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março 20, 2008
Menos R$ 88 milhões da Petrobras nas artes, por Alessandra Duarte, O Globo
Menos R$ 88 milhões da Petrobras nas artes
Matéria de Alessandra Duarte, originalmente publicada em O Globo no dia 19 de março de 2008.
Queda de investimento em 2007 pode ter sido maior, diz empresa, que lucrou 17% menos
A maior patrocinadora de cultura hoje no Brasil investiu quase R$ 90 milhões a menos no setor em 2007. Com uma queda de lucro de 17% no ano passado, anunciada este mês, a Petrobras teve de ajustar seu investimento na área cultural aos ganhos menores que apresentou. Se em 2006 a empresa investiu um total de R$ 288 milhões em cultura, em 2007 esse valor caiu para cerca de R$ 200 milhões - numa primeira estimativa feita pela Petrobras, porque o total investido pode ter sido até menor. Em 2008, o investimento na área também deve cair.
Nos últimos anos, a Petrobras vinha numa escalada de aumento de receita que fez a empresa bater lucro recorde em 2006. No fim daquele ano, ela chegou a realizar uma ação extraordinária de investimentos na área de cultura, no valor de R$ 90 milhões (dentro do total investido naquele ano). No entanto, como o investimento cultural da empresa é função de seu lucro, em 2007 ele caiu.
- Pode ter caído a menos de R$ 200 milhões. Só teremos a dimensão exata quando estudarmos os dados do nosso departamento financeiro - disse Eliane Costa, gerente de patrocínio da Petrobras, que ainda vai apresentar, neste primeiro semestre, os detalhes de seu investimento cultural em 2007. Artistas e produtores também devem esperar queda nos investimentos de 2008. Como os lucros de um ano influenciam a projeção de investimento para o ano seguinte, a queda nos lucros de 2007 criará uma projeção menor de investimento para 2008. Eliane Costa diz que a empresa vai manter o patrocínio da maioria dos projetos, mas, para isso, terá de reduzir o total de recursos para cada um deles.
A má distribuição de renda da cultura no país, por Alessandra Duarte, O Globo
A má distribuição de renda da cultura no país
Matéria de Alessandra Duarte, originalmente publicada em O Globo, no dia 19 de março de 2008.
Orçamento da União de 2008 prevê valores de verba incentivada como R$ 330 para o Acre e R$ 74,9 milhões para SP
O Estado de Roraima vai ter que produzir cinema com R$ 164 este ano. O Acre está melhor: tem R$ 330 na carteira. Quem sabe São Paulo não empresta algum, se sobrar dos seus R$ 74,9 milhões? Os números fazem parte da divisão entre os estados dos recursos da Lei do Audiovisual, no orçamento estimado para a lei em 2008, e vão contra o discurso de descentralização cultural que o Ministério da Cultura tem adotado. De 2001 a 2008, o montante da Lei do Audiovisual para o Centro-Oeste chegou a diminuir, com uma variação negativa de 50,7%. Segundo um levantamento do GLOBO no orçamento da União para 2008, a diferença de valores se repete na divisão dos recursos da Lei Rouanet. Se o Nordeste teve aumento de recursos de 287,5% de 2001 a 2008, o aumento do Sudeste no período foi de 447,3%. A diferença ocorre nos recursos dos mecanismos de incentivo fiscal federal, tipo de política cultural do qual o país está cada vez mais dependente: a soma dos recursos das leis Rouanet e do Audiovisual este ano - dinheiro que não conta no orçamento direto do MinC, por ser de incentivo fiscal - dá quase o orçamento de todo o ministério.
À parte as leis de incentivo, o total de recursos diretos do MinC aumentou - mais R$ 341,4 milhões em 2008, em relação a 2007 -, mas aumentou também a parcela dos recursos da Cultura destinada ao pagamento do serviço da dívida externa brasileira, que passou de uma média de R$ 3 milhões nos últimos dois anos para quase R$ 16 milhões este ano. Além disso, não foi desta vez que o orçamento do Ministério da Cultura chegou ao desejado 1% do orçamento do governo federal: em 2008, a previsão é de que seja cerca de 0,7% do total federal.
Fundo Nacional de Cultura leva a maior fatia
Em 2008, o MinC terá um total de recursos de cerca de R$ 1,03 bilhão. O Fundo Nacional de Cultura leva a maior parte do bolo: em torno de R$ 325,8 milhões, enquanto o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que em 2007 tinha a maior parcela da Cultura, este ano fica em segundo, com cerca de R$ 240,9 milhões. O serviço da dívida externa brasileira (o pagamento de juros e amortizações da dívida) levará este ano R$ 15,9 milhões, contra os cerca de R$ 3 milhões que ele tomou da pasta da Cultura em 2006 e 2007. Outro item que teve aumento significativo foi o gasto com comunicação social do ministério: passou de R$ 300 mil em 2007 para R$ 2 milhões este ano. Já itens ligados a pessoal não tiveram a mesma sorte - no ano seguinte à greve de servidores da Cultura de 2007, que durou mais de dois meses e atrasou o funcionamento do setor, o orçamento da União para 2008 não prevê gastos com concursos e reestruturação de carreira no MinC. Na última quintafeira, no entanto, o governo federal anunciou uma medida provisória de reajuste salarial a partir de março para várias categorias, entre elas a Cultura (de 10,2% a 87,85%).
Todas as unidades do MinC tiveram seus orçamentos aumentados, menos a Agência Nacional do Cinema (Ancine), que perdeu cerca de R$ 1,2 milhão: em 2007 tinha um orçamento de R$ 58,6 milhões, que este ano foi para em torno de R$ 57,4 milhões. Mas a área do audiovisual não tem tanto do que reclamar.
O governo está prevendo para ela pelo menos R$ 64,5 milhões do Fundo Nacional de Cultura; o valor só perde para o investimento que o fundo está fazendo na área literária, de cerca de R$ 81,7 milhões, e para os R$ 117,5 milhões que o fundo está reservando para o programa dos Pontos de Cultura, dentro do projeto Cultura Viva.
A Lei do Audiovisual este ano vai levar cerca de R$ 141,2 milhões, que são de incentivo fiscal e por isso não contam no orçamento direto do MinC. O outro mecanismo de incentivo fiscal do governo, e o principal deles, a Lei Rouanet, terá uma verba estimada em cerca de R$ 856,5 milhões em 2008 (em 2007, foram R$ 661,2 milhões); esse valor também não entra no orçamento direto do ministério.
A soma dos valores em 2008 dos dois mecanismos de incentivo fiscal federal - Rouanet e Lei do Audiovisual — dá quase o total de todo o orçamento do MinC: R$ 997,8 milhões. Isso mostra como o investimento em cultura no país atualmente está dependente dos patrocínios via incentivo fiscal. E justamente a distribuição de recursos dessas duas leis pelas regiões do país anda ocorrendo de modo discrepante.
Na divisão dos montantes da Rouanet entre os estados prevista para este ano, Roraima é o último lugar do ranking e leva R$ 650 do total. No Norte, quem leva a maior fatia (e que contrasta com os valores previstos ao restante dessa região) é o Amazonas, com R$ 8,5 milhões. Na outra ponta fica o Estado do Rio, com R$ 376,1 milhões (seguido por São Paulo, com R$ 235,3 milhões) do total da verba da Rouanet.
Verba incentivada de 2001 a 2008 mostra má distribuição
Cenário semelhante é a divisão do dinheiro da Lei do Audiovisual. Enquanto Roraima - o estado menos agraciado pela previsão das leis de incentivo em 2008 - conta com R$ 164, o Acre tem R$ 330, Amapá leva R$ 552 e Tocantins, R$ 812. O Sudeste está novamente no outro extremo, com São Paulo levando R$ 74,9 milhões, o Rio de Janeiro, R$ 19 milhões, e Minas Gerais, R$ 14,3 milhões. O orçamento da União de 2008 mostra ainda a má distribuição na evolução dos montantes das leis de incentivo concedidos a cada região de 2001 a 2008. No caso da Rouanet, o Norte nesse período teve um aumento percentual de cerca de 256,5%; o Nordeste, de 287,5%; e o Sul, de 220,5%. Já o Sudeste teve aumento de 447,3%. O Centro Oeste teve de 434%, variação que se explica pelo fato de que, como a região começou com um montante baixo em 2001, qualquer aumento representa uma variação percentual grande do valor (se você tem R$ 1 e ganha mais R$ 1, o aumento de sua renda foi de 100%).
Quando se vê a evolução dos valores concedidos pela Lei do Audiovisual, também há diferença no que tem ido para cada região desde 2001. O Nordeste teve um aumento percentual de 95%; o Norte, de 1.115% (novamente, porque começou com um valor muito baixo, então qualquer aumento representa uma grande variação percentual); o Sul, de 140,2%; e o Sudeste , de 162,4%. Enquanto isso, o CentroOeste chegou a ter uma variação negativa, de 50,7%.
MinC: demanda está no Sudeste
Procurado pelo GLOBO, o Ministério da Cultura levou uma semana para responder, porque não conseguia achar os dados sobre sua própria pasta no Orçamento da União para 2008. Um dos e-mails enviados pelo ministério dizia que não haviam encontrado “nada sobre Lei Rouanet e Lei do Audiovisual no OGU (Orçamento Geral da União)”. Quando, enfim, mandou sua resposta, o MinC afirmou que os valores destinados pelas leis Rouanet e do Audiovisual aos estados da região Norte no orçamento são “previsões de renúncia fiscal, baseadas na série histórica da renúncia fiscal destes estados (...), ou seja, são os valores que os contribuintes destes estados deixaram de recolher por terem investido em projetos culturais”.
Segundo o MinC, o investimento em projetos culturais nos estados “depende da demanda da população, que está mais concentrada na região Sudeste”. O ministério respondeu ainda que “Acre e Roraima possuem populações pequenas, poucas salas de exibição e poucas empresas de vulto sediadas localmente”. Para o MinC, a análise dos dados deve levar em conta a capacidade dos profissionais do setor de captar recursos na iniciativa privada, além do interesse da iniciativa privada da região de investir em cultura.
“Analisar os recursos incentivados apenas levando em conta a geografia não é o bastante para se traçar um panorama global”, diz o ministério. Deacordo como MinC, o governo vem trabalhando em políticas para melhorar o acesso dessas regiões aos recursos incentivados da Cultura, com programas como o Revelando os Brasis e o Cultura Viva. Sobre o orçamento de cerca de 0,7% para a pasta em 2008, o MinC informou que esse percentual não inclui as emendas de parlamentares, que devem elevar o orçamento.
março 18, 2008
Mostra apresenta Segall muito além do expressionismo, por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo
Mostra apresenta Segall muito além do expressionismo
Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 18 de março de 2008
Com entrada gratuita, exposição com curadoria de Tadeu Chiarelli reúne conjunto amplo com várias fases do artista
Raras são as exposições no Brasil que buscam romper paradigmas estabelecidos e que são, ao mesmo tempo, generosas o suficiente para permitir reflexão sobre a tese levantada. "Segall Realista", com curadoria de Tadeu Chiarelli, é ousada ao negar o expressionismo como elemento central na obra do artista objeto da mostra. Ao mesmo tempo, ao reunir um conjunto com cerca de 150 trabalhos, a mostra não se torna uma camisa-de-força da curadoria. Lasar Segall (1891-1957), nascido na Lituânia, foi integrado ao modernismo alemão, a começar por sua presença no grupo Secessão, de Dresden. Essa filiação o vinculou ao expressionismo, escola que visava realizar uma crítica social a partir da representação do cotidiano.
Ao recriar a realidade, como define Chiarelli, "o artista expressionista a modifica, com a deformação expressiva das figuras, o uso antidescritivo da cor e, sobretudo, a ênfase ao caráter bidimensional do suporte pictórico".
A definição de expressionismo acima citada está presente no robusto ensaio do catálogo da mostra, que é onde o curador irá defender sua tese. Na exposição, com ótima montagem, Chiarelli reuniu um conjunto amplo das várias fases do artista e dos vários suportes que Segall usou: pintura, desenho, escultura. Nessas obras, o artista se revela diversificado em sua pesquisa, como muitos de seus pares modernistas.
Assim, observa-se como Segall discutia a própria história da arte em "Morro Vermelho" (1926), fazendo a imagem da Madonna ser encarnada por uma mãe negra; utilizava o exótico, como no clássico "Bananal" (1927), ao incorporar a cor, a luz e os personagens brasileiros; tinha uma forte preocupação social, como ensejam ambas as obras; ou adquiria contornos mais clássicos, como em "Maternidade" (1936). Ou seja, há muitos Segais.
Além do mais, o curador ainda reúne obras que contradizem sua tese central, a do "Segall realista", ao expor alguns de seus últimos trabalhos, praticamente abstratos, como suas florestas, mas que reforçam como os conceitos não são capazes de abarcar toda a complexidade do fazer artístico e que, no fim, o que interessa mesmo, ao menos para os modernos, é a obra de arte.
março 17, 2008
Um universo estranhamente familiar, por Suzana Velasco, O Globo
Um universo estranhamente familiar
Matéria de Suzana Velasco, originalmente publicada nO Globo, no dia 13 de março de 2008
O gabinete barroco dispõe esqueletos de pássaros enjaulados, insetos catalogados, seções de um atlas de anatomia e um relógio cuco. Os esqueletos são reais, mas têm rabos ou bicos de resina, e dançam em caixas de música, como bailarinas. Os insetos são desenhados como num catálogo de ciências, mas suas características são inviáveis. No atlas, estão à mostra os órgãos internos de mitos como o Curupira, da Amazônia, e a sereia Ondina, da Bahia. O mundo é da fantasia, porém cientificamente estudado.
Na instalação na galeria Laura Marsiaj, o esqueleto do cuco aparece de 15 em 15 minutos, o dobro da velocidade normal. A obra, "Memento mori" (em latim, "lembre-se de que morrerá"), dá nome à exposição. Walmor Corrêa lida de forma poética e bem-humorada com a morte, o corpo dissecado, o esqueleto sem carne. Ele pesquisa cada um dos elementos de seus trabalhos, por meses e até anos a fio, unindo a precisão científica com o mundo imaginário.
- A morte é um tema aparentemente assustador. O objetivo é pensar que somos finitos, mas não como uma ameaça de morte frívola, e sim como um estímulo à vida - diz o artista.
Obra inspirada no trabalho dos viajantes europeus
Os painéis de seu atlas de anatomia - desejo de consumo do artista quando criança - são impressões das pinturas da série "Unheimlich", que estão na mostra "Os trópicos", no Centro Cultural Banco do Brasil, com curadoria de Alfons Hug. Depois de dois meses na Amazônia, em 2003, Corrêa começou a imaginar como seria o interior do corpo de mitos do imaginário popular. Segundo a lenda, o protetor das florestas, Curupira, tem os calcanhares na frente dos pés, que aparecem na pintura de Corrêa junto aos detalhes de seus músculos e tendões, assim como o crânio com um olho só, imaginado pelo artista, órgãos e ossos.
- Na Amazônia, pessoas esclarecidas falavam com muita naturalidade sobre o Curupira, como se ele existisse de fato. Então me lembrei de uma carta do Padre Anchieta, de 1560, em que ele relatava sobre o Curupira. A História brasileira tem esse imaginário muito rico.
As pinturas de "Unheimlich" (nome de um texto de Freud; em alemão, algo como o "estranho familiar") são feitas em tinta acrílica aguada, secada com secador de cabelo. Assim como em toda a obra de Corrêa, a técnica e o fazer artesanal são essenciais. O jogo precisa da ilusão de realidade, já que a estrutura de cada mito é pensada como se ele pudesse existir de fato. A realidade científica também é necessária. O artista até consultou cardiologistas para elaborar o coração de uma sereia, que é mulher e peixe ao mesmo tempo.
Esse interesse pela biologia surgiu na escola em Florianópolis, onde Corrêa desenhava os animais e se tornou assistente do professor no laboratório. Mas ele nunca quis ser biólogo. Mudou-se para Porto Alegre, formou-se arquiteto, e foi estudar no Ateliê Livre da cidade, uma espécie de Escola de Artes Visuais do Rio. Em 1989, viajou para a Europa para estudar sobre os viajantes europeus:
- Toda a minha obra tem a vertente do olhar dos viajantes europeus em realção ao mundo novo. Sempre me causou estranhamento ver desenhos de animais impossíveis feitos por eles, os riscadores.
Com um trabalho muito próprio, Corrêa teve dificuldade em se inserir no mercado de artes. Em 2003, numa exposição em Porto Alegre, seu trabalho foi visto pelo curador Tadeu Chiarelli, que levou a mostra para São Paulo. Alfons Hug conheceu o artista lá e o convidou para a Bienal de São Paulo de 2004.
- Foi um processo muito longo e angustiante. A arte contemporânea em geral separa o pensamento do fazer, que são indissociáveis no meu trabalho.
Artista pintou o interior do Homem-Aranha e da Cheetah
A série "Unheimlich" foi exposta nos EUA, e lá Corrêa começou a pensar nos "mitos" americanos. De volta ao Brasil, estudou sobre aranhas no Museu Goeldi, em Belém, e criou o Homem-Aranha, com glândulas de seda, e, depois, a Cheetah, a inimiga da Mulher Maravilha. Os dois estão na sala menor da Laura Marsiaj, apropriadamente como um "apêndice" do atlas. Pela sala principal, espalham-se as caixas de música, compradas em antiquários e pela internet e transformadas. Só uma delas teve o som produzido, de um piar de pássaros. As outras mantêm as músicas originais.
- Um dia, vi uma caixa de música quebrada, com a máquina aparente, e achei essa estrutura mais bonita que a caixa. Então pensei no esqueleto como máquina do corpo - diz ele. - A idéia era criar, na galeria, um gabinete de curiosidades, que foi o embrião dos museus.
março 13, 2008
Artista usa retratos de modelos em jogo entre atração e repulsa, por Mario Gioia, Folha de São Paulo
Artista usa retratos de modelos em jogo entre atração e repulsa
Matéria de Mario Gioia, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 13 de março de 2008
Em São Paulo, Tadeu Jungle estampa divas da moda em lápides de porcelana
Um olhar irônico sobre o poder de atração e de repulsa das imagens. Assim pode ser resumida a exposição que Tadeu Jungle, 51, ganha a partir de hoje na Valu Oria Galeria de Arte.
As 40 obras que fazem parte da mostra -entre objetos, fotografias e um vídeo- têm, como principal foco, a mulher em diversos registros. Na maior parte dos trabalhos, Jungle captura fotografias publicitárias de modelos e "reinventa-as". A série mais inquietante é a inédita "Mulheres de Porcelana", com 14 objetos que usam fotos de rostos de modelos em atividade ou não -como Gisele Bündchen, Kate Moss, Naomi Campbell e Karolina Kurkova- impressas em uma lápide.
"Pode não parecer, mas é uma homenagem a elas. Existe essa coisa incômoda do jazigo, mas ao mesmo tempo é uma série de objetos únicos, que eterniza essa imagem jovial delas, mais que uma fotografia de revista", diz o artista. "Engraçado, já me chamaram de misógino, mas é um absurdo. Amo as mulheres, mas não deixo de questionar como elas são representadas e da relação delas com o tempo, com a vaidade."
No andar térreo da galeria, há outras 14 imagens retrabalhadas por Jungle, em que a perfeição de seus rostos é substituída por riscos, marcas ou apenas pela falta de foco. Como legendas, há a enumeração de sete pecados e sete virtudes. "É legal misturar essa coisa fashion, rápida com a religião, algo mais atemporal", diz ele.
março 10, 2008
Catálogo da 27ª Bienal sai com 15 meses de atraso, por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo
Catálogo da 27ª Bienal sai com 15 meses de atraso
Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 4 de março de 2008
Publicação da exposição "Como Viver Junto" é lançada depois de circular abaixo-assinado de artistas e curadores na internet
Depois de 15 meses de encerrada a 27ª Bienal de São Paulo, intitulada "Como Viver Junto", o catálogo da mostra finalmente vem a público. Por enquanto, há só cem exemplares, sendo distribuídos pela Fundação Bienal. Só no próximo mês, os 3.000 exemplares da tiragem oficial passarão a ser distribuídos pela editora Cosac Naify.
O atraso da publicação é um dos reflexos da polêmica administração de Manoel Francisco Pires da Costa, reeleito em seu terceiro mandato, há cerca de um ano, após ter sido questionado por favorecer parentes além de sua própria empresa em negócios da fundação.
Um abaixo-assinado com 933 assinaturas pedindo a publicação do catálogo circulou pela internet, com nomes de pessoas representativas do circuito artístico, como os artistas Ernesto Neto e Rosângela Rennó, e os curadores Moacir dos Anjos, Paulo Sérgio Duarte e Ivo Mesquita, que é o curador da próxima edição. "A falta de registro impresso de um evento desse porte torna-o inconcluso e estagnado, uma vez que o livro cumpre a função de documentar e veicular questões fundamentais da mostra", afirmava o abaixo-assinado.
Uma das razões para a alegada não-conclusão do evento sem o catálogo foi que a participação de artistas, como Jorge Macchi e Rivane Neuenschwander, restringiam-se às inserções na publicação.
Um dos destaques da nova publicação é a reprodução em fac-símile do Programa Ambiental de Hélio Oiticica, artista inspirador do vetor conceitual do projeto da 27ª Bienal.
Enquanto na própria mostra não havia obras de Oiticica, o catálogo dedica 32 páginas a seus conceitos e projetos.
Obviamente, outro destaque fundamental são as inserções de artistas -a dupla Angela Detanico e Rafael Lain, Aya Ben Ron, Marjetica Potrc, o grupo Pages e Zafos Xagoraris. "Guia da Imobilidade", de Macchi, com mapas das regiões centrais da cidade, é um dos melhores trabalhos no catálogo, assim como a série de fotos de Neuenschwander, "Canteiros".
A vantagem da publicação tardia, que obviamente não precisava ter demorado tanto, foi apresentar um detalhado registro fotográfico da exposição. Muitas publicações do gênero trazem fotos antigas, o que torna tais catálogos frios. As teses da mostra são discutidas por seus seis curadores.
Além da curadora-geral, Lisette Lagnado, Adriano Pedrosa, Cristina Freire, José Roca, Rosa Martinez e Jochen Volz, estão presentes, cada um abordando um aspecto da mostra.
Outros intelectuais, como Milton Hatoum, Gianni Vattimo e León Ferrari, comparecem com textos que ampliam os debates da exposição.
Polêmica, dividindo opiniões, a 27ª Bienal tem agora uma nova ferramenta de compreensão que, se publicada no devido tempo, teria contribuído para um debate mais denso sobre suas propostas, que, só agora, chegam por inteiro.
março 5, 2008
Amazônia, o que a arte pode fazer pela floresta, por Camila Molina, O Estado de São Paulo
Amazônia, o que a arte pode fazer pela floresta
Matéria de Camila Molina, originalmente publicada pelo jornal O Estado de São Paulo, no dia 3 de março de 2008.
'Arte pela Amazônia' conta com 150 artistas do Brasil, incluindo grandes nomes do cenário de artes visuais
Arte pela Amazônia é a ampla mostra que será inaugurada na noite de terça-feira, 4, para convidados e na quarta para o público, no terceiro andar do prédio da Fundação Bienal de São Paulo. Há de tudo: fotografia, instalações, pinturas, esculturas, objetos, vídeos e gravuras criados por três diferentes gerações de artistas. Essas obras são abrigadas na mostra dentro de núcleos livres, concebidos pelo curador Jacopo Crivelli Visconti de forma a promover aproximações entre as criações. Os núcleos não têm títulos próprios. Cabe ao espectador fazer suas relações.
A iniciativa contou com a adesão de 150 artistas de todo o Brasil, incluindo os grandes nomes de nosso cenário de artes visuais, como Tomie Ohtake Tunga, Nelson Leirner, Paulo Pasta, Regina Silveira, Sandra Cinto, Thomaz Farkas e Maria Bonomi. Eles cederam suas criações para a mostra e, depois, para a realização de um leilão, previsto para o dia 3 de abril, em um shopping da cidade.
As escolhas das obras foram feitas pelos próprios artistas. Muitos criaram trabalhos específicos para o projeto; outros decidiram apresentar peças já prontas e há criadores que optaram por reeditar obras realizadas há tempos. "Não gosto de tema para trabalhos, então resolvi colocar uma obra inusual minha, uma monotipia de uma série de 2005 que nunca havia mostrado. Essa exposição é bacana, é um jeito de ajudar em algo", diz o pintor Paulo Pasta, referindo-se aos possíveis desdobramentos do projeto, voltado para uma criação de reserva natural na Amazônia. Sandra Cinto também entrou com a vontade de ajudar. "Nunca fico preocupada com o literal. Meu trabalho em si já tem relação com a paisagem e resolvi participar com um desenho inédito e novo", afirma a artista, que também indicou as jovens Michele Lerner e Alice Ricci a participar.
Preocupada em realizar ações de preservação da floresta e programas para a população ribeirinha local, a produtora da mostra é a Base 7 Projetos Culturais. "É fundamental chamar a atenção para a Amazônia e promover sua preservação consciente", diz o artista Ricardo Ribenboim, proprietário da Base 7, ao lado de Arnaldo Spindel e Maria Eugênia Saturni e principal articulador do projeto.
Como conta Ribenboim, que criou, ele próprio, a obra Intangível para a mostra, as primeiras conversas para a realização do projeto vêm sendo feitas há oito meses em parceria com a CO2 Soluções Ambientais. Com a verba do leilão, será criado um fundo para o recém-nascido Instituto Arte + Meio Ambiente, que, concebido este mês, poderá ter estrutura própria.
Tudo será focado para o plano de criação de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) a ser comprada em local já definido, no sul do Amazonas. "É uma área equivalente a 5,3 vezes o Parque do Ibirapuera", afirma Ribenboim. "As reservas particulares são uma solução saudável para a Amazônia. Os recursos são particulares, mas a guarda é do Governo", ainda diz. Segundo ele explica, quando se constitui uma reserva, não se constrói nada no local, mas se instalam censores em núcleos estratégicos que indicam se há queimadas e desmatamento na área. "Eles acionam a segurança", conta.
O local escolhido para a reserva particular, perto da divisa com o Mato Grosso, é, segundo Ribenboim, um lugar estratégico dentro da área de cinco Estados brasileiros que compreende a Amazônia. "Com o Amazonas sentimos mais firmeza. É o Estado com menor índice de desmatamento; que quer trabalhar para a preservação da floresta em pé e pela sustentabilidade; e que tem um Instituto Socioambiental seriíssimo", diz. No leilão, que será comandado pelo martelo do leiloeiro James Lisboa, 70% do valor de cada obra (os lances mínimos foram estipulados pelos próprios artistas) serão destinados ao projeto e 30% vai para o criador. "Mas há os que cederam integralmente sua obra", diz Ribenboim.
Oportunidade
Entre os 150 artistas participantes, dois deles exibem agora o que seria a reedição de trabalhos anteriores, de longa data: o pernambucano Paulo Bruscky e a gaúcha Regina Silveira.
Quando convidado a participar, Bruscky resolveu fazer nova edição de uma de suas gravuras em metal intitulada Amazonas, de 1973. Nela, de maneira simples e direta, está impressa a pegada de um solado típico da região da floresta. Esse seu trabalho é realista e, ao mesmo tempo, sombrio.
Já Regina Silveira escolheu fazer criação a partir de seu projeto Rodovia Transamazônica, de 1977. A obra de agora ficou Brasil Today, Rodovia Transamazônica (1977/2007), impressão digital sobre imagem, e está abrigada no primeiro núcleo, dedicado ao assassinato da floresta.
É curioso também destacar um trabalho que não foi reeditado, mas criado para a ocasião: Chico Mendes, instalação com alto-falantes feita por Hermuth Gripp, coloca ecos para remeter metaforicamente à figura do líder seringueiro que foi assassinado há 20 anos.
Após captação, mostra leiloará obras, por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo
Após captação, mostra leiloará obras
Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 4 de março de 2008
Com trabalhos de 150 artistas, exposição para financiar preservação ambiental arrecadou R$ 750 mil por lei de incentivo
Diretor de museus do MinC considera a operação "estranha", mas assessoria do ministério assegura que não há irregularidade
Com a participação de 150 artistas brasileiros, "Arte pela Amazônia", mostra que é inaugurada hoje no pavilhão na Bienal, tem como objetivo central arrecadar fundos para a compra de uma área na fronteira do Mato Grosso com o Amazonas para preservação ambiental. Os artistas doaram as obras, que irão a leilão no dia 3 de abril.
Segundo Ricardo Ribenboim, um dos sócios da Base 7 Projetos Culturais, produtora que organiza a mostra, a expectativa é arrecadar entre R$ 300 mil e R$ 500 mil, suficientes para comprar um terreno de 833 hectares, área cinco vezes superior ao parque Ibirapuera. "Esse terreno, onde será possível plantar 1 milhão de árvores, custa em torno de R$ 120 mil e com o dinheiro restante pretendemos criar um edital para projetos de qualidade para a população indígena e ribeirinha", conta Ribenboim.
Curioso, entretanto, é que a Base 7 arrecadou, por meio da Lei de Incentivo à Cultura, R$ 750 mil para a organização da exposição, valor bem superior ao que se pretende arrecadar. "Uma exposição com 150 artistas é muito cara por conta do seguro das obras, do aluguel de espaço, da edição de um catálogo. Nós só quisemos organizar a mostra e depois viabilizá-la a ponto de conseguir que a renda seja totalmente entregue ao projeto", diz Ribenboim.
"Acho estranho que isso ocorra e, se virar moda, todo mundo vai usar a lei de incentivo para organizar uma exposição e fazer negócios em favor de alguma causa, independente do que ela seja", diz José do Nascimento Júnior, diretor do Departamento de Museus do Ministério da Cultura (MinC). Coordenador de Análise e Aprovação de Projetos do MinC, Maurício Bortoloti disse que irá emitir um parecer sobre o caso nos próximos dias.
A assessoria de imprensa do ministério assegura, no entanto, que não há irregularidade, pois os projetos inscritos podem ter fim comercial, se houver uma finalidade cultural.
Em família
A idéia para organizar a mostra com fins filantrópicos teve início numa conversa familiar: o filho de Ribenboim, Gabriel, é um dos proprietários da CO2 Soluções Ambientais, empresa que realiza projetos de neutralização de carbono, e tem uma fazenda próxima à área onde se pretende adquirir o novo terreno e irá monitorar o novo espaço contra incêndios e o desmatamento. "A idéia surgiu da união da CO2 e da Base 7 para criar um projeto de preservação consciente da Amazônia de longo prazo", diz Ribenboim.
O resultado da arrecadação do leilão será dividido em duas partes: 30% para os artistas e 70% para uma Oscip (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), criada a partir do Instituto Arte Mais Meio Ambiente, que irá gerenciar o projeto. Os artistas, segundo Ribenboim, estão sendo convidados a participarem da entidade. "A idéia é entender que isso é uma atitude de artistas e foi bacana ver como houve sensibilidade para o projeto", diz.
De 170 convidados, 150 aceitaram o convite para a mostra. No entanto, vários artistas ouvidos pela Folha não sabiam da captação. "Acho o valor arrecadado muito elevado, mas acredito ser por uma boa causa", diz Mauro Restiffe. Outros atenderam por respeito ao organizador: "Participo porque confio no Ribenboim", diz Carlito Carvalhosa. Outros artistas -que preferiram não se identificar- tiveram reações mais exaltadas ao tomar conhecimento da captação.
A Base 7 conseguiu ainda uma parceria com a Fundação Bienal de São Paulo que, mesmo ainda tendo dívidas da Bienal de 2006, deu um desconto substantivo para o aluguel: em vez de cobrar o preço normal, R$ 274 mil, está recebendo R$ 50 mil. O curador da fundação, Jacopo Crivelli Visconti, também trabalha para "Arte pela Amazônia", organizando a disposição das obras e escrevendo o texto do catálogo. Segundo Ribenboim, Visconti recebe verba da própria fundação.