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janeiro 30, 2008
Diretor do MinC nega censura e defende política de museus, Folha de São Paulo
Diretor do MinC nega censura e defende política de museus
Matéria da reportagem local, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 30 de janeiro de 2008
Em resposta à entrevista com Paulo Herkenhoff, José Nascimento Junior diz que o ministério ajuda o Masp; Ivo Mesquita defende vazio
O diretor do Departamento de Museus e Centros Culturais do Iphan, órgão do Ministério da Cultura (MinC), José Nascimento Junior, rebateu ontem as críticas do curador e crítico Paulo Herkenhoff, que, em entrevista publicada ontem na Folha, disse que "o MinC não está aparelhado tecnicamente para melhorar o Masp".
"O MinC já ajuda o Masp, tendo autorizado na Lei Rouanet uma captação de R$ 8,1 milhões para o museu", afirma Nascimento Junior.
O diretor do MinC também fez ressalvas a outras críticas que Herkenhoff fez ao setor, como uma suposta censura a uma mostra do artista gaúcho Xico Stockinger que ocorreria no Museu Nacional de Belas Artes (MNBA), no Rio. O curador também disse que a origem de Nascimento é "stalinista".
"Não me lembro de nenhum caso de censura no Museu Nacional de Belas Artes, nenhum veto a qualquer artista. Não há nenhum documento que relate tal censura. Mas o que há sempre são cuidados na análise dos projetos, mesmo que sejam com dinheiro incentivado. E minha origem não é stalinista."
Nascimento Junior defende a atual gestão do MinC. "Há uma ampla aprovação pública dessa política de museus pelo ministro Gilberto Gil, pelo presidente Lula e por organismos internacionais. A política nacional de museus é vitoriosa."
Sobre o grampeamento de e-mails no Museu Imperial, citado por Herkenhoff e divulgado pela Folha na coluna de Elio Gaspari em março passado, o diretor do MinC diz que há uma investigação em curso fora da esfera do ministério. "O caso está sendo investigado pela CGU [Controladoria Geral da União], pela PF [Polícia Federal] e pelo Ministério Público Federal. Se ele sabe de alguma coisa, tem de denunciar a alguns desses órgãos."
"Herkenhoff é um grande curador, deveria estar preocupado só com artes, não mais com questões administrativas", avalia Nascimento Junior.
Bienal
Herkenhoff também disse na entrevista publicada ontem que a "Bienal precisa, de fato, se pensar", em referência ao andar que o curador Ivo Mesquita pretende deixar vago na próxima edição da mostra como um espaço para a reflexão. "Mas é uma solução de economia de tempo", disse Herkenhoff.
Procurado ontem pela reportagem, Mesquita disse que estaria ocupado o dia todo e que não poderia se manifestar até o fechamento desta edição.
Mas após um debate sobre a Bienal organizado semana passada pela Associação Brasileira de Críticos de Arte no MuBE, Mesquita disse à Folha que sua idéia de deixar um andar vazio não se trata de uma tentativa de tapar um buraco e que sempre esteve em seus planos.
"As bienais hoje são todas iguais. A Bienal reúne 120 artistas, mas são só 120 artistas. Como se organizam esses 120? Quando você tem um tema, você pode fazer com 120, com 30", disse Mesquita.
Segundo seu projeto, a mostra orçada em R$ 9 milhões terá um piso dedicado ao arquivo histórico da Bienal e um andar vazio, enquanto o térreo deverá receber performances, vídeos e festas. "Talvez não tenha pintura na parede, mas tem artistas produzindo trabalho. Já chegaram quatro deles. A idéia é apresentar todos os projetos até depois do Carnaval", disse Mesquita na semana passada.
janeiro 29, 2008
'Um jantar na Fiesp resolveria o Masp', entrevista de Paulo Herkenhoff a Mario Gioia eSilas Martí, Folha de São Paulo
'Um jantar na Fiesp resolveria o Masp'
Entrevista de Paulo Herkenhoff a Mario Gioia e Silas Martí, originalmente publicada na Folha de São Paulo no dia 29 de janeiro de 2008
Um dos principais curadores do país, Paulo Herkenhoff chama a direção do museu de arte paulistano de "impermeável", diz que há censura no MinC e que o Ministério Público deveria ser mais atuante na preservação do patrimônio cultural do país
Quando Lygia Clark morreu, em 1988, Paulo Herkenhoff, na época curador do MAM-RJ (Museu de Arte Moderna do Rio), teve 12 horas para conseguir uma Kombi e levar tudo que pôde da casa dela para o museu. Lá ele se debruçou por dois anos sobre o espólio da artista, reuniu suas obras, mandou restaurá-las e pôs em ordem suas memórias.
Essa visão da arte como algo a ser resgatado, em um país em permanente crise institucional nessa área, sempre marcou a trajetória de Herkenhoff. Ele é um dos principais críticos de arte e curadores do Brasil -esteve à frente da mais marcante Bienal de São Paulo recente, a 24ª edição da mostra, dedicada à antropofagia, em 1998, que recebeu rasgados elogios da crítica internacional, e foi curador-adjunto do Departamento de Pintura e Escultura do MoMA, em Nova York. Um dos curadores da exposição "Brasil: desFocos (O Olho de Fora)", em cartaz no Paço das Artes, em São Paulo, Herkenhoff recebeu a Folha para uma conversa de duas horas.
Ele ataca a direção do Masp, "impermeável", e diminui o problema financeiro do museu, que poderia ser resolvido "num jantar na Fiesp". O curador ainda classifica a atual direção do Departamento de Museus e Centro Culturais do Ministério da Cultura como "stalinista" e acusa o órgão de censura em diversas ocasiões. Também critica a legislação fiscal brasileira e o Ministério Público em relação ao patrimônio cultural.
FOLHA - Você acha que 2007 foi um ano negro para as artes no Brasil, com o furto recente das telas do Masp e o anúncio da Bienal vazia? Existe uma crise institucional aí?
PAULO HERKENHOFF - Eu acho que tem duas questões. A gente não pode misturar Masp com Bienal. Eu acho que hoje o Masp tem uma situação absolutamente esquizofrênica. Entre outras coisas -e não estou falando da coleção, que isso seria chover no molhado-, é o mais importante museu privado do país. Isso quer dizer que o Masp surgiu como uma demonstração de possibilidade da burguesia brasileira. Agora, será que essa possibilidade dependia do grande burguês Assis Chateaubriand? Não existe mais essa burguesia? Essa burguesia só é capaz de destruir? Nos anos 50 alguns construíam; recentemente alguns destroem. É o caso do incêndio do MAM, no Rio, em 78, e o caso da Bienal. Temos uma sociedade civil totalmente contrária a essa administração, entendendo que não pode continuar assim. Houve equívocos, que não são aceitáveis, e, ao mesmo tempo, vemos uma direção absolutamente impermeável. É isso, não é? Me dá uma sensação de um Getúlio Vargas em sua torre.
A minha pergunta é a seguinte: onde está o nó? O nó para mim não é dinheiro. Se o Masp deve R$ 5 milhões, é pouquíssimo. Se o Masp deve R$ 14 milhões, para uma cidade como São Paulo, é pouquíssimo. Se o Masp devesse R$ 30 milhões, numa cidade como São Paulo, seria pouquíssimo. Quer dizer, num jantar a Fiesp resolveria o Masp. Existem seguramente em São Paulo 200 empresários, 300 empresas, que podem dar R$ 1 milhão pela Lei Rouanet ou por uma lei especial que se faça para resolver essa situação. É muito simples.
FOLHA - O furto das telas então foi o ápice dessa crise?
HERKENHOFF - Não precisaria o roubo de São Paulo. Quando roubaram no Rio o único Salvador Dalí, um dos quatro Matisses, um dos três Monets e um dos cinco Picassos em museu público no Brasil [as telas foram roubadas do Museu Chácara do Céu, no Rio de Janeiro, em 2006], não se discutiu direito, o Rio de Janeiro não discutiu. Só se resolve quando roubam? No Rio, a diretora do MAM durante o incêndio virou diretora do Museu Nacional de Belas Artes. Resultado: o museu viveu o tempo todo à beira de um incêndio. E o Ministério Público? Eu estou convocando, como cidadão, o Ministério Público a se preparar tecnicamente para superar a capacidade de articulação da opinião pública de alguns diretores de museus para encobrir sua ineficiência.
FOLHA - A solução para o Masp então estaria fora do Masp? Como resolver o problema de segurança?
HERKENHOFF - Para mim está fora do Masp. Está fora dessa diretoria. Segurança é uma questão permanentemente inacabada. Não existe segurança pronta. Não depende de dinheiro, depende de um plano. Não existe um projeto de segurança num museu do porte do Masp feito da noite para o dia. Existe um paliativo, mas o problema ainda não está resolvido. O acervo está em risco. A questão para mim é a seguinte: se existiu uma, duas tentativas de roubo ao museu antes, já era para ter pedido reforço policial. Precisou roubar para pedir reforço policial?
"Área de museu do MinC é stalinista"
Para Paulo Herkenhoff, Ministério da Cultura não está aparelhado tecnicamente e, em alguns casos, exerceu censura
Curador defende que lei sobre heranças mude; "se o artista morre, tem que ir uma parte de suas obras para museus públicos"
FOLHA - O MinC poderia ajudar no caso do Masp?
HERKENHOFF - Ajudar como? Um diretor de museu do Iphan ganha R$ 1.500 por mês. O MinC não está aparelhado tecnicamente para melhorar o Masp. Eu não vejo como ajudar. O que o ministério vai fazer? Dar dinheiro como está dando para seus museus federais?
Acho que o museu tem a rara oportunidade de ser um museu da sociedade civil, sabe? Imagine se o museu, de alguma maneira, tivesse um convênio com a Fiesp, de gestão? Ou com o sistema de organizações sociais, que é tão bom.
FOLHA - E a proposta que o Masp fez ao poder público, oferecendo uma vaga no conselho gestor em troca de dinheiro?
HERKENHOFF - O que o Ministério da Cultura vai dizer? Sabe quem dirige os museus no Ministério da Cultura? A origem dessa pessoa [José do Nascimento Junior]? É um stalinista. Tinha uma pessoa que mandava os e-mails da diretora do Museu Imperial para ele em Brasília, à revelia dela, sem que ela soubesse. Isso é censura. É isso que se quer? Quer dizer, o Ministério da Cultura não está aparelhado para opinar. Quem é que fica nesse ministério na área de museus? Acho que o Gil está fazendo um trabalho ótimo nas outras áreas, mas na área de museus, me desculpe.
Eu não vejo aí uma posição ética. Cancelaram uma exposição do Xico Stockinger porque não gostavam do curador. Isso para mim tem um nome: censura.
Foi um dos motivos por que eu saí. Esse ministério é o quê?
E Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso para os museus federais foram a mesma pessoa. O Museu Nacional de Belas Artes (MNBA) é um órgão federal, mas o ministério então deu R$ 15 milhões para a Pinacoteca, que é um órgão estadual. Deu zero para o MNBA, que era uma instituição de sua responsabilidade.
FOLHA - Como você recebeu a notícia de uma "Bienal do vazio"?
PAULO HERKENHOFF - Evidentemente o vazio é uma questão importante do século 20. O vazio está em Heidegger, na arte da Lygia Clark nos anos 50, da Mira Schendel nos anos 60. O vazio está na incompletude que move o desejo... Mas na situação concreta da Bienal de São Paulo é uma solução de economia de tempo institucional, porque, realmente, me parece extraordinário que a instituição tenha demorado um ano para escolher seu curador, a ponto de inviabilizar sua presença. Isso para mim é um dado real, concreto, que precisava de uma resposta. Evidentemente que as duas opções seriam: ou adiar a próxima Bienal por um ano, para que o nosso curador [Ivo Mesquita] tivesse mais tempo ou fazer algo que não comprometesse a Bienal em sua condição de evento artístico, porque eu acho que é uma solução significativa expor o vazio como o melhor espaço para discutir o futuro da instituição. Imagino que haja algumas frustrações. As pessoas vinham se preparando com mais antecedência para o período da Bienal. O mercado sempre tem boas vendas durante esse período. Mas eu vejo como um processo que vai ser produtivo.
FOLHA - Isso então não compromete a Bienal?
HERKENHOFF - O fato de não ter uma exposição para mim não é um comprometimento, pelo contrário. Para mim é uma demonstração de que a instituição está se pensando e nisso acho que a instituição se torna o termômetro das grandes exposições atuais. Eu não sei se eu gostaria de fazer uma exposição grande hoje, se isso me desafia. E a Bienal precisa, de fato, se pensar. Será que ela deve ser bienal? Não deveria ser trienal?
Talvez o que o modelo esteja indicando é que dois anos é muito pouco tempo para organizar um evento do porte da Bienal de São Paulo.
FOLHA - Mas a Bienal sempre ocorreu dessa forma.
HERKENHOFF - Sim, mas foi sempre feito bem? Será que não tinha uma mecânica cega que permitia que se realizasse, que eram as representações nacionais? A Bienal sempre foi aberta porque chegava o dia de abrir. Então, quer as obras tivessem chegado ou não, sempre abriu porque estava na hora de abrir. Mas a minha pergunta é se não havia um mecanismo de suas representações nacionais que enchia o prédio e permitia isso. Eu acho que o modelo constituído pela Lisette [Lagnado, curadora da 27ª Bienal, em 2006], que é um modelo que eu também queria, a extinção das representações nacionais, dá à Bienal a oportunidade de construir um discurso mais firme, mais articulado, num edifício extraordinário. Isso faz a Bienal hoje a mais importante exposição do mundo.
FOLHA - Mais do que a Bienal de Veneza?
HERKENHOFF - Mais do que Veneza, sem dúvida. Veneza sobrevive do seu status e também do charme da cidade. Afinal todo mundo gosta de ir de dois em dois anos a Veneza. É um grande prazer. Mas Veneza não tem o poder de articulação que tem a Bienal de São Paulo. Das três grandes exposições, eu sempre disse que a Bienal de São Paulo era a única grande exposição do mundo que tinha uma cidade por trás. Os principais formadores de opinião estão em São Paulo, apesar de muitos terem cabeças muito modernistas, nem sempre voltadas para a arte contemporânea. Mas São Paulo é o grande modelo para o futuro.
FOLHA - Comente um pouco suas dificuldades na preparação da 24ª Bienal, sobre a antropofagia, que foi uma edição da mostra elogiada em plano internacional.
HERKENHOFF - Naquela Bienal, houve um conjunto de fatores positivos, que foram mais fortes que os negativos de uma Bienal. Temos de destacar as figuras de Júlio Landmann [ex-presidente da Fundação Bienal], Adriano Pedrosa [curador-adjunto da 24ª Bienal], Evelyn Ioschpe [responsável pelo projeto educativo] e Paulo Mendes da Rocha [que planejou o espaço expositivo]. Depois, havia uma conjuntura econômica muito favorável. O dólar estava em paridade com o real e tudo isso foi muito positivo. Nós teríamos, finalmente, uma Bienal pensada a partir do Brasil. A Bienal foi sempre lugar de atualização do Brasil com o mundo. Naquele momento, a idéia era a seguinte: dizer ao mundo que nós temos uma tradição, servir o biscoito fino, como falava Oswald de Andrade. Eu acho que o sucesso dela também aconteceu porque não houve nenhum pacote.
Não houve nenhuma exposição que veio fechada. Cada obra foi batalhada, negociada. Eram obras de 110 museus.
FOLHA - Há um grande interesse por arte latino-americana hoje no mundo e obras importantes têm saído do Brasil. Como você avalia a política de aquisições das instituições nacionais?
HERKENHOFF - Sem uma mudança na legislação fiscal relativa a obras de arte, as instituições vão continuar paupérrimas. Hoje os críticos dizem que os museus não compram. O que é isso? Se o artista morre, tem que ir uma parte de suas obras para museus públicos. É assim em todos os países. É necessária uma reforma urgente dessa questão no Brasil. A Lei Rouanet hoje é uma espécie de colesterol da cultura porque criou uma série de mecanismos que estão borrando o perfil de um museu. Você opera com um relógio acelerado, submetido ao diretor de um banco.
Museu é uma instituição que coleta obras de arte, que cataloga, que registra, que conserva, que estuda, que expõe. Se de repente você não tem o acervo, mas tem a exposição, isso não é museu. Se você tem o acervo e não expõe, isso não é museu. Se você tem acervo, exposição, mas não tem pesquisa, que é uma parte fundamental de museu, não é museu. Museu é um lugar de construção de pensamento, história e crítica. Acho que daqui a alguns anos nós vamos precisar viajar para ver arte brasileira.
FOLHA - Você acha que essa valorização de brasileiros no exterior não está muito centrada em Hélio Oiticica e Lygia Clark? Volpi, por exemplo, não tem o mesmo reconhecimento.
HERKENHOFF - Acho que há um incômodo muito grande em São Paulo com o sucesso do Hélio e da Lygia. Eles têm valor porque eles são extraordinários. Não quer dizer que os outros também não tenham direito a isso. Mira Schendel vai ter uma exposição no MoMA. O Volpi chegará lá. Existe Volpi na coleção Cisneros por indicação minha. São de primeiríssima linha. O Reina Sofía, de Madri, adquiriu Volpi. Agora, o Volpi tem um problema semelhante ao Guignard, uma leitura reducionista que se faz no hemisfério Norte desses dois artistas, que tendem a ser considerados artistas ingênuos.
janeiro 22, 2008
Museu sueco recebe produção carioca, por Gabriela Longman, Folha de São Paulo
Museu sueco recebe produção carioca
Matéria de Gabriela Longman, originalmente publicada na Folha de São Paulo no dia 22 de janeiro de 2008
Exposição reúne obras de Sergio Camargo, Ivan Serpa e outros artistas que marcaram a cena cultural do Rio de 1956 a 1964
Com curadoria de Paulo Venancio Filho, mostra em Estocolmo inclui referências ao cinema novo, à arquitetura e à música do período
O Rio de Janeiro aportou na Suécia. Desde o último sábado, uma exposição no Moderna Museet, em Estocolmo, apresenta a produção carioca entre os anos de 1956 e 1964, levando ao público escandinavo obras de artistas como Sergio Camargo, Milton Dacosta, Ivan Serpa, Franz Weissman e Amilcar de Castro, entre outros nomes que marcaram o cenário cultural da cidade no auge de sua modernização promissora.
Com curadoria de Paulo Venancio Filho, a mostra "Time and Place - Rio de Janeiro 1956-1964", que fica em cartaz até o dia 6 de abril, reúne cerca de 60 obras -entre pinturas, esculturas, fotos, croquis, pinturas e pôsteres- agrupadas em três salas.
"Procurei levar outros nomes além de Hélio [Oiticica] e Lygia [Clark], que já estão mais do que difundidos no cenário internacional", afirma o curador à Folha, por telefone. "E devo dizer que o público sueco mostrou-se bastante entusiasmado com o resultado."
Além da produção plástica, a mostra inclui referências ao cinema novo, à arquitetura moderna e à música do período. Estão lá, por exemplo, uma réplica da Casa das Canoas e alguns desenhos de Oscar Niemeyer, assim como móveis de Sergio Rodrigues, os biscoitos Piraquê e o pôster do filme "Terra em Transe" -apesar de o longa de Glauber Rocha ter sido lançado em 1967 e, assim, estar fora do período coberto pela exposição, o curador achou por bem acresentar a obra à seleção.
"No fundo, trata-se de desfazer aquela imagem já cansada do Brasil folclórico do Carnaval... Nesse sentido, ainda existe muito trabalho a ser feito", diz Venancio.
Fugindo da ordenação cronológica, as obras foram agrupadas de forma a ressaltar o diálogo entre os diferentes suportes (fotografia, escultura e assim por diante) no período.
"A idéia foi apontar como cada artista tinha uma espécie de sotaque particular dentro daquele momento comum."
Nesse sentido, parecem emblemáticas duas imagens que integram a exposição: Hélio Oiticica ao lado de Glauber Rocha, e também o poeta e crítico Ferreira Gullar junto com Hélio e Lygia Clark (veja ao lado).
A programação paralela prevê exibições de filmes e palestras com pesquisadores da Universidade de Estocolmo. Entre os temas de conferência, está, por exemplo, Gilberto Mendes e a música concreta.
Por enquanto, não existe previsão de itinerância da exposição.
Evento triplo
A mostra faz parte do projeto "Time and Place", criado pelo museu para a comemoração de seus 50 anos de inauguração. Previstas para o segundo semestre de 2008, mostras sobre os panoramas artístico-culturais de Milão/Turim e Los Angeles no mesmo período completam projeto.
"O Moderna Museet criou sua identidade com um pé em Nova York e outro em Paris. E, por muitos anos, ficou parecendo que a arte era guiada inteiramente por estas duas cidades. Olhando de longe, no entanto, fica óbvio que certos "bolsões culturais" estavam pipocando em outros lugares, com projetos artísticos inteiramente radicais", diz o texto de apresentação do evento. "A idéia é explorar o momento de criação do museu a partir de uma perspectiva internacional."
janeiro 21, 2008
Hora de crescer - Uma proposta de ação político-econômica
Hora de crescer - Uma proposta de ação político-econômica
A sustentabilidade do Canal Contemporâneo e seus desdobramentos sociais, políticos e econômicos.
Publicado no e-nforme ANO 8 - N. 5, de 22 de janeiro de 2008.
Para começar este texto, nostalgicamente fui ler a primeira edição do 'Hora de crescer', publicada em 31 de maio de 2002, quando lançávamos o programa de assinaturas do Canal Contemporâneo. Uma atitude nova em nosso setor cultural - cobrar e pagar semestralidades - nascia para promover a sustentabilidade de um veículo de interesse comum a um segmento produtivo. A proposta era simples: rachar as despesas para crescer. Nesta época, o Canal era tocado por apenas uma pessoa, esta artista que vos fala, que, obviamente, já não conseguia mais dar conta da trabalheira sozinha.
Os e-nformes eram ainda convites eletrônicos, sem data certa para sair e, às vezes, eram disparados mais de uma vez por dia. Eles ainda não estavam ancorados no sítio e, portanto, também não eram enviados automaticamente. Tudo era "manual", feito com apenas um computador e conexão discada (o nosso técnico lembra bem da agonia quando dava pau na máquina em dia de e-nforme).
O fato é que o 'Hora de crescer' nos permitiu, mesmo, crescer: estamos iniciando o ano 8 do Canal Contemporâneo e muita coisa mudou desde então. Da equipe e equipamento ao conceito, fomos passando por várias etapas e, em cada uma delas, mudanças eram percebidas no ar. O sítio, que sempre existiu, passou de fato a concretizar o nosso caminho, ancorando todos os nossos movimentos. Este crescimento orgânico e paulatino pode ser percebido no sítio, que apresenta módulos construídos em momentos diferentes. As diferenças não são apenas visuais, mas também tecnológicas, o que faz desta arquitetura de "puxadinhos" um verdadeiro frankenstein cibernético e cria mais um desafio para nós, qual seja, dar inteligência tecnológica e maior interação a este conjunto de interfaces.
No ano passado, na Documenta (ver a participação do Canal no www.canalcontemporaneo.art.br/documenta12magazines), falei da problemática tecnológica na minha palestra, que tinha como título "Canal Contemporâneo, is it a magazine, a newspaper, a site or what?". A idéia foi relacionar o desenvolvimento deste work in progress: os nossos conceitos de atuação, a participação da comunidade e seus integrantes (profissionais e organismos de formatos e tamanhos diferentes), a troca de informações, as ações políticas e o desafio da estruturação de nossa própria economia.
Apesar do atraso em relação às ferramentas tecnológicas para operarmos como uma comunidade digital, este conceito se construiu, mesmo de maneira low-tech, com a troca de emeios alimentando a participação dos integrantes da comunidade, que transformaram um simples ir e vir de mensagens eletrônicas em memória coletiva e plataforma política. As próximas implementações tecnológicas, patrocinadas pela Petrobras, dão um passo importante no sentido de ampliar as possibilidades desta comunidade: perfis dos integrantes publicados, interação automatizada com o conteúdo e um banco de dados unificado (finalmente) facilitarão a nossa comunicação e administração. Mas ainda é pouco para o tanto de coisas que queremos e podemos fazer. Então, como viabilizar as transformações de que necessitamos?
Chegamos a este novo patamar econômico, em que temos muito mais do que no início, mas é como se estivéssemos zerados novamente, pois muitas outras necessidades surgiram. Na verdade, o objetivo do 'Hora de crescer' agora é o mesmo que o originou: rachar as contas. Só que as contas cresceram e gostaríamos de não ter que pagá-las com a maior contribuição que recebemos de apenas um de nossos integrantes: o patrocínio da Petrobras. Queremos, neste momento, turbinar as nossas assinaturas para usar os recursos do patrocínio da Lei Rouanet, prioritariamente, para alavancar novos investimentos em tecnologia e contratação de novos profissionais. O nosso grande desafio em termos econômicos é este: alçar novos patamares com patrocínios e sustentá-los com as contribuições das associações. Estas, em quantidade suficiente, podem igualar a mesma importância financeira e, mais, permitir a autonomia em relação à nossa subsistência e à nossa liberdade de ação. É uma matemática simples, mas que exige um amadurecimento político e uma mudança de atitude.
Da parte do Canal, desde que começamos a lidar com a aprovação do primeiro patrocínio da Petrobras para a Agenda de Eventos, ficamos tão absorvidos com a dinâmica de crescimento que deixamos de promover o Programa de Assinaturas. Por outro lado, a participação dos usuários foi minguando e hoje temos a metade de associados que tínhamos no momento da publicação do último 'Hora de crescer', em dezembro de 2004. O fato de termos conseguido um patrocinador nos levou de volta ao padrão corrente de nosso segmento cultural (e muitos outros), que deixa a cargo do patrocínio a responsabilidade do sustento da iniciativa. É esta atitude que precisa ser mudada para ampliarmos o nosso horizonte.
O patrocínio da Petrobras, através da Lei Rouanet (Art. 26, abatimento de 30%), é responsável hoje por um investimento de R$ 300 mil ao ano no Canal, cifra destinada atualmente à manutenção da equipe e do desenvolvimento tecnológico do sítio. Contudo, este valor não é suficiente para sustentar as melhorias em nossa infra-estrutura e nem arcar com a ampliação da equipe, que hoje ainda não trabalha em horário integral, e com a contratação de novos profissionais. Para que o Canal Contemporâneo continue a existir como um espaço vivo para o debate da arte contemporânea brasileira é preciso dar conta desta realidade.
O estágio de funcionamento ideal nos demanda dobrar o investimento do patrocinador e para isso seria necessária a adesão de 1.700 indivíduos (cuja associação anual custa R$140) e 80 organismos (R$800 ao ano). Números que podem parecer altos, mas que são bem menores que aqueles que já angariamos em iniciativas de ativismo político. Ah, mas isso é diferente, vocês vão pensar. Nem tanto. Trata-se, apesar da contribuição financeira, de uma ação política, nem mais e nem menos difícil das que já vivenciamos. A diferença está no embate da ação, que se dá em relação a nós mesmos, pois somos nós o objeto que se pretende transformar. E está também no que esta transformação deflagra: uma mudança de atitude; tomar para si a responsabilidade do mecenato e agir como um investidor, pensando que o seu investimento já nasce rendendo os 300 mil do patrocinador e sete anos de memória da arte contemporânea brasileira. E mais, os resultados da ação são diretos: não se trata de constituir uma etapa para deflagrar uma outra; aqui é aderir de um lado para ver o resultado acontecer em seguida, com a vantagem de que não começamos do zero.
Neste ano 8 que se inicia, abrimos o debate sobre o tema: a sustentabilidade do Canal Contemporâneo e seus desdobramentos sociais, políticos e econômicos. Publique o seu comentário no Como atiçar a brasa ou envie uma mensagem pelo contato online e vamos à discussão.
Para finalizar, como fazíamos anteriormente, publicamos os nomes dos indivíduos e organismos que contribuem para a manutenção do Canal, a fim de demonstrar o nosso agradecimento à sua participação. No final deste e-nforme, encontram-se as informações sobre como se associar para integrar esta ação político-econômica.
Patricia Canetti
Artista e criadora do Canal Contemporâneo
Acesse sempre a lista online para acompanhar A COMUNIDADE: associados individuais, organismos associados, apoios e parcerias e patrocínios.
Para se associar ao Canal Contemporâneo, escolha o seu tipo de associação semestral (indivíduos: R$75 ou organismos: R$400) e a sua forma de pagamento:
1 - Depósito ou transferência bancária em nome de Canal Contemporâneo Criações Artísticas em Rede Ltda., CNPJ: 08.658.479/0001-60, nos bancos Bradesco (agência 472-3, conta 55.594-0) e Unibanco (agência 0586, conta 118146-8). Envie o comprovante (ou dados) do depósito realizado, com o seu nome completo e emeio, por fax 21-2547-8627 ou pelo contato online.
2 - Boleto bancário, pagável em qualquer banco, inclusive pela internet (esta forma de pagamento sofre o acréscimo de até R$6,74 de tarifa bancária). Envie os seus dados (nome completo, endereço e valor da associação) e peça o boleto pelo contato online.
Crise do MASP: textos de José Arthur Giannotti e Renato Mezan, Caderno Mais da Folha de São Paulo
Crise do MASP: textos de José Arthur Giannotti e Renato Mezan
Renato Mezan e José Arthur Giannotti discutem a crise no museu após roubo dos quadros de Pablo Picasso e Candido Portinari
Nosso MASP, por José Arthur Giannotti
Papagaios e piratas, por Renato Mezan
Texto de José Arthur Giannotti, originalmente publicado no Caderno Mais da Folha de São Paulo, no dia 20 de janeiro de 2008
F oi enorme meu alívio ao tomar conhecimento de que as telas roubadas do Masp tinham sido recuperadas. Para mim era como se peças de minha mobília cultural tivessem sido roubadas. A perda financeira pouco significava, mas cada quadro do acervo tem para mim e para muitos valor muito especial; nós que iniciamos nossa vida cultural nos anos 50, que assistimos à inauguração do museu na rua Sete de Abril, que freqüentávamos o barzinho, que aprendemos a ver pintura no olho da tela, que lá abrimos nossos horizontes ao cinema.
Além da escola, minha turma tinha três pontos de apoio: a biblioteca infantil na rua Major Sertório, a biblioteca Mário de Andrade e a discoteca da rua Florêncio de Abreu. Girávamos em torno deles, cruzando a cidade a pé, embebidos por ela, esperando dar a ela o melhor de nossos pensamentos.
Surgiu então o Masp. Pela primeira vez vimos se formando um caleidoscópio de telas, cada qual com sua peculiaridade espantosa, mas concretizando uma história da arte que somente conhecíamos por livros. As instituições são como trilhas na floresta, se não forem constantemente pisadas e percorridas retornam ao estado natural. Foi isso que aconteceu com as nossas fontes urbanas.
A discoteca ficou obsoleta, a biblioteca infantil se espalhou pela cidade e perdeu empuxo, a biblioteca Mário de Andrade entrou em total decadência a ponto de suas instalações desmoronarem; passa agora por uma reforma profunda. E o Masp?
Novas percepções
O roubo dos quadros fez reavivar minha memória. Lembro-me de Bardi mostrando-nos o quadro de Picasso. Positivamente este não contava entre seus pintores preferidos, mas um retrato da fase azul era compatível com o espírito geral da coleção que estava formando. Bardi era o oposto de sua mulher Lina.
Às vezes chegava ao museu abraçando um prato florentino com o maior carinho, mas recebia de Lina um olhar de descaso. Ela só se encantava com obras modernas, ele só tinha olho para peças antigas. O museu era ponto de encontro e cadinho de novas percepções: ali víamos e estudávamos. Uma vez Bardi nos ofereceu um curso sobre história da arte, obviamente certo de que iria encontrar um grupo seleto de bugres ignorantes. Foi nossa vez de lhe dar o troco.
No final do curso cada um de nós deveria dissertar sobre um período escolhido no momento. Fui obrigado a falar sobre o século 1º em Roma e não me saí bem da empreitada, pois esse período até hoje não me fascina. Mas ainda hoje vejo Radhá Abramo contando a história de uma grande pedra que, rolando, ia selecionando as obras de arte de que lhe importava falar.
Depois descobrimos a intenção do diretor: estava escolhendo assistentes. Foi assim que Jorge Wilheim consolidou seu emprego ali. Até eu fui sondado, mas nada me desviaria de minha obsessão pela filosofia. Mesmo quando foi transferido para a avenida Paulista ainda nos fazia história. Veio a ocupar o terreno de um antigo Trianon, de onde contemplávamos o crescimento de São Paulo; era nos seus salões que comemorávamos nossas formaturas. Foi destruído para dar lugar à primeira Bienal. Projeto arquitetônico de Luiz Saia, naquela época diretor do Patrimônio Histórico de São Paulo.
Era um prédio quadradão, o chão de ardósia -enorme novidade no momento- tendo na fachada umas colunas de amianto. No alto de cada uma havia uma emenda, sagrada para Saia por causa de seu despojamento, mas que foi recoberta por uma faixa de fios amarelos, segundo uma recomendação de Ciccillo Matarazzo, presidente da Bienal. Obviamente Saia se retirou do projeto batendo os pés. Eles faziam acontecer.
Pronto o lindo prédio projetado por Lina, veio a surpresa maior. Como cada quadro ficava exposto num suporte de vidro fixado numa barra de concreto posta no chão, todos eles se davam para nós ao mesmo tempo. Era como se o museu imaginário de Malraux se apresentasse, abarcando todos eles numa visão panorâmica, onde a conexão plástica sobrepujasse as relações temporais.
Por certo uma concepção ousada e que nos fazia pensar. Mas sempre preferi manter uma relação íntima com cada quadro, o que era quase impossível na sala de exposição onde uma tela se encavalava noutra. Essas historinhas eu conto para mostrar como o museu é nosso. Faz parte de nossa história, de nossas vidas. Ora, a falta de projeto cultural do conselho deliberativo do Museu de Arte de São Paulo e o desleixo que facilitou o roubo das duas peças mostram claramente como o museu foi transformado num depósito de coisas velhas.
Reconheço os enormes obstáculos financeiros que as últimas diretorias tiveram que vencer para manter de pé a instituição. Porém o maior problema não está aí. Digamos francamente: São Paulo é uma cidade relativamente rica, tem recursos para manter um museu de arte de primeira linha.
É possível mobilizá-los se uma política cultural lhe for oferecida. O museu não é apenas nosso, mas também nós somos esse museu. Por isso não vejo outra solução para a atual crise: que a sociedade civil tome conta dele, substitua uma instituição formada por bons amigos por outra cujas políticas sejam transparentes.
José Arthur Giannotti é professor emérito da Universidade de São Paulo e coordenador da área de filosofia do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento. Escreve na seção "Autores", do Mais!
Texto de Renato Mezan, originalmente publicado no Caderno Mais da Folha de São Paulo, no dia 20 de janeiro de 2008
A fotografia, publicada no dia 10 de janeiro em vários jornais, mostrando a devolução ao Masp dos quadros furtados do seu acervo, merece ser conservada nos arquivos nacionais.
De preferência com mais cautela que a dispensada a Picasso e Portinari pelo museu paulista -pois, se for tratada com a mesma displicência que receberam esses artistas, os estudiosos que no futuro tentarem compreender os costumes e a mentalidade "deste país" se verão privados de um documento precioso.
A imagem mostra os quadros guardados por dois policiais; ao lado deles, uma fileira de senhores engravatados, fitando com ar solene algum ponto fora do alcance da câmera (talvez outra objetiva, para a imortalidade?); em torno de uma mesa, quatro personagens também endomingados e uma senhora apenas parcialmente visível completam o "tableau".
As matérias que acompanham a foto dão notícia do fausto com que a direção do Masp recebeu as obras: champanhe, vestidos longos, entrevista coletiva etc. Um aparato considerável cercou a breve viagem delas até a avenida Paulista: helicóptero, motociclistas, viaturas, luminosos ligados -dizem os jornais que uns cem policiais participaram da "operação". Se estivessem patrulhando as ruas, provavelmente teriam impedido alguns assaltos e seqüestros-relâmpago.
O ridículo dessas duas cenas incita a refletir. Embora alguns não considerem de bom-tom elogiar a polícia, manda a justiça reconhecer que, desta vez, ela cumpriu com eficiência sua função, sem usar métodos violentos e servindo-se dos instrumentos adequados -entre os quais, como é óbvio, uma boa dose de discrição.
Por que esse sucesso indiscutível precisa ser transformado num espetáculo constrangedor? Se a preocupação era com a segurança dos quadros, não seria mais prudente devolvê-los num veículo anônimo, como tantos outros que circulam pela cidade?
É evidente que o objetivo da "operação" era oferecer aos cidadãos embasbacados uma demonstração de poderio. E o mais impressionante é que não faltaram crédulos para saudar o cortejo quando este chegou ao museu: atores e espectadores parecem assim unidos num pacto silencioso que em nada os enaltece, e que gostaria de tentar explicitar.
Personagens
O transporte dos quadros forma o pano de fundo para a foto, na qual aparecem somente dois policiais. Os personagens retratados formam parte da direção do museu, cuja incompetência em prover segurança para o patrimônio artístico sob sua guarda está na origem da série de fatos que culmina na cena aqui comentada. Lembremos que o furto foi cometido em três minutos, nas barbas de vigilantes despreparados e que se revezavam no "rodízio do sono"; mas isso é como que apagado da memória e substituído pela euforia do reencontro, como se Suzanne Bloch e o lavrador acabassem de chegar sãos e salvos de alguma aventura que inspirasse preocupação em seus amigos.
O discurso do presidente do Masp, de um cinismo inacreditável, faz referência às medidas de proteção -"semelhantes às do Louvre"- a serem adotadas de imediato. Depois de a casa ter sido arrombada, colocam-se taramelas eletrônicas -e a empresa que as fornecer terá direito ao seu logo nos corredores do museu. Sem comentários.
Mas a incúria dá lugar a um fatalismo de fazer inveja a Jeca Tatu: "tem coisa que só Deus pode garantir 100%". Por exemplo, um sistema eficaz de segurança -ou será que o Louvre confia ao Todo-Poderoso a vigilância do seu acervo?
Uma vez ocultadas as causas reais do roubo, que -insisto- é apenas o último elo de uma longa cadeia de negligências de conhecimento público, o passo seguinte é aproveitar-se descaradamente do trabalho alheio, no caso o da polícia. É a desfaçatez com que isso ocorre que impressiona -e também o que nela está implicado, a saber, que ninguém vai ligar a mínima, pois as coisas são assim.
Alguém cunhou a expressão "papagaio de pirata" para designar aquelas pessoas que se esgueiram por trás de alguém importante com o intuitoo de ter sua anônima imagem associada à do personagem em foco. Aqui, o papagaio tem até mais destaque que o pirata, reduzido a dois policiais que pouco ressaltam diante de tantas belas almas postadas no palco. Coisas da vida.
Mas, se aceitamos que assim seja, é porque estamos habituados a cenas semelhantes quando se trata da coisa pública -no caso, não as obras, que pertencem a uma entidade particular, mas a ação da polícia.
O cortejo imponente é apenas uma variante das cerimônias de inauguração de pontes, viadutos, centros de saúde, escolas e até chafarizes -tudo o que dê na vista e possa ser faturado politicamente pela "otoridade" inaugurante, freqüentemente homenageada com faixas que expressam gratidão por mais aquela demonstração de "carinho" pelo povo local.
Sabujice, beija-mão, placas com todos os títulos de quem entregou a obra completam o quadro, infelizmente familiar a todos nós, e que neste ano eleitoral com certeza será repetido à exaustão. Isso para não mencionar a prática de inaugurar obras pela metade, ou reinaugurar algumas já "entregues" pelos predecessores -a exemplo do que faziam alguns faraós no antigo Egito, que mandavam apagar dos monumentos o nome de quem os havia construído e substituí-lo pelo seu.
Contra-exemplo
À guisa de exemplo de como isso nada tem de natural, sendo apenas expressão de uma mentalidade que vê no poder público uma extensão do mundo privado, no qual o favor e as relações decidem quem será beneficiado (e como), lembro um fato que na época me chamou muito a atenção.
Era 1978, e a RATP (autarquia de transportes na região de Paris) acabava de concluir a ligação entre as estações Luxembourg e Châtelet, uma estupenda obra de engenharia que passava por baixo do Sena e, unindo duas linhas até então desconectadas, fazia do sistema por ela administrado uma rede perfeita. Além disso, como as gares de Paris estão ligadas a estações do metrô, tornava-se possível entrar num trem em Nice e continuar sobre trilhos até Calais, no extremo oposto da França -algo sem precedentes, mesmo na Europa.
O que marcou a entrega daquela obra? Nada. Numa bela manhã, o novo trecho foi aberto, sem fanfarras ou fotos do prefeito sorridente em um vagão. Cartazes explicavam detalhes da obra: quem quisesse podia admirar o feito técnico que ela representava "et voilà tout".
Não ocorreria a Jacques Chirac [então prefeito de Paris] vangloriar-se por ter "oferecido" à população mais uma comodidade em matéria de transporte -e, se o tivesse feito, talvez alguns anos mais tarde não conseguisse se eleger presidente do seu país.
Para finalizar: nada tenho contra o desejo muito humano de ser aplaudido pelo que se conseguiu realizar. A recuperação das pinturas merece palmas, é claro. Mas, como diria Pietro Bardi em sua língua materna, "il troppo stroppia" -"o que é demais estraga". Ao imitar os filmes de ação a que nos acostumou Hollywood, a polícia serviu de coadjuvante para a cena de ópera-bufa protagonizada pelos responsáveis pelo museu -e se expôs ao mesmo ridículo atroz. Pergunto: era mesmo necessário?
Renato Mezan é psicanalista e professor titular da Pontifícia Universidade Católica de SP. Escreve na seção "Autores", do Mais!
Freios de mão e microfones, por Dilson Midlej, Fórum de discussão da Associação de Artes Visuais da Bahia - AAV_da Bahia, Jornal A Tarde
Freios de mão e microfones
Texto de Dilson Midlej, do Fórum de discussão da Associação de Artes Visuais da Bahia - AAV_da Bahia, originalmente publicado no A Tarde, no dia 10 de janeiro de 2008
Quem acompanhou atentamente a programação de artes visuais em Salvador em 2007 - meu caso, pois possuo especialização em crítica de arte e sou mestrando em artes visuais pela Ufba - deve ter estranhado a "paradeira generalizada", denominada como o "ano do freio de mão puxado" pela jornalista Ceci Alves, de A TARDE, na Retrospectiva 2007.
Para mim, 2007 não foi o "ano do freio de mão puxado" e sim o ano do microfone ligado à voz da classe artística, o que possibilitou a interlocução da Secretaria de Cultura do Estado (Secult) conosco, artistas, pesquisadores e produtores culturais. Essa interlocução resultou tanto na criação de programas, como os editais de apoio a montagens de exposições, de curadoria, de residências artísticas (para todas as linguagens), quanto no desenvolvimento de novos projetos, como o Giro das Artes Visuais (exposições itinerantes pelas cidades do interior).
Apesar de estas ações terem evidenciado a vitalidade das artes visuais em 2007, elas raramente foram noticiadas pela imprensa baiana.
O Giro das Artes Visuais, por exemplo, possibilitou que os acervos de fotografias de Pierre Verger e de Anízio de Carvalho, assim como obras de arte contemporânea do Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM-BA), pudessem ser mostrados em diversas cidades do interior, algo nunca feito anteriormente.
Na capital, a exposição Smetak imprevisto e o 14º Salão da Bahia, ambas as iniciativas do Museu de Arte Moderna (MAM-BA), são fulgurantes exemplos de ações culturais relevantes.
Na minha opinião, o 14º Salão da Bahia (ainda em cartaz) traz melhorias consideráveis em relação às edições anteriores, dado não apenas aos cuidados e à competência curatorial da direção do museu (inclusive pela inserção de três prêmios de residências artísticas para São Paulo, França e Inglaterra, restritos aos artistas baianos), mas também pela exibição de obras de artistas premiados nos salões regionais de Juazeiro e Feira de Santana, algo impensável na gestão anterior.
Ao contrário do afirmado por Ceci Alves, de que a Secult vinha trabalhando em silêncio por dez meses, esse período me pareceu o mais barulhento possível, haja vista as muitas consultas feitas à classe artística (das quais participei de algumas) e das várias oportunidades de diálogos criadas pela Diretoria de Artes Visuais da Fundação Cultural do Estado, dirigida competentemente por Ayrson Heráclito. Esses diálogos terminaram, na prática, por aquecer a programação de exposições de espaços, como as galerias Pierre Verger e do Conselho, e pela abertura de novas áreas expositivas, a exemplo do Iceia, no Barbalho.
Como se vê, o freio de mão do carro da cultura visual baiana encontra-se baixo. Só que, para ouvirmos as buzinas das novas iniciativas, se faz necessário - antes de dar partida no carro - tirar os fones dos ouvidos.
janeiro 18, 2008
MP paulista pede interdição do MASP, por Ana Paula Sousa, Carta Capital
MP paulista pede interdição do MASP
Texto de Ana Paula Sousa, originalmente publicado no sítio da Carta Capital
Pedido foi baseado em laudos do Contru e do Corpo de Bombeiros
O Ministério Publico do Estado de São Paulo acaba de protocolar uma ação civil pública na Vara da Fazenda pedindo a interdição do MASP.
A decisão foi tomada depois de uma reunião de duas horas em que participaram o secretário-adjunto de Cultura da Prefeitura de São Paulo José Roberto Sadek, o secretário-adjunto de Cultura do Estado de São Paulo Ronaldo Bianchi, e Mariza Schiavo Tucunduva, promotora de Meio Ambiente Cultural do MPSP e responsável pela investigação dos problemas do maior museu do hemisfério sul.
Esta é a primeira atitude efetiva tomada pelas autoridades após o roubo das obras de Picasso e Portinari ocorrido em dezembro. Roubo este que, por mais que chame a atenção de todos em um primeiro momento, é apenas um dos indícios que mostram a degradação que o MASP vem sofrendo nos últimos anos.
Islandesa explora espaço da Leme, por Mario Gioia, Folha de São Paulo
Islandesa explora espaço da Leme
Matéria de Mario Gioia, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 18 de janeiro de 2008
Katrin Sigurdardóttir cria instalação de 6 metros de altura para galeria; aquarelas também são exibidas
Explorar o edifício de concreto desenhado por Paulo Mendes da Rocha foi mais um desafio espacial para a artista islandesa Katrin Sigurdardóttir, 40. Na galeria Leme, projeto do famoso arquiteto em São Paulo, ela apresenta sua primeira exposição individual na cidade, "Coulisse", que tem como centro uma grande instalação, de 6 m de altura.
Sigurdardóttir dialoga com a arquitetura, mas também com elementos cenográficos, e discute conceitos como a escala em suas obras, que, em geral, são criadas especialmente para os espaços onde ela expõe.
"Gosto de pensar na idéia de que a presença e a movimentação do público fazem parte da obra, algo quase performático", afirma ela, que vem pela primeira vez ao país e o achou muito "estimulante".
O espectador que chega à Leme vê o "verso" da instalação. Após passar pelo grande bloco de madeira, ao se virar, pode observar uma paisagem montanhosa, que a artista reproduziu, em tela, de fotografias do século 19 de paisagens do Oeste americano.
"Acho interessante o espectador chegar a essa grande sala e encontrar algo como se estivesse nos bastidores de um palco, onde nunca estamos. A paisagem remete à uma natureza idílica, intocada, de grande força, mas perigosa ao homem", diz ela, que também reproduz os ambientes gelados e brancos da Islândia em alguns de seus trabalhos.
Nova York
Sigurdardóttir é uma das principais artistas da Islândia e está valorizada na cena internacional de artes, depois de expor em galerias prestigiadas, como a PS1, em Nova York.
A Leme também expõe aquarelas e objetos da artista, incluindo um inventivo candelabro, que tem em suas iluminadas extremidades reproduções de quartos em pequena escala.
janeiro 14, 2008
Um abaixo-assinado não faz verão, por Lisette Lagnado, revista eletrônica Trópico
Um abaixo-assinado não faz verão
Texto de Lisette Lagnado, originalmente publicado na seção Em Obras, da revista eletrônica Trópico, no dia 31 de dezembro de 2007
"Privatização da Cultura" investiga as relações do mundo empresarial com os museus e a produção artística
A chegada do livro de Chin-tao Wu no mercado editorial (São Paulo, Boitempo, 2006) é um susto. A capa reproduz inquietante auto-retrato de Van Gogh segurando um cartão de crédito. Nem o título, "Privatização da Cultura - A Intervenção Corporativa nas Artes Desde os Anos 80", nem essa capa foram inicialmente convidativos. Porém, ultrapassadas as barreiras moralistas, a leitura descortina o significado cultural da ascensão ao poder de Margaret Thatcher e Ronald Reagan, e pega velocidade.
O mundo empresarial promoveu o desenvolvimento de coleções corporativas que conferem legitimidade à produção artística, aliança inevitavelmente geradora de ambigüidades. Se a arte concerne à "indústria da consciência" (Hans Magnus Enzensberger), já podemos imaginar o que pode resultar no encontro com a indústria que imprime crenças e comportamentos coletivos1.
A qualidade investigativa da autora já é notável a partir de sua contundente Introdução. Atuante na Academia Sinica (Taiwan) e na Universidade College (Inglaterra), essa especialista em políticas culturais promete levar o leitor a conhecer os meandros dos "negócios privados" travestidos de serviço público. E não se trata de falsa promessa.
O nível de extensão da abordagem empírica responde a desafios tanto quantitativo como qualitativo. "Realizei duas pesquisas por questionário: uma sobre coleções de arte corporativas (289 companhias norte-americanas e 110 britânicas) e outra sobre patrocínio corporativo (303 companhias norte-americanas e 506 britânicas)", escreve.
Mais adiante, Wu explica que conduziu entrevistas detalhadas com cerca de 150 indivíduos envolvidos em empreendimentos corporativos nas artes, entre eles altos administradores, curadores, consultores de arte, fiscais tributários, contadores, especialistas em planejamento urbano, profissionais de museus e pessoas dos setores públicos nos dois países, além de ter visitado "coleções, exposições e galerias corporativas de arte em Londres e no sudeste do Reino Unido, com exceção dos poucos casos em que (me) foi negado o acesso".
Como não poderia deixar de acontecer, o livro também traz tabelas ilustrativas; a maioria exige noções de finanças para serem devidamente contextualizadas (Alíquotas marginais e preço da doação de arte e cultura nos Estados Unidos, p. 47, e Percentual de coleções corporativas de arte de todos os setores de negócios por década, pp. 254-255), outras são mais saborosas (Formação universitária dos curadores da Tate por década de nomeação, p. 130, e Razões para iniciar uma coleção de arte - Estados Unidos, p. 246)2.
O rol de esclarecimentos oferecidos é imenso. Sem se deixar comover pela "boa cidadania corporativa", a autora avança em todos os territórios, seja evocando as filiais do Whitney Museum (parece que o McDonald's do mundo dos museus não é, como se pensa comumente, o Guggenheim), seja para explicar a instalação do Henry Moore Foundation Studio, no Parque Industrial Dean Clough, em Halifax. A fumaça do império tabagista ocupa lugar privilegiado (Philip Morris).
Em suas observações relativas ao continente asiático, mais sintomaticamente no caso de Taiwan, Wu aumenta a voz e não mede sua indignação frente ao "colonialismo corporativo ocidental" -donde a imagem da capa do livro: "Van Gogh como garoto-propaganda do banco holandês ABN-AMRO, anúncio no aeroporto de Taipe, 1998" (pp. 198-207).
Dentre vários esclarecimentos, o trecho relativo à parceria entre a Hugo Boss e o Museu Guggenheim pretende desfazer o prestígio da premiação (pp. 193-198). Ao lado de Giorgio Armani, Balenciaga, Cartier3, Hermès, YSL e Louis Vuitton4, Hugo Boss encontrou seu modo de inserção no glamour artístico ao lançar um dos prêmios mais importantes do mundo, estabelecendo paralelo com o Prêmio Turner. "O negócio de 5 milhões de dólares inclui, entre outras coisas, o patrocínio de duas ou três exposições no museu".
Aqui, a análise começa a soar um tanto parcial, para quem acompanha desde 1996 esse prêmio de US$ 50 mil, "sem distinção de idade, gênero, raça, nacionalidade ou expressão artística". Tunga, em 2000, e Rivane Neuenschwander, 2004, já estiveram no seleto "short list" do corpo internacional de jurados que muda a cada edição. É "coisa" séria. Será que a discussão não deveria ser pautada pela qualidade dos artistas escolhidos?
Este não é o propósito da autora, que prefere se ater a denunciar as relações perigosas com o capital -como a doação de US$ 15 milhões de Giorgio Armani ao Museu Guggenheim e um objeto exposto no espaço expositivo com a marca italiana. Chin-tao Wu não é crítica de arte e não entra no mérito estético dos artistas -partido louvável em si porque mantém o enfoque do estudo.
Porém, o que mostraria uma pesquisa dirigida à arte contemporânea, que depende exclusivamente do dinheiro do governo? Quando este (escasso) apoio ocorre, quais as tendências artísticas contempladas? Não são elas mais perigosamente comprometidas com uma finalidade popular? Ou com função decorativa, dependendo da classe que está no poder? A pensar.
Não seria o caso de estabelecer uma diferença quando o capital se torna "inteligente" e se apóia em uma comissão de notórios? O livro é tão recheado de informações que a análise perde, por vezes, o osso mais duro de roer. Por que contestar o investimento de Hugo Boss, uma vez que não há escândalo nenhum em premiar um artista da excelência de Douglas Gordon (em 1998), sendo que este já havia levado o prêmio Turner dois anos antes? É preciso conferir no apêndice de 33 páginas para ler a manchete do "Guardian" (13/8/1997), que estabelece uma ligação entre as origens da confecção de roupas e uma mancha nela chamada "nazismo".
Bem diferente é a história da casa Balenciaga, cujo fundador e criador dos vestidinhos Baby Doll, foi para Paris fugindo da Guerra Civil espanhola. A artista Dominique Gonzalez-Foerster, que há muito tempo vem declarando que está alheia às problemáticas do objeto de arte no mercado, associou seu nome à grife, sob a direção artística de Nicolas Guesquière, quando aceitou fazer a ambientação da boutique na Rua Georges V.
O caso Brasil
A excelente apresentação por Danilo Santos de Miranda estabelece a ponte do público para o privado, lembrando que, entre nós, "a expressão 'direitos culturais' aparece pela primeira vez na Constituição Federal de 1998 -nas Constituições anteriores, era referência mínima, sempre ligada às belas-artes ou ao patrimônio histórico".
Da Embrafilme às atuais Leis de Renúncia Fiscal, o que temos aprendido e acumulado em termos de saber e experiência? Qual a presença desejável -ou razoável- do Estado na dinamização da cultura? À frente do Sesc de São Paulo, Santos de Miranda desenvolve um conceito muito interessante de centro cultural, tendo uma "concepção de cultura como intervenção educativa para transformação social"5.
Quais seriam as outras formas de colocar em prática uma política favorável à consolidação de uma percepção artística? Decretada a falência do Estado -no sentido de ter um plano diretor construtivo- e deixando de lado os preconceituosos de plantão -notadamente, em relação à possibilidade do artista, junto com uma organização formal ou informal, gerar serviços de caráter público- aonde encontrar sinais de combate à pobreza e mediocridade?
É divertido imaginar o que o Brasil renderia sob a lente da pesquisadora taiwanesa. A começar pelo dossiê referente ao Museu Brasileiro da Escultura (MuBE), um abaixo-assinado de mais de 2.000 nomes, coordenado por Patrícia Canetti (da revista "Canal Contemporâneo", na internet), que foi entregue no último dia 27 de novembro ao prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab. Ou seja, como o ato de transferir assinaturas, em favor da retomada pelo poder público de um terreno e um museu encomendado ao arquiteto Paulo Mendes da Rocha, pode se relacionar com o exercício do pensar e do escrever.
Por exemplo, ganhos tributários advindos de leis de zoneamento é um dos temas abordados no livro. Referindo-se às três filiais do Whitney em Nova York, Wu escreve: "Uma das concessões, o 'bônus de zoneamento', definia que, desde que o construtor concordasse em oferecer 'conveniências públicas' no local onde se construiria o edifício, ele poderia ampliar em 20% a área útil, aumentando o número de andares" (p. 219).
Instrumentos legais, nessa direção, porém com incisos diferentes, existem nos Estados brasileiros. E de quem é a responsabilidade ética? Antes um presente da cidade do que dos gestores do edifício para a população -o diagnóstico é de Paul Goldberger, crítico de arquitetura do "New York Times", e serviria para passar dos saguões dos arranha-céus de Manhattan à avenida Europa, onde está encravado o museu sem programa.
Ler Chin-tao Wu é atravessar um campo minado. Ficamos sabendo que o Whitney Museum e o Museu de Arte Moderna de Nova York, "duas das mais proeminentes instituições artísticas de Nova York ficaram então sob o controle de uma única família, um fenômeno que fez da curadoria um instrumento extremamente poderoso nos Estados Unidos".
Eis como a "investigadora" narra o caso do controle do Whitney: "O milionário novo-rico Leonard Lauder assumiu a presidência do conselho em meados da década de 1990, na mesma época em que se dizia que a empresa de cosméticos de sua família havia deixado de pagar cerca de US$ 95 milhões em impostos sobre ganhos de capital usando brechas da legislação. Mas a estada de Leonard Lauder na presidência do conselho do Whitney Museum deve ser vista dentro do contexto mais amplo, no qual seu irmão Ronald Lauder era presidente do conselho curador do Museu de Arte Moderna de Nova York" (p. 119).
E até que ponto uma instituição deve fazer concessões para levantar os recursos necessários? A autora indaga qual a "independência curatorial" possível nesse contexto. Um dos casos lembrados por ela é a "denúncia de Hans Haacke contra a especulação e a manipulação do mercado imobiliário promovida pela Equitable Real Estate Group, semelhante à que foi criada em 1971 sobre os grupos imobiliários de Manhattan e que foi cancelada pelo Museu Guggenheim" (p. 223).
Na edição de outubro desse ano da revista "Frieze", Robert Storr publicou um artigo intitulado "Positions vacant" (Cargos vagos), com a seguinte pergunta: "Teria a tecnocracia substituído a visão dos cargos top de museus?"6. Em seu ensaio, o crítico, professor e curador procura entender por que os museus norte-americanos mais importantes estão atualmente com 18 postos não preenchidos (notícia veiculada pelo "New York Times") quando, em outros tempos, historiadores da arte estariam se matando para conseguir ser contratados.
O problema certamente não é o salário, argumenta Storr. Uma das justificativas encontradas casa perfeitamente com o estudo de Chin-tao Wu, a saber: o know-how dos atuais diretores dos museus consiste mais em correr atrás de captação e manejar orçamentos e burocracias do que na sua habilidade em usar termos históricos ou artísticos.
Mas Storr afirma não se contentar com essa hipótese. Em uma tentativa intelectual atípica nos tempos que correm, sobretudo ou talvez principalmente depois de ter sido o curador da última Bienal de Veneza, Storr afirma que os museus precisam mais de "visão" do que de administradores. O que acontece no cotidiano de um curador que, um dia, se torna diretor da instituição? Quais as tarefas que passa a assumir?
A multiplicação dos cursos de formação de curadores é um fenômeno que comprova uma demanda de mercado. Tamanho esse interesse, que há pelo menos meia dúzia de possibilidades de escolhas por semestre, em São Paulo. Nos Estados Unidos e na Grã Bretanha, vêm aumentando os percentuais de curadores advindos dos setores empresariais e financeiros, comparando com uma formação no mundo artístico ou no serviço público.
Chega-se à outra mudança significativa: a visão empresarial nos quadros das instituições. Assim, a presença do galerista Eduardo Brandão na diretoria do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) alinha-se a uma tendência internacional. O prestigioso Instituto de Arte Contemporânea, que acaba de ser inaugurado em espaço concedido pela Universidade de São Paulo (USP), só foi possível graças à perseverança da marchande Raquel Arnaud, que conseguiu, por sua inconteste biografia, reunir parte dos espólios de artistas fundamentais, como Mira Schendel, Amílcar de Castro, Sergio Camargo e Willys de Castro. Ela preside o instituto.
De fato, não são pessoas "comuns", mas profissionais do comércio de arte e, cada um deles ocupa o cargo que lhes foi designado por suas irrepreensíveis competências. Porém, estas dependem de constante "autopoliciamento". Chin-tao Wu define o sentido da expressão "conflito de interesses": "(...) não porque haja um conflito real ou porque alguém possa ter feito algo inaceitável; chamo assim porque o curador poderia, se depois fosse acusado, não ter como provar (grifo meu) que adotou esse passo ou decisão para atender ao melhor interesse da organização de que é curador (...)" (p. 117).
Outra pessoa "incomum" que tem inscrito seu nome, passando do estatuto físico ao jurídico, com mais força nos últimos 10 anos, na construção de uma coleção de prestígio é Bernardo Paz, em Belo Horizonte. Hoje, o Instituto Cultural Inhotim (ICI) é uma "associação dotada de personalidade jurídica de direito privado, sem fins econômicos ou lucrativos, de caráter cultural, com autonomia administrativa e financeira". Entre Cildo Meireles, Barrio, Tunga, Doris Salcedo, Janet Cardiff e Chris Burden -a qualidade das obras não deixa dúvida.
Quando Cacilda Teixeira da Costa publicou o -hoje best-seller!- "Livros de Arte no Brasil: Edições Patrocinadas" (São Paulo, Itaú Cultural, 2000), a repercussão foi de estarrecimento, por que mostrava a contribuião das empresas, por um lado, e, por outro, um conjunto de obras que o público não teve acesso. Engana-se quem achar que as mentes empresariais só apóiam publicações inúteis.
Há preciosidades como "O Brasil dos Viajantes" (de Ana Maria de Moraes Belluzzo, São Paulo, com o patrocínio da Fundação Odebrecht e Metalivros), a série da "Expedição Langsdorff ao Brasil" (Banco do Brasil), três livros sobre Flávio de Carvalho, até o indispensável Waldemar Cordeiro, organizado por Aracy Amaral (IBM Brasil), entre outros. Verdadeiro estímulo à pesquisa, o esforço de Cacilda Teixeira da Costa remonta à origem dos livros patrocinados (por Raymundo de Castro Maya), até abordar a "delicada questão" das Leis de Incentivo à Cultura e do reconhecimento que os patrocinadores almejam.
A vida pública brasileira não dispõe de uma tradição da transparência nas relações sociais. De fato, informações, transmitidas de boca a boca, sob o escuso pressuposto de "preservar a instituição por ela ser frágil", são praxe e retardam uma profissionalização do debate crítico. Como aceitar que o mutismo é sinal de respeito quando chantagens e práticas ilícitas são encobertas?
Engajada contra o capital multinacional, a visão de Chin-tao Wu coteja, por exemplo, a arte no mercado e os espaços alternativos. Por espaços "alternativos", a autora se refere à definição que "surgiu nos Estados Unidos no final dos anos 1960 e primeira metade dos 1970 como uma resposta direta ao sistema de apoio dos museus e galerias comerciais, cujo acesso era considerado muito limitado por muitos artistas numa época em que museus e galerias não estavam dispostos a acomodar a diversidade das novas obras experimentais, em particular a arte performática e a arte conceitual" (p. 63).
Esse cenário mudou. Museus estão adquirindo obras mais radicais. Para citar um exemplo sensacional, em 2004, a Tate Modern comprou, de Roman Ondak, a obra "Good Feelings in Good Times", que consiste em organizar subitamente uma fila de pessoas. No Brasil, o Museu de Arte Moderna de São Paulo já formou uma mentalidade que lhe permitiu adquirir performances de Laura Lima.
Mas quantos conhecem associações dirigidas por artistas, sem fins lucrativos, além de A Gentil Carioca, no Rio de Janeiro, e o Ateliê Aberto, em Campinas, São Paulo? Por que não dispomos de um estudo dos prêmios corporativos já implantados no Brasil? Qual a diferença destes com prêmios que levam os nomes de Sergio Motta e Marcantonio Vilaça? Ou então, quem sabe os termos da contrapartida da Coleção Pirelli, tradicional mostra de fotografias, para o Masp?
Tempos atrás, quando foi noticiada a venda da coleção de arte construtiva brasileira, de Adolfo Leirner para o Museu de Hudson (EUA), recebi uma solicitação de artigo de uma revista estrangeira: "Estou realmente curioso", escrevia o editor, "de saber sua opinião acerca das instituições artísticas na sua cidade -a qualidade e consistência de sua liderança, sua concepção do que é uma captação adequada. Não consigo compreender onde estão os principais problemas: será que o governo (federal, local?) não apóia os museus e a arte em geral? Quem está na posição de ficar nesse vácuo e de estabelecer as estruturas financeiras e culturais que permitiriam uma mudança do sentido de responsabilidade das pessoas em relação ao público e às artes no Brasil? Por exemplo, por que um grupo de amantes das artes, filantropos ou apoiadores, não cria uma fundação que subsidia espaços alternativos, experimentais e sem fins lucrativos em São Paulo?"7.
Jornalismo cultural
Não saberia responder com o grau de detalhes fornecidos por Chin-tao Wu, que escreve sobre os "patronos da nova arte" e os "guardiães da cultura nas empresas" fazendo uso da desenvoltura de quem adota o gênero da "trama policial". E com a finalidade política que o assunto merece. Sua bibliografia reforça a importância de um jornalismo cultural competente para encaminhar uma agenda desprezada pelos críticos de arte. As fontes da autora mesclam revistas e periódicos: "Art in America", "Art Monthly", "Artnews", "Art Reviews", "Guardian", "October", "The Economist", "The Independent", "The Financial Times", "The New York Observer", "The New York Times", entre outras.
No Brasil, poucos jornalistas fizeram de seu ofício uma investigação diária das relações entre arte e Estado, arte e mecenato. É digno de nota que, quando a pauta chega às redações, sua relevância já contém um teor criminal.
Ou seja: só se discute a fisionomia da cultura empresarial quando seus protagonistas se destacam por gestões tão inescrupulosas que a reportagem precisa migrar do caderno de cultura para o caderno de dinheiro -este tem sido o partido editorial da "Folha de S. Paulo" em relação às apurações, capitaneadas por Mario Cesar Carvalho, que concernem um rombo financeiro de R$ 2,2 bilhões deixado pelo ex-banqueiro e ex-presidente da Fundação Bienal, Edemar Cid Ferreira. Para quem quiser ouvir o "outro lado", o autodenominado "empreendedor nos negócios e mecenas das artes brasileiras" mantém um site pessoal na internet.
O "Canal Contemporâneo" tem sido veículo importante na difusão de opiniões relativas a políticas públicas. A seção "Como atiçar a brasa" acompanha os debates mais candentes. Museu Afro, Casa das Rosas, Masp, Mostra Paralela (à Bienal de São Paulo), Itaú Cultural, Coleção Adolfo Leirner, sede MAC no Detran, MinC, Salão de Belas Artes -são assuntos tratados por Fabio Cypriano, jornalista da "Folha de S. Paulo", e "postados" no "Canal", com a intenção de provocar respostas de um público internauta.
É também a plataforma que acolhe abaixo-assinados para mobilizar a classe das artes "plásticas" -a mais inepta, nesse sentido, dentre outras áreas de atuação. Suas conquistas foram a revogação da construção de uma filial do Guggenheim e o repúdio à censura de uma obra de Márcia X pelo CCBB. Sem militância, palavra que andava -e anda- com péssima reputação, um abaixo-assinado não faz verão.
A conclusão de Mario Cesar Carvalho sugere uma falta de responsabilidade pública: "Como não há mecenato no país, os museus viraram a casa da sogra"8. Na mesma linha, meu colega norte-americano queria saber se não há elite no Brasil; ou se ela não gosta de arte. Será que há um senso de orgulho das instituições artísticas no Brasil? De certo, ele vem de uma cultura em que pertencer à categoria de amigos dos museus requer o pagamento de uma assinatura em troca ao glamour conferido pela cultura.
O estudo de Chin-tao Wu desmistifica certos a priori puristas e nos ajuda a lançar um olhar novo numa sentença de Aracy Amaral: "Na verdade, foi o mecenato o responsável por nossos principais museus de arte no Brasil contemporâneo"9. A historiadora está se referindo às personalidades que ajudaram a fundar o Museu de Arte de São Paulo (Masp), os Museus de Arte Moderna do Rio de Janeiro e de São Paulo, a Fundação Bienal de São Paulo e o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
Permanecer surdo e mudo a essas, entre outras, questões, perpetua a memória de Edemar como último mecenas das artes brasileiras, aquele cuja coleção particular "enriqueceu" os acervos de museus que jamais teriam tido verbas de aquisição tão vultuosas quanto os comodatos recebidos. Edemar nunca doou uma obra a um museu. As mais de 10 mil obras de sua coleção só foram parar em museus graças à decisão de um juiz de um processo criminal em que o ex-banqueiro foi condenado a mais de 20 anos de prisão.
No andar dos veículos tanto oficiais como importados, esta é a biografia que estará um dia ao lado de Ciccillo e Chatô.
link-se
Mobilização pela Arte Tecnológica, pedindo a atualização da legislação de incentivo para lidar com a internet, artes interativas, arte e ciência, etc. Resultado até agora: uma cadeira de Artes Digitais no Conselho Nacional de Cultura - http://www.canalcontemporaneo.art.br/tecnopoliticas/archives/000065.html http://www.canalcontemporaneo.art.br/tecnopoliticas/archives/000566.html
Histórico do Guggenheim, no contexto das políticas culturais do município do Rio de Janeiro - http://www.canalcontemporaneo.art.br/documenta12magazines/_v2/contributions.php?id=34§ion=4
Idem - http://www.canalcontemporaneo.art.br/e-nformes.php?codigo=426
Pelo retorno da obra de Márcia X à exposição "Erótica", no CCBB - http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/000708.html
MuBE - Público ou Privado? - http://www.canalcontemporaneo.art.br/brasa/archives/001245.html
Lisette Lagnado
É crítica de arte e professora do Mestrado em Artes Visuais da Faculdade Santa Marcelina, integra o Conselho Consultivo de Arte do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP) e é editora de Trópico e da seção "em obras" desta revista. Foi curadora da 27ª Bienal de São Paulo e coordenadora do Arquivo Hélio Oiticica (Projeto HO e Instituto Itaú Cultural). Publicou "Leonilson - São Tantas as Verdades" (DBA), entre outros livros.
Notas
1 - Recomendo a leitura de um texto radical de Hans Haacke, "Museums, Managers of Consciousness" (Museus, gestores da consciência), no catálogo do artista (Nova York e Cambridge: New Museum of Contemporary Art e MIT Press, 1986). Apresentação para o Encontro anual da Associação de Museus de Arte da Austrália (1983), publicada na revista "Art in America" nº 72 (fevereiro de 1984). Uma versão em espanhol, um pouco diferente, pode ser encontrada na revista "Brumaria".
2 - Danilo Santos de Miranda informa, em sua apresentação, que o segmento cultural, na economia brasileira, movimenta 1% do PIB (equivalente a R$ 7 bilhões), enquanto o orçamento público destinado a área, via Ministério da Cultura, é de aproximadamente 0,02% do PIB (p. 19), segundo dados da Fundação João Pinheiro, de 1997. Caberia atualizar esta avaliação.
3 - A Fondation Cartier pour l'Art Contemporain (1984) é uma organização cultural privada, com sede em Paris, assinada pelo arquiteto Jean Nouvel. Expôs Issey Miyake, a roupa usada por nove entre dez curadores de arte. O mecenato francês, sendo um dos mais raros do colecionismo europeu, ganhou um espaço inconteste.
4 - Murakami colocou seu traço a serviço da Louis Vuitton, cujas malas fazem uma aparição hilária no filme de Wes Anderson, "Viagem para Darjeeling", (EUA, 2007), em cartaz em São Paulo.
5 - Danilo Santos de Miranda menciona a "educação pelo lazer" e a "educação permanente" (p. 15), dois conceitos que me parecem fundamentais para trabalhar de modo diferenciado frente aos processos de globalização.
6 - Endereço eletrônico: http://www.frieze.com/issue/article/positions_vacant/
7 - Respondi que a questão era demasiadamente complexa para que eu pudesse redigir em inglês - e assim, me despedi da encrenca.
8 - Cf. "A morte do Masp", "Folha de S. Paulo", "Opinião", 13/06/2005.
9 - Aracy Amaral (org.), "Perfil de um Acervo. Museu de Arte Contemporânea de São Paulo". Ex Libris, 1988 (p. 12).
janeiro 11, 2008
SET quer a retirada de obra de arte das ruas, por Mary Weinstein, Agência A Tarde
SET quer a retirada de obra de arte das ruas
Matéria de Mary Weinstein, originalmente publicada na Agência A Tarde, no dia 3 de janeiro de 2008
O artista mineiro radicado em São Paulo, Dácio Bicudo, ultrapassou os limites do Museu de Arte da Bahia (MAM) para levar uma linha vermelha com 10 cms de largura por 3 kms de asfalto, na qual escreveu o nome de mais de 100 artistas plásticos. Nada a ver com o Rio de Janeiro - é como uma fita do Senhor do Bonfim gigante. Ao perceber a intervenção artística no Centro da idade, a Superintendência de Engenharia de Tráfego mandou remover.
A linha pintada no chão sai do andar térreo do Solar do Unhão, pula o muro do prédio do século XVII que pertenceu ao ex-provedor da província Gabriel Soares, atravessa a Avenida Contorno do arquiteto Diógenes Rebouças (o mesmo da Fonte Nova), sobe a Ladeira dos Aflitos, passa em frente ao Quartel, vira à esquerda na Avenida Sete, morre em frente ao Elevador Lacerda e ressuscita na Praça Cayru, na Cidade Baixa, onde será construído o Hilton Hotel.
O trabalho, que não é um dos premiados do 14º Salão da Bahia aberto até fevereiro no MAM é o que mais propicia uma interação com a sociedade, como pretendia o autor. Especialmente com a Superintendência de Engenharia de Tráfego (Set), que ordenou a sua retirada das ruas da cidade. Um dos seus agentes alegou que a intervenção confunde os motoristas, já que linha vermelha é geralmente utilizada como sinalização de ciclovias, conforme contou a assessoria do Museu que recebeu a notificação. A restrição foi formalizada pelo ofício 1126/2007 repassado ao artista.
Dácio Bicudo não gostaria de ter que apagar o próprio trabalho que lhe custou "noites e noites" para ser executado. Disse que foi "terrível", aplicar o nome de mais de 100 artistas no asfalto entre espaços de 30 cms, dentre eles Glauber Rocha, Hélio Oiticica, Emanoel Araújo, Ferreira Gullar, Brennand, Lígia Clark, Cícero Dias etc. A maioria, ninguém na Avenida Sete, sabe quem é. Não sabe sequer que o 14º Salão está no MAM e pode ser visitado.
Alba Cristiane Costa, 30 anos, assistente social, cheia de compras na mão, nas Mercês, declarou que não conhece nenhum dos nomes que leu sobre o asfalto. E garantiu que se tivesse tempo seguiria para ver onde iria dar a linha vermelha.
Foi o que o agente da SET fez quando viu a pintura com aqueles nomes todos. E assim chegou ao Museu. Foi quando informou ao assessor Daniel Rangel, que a intervenção não poderia permanecer porque atrapalharia o trânsito.
De acordo com o assessor do MAM, autorizações foram requeridas com antecedência para que a intervenção pudesse ser efetuada. O Salão foi inaugurado em 18 de dezembro e até a véspera, o MAM nada tinha recebido da SET. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) expediu ofício em 10 de dezembro, autorizando o trabalho em área tombada.
Somente em 27 de dezembro, o chefe de gabinete da SET, Paulo Dantas, enviou o ofício pedindo a "interveniência junto ao artista plástico", para retirada do trabalho.
A aplicação da tinta já está desaparecendo. Foi feita para durar pouco, segundo informou o artista. Em alguns trechos fica em paralelo à linha azul, que serve para delimitar o espaço reservado ao folião pipoca durante o Carnaval, que permanece o ano inteiro. Nenhuma das duas parece chamar a atenção. "Não sei do que se trata, mas acho que não está incomodando em nada. Não confunde ninguém", disse o motorista da Delegacia Regional do Ministério da Agricultura, Antônio Duques, 58 anos, com experiência de 40 anos.
"Não tem caráter de homenagem aos artistas, e sim de diálogo. É o artista saindo do Museu. É a participação da arte contemporânea na vida", conceitua o artista de 59 anos, que morou um ano na Bahia, na década de 70 e que tem várias exposições internacionais no currículo. "Eu pretendo que a Linha Vermelha continue até o fim do Salão, em 17 de fevereiro. Se eu tiro, a obra morre. Não faz sentido ficar somente dentro do Museu. A proposta é criar um diálogo com a população", diz o artista e videomaker Dácio Bicudo.
Enquanto o assessor do MAM Daniel Rangel diz que a questão agora "fica entre o artista e a SET", a assessoria da SET informa que o problema estaria sendo negociado com o MAM. "Eles (a SET) não responderam em tempo hábil. Esse é o momento de o artista tentar a liberdade de expressão. A gente defende a liberdade do artista. Mas claro que tem que estar de acordo com a lei. Na minha concepção, a intervenção não provoca confusão no trânsito", disse Daniel Rangel.
Por meio de sua assessoria de imprensa, a SET respondeu que o assunto "já está sendo tratado diretamente com o MAM". Que um período de permanência da obra será estabelecido junto com o MAM. "Por enquanto não há uma posição definitiva. Está sendo negociado", concluiu.