana e assessor da Fundação Cultural do Estado da Bahia.
Nesta conversa com Terra Magazine, o futuro ministro da Cultura reconhece o trabalho de Gilberto Gil à frente do ministério. Juca Ferreira já substituiu interinamente o cantor em outras oportunidades, cobrindo férias ou viagens de Gil durante turnês.
Para Ferreira, o maior legado de Gil foi a "grandeza" dada à área cultural. Ele promete dar continuidade ao "projeto de construção de uma política pública de cultura no Brasil". Seu maior desafio será repensar a principal fonte de captação de recursos culturais no País, a Lei Rouanet.
- O primeiro diálogo que quero fazer, primeiro com os artistas, sem intermediários, e com a imprensa, com a opinião pública, com os produtores culturais, investidores, é justamente sobre a lei Rouanet.
Leia os principais trechos da entrevista, em que o ministro fala ainda dos pontos a avançar na área cultural do País.
Terra Magazine - Qual o maior legado da gestão Gilberto Gil?
Juca Ferreira - É ter dado visibilidade à importância da cultura, tanto como uma necessidade básica do ser humano como um direito. Ter transformado o ministério da Cultura num instrumento de aplicação de uma política pública para disponibilizar esse direito pra todas as pessoas. E o fato de ter aberto o conceito de cultura, permitindo que esse ministério se relacionasse com uma gama muito grande de manifestações, instâncias, sistemas culturais, sem nenhum conflito entre o que é erudito e o que é popular, o que é do Nordeste, o que é do Sul. Para mim, o legado é esse. Grandeza. O legado é a grandeza e a luminosidade que Gil deu ao ministério.
E em qual ponto ainda falta avançar?
Muitos. Eu diria que estamos no meio do caminho de um projeto de construção de uma política pública de cultura no Brasil. Nós estamos com um debate aberto sobre direito autoral; nosso direito autoral é anacrônico. Não realiza o direito dos autores e a gente quer garantir isso. Em relação às artes, apesar de termos avançado em relação ao que encontramos, é a área mais devastada por Fernando Collor de Melo. Então a gente precisa reconstituir uma Funarte mais moderna, com mais recursos. E as políticas de cada setor, das artes visuais, da música. Essa é a área que eu vou atentar com muito carinho.
A lei Rouanet vai ser reformulada ainda nesse governo?
Vai, claro. Eu vou procurar o diálogo como principal marca da minha gestão. O primeiro diálogo que quero fazer, primeiro com os artistas, sem intermediários, e com a imprensa, com a opinião pública, com os produtores culturais, investidores, é justamente sobre a lei Rouanet.
E de que forma se dá essa reformulação?
Superar os estrangulamentos e agilizar todo o procedimento. E dar uma regulamentação que gere mais responsabilidade no uso desse dinheiro público. Porque imposto devido é dinheiro público. E ele tem que ser disponibilizado em itens claramente de interesse público.
O senhor fica como titular do cargo?
O que os dois (Lula e Gil) decidiram é que eu assumiria interinamente e depois tomaria posse. Depois da volta do presidente Lula da China, onde ele participa da abertura dos Jogos Olímpicos. Está fechado já isso aí. Meu nome surge como reconhecimento da grandeza do trabalho de Gil. Ou seja, eu sou parte de um projeto de continuidade, aprofundamento e alargamento do que está sendo feito.
Exposição ressalta "estado de exceção" de imigrantes coreanos, por Silas Martí, Folha de São Paulo
Exposição ressalta "estado de exceção" de imigrantes coreanos
Matéria de Silas Martí, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 4 de agosto de 2008
Os apresentadores de telejornais coreanos surgem na tela para advertir: "Se acordar com o cabelo bagunçado, basta um pouco de água para que ele volte a ser como estava ontem". Bem no meio da sala expositiva, há uma réplica enorme de uma caixa de lámen, o macarrão oriental. É mais fácil definir a mostra em cartaz no Paço das Artes pelo que ela não é. "Estado de Exceção -°Venha Ver a Coréia (Ver Você)" não é uma investigação etnográfica sobre os coreanos em São Paulo. Não é uma exposição de obras de artistas daquele país. Também não é uma tentativa de dar voz à comunidade de imigrantes.
Os trabalhos de dois coreanos e sete brasileiros foram produzidos na zona cinzenta mútua que se forma entre a comunidade coreana e São Paulo. "É uma zona que não é nem lá nem cá", diz o curador, Marcelo Rezende. "A relação com a comunidade coreana é intermitente, diálogos que não se completam."
Longe de tratar a arte como ação social que busca sanar mazelas de um grupo excluído, as obras ressaltam um estado de exceção permanente: em vez de se integrar à cultura local com o passar dos anos, imigrantes coreanos mantiveram a própria tradição.
Com fogo, o artista Marcelo Reginato ilustra o tempo que essa mistura pode levar. Ele queima incenso brasileiro e coreano, misturando a fumaça dos dois e, mais tarde, as cinzas que se acumulam no chão indistintas.
A artista Alice Shintani, neta de japoneses, pesquisou nos mercadinhos do Bom Retiro, reduto de ocupação coreana, para encontrar a caixa de lámen que decidiu reproduzir, mais para embaralhar do que explicitar referências. "Eu sinto esses agrupamentos entre semelhantes. Tem um limbo aí." No mesmo bairro, Raquel Garbelotti e Rodrigo Matheus dão ares de documentário antropológico às vitrines e propagandas de produtos coreanos.
Fora de contexto, as imagens acompanhadas de uma narração teórica questionam o verdadeiro objetivo por trás da arte que tenta usar uma comunidade como matéria-prima.
agosto 1, 2008
Após licença, Gil volta ao país e pede demissão da Cultura, por Letícia Sander, Folha de São Paulo
Após licença, Gil volta ao país e pede demissão da Cultura
Matéria de Letícia Sander, originalmente publicada na Folha de São Paulo no dia 31 de julho de 2008
Cantor se reúne com Lula e diz que interino será seu sucessor; Planalto não confirma
Alvo de crítica por se dedicar à carreira de músico, ele diz que temia que o equilíbrio entre "artista" e homem de Estado pudesse "ficar crítico"
Dizendo ter "cumprido um ciclo", o ministro da Cultura, Gilberto Gil, anunciou no final da tarde de ontem seu afastamento do governo federal, após reunião de uma hora no gabinete do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ele alegou temer que o equilíbrio entre o "artista" e o homem de Estado pudesse "ficar crítico".
Numa entrevista de 21 minutos em que mesclou frases saudosas e elogios ao presidente Lula, Gil anunciou o próprio substituto. Ele disse que Juca Ferreira, hoje secretário-executivo, assumirá a pasta, o que não foi confirmado oficialmente pelo Palácio do Planalto até o fechamento desta edição.
É a terceira vez que o ministro pede para deixar o cargo -nas outras duas, foi convencido pelo presidente a ficar. "Eu disse a Lula que estava dois a zero para ele. Hoje, eu fiz um gol", afirmou, após cinco anos e meio à frente do ministério.
Cantor e compositor, ele vinha sendo criticado por supostamente negligenciar o ministério em favor da música.
Ontem, Gil negou ter ficado incomodado com as cobranças, mas reconheceu que a "dose inicial" de 80% de dedicação ao ministério e 20% aos projetos pessoais não vinha sendo cumprida. "Essa proporção foi se desequilibrando um pouco, mas não foi nada absurdo", afirmou o ministro, que neste ano tirou os 30 dias regulares de férias e outros 40 dias de licença.
Gil voltou ao Brasil no dia 27 de uma temporada de shows na Europa e nos Estados Unidos. Ele está em fase de lançamento de um novo projeto, intitulado "Banda Larga".
Ao fazer um balanço de sua gestão, a única crítica a ele mesmo e a Lula foi não ter conseguido um orçamento "mais generoso" do Ministério da Cultura. "As dificuldades todas com as contas governamentais, o superávit e essas coisas todas que são conhecidas de todo mundo fizeram com que não atingíssemos a meta de 1% [do Orçamento Geral da União] que era o desejado por nós e o recomendado pela Unesco."
Gil teve atritos fortes com produtores e artistas durante sua gestão. Ao propor a criação da Ancinav (Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual), em 2003, foi acusado de querer interferir na liberdade de expressão. A idéia acabou arquivada pelo governo.
Por não reformar a Lei Rouanet, como prometia desde que assumiu, recebeu críticas duras de artistas como Paulo Autran e Marco Nanini. Estes, como outros colegas, também atacaram Gil por dedicar parte de seu tempo à carreira de músico. O fato de ter criado programas como os Pontos de Cultura e organizado os editais de patrocínio público não foi suficiente para reduzir essas críticas.
"Refazenda"
Para Gil, "Refazenda" é a música que simboliza seu ciclo na gestão petista. "O governo do presidente Lula significa uma refazenda extraordinária do país. Amanhecerá tomate e anoitecerá mamão...", disse, declamando trechos da canção.
Ele mesmo explicou: "O governo do presidente Lula teve esta capacidade de fazer o país compreender o processo da transmutação permanente que se deve fazer da vida, com todos os instrumentos, inclusive os da política, da gestão, da criação, do estímulo à produção, da responsabilidade gerencial (...) Refazenda é uma música que eu cederia como jingle."
Gil negou ter sofrido pressão de Lula ou do governo para se dedicar mais ao trabalho de ministro enquanto esteve à frente do cargo.
"Agora o presidente entendeu que eu já tenho condições de me afastar sem dificuldades maiores para ele, do ponto de vista também político como do ministério, que fica com equipe azeitada, treinada, adaptada", afirmou.