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abril 28, 2008
Mobilização pelo SESC, carta de Danilo Santos de Miranda
Mobilização pelo SESC, carta de Danilo Santos de Miranda
Caros amigos e parceiros do SESC:
Gostaria de compartilhar com todos vocês o risco a que o SESC está exposto neste momento. Talvez já tenham tomado conhecimento pela imprensa: o governo federal lançou medidas para melhoria da formação técnica dos jovens brasileiros que, do modo como estão sendo propostas, por mais bem intencionadas que sejam, constituem ameaça de uma intervenção do Estado em uma entidade privada.
O projeto, em resumo, pretende rever a distribuição dos recursos do impropriamente chamado Sistema S. Determina que boa parte da arrecadação dessas entidades seja remanejada para um novo Fundo destinado à formação técnica. O fato, porém, é que as entidades do chamado Sistema S são em si resultado de Fundos já criados, lá nos anos 40, em parte, com a mesma finalidade.
O remanejamento dos recursos desses Fundos para outro novo Fundo, no entanto, implicará na restrição drástica da diversidade e do alcance da reconhecida ação do SESC, em prejuízo da educação permanente promovida diariamente a seus milhares de freqüentadores assíduos.
Diante desse quadro, sinto que é meu dever dirigir-me uma vez mais a vocês, sobretudo porque estou seguro do valor desta instituição.
A melhor maneira de conferir o significado de sua ação é vivenciar o dia-a-dia nas unidades (atualmente são 31, somente no Estado de São Paulo); ouvir o relato dos freqüentadores sobre a importância do SESC em suas vidas e para suas famílias; estar e usar os equipamentos e instalações de primeira qualidade, abertos a todos os estratos sociais, e participar das inúmeras atividades que abrangem um amplo arco de interesses e necessidades, reunindo um público extremamente diversificado.
Acredito que todos vocês já tiveram essa oportunidade. São, portanto, testemunhas da natureza beneficamente eficaz, engajadamente eficiente e profundamente educativa do trabalho que o SESC desenvolve há mais de 61 anos. Esse patrimônio não pode ser sacrificado no altar de prioridades transitórias, em nome das quais se engendra um prejuízo incalculável ao país.
Tornar a Educação meramente técnica, burocrática e pragmática, dissociando-a do universo simbólico, subjetivo, crítico e criativo, cerne da Ação Cultural, é um evidente retrocesso, fruto de visão flagrantemente obscurantista.
Certo de que compreenderão a gravidade dessa perspectiva, escrevo a vocês, formadores de opinião, representantes de classes, artistas, pensadores, amigos e parceiros do SESC para que se manifestem, pelos meios ao seu alcance, em prol da continuidade de nosso trabalho. Um projeto que, afinal, construímos juntos.
Danilo Santos de Miranda
Diretor Regional do SESC SP
Participe do abaixo-assinado da Mobilização pelo SESC
abril 14, 2008
Por que insistir em um modelo insustentável?, por Yacoff Sarkovas, O Estado de São Paulo
Por que insistir em um modelo insustentável?
Artigo de Yacoff Sarkovas, originalmente publicado nO Estado de São Paulo no dia 12 de abril de 2008
A cultura e as artes movimentam parte significativa da economia planetária. As indústrias criativas crescem para alimentar uma demanda inesgotável por estética, símbolos, lazer e entretenimento. Porém, os recursos gerados por este vasto mercado de consumo não suprem a diversidade e complexidade da cultura, comportando outras três fontes de financiamento, distintas e complementares:
* o Estado, que tem a responsabilidade de fomentar a criação e a fruição artística e intelectual, bases do progresso humano
* o investimento social privado, evolução histórica do mecenato, pelo qual cidadãos e instituições privadas tornam-se agentes do desenvolvimento da sociedade
* o patrocínio, estratégia empresarial para tornar as marcas mais próximas e envolventes, com maior afetividade, credibilidade, relevância e reputação junto a seus públicos de interesse.
No Brasil, o sistema de financiamento público às artes baseado em dedução fiscal emaranhou estas fontes, subvertendo suas lógicas, pervertendo seus agentes e, de quebra, confundindo a opinião pública.
No mês de março, profissionais de teatro foram a Brasília apoiar uma legislação que também canaliza recursos para a área por dedução fiscal, um modelo econômica e socialmente insustentável. Vamos imaginar que os médicos reivindiquem poder investir, por critérios próprios, um naco do imposto na saúde pública; os educadores, para manter abertas escolas públicas; as empresas de transporte, para criar estradas exclusivas; e -por que não? -, cada cidadão reter outro tanto do imposto para montar seu próprio esquema de segurança. Bastaria um punhado de categorias adotar esta lógica para não haver mais imposto a recolher. Por conseqüência, poderíamos suprimir o Estado e dispensar os governos.
Tomar posse de dinheiro público para destiná-lo por critérios individuais e privados é um ato anti-republicano. Desinformados e iludidos pela justa perspectiva de injetar recursos no seu campo de atividade, muitos artistas e produtores ajudam a propagar o câncer do incentivo fiscal, em vez de lutar por políticas e fundos de financiamento direto do Estado, regidos por critérios técnicos e públicos.
Esse modelo de dedução fiscal à cultura, único no mundo, foi criado pela Lei Sarney, em 1986 - substituída pela Lei Rouanet por Collor, em 1991-, ampliado com a Lei do Audiovisual por Itamar, em 1993, e replicado por municípios e Estados via dedução no ISS, IPTU e ICMS. Fomentadas por ignorância, no governo FHC, e mantidas por incompetência, no governo Lula, as leis de incentivo mobilizarão, neste ano, mais de R$ 1 bilhão. Recursos integralmente públicos que financiam somente a parcela da produção artística que desperta o interesse das empresas.
A dedução fiscal gera produção cultural porque distribui dinheiro, não por ser lógica ou justa. É uma forma prática de obter recursos sem enfrentar disputas no orçamento público. Nada tem a ver com patrocínio ou investimento privado de verdade. Empresas promovem ações sociais, ambientais, culturais, esportivas, de entretenimento e comportamento como estratégia eficaz, saudável e rentável de valorizar marcas e fortalecer relacionamentos. Por isso, em todo mundo, investem seus próprios recursos institucionas, de marketing e comunicação.
Em outros países, incentivo fiscal é somente lançar as contribuições à cultura como despesa na declaração de renda. Ou seja, é poder doar dinheiro do próprio bolso sem ser sobretaxado por isso. No Brasil, a Lei do Audiovisual permite dedução integral no imposto a pagar e, ainda, o abatimento como despesa, reduzindo o imposto acima do valor aplicado. O resultado é um ganho real de mais de 130% ao "investidor", sem risco. Espectadores-cidadãos não se dão conta que as marcas que aparecem na abertura dos filmes brasileiros são de empresas que ganham dinheiro público para fingir que são investidoras culturais e decidir que aquele filme, e não outro, deva ser produzido. Em vez de exigir o fim deste escândalo, setores do teatro reivindicam "equiparação de benefícios".
É certo que o Estado brasileiro consome 50% do PIB e pouco do que devolve tem valor reconhecido pela sociedade; é compreensível que os brasileiros desconfiem que os nossos governos sejam regidos pela corrupção. Mas não corrigiremos mazelas históricas subtraindo recursos e responsabilidade públicas para distribuí-las a interesses privados.
Melhor seria lutar para reduzir a carga tributária, para benefício da sociedade civil, e ajudar a construir um Estado mais eficaz, com capacidade de formular e implementar políticas públicas, financiando diretamente as ações por princípios republicanos.
Yacoff Sarkovas, especialista em atitudes de marca e presidente da Significa e da Articultura
abril 9, 2008
Montagem e trabalhos inéditos se destacam em mostra no Itaú Cultural, por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo
Montagem e trabalhos inéditos se destacam em mostra no Itaú Cultural
Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 9 de abril de 2008
"Quase Líquido", mostra em cartaz no Itaú Cultural, com curadoria de Cauê Alves, radicaliza uma linha adotada nas exposições mais recentes da instituição: poucas obras, que ocupam os espaços de maneira mais digna, e propostas comissionadas, o que faz com que não sejam só exibidos trabalhos conhecidos, mas impulsionada sua criação.
Propiciando a experimentação, o Itaú Cultural dá sentido às suas vultosas receitas. Enquanto museus raramente têm verbas para a produção de novas obras, instituições privadas como o Itaú ou mesmo o Centro Cultural Banco do Brasil, que não possuem acervos e seus decorrentes gastos, podem investir no incentivo e não ficam apenas tomando obras emprestadas.
Em "Quase Líquido", isso faz com que artistas como Daniel Acosta, Ana Maria Tavares e Lucia Koch, entre outros, sejam vistos com novos desdobramentos em suas carreiras. Em Acosta, pela primeira vez há um componente cinético em seu trabalho. Com Tavares, cristaliza-se ainda mais o diálogo com a arquitetura moderna -no caso, com Lina Bo Bardi-, e Koch amplia seus espaços imersivos, evocando o norte-americano Dan Flavin.
Dentre os trabalhos inéditos, um dos destaques é o conjunto de ventiladores do mexicano radicado no Brasil Héctor Zamora. Integrados ao teto da exposição de forma mimética, funcionando com velocidades distintas, eles provocam sensações no visitante, colocando em xeque a visão como sentido primordial em uma exposição.
Também inédito é "Pets", de Eduardo Srur, artista que vêm ampliando o grau de suas intervenções públicas e alcança, agora, sua obra de maior porte.
Com recursos publicitários, o que poderia banalizar sua proposta, Srur aborda, nas margens do rio Tietê, a poluição e o dejeto -temática que, contudo, parece um tanto redundante com as garrafas de plástico ao mesmo tempo em que dá visibilidade a uma questão real.
No entanto, não são apenas os novos trabalhos que merecem destaque. "Experiência de Cinema", de Rosângela Rennó, é um dos pontos altos da exposição. A projeção de fotografias numa névoa fantasmagórica que sempre se esvai evoca a não realização do projeto moderno brasileiro que o curador buscou costurar nos trabalhos, assim como a fluidez, outro tema da mostra.
Tendo os dilemas do rio Tietê como eixo, o curador, como ocorre em todas as mostras monotemáticas, correu o risco de limitar as obras a um discurso unidirecional. Escaparam dessa malha aquelas que, como em "Experiência de Cinema", alcançam maior grau de complexidade.
abril 8, 2008
Sou de uma geração sem slogan, por Mario Gioia, Folha de São Paulo
Sou de uma geração sem slogan
Matéria de Mario Gioia, originalmente publicada na Folha de São Paulo no dia 8 de abril de 2008
Na reedição de seu "Manual da Ciência Popular", artista comenta a importância de evitar uma arte "exótica"
Um dos artistas de maior prestígio no exterior, o carioca Waltercio Caldas, 61, diz que a inserção de arte contemporânea brasileira se dá justamente porque ela não é "exótica".
Ao lembrar de que sua obra surgiu em meio ao ambiente repressivo do regime militar -fez sua primeira individual em 1973, no MAM-RJ, e, junto de artistas como Cildo Meireles, Carlos Vergara e Carlos Zilio e críticos como Ronaldo Brito, criou em 1975 a revista "Malasartes", veículo histórico do experimentalismo da época-, Waltercio destaca seu princípio de não fazer concessões ao mais fácil. "A minha geração é uma geração sem slogan."
Waltercio também vê com ironia o panorama das grandes exposições internacionais: "O que se oferece hoje em dia é uma quantidade muito grande de mostras e uma produção de idéias infinitamente menor que a quantidade de eventos".
Participante das principais exposições de arte em âmbito internacional, como a Documenta de Kassel -em 1992-, a Bienal de Veneza -em 1997 e no ano passado- e a Bienal de São Paulo-em 1983, 1987, 1989 e 1996-, Waltercio participa neste ano de uma coletiva na Suíça e tem mostras marcadas em Portugal e na Espanha.
O artista pode ser melhor conhecido em "Manual da Ciência Popular", reedição da Cosac Naify que acaba de chegar às livrarias. Publicado originalmente em 1982 pela Funarte, "Manual..." (ed. Cosac Naify, R$ 49, 88 págs.) tem um novo prefácio do artista, junto de outros objetos e texto original do crítico e professor da UFRJ Paulo Venancio Filho.
No livro, o autor propõe uma série de objetos que lidam com o cotidiano e com a noção do que é arte. A seguir, trechos da entrevista para a Folha, feita em sua casa no bairro do Cosme Velho, no Rio.
A REEDIÇÃO DO "MANUAL..."
Esse livro foi pensado dois anos depois do meu primeiro livro, "Aparelhos" [da editora GBM, publicado em 1979]. No "Manual...", não queria fazer mais um livro sobre o trabalho, mas um livro específico sobre o fato daquele objeto ser um livro. Então eu selecionei trabalhos da minha produção que tinha uma característica em comum, o fato de serem realizados de uma forma fácil, porque os materiais eram muito simples e encontráveis facilmente em qualquer casa. Uma espécie de manual que pudesse, de certa maneira, ironizar a idéia do que muitas pessoas falam de arte contemporânea, de que "isso eu posso fazer". Sempre me chama muito a atenção quando as pessoas falam "eu posso fazer um objeto de arte" e, quando eu pergunto se sabem o que aquele objeto significa, elas ficam confusas. Foi um livro feito com muito humor.
SEM SLOGAN
A idéia era duvidar um pouco de uma arte mais contemplativa, mais desligada do real, que era o senso comum da época. Estávamos insatisfeitos com aquela situação, e cada um tentava com uma poética diferente lidar com aquilo. Acho que a saúde da arte brasileira se demonstra por isso, pois, embora nós todos tenhamos enfrentado problemas muito parecidos, cada um de nós encontrou soluções bastante diferentes. A minha geração é uma geração sem slogan. Só Deus sabe o trabalho que nos deu evitar um slogan, uma situação que pudesse nos aprisionar em um rótulo, em um "ismo". Isso foi realmente um trabalho bastante grande, cada um de nós tinha consciência que esses "ismos", essas tendências, esses grupos, poderiam delimitar e perturbar e dificultar um pouco a nossa atuação. A questão era como agir politicamente em uma época tão difícil preservando uma identidade poética.
A GERAÇÃO EXPERIMENTAL
A palavra experimental servia na época para demonstrar coisas e objetos e atitudes artísticas que você não sabia exatamente o que era. Foi um rótulo interessante, embora na época ele fosse usado de uma forma pejorativa. Estávamos experimentando os limites do objeto de arte, não negando seus limites, mas tentando superá-los.
O PRESTÍGIO NO EXTERIOR
É claro que nenhum de nós pensou na dimensão possível do trabalho no exterior, foi um acontecimento que está se dando paulatinamente graças ao trabalho contínuo de vários artistas durante décadas. Houve contribuições do Antonio Dias, do Sergio Camargo, da Lygia Clark, artistas que de certa forma estavam presentes desde os anos 50 fora do país com uma presença marcante. A isso veio se somar a qualidade e a diversidade da nossa produção e ao momento também do mundo globalizado. É bastante educativo que a arte brasileira que entrou no mercado lá fora foi de questões brasileiras, como o neoconcretismo. Não foi a arte feita para turistas, não foi a arte folclórica, não foi a arte exótica, foi uma arte rigorosa, precisa e extremamente pertinente para a época do Brasil.
Mas hoje artistas bem jovens estão presentes em situações bastante privilegiadas lá fora. Nós temos de tomar cuidado para preservar o sentido de valor cultural nosso e não simplesmente começar a importar obras de arte como se elas fossem commodities.
AS GRANDES EXPOSIÇÕES
Não necessariamente as exposições de grande formato estão em declínio. Isso vai depender do projeto e da instituição, da curadoria, da questão levantada, dos artistas. Mas o que se oferece hoje em dia é uma quantidade muito grande de mostras e uma produção de idéias infinitamente menor que a quantidade de eventos, isso é verdade [risos].
abril 4, 2008
"Produtor de teatro que não reaplica é imoral", entrevista de Celso Frateschi a Raphael Prado, Terra Magazine
"Produtor de teatro que não reaplica é imoral"
Entrevista de Celso Frateschi a Raphael Prado, originalmente publicada na Terra Magazine no dia 3 de abril de 2008
Mudar ou não mudar. Eis a polêmica.
Hoje principal fonte de captação de recursos culturais do País, a Lei Rouanet está sob discussão fervorosa entre produtores culturais, artistas e governo. No entendimento da Funarte (Fundação Nacional de Artes, órgão do ministério da Cultura), a lei precisa ser revista para "corrigir distorções".
No modelo atual, empresas patrocinam atividades culturais - qualquer uma delas, como teatro, dança, cinema, artes plásticas etc. - e podem deduzir do imposto de renda até 100% do valor investido. A Rouanet, ou Lei de Incentivo à Cultura, foi criada em 1991, durante a gestão de Fernando Collor na presidência da República.
A discussão sobre o mecanismo de renúncia fiscal esquentou ainda mais depois de um artigo publicado na Folha de S.Paulo e assinado pelo presidente da Funarte, Celso Frateschi, e o secretário-executivo do ministério da Cultura, Juca Ferreira. No texto, eles defendem que a atividade cultural "diminuiu, pelo menos em termos relativos", depois de quase 20 anos da Lei Rouanet.
Em entrevista a Terra Magazine, o presidente da Funarte reitera seu desejo de mudar a legislação. Ele diz que não é contra a Lei Rouanet nem o modelo de renúncia fiscal, mas que esse sistema impede o desenvolvimento de produtores independentes:
- ... uma empresa estatal ou uma organização não-governamental ligada ao governo tem muito mais poder de barganha do que o produtor independente. A Sabesp não vai aplicar no grupo independente. Vai aplicar na Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) ou na TV Cultura - analisa Celso Frateschi.
O presidente da Funarte critica ainda o destino que é dado ao dinheiro levantado via renúncia fiscal e que não é reinvestido na Cultura. Para ele, essa prática "imoral" tem que ser alterada.
- (O produtor) consegue levantar R$ 2 milhões para fazer o espetáculo mas não está previsto como ele vai recuperar esses R$ 2 milhões. No caso da lei, ainda é mais grave. Os grandes produtores não reaplicarem o dinheiro é... imoral.
Segundo o presidente da Fundação, as propostas do MinC - que devem ser apresentadas assim que forem "ultimadas internamente, no ministério" - incluem um teto para as produções e a adoção de financiamentos a juros baixos. De acordo com Frateschi, as mudanças não ocorrerão via regulamentação, mas serão apresentadas como projeto de lei no Congresso Nacional.
- A gente precisa organizar a Lei Rouanet, tirar o peso dela, pactuar com os Estados para que não utilizem a Lei Rouanet, para que tenham recursos próprios.
Leia a entrevista com o presidente da Funarte:
Terra Magazine - O senhor e Juca Ferreira assinaram um artigo falando sobre as regras atuais da captação de recursos e propostas para a melhoria, mas que não ficaram muito claras no texto. E geraram um levante de produtores culturais contra o artigo. Que propostas são essas?
Celso Frateschi - Teve um levante contra e um levante a favor. Muitos grupos têm se solidarizado nessa perspectiva de uma renovação dos critérios. Eu acredito que as propostas que a gente tem são de extremo interesse dos produtores independentes. Quem despertou tudo isso foi a proposta de Lei Geral do Teatro, que está tramitando nas comissões do Senado. Nós demos uma opinião alertando os produtores, principalmente os independentes. Esse mecanismo de renúncia fiscal, do jeito que está sendo aplicado, e é o paradigma que está sendo proposto para a lei futura também, tende a prejudicar cada vez mais o produtor independente de atividade teatral.
Mas pragmaticamente, essas propostas de que se fala no artigo já estão pensadas?
A gente tem esse desenho pronto, que está sendo ultimado agora, internamente, no ministério, para poder jogar para a sociedade. A nossa análise é que a Lei Rouanet tem só um problema: é a única. Ela não é ruim em si, ela não tem problemas em si. Mas ela é o depositário de todos os interesses. O que a gente percebe que ficaram bravos com a gente é que estamos mexendo com interesses e interesses muito poderosos. É R$ 1 bilhão que gira a Lei Rouanet. Mas se você analisar, dos 50 maiores captadores, 80% deles são sociedades sem fins lucrativos, Oscip's (NR: organizações da sociedade civil de interesse público, antigas ONGs), fundações, instituições ligadas ao sistema bancário. TVs Públicas captam, orquestras sinfônicas, teatros... se criou um mecanismo nos entes federativos, estados e municípios, que criam associações que captam da Lei Rouanet e desobrigam o Estado de captar. O que a gente tem alertado os produtores, e eles devem sentir isso, é que uma empresa estatal ou uma organização não-governamental ligada ao governo tem muito mais poder de barganha do que o produtor independente. A Sabesp não vai aplicar no grupo independente. Vai aplicar na Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) ou na TV Cultura. O que a gente gostaria é de tirar esse peso da Lei Rouanet e deixá-la mais dentro do apoio do produtor independente. Que é o que a gente acredita que pode fazer uma economia teatral mais forte.
E de que maneira isso poderia ser feito? Porque é óbvio que o interesse do patrocinador é a maior projeção publicitária dele.
Em última instância, quem dá o dinheiro é o governo, através da renúncia fiscal. Não é o patrocinador. Hoje isso não é levado em consideração. Parece que a pessoa que renuncia está colocando dinheiro da empresa. Não, é uma opção da empresa. Mas o dinheiro é o que iria para o imposto.
Então vocês criariam um mecanismo que o próprio governo captaria os recursos e distribuiria o dinheiro?
Não, eu acho que poderia ser uma forma de regulamentar, primeiro por teto. É impossível a gente continuar sendo obrigado a financiar espetáculos com valor exorbitante, em que o produtor não tem nenhum risco. Não é isso que o produtor independente quer. Eu sei disso porque vim dessa área. O que ele não pode é ter uma produção de teatro que custa dez vezes a produção de um filme. Isso não é verdadeiro! E se comprova pelas planilhas. Que existem propostas de R$ 10 milhões, até R$ 27 milhões, que foi a última que conseguimos uma justificativa para poder brecar. A gente precisa organizar a Lei Rouanet, tirar o peso dela, pactuar com os Estados para que não utilizem a Lei Rouanet, para que tenham recursos próprios. É isso que propõe o Sistema Nacional de Cultura, com um pacto federativo mais elaborado na área de cultura. Do jeito que está, há hoje grandes projetos do sistema S, do Sesi. Que poder de barganha tem um produtor independente para competir com o Sesi? Essas distorções nós precisamos corrigir. E para isso não precisa de uma lei, de uma secretaria própria de teatro. Nós precisamos que os instrumentos que existem atuem.
O ministério também fala da concentração de espetáculos no Sudeste...
Isso é um absurdo! 80,4% dos espetáculos de teatro financiados pela lei são do Sudeste, principalmente de São Paulo. Porque quem determina isso é a empresa, não é uma política pública.
Nesse artigo, os senhores afirmam que em "termos relativos, a atividade teatral diminuiu". Há dados concretos que comprovem essa tese?
É só ver o número de sessões por semana.
Mas, embora com menor duração, não houve aumento do número de salas, de espetáculos?
Relativamente, não. Você teve um aumento de população muito grande nas cidades. Portanto, um público potencial crescente, só que você tem espetáculos curtos. São vários. A gente tem ainda grandes atores, produtores, que sustentam uma temporada. Que gostam de fazer o teatro. Talvez nosso maior exemplo seja Paulo Autran, que faleceu há pouco tempo, e que esticava o espetáculo e dizia que "os deuses são contra tirar um espetáculo que está fazendo sucesso". Não é o concreto hoje. Concretamente, o produtor ganha mais na produção e na montagem do que na temporada.
Isso é regra ou exceção?
A exceção é manter uma temporada longa hoje em dia. Normalmente são espetáculos em São Paulo, Rio, mais duas, três capitais e o produtor está bem. Para ele, lançou nas principais capitais onde ele tem os seus clientes, o empresário que financiou está satisfeito. Ele consegue levantar R$ 2 milhões para fazer o espetáculo mas não está previsto como ele vai recuperar esses R$ 2 milhões. No caso da lei, ainda é mais grave. Os grandes produtores não reaplicarem o dinheiro é... imoral. É uma área com recursos tão exíguos e que está financiando outras áreas econômicas, porque o dinheiro não é reaplicado na área cultural nem teatral.
Essas propostas serão apresentadas como projeto de lei via Congresso Nacional?
Nós vamos discutir e apresentar via projeto de lei. A nossa idéia é ter diferentes tipologias que existem dentro da área teatral. Existe a tipologia que permite renúncia fiscal, que eu acho que não deve desaparecer de jeito nenhum, não é isso que a gente está propondo. Como a gente mexe com interesses muito pesados, começam a divulgar que a gente é contra a renúncia fiscal. Não é isso. Nem pretendemos destruir esse processo. A gente é contra a forma como está sendo utilizada agora. E o outro mecanismo é o financiamento direto, a juros baixos, a juro zero... Que era como o teatro era também. A gente tem que pensar o teatro como um tripé: o valor simbólico, direito de cidadania e economia. E para isso você tem que ter mecanismos de financiamento diferenciados. Não dá para eleger que o princípio que diz respeito a teatro como cidadania, por exemplo, se resolva na lei. Porque enquanto tem 80,4% dos recursos da região Sudeste, tem 0,4% na região Norte. Se você pensar o País como um todo, não tem como ficar quieto quanto a isso.
Então as regras que estão sendo pensadas não serão impostas via regulamentação do ministério da Cultura, serão apresentadas ao Congresso Nacional?
Claro, vai ser plenamente acordado e legalmente colocado.
O debate ainda vai longe?
Vai longe. A gente tem propostas e eu espero continuar argumentando com produtores. Porque a Funarte e o governo está a favor deles, não está contra. Ela quer facilitar, preservar e ampliar uma atividade, e eles são parceiros nessa atividade. Não tem nenhuma condenação ao diagnóstico que eles estão fazendo, nenhuma discordância. Existe discordância talvez das metodologias que a gente tem que usar para alcançar os nossos objetivos. Que eu espero que seja, me parece que para todos nós, o desenvolvimento da atividade teatral. E estamos juntos, vamos discutir e conversar até achar uma solução que seja comum. Não temos nada contrário aos produtores teatrais, muito longe disso. Estamos querendo unir esforços para construir uma solução definitiva. O que a gente acredita é que ampliar o sistema de renúncia fiscal não vai resolver, vai continuar agravando a situação que a gente está.
abril 3, 2008
João Sayad teme risco de extinção da Lei Rouanet, por Silvana Arantes, Folha de São Paulo
João Sayad teme risco de extinção da Lei Rouanet
Matéria de Silvana Arantes, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 3 de abril de 2008
"Prefiro uma lei ruim a que ela não exista. Neste caso, o ótimo é inimigo do bom", afirma o secretário de Cultura do Estado de SP
Divisão dos interessados em relação ao tema abre flanco "à ambição de grupos muito mais poderosos, que lutam por subsídios", avalia gestor
O secretário de Cultura do Estado de São Paulo, João Sayad, vê nas restrições feitas à Lei Rouanet pelo Ministério da Cultura, na semana passada, um risco de extinção da lei, o que seria, na opinião dele, um erro.
"Devagar com o andor. Prefiro uma lei ruim a que ela não exista. Neste caso, o ótimo é inimigo do bom", diz Sayad.
A ofensiva do MinC contra a Lei Rouanet foi deflagrada na quinta passada, quando o secretário-executivo da pasta, Juca Ferreira, co-assinou com o ator e presidente da Funarte, Celso Frateschi, o artigo "Incentivo ao Teatro?", na Folha.
No texto, dizem: "Com a Lei Rouanet, os orçamentos públicos para a área de cultura escassearam, com exceção do federal e de raros casos estaduais e municipais. A distorção chega ao ponto de TVs públicas, orquestras sinfônicas, o Sistema S e até a Funarte precisarem se utilizar da Lei Rouanet".
Criada em 1991, a Lei Rouanet permite que a empresa destine parcela de seu Imposto de Renda devido ao financiamento de projetos culturais previamente aprovados pelo MinC.
Sayad diz que "toda política pública, cujo alvo é atingir o extremo -o pobre, o carente-, tem um desvio, porque vai contra uma força natural, que é o mercado". O "desvio" é o benefício a quem não precisa.
No caso da Lei Rouanet, diz o secretário, "produções comerciais acabam tirando uma casquinha. A questão é o tamanho da casquinha e como fazer a alteração sem jogar a criança fora com a água do banho".
Em entrevista à Folha após a publicação de seu artigo, Ferreira disse haver "um desenho" em discussão no governo para solucionar a questão.
Fundo
O MinC propõe como alternativa à Lei Rouanet a aprovação de um fundo não-contingenciável (alheio a eventuais bloqueios do Ministério da Fazenda), sob sua administração.
O fundo deveria ter ao menos R$ 1 bilhão, total movimentado pela Lei Rouanet em 2007.
Produtores culturais reagiram ao artigo de Ferreira e Frateschi, chegando a apontar "desonestidade intelectual" em seus argumentos.
"O mundo cultural tem os financiadores [empresas], o governo e os artistas. A discussão que está se dando entre esses três grupos é muito enfraquecedora da questão do subsídio à cultura. Existem outros setores subsidiados e existem as autoridades econômicas, muito mais poderosos política e legalmente do que esses três grupos de gatos pingados", diz Sayad.
Para o secretário paulista, "os grupos culturais deveriam se acertar internamente, antes de se expor à ambição de grupos muito mais poderosos, que também lutam por subsídios", sob o risco de "o vencedor [do debate] não ser nenhum dos segmentos que estão disputando esse montante de subsídio, mas sim as autoridades econômicas, sempre ocupadas com orçamento, ou outros procuradores de subsídio".
Embora classifique como "uma estratégia arriscada" do MinC o artigo de Ferreira e Frateschi, Sayad se diz "admirador" do ministro Gilberto Gil.
"[Ele] Tem lá os problemas administrativos, mas, em termos de imagem política para a cultura no Brasil e no exterior, simpatia pessoal e boas intenções, Gilberto Gil é campeão".
Questionado sobre quem, numa eventual presidência do PSDB em substituição a Lula, deveria assumir o lugar do tropicalista Gil no Ministério da Cultura, Sayad graceja: "Outro tropicalista. Caetano é tucano? Ele nunca disse".
Zilio abre nova galeria Anita Schwartz, por Suzana Velasco, O Globo
Zilio abre nova galeria Anita Schwartz
Matéria de Zilio abre nova galeria Anita Schwartz, originalmente publicada nO Globo, no dia 2 de abril de 2008
Espaço para as artes na Gávea, de 700 metros quadrados, é inaugurado com telas, desenhos e objetos do artista
Ao lado de uma igreja, na José Roberto Macedo Soares, uma rua de restaurantes e edifícios baixos da Gávea, a galeria de arte Anita Schwartz será aberta amanhã ao público, com uma exposição do artista plástico Carlos Zilio. Num bairro que já tem Mercedes Viegas, Ana Maria Niemeyer e Galeria 90, Anita demoliu a casa comprada para pensar um espaço específico para as artes visuais. Com projeto do arquiteto Cadas Abranches, a nova galeria tem cerca de 700 metros quadrados e três andares.
O térreo, uma sala de 120 metros quadrados e 7,2 metros de pé direito - onde ficarão 18 telas de Zilio - permite a exposição de obras monumentais e pode ser visto a partir do segundo andar, onde fica o acervo da galeria. O terceiro andar abriga outra sala, que vai expor 12 desenhos do artista, e um terraço, com um contêiner vermelho para videoinstalações. Ali serão exibidos um filme da Rioarte sobre o trabalho de Zilio, feito por Mario Carneiro, e um filme em super 8 de um minuto, que Zilio fez em 1973.
Artista se volta para a própria obra em suas telas
Mas o foco da exposição é a pintura, opção que Zilio, que enveredou pela nova figuração e pela arte conceitual nos anos 1960 e 1970, abraçou há 30 anos. Segundo o artista, seu caminho na pintura foi tomado num momento de crise da arte contemporânea, de vivência intensa de objetos e suportes experimentais.
- Meu desafio foi tentar uma alternativa capaz de ser uma resposta às contradições do momento, mas que ao mesmo tempo remetesse a uma história de longa duração. Foi pôr a arte não num problema circunscrito ao século XX, mas pensá-la dentro de uma longa tradição. Por isso criei essa solução, de fazer pintura pensando em pintura - diz Zilio, que desde o fim dos anos 1970 trabalhou com referências à história dessa arte, como na série de jardins de Matisse, Seurat e Ivan Puni, de 1984.
Nas telas da exposição, criadas entre 2005 e 2007, o artista revisita a história de sua própria arte. A terceira, "Quem tem medo de verde, amarelo, azul e branco e de Barnett Newman?" remete a duas outras obras, de 1981; "Rubens on the beach II" se volta à homônima de 1978; e "Memória" faz alusão a "Auto-retrato", de 1973, levando o vermelho abandonado de volta à obra de Zilio.
- Talvez agora esteja pensando esse acervo de soluções que venho buscando ao longo do tempo. Quando retomo o "...Barnett Newman", o "Rubens on the beach", há uma memória de uma reflexão, esse embate de pensar a pintura através da pintura.
A mostra reúne ainda quatro objetos, criados por Zilio numa "fase seca da pintura". Mas também eles - "O julgamento de Paris", "Vênus", "Vênus e Marte" e "Fruto proibido" - carregam em si a história da arte. A escolha mitológica de Paris, entre Hera, Atenas e Afrodite, eleita a mais bela, foi explorada por toda a história da arte, e foi também nome de uma tela de Zilio, em 1992. Agora, a escolha que o artista oferece é entre três maçãs:
- É um dos temas mais recorrentes na história da arte, porque é o problema do julgamento estético. Faz parte do meu universo me envolver com essa história.
Esse envolvimento é também acadêmico, uma "preocupação de ter uma presença na política da arte". Zilio foi um dos criadores da pós-graduação em história da arte e da arquitetura na PUC-Rio, com uma aborgagem do modernismo brasileiro mais concentrada em nomes como Guignard e Goeldi. E dá aulas na graduação e na pós-graduação da Escola de Belas Artes da UFRJ - porém não para formar pintores, e sim artistas, diz ele. Seu percurso na pintura foi pessoal, e Zilio não acredita que ela vá mal diante do "pode tudo" da arte contemporânea:
- A pintura vai muito bem, obrigado, no mundo todo. Essa questão ficou no embate do primeiro momento da afirmação da arte contemporânea, já foi posta em debate.
Galeria é adaptada para deficientes físicos
Anita também quer receber todos os tipos de artistas e suportes - por isso o pé-direito alto da sala principal e o contêiner, em contraponto ao "cubo branco", elevado a 50cm do nível da rua, sobre um espelho d’água. A galeria ainda tem acesso e um banheiro adaptados para portadores de deficiências físicas, e um elevador, com capacidade para 1,5 tonelada, leva até 20 pessoas.
Em julho, o espaço terá intervenções de jovens artistas, com curadoria de Guilherme Bueno. No resto do ano, vai expor Daniel Feingold, Nuno Ramos, Fábio Miguez e Eduardo Frota. Em 2009, o primeiro aniversário será comemorado por Abraham Palatnik.
- Não queria uma reforma, mas uma galeria, que recebesse todas as possibilidades de mídia. Quero que ela seja um espaço de encontros e debates - diz Anita.