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novembro 29, 2007
Resposta da artista Débora Bolsoni a Luciano Trigo
Resposta da artista Débora Bolsoni a Luciano Trigo
Comentário da artista postado no blog Máquina de Escrever de Luciano Trigo e enviado para o Canal Contemporâneo.
Leia também os artigos:
É de fama e dinheiro que se trata a arte? de Luciano Trigo (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 19/11)
É do mundo que a arte trata de Moacir dos Anjos (Como atiçar a Brasa, 20/11 e Folha de S. Paulo, Ilustrada, 28/11).
Paranóia ou Mistificação? de Marcos Augusto Gonçalves (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 22/11)
Entrando na discussão e procurando outras direções de Luiz Camillo Osorio (Como atiçar a Brasa, 28/11)
A maior violência contra a arte é querer falar dela sem ela de Laura Vinci (Folha de S. Paulo, Ilustrada 28/11)
Idéias fora do tempo, tréplica de Luciano Trigo (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 01/12)
Arte e Fla x Flus de Daniela Labra (Como atiçar a brasa, 06/12)
Olá Luciano,
sinto pelos comentários agressivos que você diz estar recebendo, mas seu artigo da Folha foi bem agressivo.
Não estava motivada a responder às suas críticas porque desconfio de uma má intenção na forma com que foram proferidas.
Não ignoro solenemente as críticas e sei muito bem que opiniões como as suas são representativas de uma parcela significativa do público. Mas o distanciamento da realidade que você atribui aos artistas também pode ser atribuído a essa parcela significativa do público. Não existe um academicismo contemporâneo validando obras afinadas com um discurso homogêneo. O que acontece, acredito, é que muito poucos têm um acesso mais integral ao trabalho dos artistas e devido a esse contato superficial inúmeros preconceitos se enraízam.
Fiquei pensando na relação entre o seu juízo da situação privilegiada dos artistas representantes da "tendência dominante" e a influência do conceito de violência simbólica desenvolvido por Pierre Bourdieu. Fiz essa relação por ler a entrevista que ele te concedeu, e por ter me debatido também com a arte contemporânea numa época em que havia descoberto este autor. Isso foi no final dos anos 90, o mesmo período em que você diz ter sido publicada a entrevista no Globo. Passados quase 10 anos reconheço aliviada que não tenho a tendência de arraigar preconceitos e continuei trabalhando e prestando atenção no que se fazia a minha volta com olhar crítico sim, mas sem desmerecer o trabalho daqueles que circulavam num meio cujo funcionamento eu desconhecia.
Nem de longe passou na minha cabeça que eu me destacaria no circuito de arte por estar me utilizando da paçoca. Pensar nessa hipótese é um absurdo.
Eu quis usar a paçoca porque me interesso por certos materiais e objetos que possam representar uma tática de resistência cultural. Acho estimulante o caldo que existe na fronteira entre o folclórico e o massivo. Gosto de pensar na culinária como um fazer plástico não especializado e nas receitas de domínio público que se tornam característicos de uma cultura. Isso me remete a uma essência que se impõe. Achei que o argumento de sotaque forte presente na curadoria do Moacir dos Anjos para o Panorama ajudaria a evidenciar essas questões que eu via no uso da paçoca.
Outro motivo que justificou o trabalho com a paçoca foi a busca por um material que pudesse substituir a terra. Que pudesse se comportar como tal ao menos em alguns aspectos. Eu queria trazer pro MAM algum artifício característico dos espaços públicos que ficam entre o rural e o sub-urbano. Daí o quebra-molas de uma rua de terra e uma espécie de saudosismo invocado pela paçoca poderiam coexistir com certa naturalidade. Essa foi a minha tentativa. Pensei que esse objeto seria revelador de uma qualidade afetiva da nossa resistência (enquanto sociedade) de avançar. E ainda, que seria curioso que esse obstáculo fosse, na verdade, construído por uma matéria que desmorona tão facilmente. Que fosse um doce "inofensivo". Muitas outras reflexões e experiências fizeram parte do processo, mas no geral é isso.
Não me sinto fazendo nada excêntrico nem hermético. Não estou inventando nada. A paçoca tem as qualidades citadas acima e também o quebra-molas. Claro que tanto um quanto o outro têm ainda inúmeras outras conotações e qualidades. E, ainda que muitas delas concorram para o sentido que eu quis dar ao trabalho, outras provavelmente serão conflitantes em relação ao mesmo. Mas acho que isso não o invalida.
Também está longe das minhas pretensões repetir o "gesto inaugural do Duchamp". As operações que ele e outros artistas (de vanguarda ou não) realizaram entraram no nosso vocabulário estético e hoje, se as "repetimos" com um certo distanciamento que te pareceu alienação, e falta de comprometimento, é porque as articulamos como se faz com os signos de uma linguagem estabelecida. Depois de Brunelleschi, Massaccio e companhia a perspectiva continuou por bons séculos como recurso lingüístico embora ela já não fosse mais uma investigação central da arte ou da arquitetura. Nem por isso fez-se uma arte acomodada, pastiche das descobertas do Quattrocento italiano. Um pouco tolo esse meu exemplo ilustrado, mas pode ser útil frente a outras tolices.
No mais, gostaria que você fizesse alguma auto-crítica ao reler os trechos que destaco abaixo. São trechos da entrevista que você realizou com Pierre Bourdieu. Termino esta carta com esse recorte da entrevista porque me parece que você continua em busca de uma tese generalizante sobre as questões que te incomodam.
Um abraço, Débora Bolsoni.
- Como o senhor vê o triunfo planetário do liberalismo e das leis do mercado?
Bourdieu - Esta é uma pergunta muito geral, e o mais importante são as questões específicas. São os intelectuais mediáticos que gostam de falar sobre qualquer assunto, indiscriminadamente. (...)
- Desde a morte de Sartre, há 15 anos, não surgiu na França nenhum "maitre-à-penser"...
Bourdieu - São os intelectuais mediáticos e os jornalistas que dizem isso - porque, naturalmente, eles próprios não são "maitres-á-pensar". É preciso levar em conta que o modelo sartriano de intelectual engajado correspondeu a uma etapa diferente da vida cultural francesa e sobretudo a uma etapa diferente da relação entre os intelectuais e os meios de comunicação. Muitas ações políticas de Sartre, ou mesmo de Michel Foucault, foram bem sucedidas porque contaram com um enorme apoio da imprensa. Hoje o espaço máximo que Sartre teria num jornal seria o de um artigo na página de opinião, porque os intelectuais mediáticos exercem uma espécie de monopólio da mídia. Suas obras são sem interesse, mas eles estão sempre dispostos a falar qualquer bobagem sobre qualquer assunto. Aliás, até mesmo Sartre disse muitas besteiras.
- Em livros como "A economia das trocas simbólicas" o Senhor faz análises penetrantes das transformações da vida cotidiana. Na esfera privada, o senhor acredita que hoje as pessoas são mais conservadoras do que 20 anos atrás?
Bourdieu - É outra pergunta muito geral e sou obrigado a responder: eu não sei. Os intelectuais precisam ter a coragem de dizer "eu não sei", sobretudo diante de perguntas muito gerais, que não levam a nada. (...)
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Ah, sim. Quero aproveitar a fama e anunciar meu carro que está à venda para cobrir as dívidas da minha vida bem sucedida de artista. É um gol 98, gasolina, cinza grafite com mecânica OK mas com o licenciamento atrasado. Estou pedindo R$ 13.000,00. A placa é de São Paulo. Interessados favor escrever para o e-mail: dbolsoni@hotmail.com
novembro 28, 2007
A maior violência contra a arte é querer falar dela sem ela, por Laura Vinci, Folha de São Paulo
A maior violência contra a arte é querer falar dela sem ela
Réplica de Laura Vinci, originalmente publicado na Folha de São Paulo, no dia 28 de novembro de 2007, ao artigo de Luciano Trigo "É de fama e dinheiro que se trata a arte?" (Ilustrada em 19/11)
Leia também os artigos:
É do mundo que a arte trata de Moacir dos Anjos (Como atiçar a Brasa, 20/11 e Folha de S. Paulo, Ilustrada, 28/11).
Paranóia ou Mistificação? de Marcos Augusto Gonçalves (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 22/11)
Entrando na discussão e procurando outras direções de Luiz Camillo Osorio (Como atiçar a Brasa, 28/11)
Resposta da artista Débora Bolsoni (Máquina de Escrever, 27/11)
Idéias fora do tempo, tréplica de Luciano Trigo (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 01/12)
Arte e Fla x Flus de Daniela Labra (Como atiçar a brasa, 06/12)
A artista Laura Vinci rebate críticas de Ferreira Gullar à sua instalação "Ainda Viva'; segundo ela, poeta desconhece a obra
A vontade de pôr em discussão a arte contemporânea, vista como uma espécie de aberração por alguns críticos, seguidos por alguns jornalistas, produziu uma curiosa aberração: defensores da arte falam da arte sem ver a arte, e sem nenhum pudor.
No caso, o meu trabalho "Ainda Viva", que ficou exposto na galeria Nara Roesler durante 40 dias, foi criticado pelo jornalista Luciano Trigo em um artigo intitulado "É de fama e dinheiro que se trata a arte?" (Ilustrada em 19/11).
O poeta e crítico Ferreira Gullar, já citado por Trigo, permitiu-se citar a mesma instalação respondendo a uma enquete sobre o tema do "feio" na arte, no jornal "O Estado de São Paulo" de 24 de novembro (1).
A única coisa que Gullar sabe sobre o trabalho é que nele existem "300 maçãs" expostas ao apodrecimento, o que lhe pareceu suficiente para tecer considerações ácidas sobre a obra e o estado geral da arte.
Imagino então se ele soubesse que não são 300, mas 7.000 maçãs. Se ele visse que mesmo assim, numa dimensão de Ceasa, uma maçã é uma maçã que sempre lembrará Cézanne.
Que postas numa superfície de mármore, que tem a dignidade do altar, da lápide e da tela branca, elas estão ali falando da tradição da natureza-morta na pintura. Que elas apodrecem em conjunto sem perder a beleza e exalando um perfume embriagante. Talvez ele se lembrasse que "natureza-morta" se diz em inglês "still life", vida parada, ou ainda vida. Que isso é uma pergunta sobre o destino da arte, e não uma confusão da arte com o lixo. Talvez ele se lembrasse que é poeta. Que o problema que ele vê na instalação, sem vê-la, é justamente o que ela está problematizando.
Se ele olhasse mais adiante, veria ainda uma coluna de peças de vidro pendendo do teto, e chegando quase até o chão, sem chegar a tocá-lo. Independente do que ele achasse dela, veria que é difícil descrevê-la.
Essas peças estão intactas na linha dos tiros reais que marcam a parede dos fundos, convivendo com a violência real e virtual que está no ar, como uma questão aberta a quem participa da experiência de estar ali.
Talvez Ferreira Gullar se surpreendesse, talvez detestasse ainda mais a arte contemporânea como um todo. Esse não é o ponto. A maior violência contra a arte, seja qual for, é a de achar que se pode falar dela sem ela, fingindo que está falando dela. Ninguém tem o direito de declarar que não gosta do "Poema Sujo", de Gullar, sem lê-lo, porque não gosta, por exemplo, de "arte suja". E de autorizar jornalistas a achar que podem fazê-lo também.
Mas, e se Ferreira Gullar se entusiasmasse e, para surpresa geral, quisesse comprar o trabalho? Aí perceberia que ele é não é facilmente comprável, não por causa de um preço, mas porque não se insere com facilidade, pela sua natureza, no mercado do qual faz parte.
Ao contrário do que sugere o título do artigo publicado pela Folha.
1 "Opiniões" de Paulo Pasta, Marco Gianotti, Arthur Omar, Agnaldo Farias, Ferreira Gullar e Laura Vinci acompanham a matéria "A sedução da feiúra segundo Eco", de Antonio Gonçalves Filho (Caderno 2 em 24/11)
Entrando na discussão e procurando outras direções por Luiz Camillo Osorio
Entrando na discussão e procurando outras direções
LUIZ CAMILLO OSORIO
Resposta à discussão iniciada pelos artigos "É de fama e dinheiro que se trata a arte?" de Luciano Trigo, publicado na Folha de S. Paulo, na Ilustrada, em 19 de novembro de 2007, e "É do mundo que a arte trata", de Moacir dos Anjos (Como atiçar a Brasa 20/11 e Ilustrada 28/11).
Leia também os artigos:
Paranóia ou Mistificação? de Marcos Augusto Gonçalves (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 22/11)
A maior violência contra a arte é querer falar dela sem ela de Laura Vinci (Folha de S. Paulo, Ilustrada 28/11)
Resposta da artista Débora Bolsoni (Máquina de Escrever, 27/11)
Idéias fora do tempo, tréplica de Luciano Trigo (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 01/12)
Arte e Fla x Flus de Daniela Labra (Como atiçar a brasa, 06/12)
Estas polêmicas sobre arte contemporânea são uma armadilha: elas nos seduzem para entrarmos nela, mas a tendência é ficarmos presos nas picuinhas e miudezas. Na correria dos afazeres, o mais fácil é deixar rolar e virar a página. Por outro lado, furtar-se à discussão é um risco cada vez mais perigoso em uma época despolitizada e sem nenhum apreço pelo debate público. Vamos lá.
A discussão proposta pelo jornalista Luciano Trigo em seu artigo na Folha de São Paulo poderia ter sido mais bem encaminhada. A crise da arte e da crítica, do ponto de vista de sua repercussão pública, é real e deve ser discutida, desde que tratada sem o ranço habitual que fica sempre saudoso dos velhos tempos. Quando, aparentemente, todos sabiam o que era arte, como avaliá-la corretamente, e estava tudo sob controle. Creio que a resposta de Moacir dos Anjos - publicada no Canal Contemporâneo - a este artigo pontua com precisão as tensões inerentes e a complexidade do processo de constituição de valor na arte contemporânea. O mercado está por toda parte. Não cabe recusá-lo a esta altura do campeonato. Nele tudo se resume ao valor de troca, dinheiro: vende-se uma obra, compra-se uma outra e ainda faz-se, eventualmente, um troco. Temos que poder pensar também em outro registro. A qualidade da arte, discutível e sempre problemática, não tem valor neste sentido, ela é singular, pois não cabe trocar a qualidade de um Cézanne pela de um Picasso, de um Artur Barrio por um José Damasceno. E não tem troco na história.
Nestas críticas mais ácidas à arte contemporânea há sempre uma tendência perversa à generalização. Toma-se uma obra qualquer e ela passa a servir como regra geral. Será que esta tensão entre arte e público é coisa recente? Será que vivemos uma época em que a ausência de críticos severos é responsável pela proliferação de obras banais? Será que é só a arte que vive hoje uma crise? Não há uma crise maior, que engloba a política, a ética, os valores de um modo geral? Não seria esta crise, uma vez assumida e pensada de modo mais intenso e generoso, a própria condição de se inventarem novas formas de arte, de política e de vida? Ao lermos, por exemplo, as críticas escritas por Diderot ou Baudelaire, percebemos que a grande maioria dos artistas por eles comentados foi para o ralo e isso, naturalmente, não implica dizer que toda a arte dos séculos XVIII e XIX seja descartável. Nem, tampouco, que eles sejam maus críticos. Baudelaire fundou a crítica moderna, pautada, justamente, na impossibilidade de se definir a priori o que seja arte, transformando esta ausência de critérios não no oba-oba relativista, mas na responsabilidade do gosto e da argumentação.
O diagnóstico apresentado por Trigo - de que há um descompasso entre a ausência de critérios sobre o que seja arte (e boa arte, por suposto) e as cifras apresentadas por um mercado cada vez mais inflacionado - seria relevante se tratado de forma menos preconceituosa. Digo preconceituosa, pois mesmo não assumindo a desqualificação de nenhuma obra em particular - fazendo-o através de Gullar e Afonso Romano - ele assume um conluio mesquinho entre curadores, artistas e galeristas, que só pensariam em fama e grana, retirando a relevância, assim, da própria crise e do espaço que aí existe para uma discussão mais alargada. No fundo, a tese é de que a arte desinteressou-se pelo mundo e pela crítica virando uma enganação generalizada com status de coisa chique. Muito me estranhou ele só ouvir e citar os críticos reativos à cena contemporânea e não perceber que o problema de uma crítica militante hoje, não é da crítica, mas do próprio sentido de militância. Outro dia li uma tese de doutorado sobre a crítica de Sábato Magaldi entre 1950 e 1952, no Diário Carioca do Rio de Janeiro. Ele escrevia uma crítica por dia! Várias sobre o mesmo espetáculo e tendo mais uma quantidade de outros críticos escrevendo para vários outros jornais da cidade. Não mudou só a crítica, mudou o jornal. Todavia, é necessário também percebermos que a crítica buscou outros espaços de atuação - seja na universidade, seja nas curadorias, seja nos blogs.
Esta história de que a arte contemporânea teria virado as costas para o mundo tem geralmente um tom nostálgico muito chato. Como eram interessantes as vanguardas! Como se esta não fosse uma acusação básica contra elas, ou seja, contra a melhor arte moderna. O ponto é que é da natureza do novo não aderir aos sentidos dados e convencionais; esta é, ao mesmo tempo, a precariedade e a força da Arte - e do juízo crítico - nos últimos 150 anos. Não será recusando-se esta precariedade e reclamando por certezas críticas e critérios objetivos, que a desorientação iria se acalmar. Pelo contrário, a nostalgia de um saber instituído, onde a fronteira entre arte e não-arte estava definida - por convenções, habilidades técnicas, meios de expressão específicos - acaba indisponibilizando o ajuizamento e pondo em risco a própria potência poética e sua indecidibilidade. Na verdade, só se julga quando não se sabe; além disso, não se julga para normatizar, mas para produzir diferenças e dissonâncias, sempre salutares para as múltiplas possibilidades de sentido e formas de ser da arte e do mundo.
Quanto ao que acho do artista que matou o cão e do Sterlac? Pelas descrições, não gosto. O primeiro é cruel, ou melhor, covarde e sua proposição não parece ir muito além disso. Sterlac pode ser mais interessante, todavia, acho-o, geralmente, muito preso ao real, fascinado pela manipulação generalizada do corpo e da natureza. Todavia, prefiro ver as obras antes e não me pautar pelas descrições alheias.
Luiz Camillo Osorio
Crítico de arte e Professor de Estética e História da Arte da Unirio.
O nada como tema para reflexão, entrevista de Anna Bella Geiger, Gabriel Pérez-Barreiro, Ivo Mesquita, Lia Chaia, Paulo Portella Filho, Tadeu Chiarelli a Camila Molina, O Estado de São Paulo
O nada como tema para reflexão
Entrevista de Anna Bella Geiger, Gabriel Pérez-Barreiro, Ivo Mesquita, Lia Chaia, Paulo Portella Filho, Tadeu Chiarelli a Camila Molina, originalmente publicada nO Estado de São Paulo, no dia 26 de novembro de 2007
Em debate, a opção do curador Ivo Mesquita por ''''eventos'''', em vez de expor obras na forma convencional
O debate sobre a 28ª Bienal de São Paulo, marcada para outubro e novembro de 2008, está aberto. No início deste mês, Ivo Mesquita foi anunciado como curador da próxima edição da mostra. Afirmou que seu projeto vai propor, antes de mais nada, uma reflexão sobre o papel de um evento (e de uma instituição) que tem sua história iniciada em 1951. Seu projeto, Em Vivo Contato, tem um item polêmico: deixar o segundo andar do pavilhão da Bienal de São Paulo vazio durante o período que seria o da mostra. Uma Bienal sem obras de arte expostas. O Estado convidou artistas, curadores e historiadores para opinarem sobre o ''''vazio'''' e sobre as ressonâncias desse projeto. Participam as artistas Anna Bella Geiger , Lia Chaia e Leda Catunda; o crítico e historiador Tadeu Chiarelli; o arte-educador Paulo Portella Filho; e o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, que assinou a curadoria-geral da recente 6ª Bienal do Mercosul.
Ivo Mesquita afirma que já esperava que seu projeto pudesse fazer reverberar opiniões diversas. ''''É importante o debate, dá para ver que a Bienal mobiliza mesmo as pessoas, até mais que o Masp'''', diz - ironicamente, faz a ligação entre duas instituições problemáticas, sempre encravadas em crises. Para o curador, sua 28ª Bienal não será vazia. ''''Haverá sempre algo para as pessoas fazerem por lá'''', diz, referindo-se ao ciclo de conferências que ocorrerá durante o evento e à exposição dos Arquivos Históricos Wanda Svevo (da Fundação) - ''''com intervenções de artistas'''' -, no terceiro piso; além da ''''praça'''' (no térreo e primeiro piso), que vai abrigar espaço para ''''video-lounge'''' e para uma programação diária que incluirá performances, projetos cênicos e outros eventos. Enfim, não haverá quase nada de estático na 28ª Bienal, garante ele. O projeto, com orçamento ''''possível'''' de ''''US$ 3,5 milhões ou US$ 4 milhões'''', diz Mesquita, ainda prevê quatro publicações: catálogo sobre as intervenções de artistas e performances, livro sobre as conferências, volume sobre a história da Bienal e inventário da instituição.
1 - Uma proposta de Ivo Mesquita é deixar o segundo andar do grande pavilhão da Bienal vazio durante o evento. O que é ou o que vai ser esse vazio simbólico, na sua opinião? Essa idéia de recriar o vazio de certa forma não evidencia a submissão crescente do artista à curadoria?
TADEU: Creio que essa proposta deverá ser mais bem elaborada. Da maneira que está, poderia espetacularizar o processo de decadência que a instituição vive já faz alguns anos. Não creio que deva existir um antagonismo entre curadores e os artistas. Não se trata de sobrepor uma função a outra. Acredito que, neste momento, Ivo Mesquita pode capitanear um debate franco e direto sobre os descaminhos da Bienal com outros colegas e com os artistas interessados. Um grande ciclo com debates seria fundamental. Já um grande espaço vazio vai simbolizar o quê? A decadência de uma instituição que não consegue honrar compromissos mínimos? Por outro lado, algum desorientado poderia entender que o vazio significaria o suposto vazio da arte contemporânea brasileira e internacional, o que não seria verdadeiro. Vazia de propostas efetivas para manter seu papel e reativá-la neste novo momento histórico é a própria fundação. Ela não demonstrou competência para realizar o mínimo que a sociedade brasileira exige que ela faça: uma exposição de arte contemporânea. Espetacularizar essa incapacidade, transformando-a em um ?achado curatorial? pode ser fazer o jogo daqueles que frustraram aquilo que nós esperávamos que realizassem. Tenho certeza de que Ivo vai repensar essa proposta para não tornar-se refém daqueles que, em última instância, procura salvar com a sua experiência e competência.
ANNA BELLA: Não foram porém as crises de linguagem, em termos da complexidade dos vários momentos-movimentos que se sucederam/sucedem, que têm impedido os artistas de repensarem o seu trabalho, e seu resultado precisa ser constantemente apresentado ao público. A arte não perdeu seu caráter de fisicalidade, materialidade, mesmo ao falar da desmaterialização ou do puro conceito. Participamos hoje de uma cena eclética e híbrida muito ativa, que resulta, nestes últimos 40 anos, de indagações sobre o significado, natureza e função da obra de arte e que ao serem apresentadas ao público, da forma possível, nos informa dos seus fluxos. Seria possível aproveitar-se o descalabro da situação burocrática para se colocar um insight de algo que precisa se renovar? A não ser em situações-limite, como a que foi assumida pelos artistas brasileiros ao determinarem em 1968 o boicote total à Bienal de São Paulo e a quaisquer outras representações nacionais diante dos atos extremos do governo militar naquele período. Para o seu esvaziamento total isto significando uma atitude de sacrifício individual e coletivo em nome de uma necessidade maior.
PAULO PORTELLA: Vai ser apenas o testemunho da falta de responsabilidade da instituição com o seu assunto principal, travestido de obra. Vai ser a bienal de um ?artista só? e de muita racionalização.
LIA CHAIA: Essa é uma pergunta que tem várias direções. Sim, por um lado, existe um peso muito grande na curadoria e uma dependência do artista em relação ao curador. Por outro, em todas as bienais ou exposições institucionais, os curadores tornaram-se figuras de importância, por terem de reunir um número grande de artistas, criar relações entre eles, e organizar um vasto espaço. Mas acho que cabe ao artista sempre definir os rumos da sua produção, sem se submeter ao curador. O trabalho do artista e o trabalho do curador caminham lado a lado. Penso esse vazio como um abandono, que expressa a falta de interesse pelo que vem passando a instituição Bienal e, também, a cultura no País. Não posso negar que dará uma certa tristeza ver o vazio e perceber que chegamos a tal crise. Além do significado da Bienal, deve ser pensado o problema financeiro e as corrupções que atingiram a diretoria da Bienal, composta por pessoas pouco envolvidas com a arte. Temos de considerar que a crise não é apenas do modelo Bienal, mas é fundamentalmente uma crise da Bienal de São Paulo. O vazio pode ser um bom momento de passagem para repensar o formato de grandes exposições e a política cultural brasileira. O grande problema é saber se o grande vazio permitirá uma reflexão que supere a dependência do curador para com a instituição Bienal. Até que ponto a própria Bienal pode se pensar criticamente?
PÉREZ-BARREIRO: A idéia de uma grande sala vazia leva a um certo peso poético. Se a intenção é artística, tem de ser feito por um artista e já não é vazio. Mas entendo que é mais um gesto quase de protesto, a partir de um problema curatorial/gerencial e não artístico.
2 - O curador ainda propõe um ciclo de conferências e a instalação de uma biblioteca no terceiro piso do pavilhão para exibir, por meio do acervo historiográfico da Fundação Bienal de São Paulo, a história da instituição. Essa é a maneira pertinente de se refletir sobre a Bienal?
TADEU: A importância da Bienal está também por ter formado algumas gerações do público brasileiro, incluindo não apenas o grande público, mas artistas, estudiosos de arte e outros profissionais. Acredito que um ciclo de conferências sobre a Bienal, que reflita sobre o seu passado, seu melancólico presente e o seu devir, é fundamental e chega com algum atraso até. A idéia é muito bem-vinda e encontrará receptividade de todos. A Bienal de São Paulo possui um acervo de documentos muito importante, o Arquivo Wanda Svevo, com material sobre todas as edições. Disponibilizar esse material durante o ciclo de conferências pode ser muito interessante e produtivo.
ANNA BELLA: Repensar a Bienal de São Paulo, diante de uma produção artística que tem se modificado, é preciso. Repensar as Bienais Internacionais e a própria Documenta é algo que tem sido feito, bem ou mal, ao longo dos anos, através da própria obra dos artistas que ali se apresentam. Em termos de se criar seminários paralelos, mesmo a Feira de Arte de Madri, a Arco, tem feito isso há alguns anos. Porém, se esta Bienal se transforma em ciclo de debates, deixa de ser mostra de arte. É um outro modelo, que não deve partir de uma única curadoria. Ao pensar em promover este embate de reflexões, se realizado por artistas, críticos, teóricos e historiadores de arte, através deste esforço coletivo de compreensão e de renovada teorização da arte, trará resultados. Na dinâmica das últimas décadas onde ocorrem crises numa maior velocidade, crises resultantes da própria condição da arte atual indaga-se da emergência de um espaço de arte comprometido com o mundo contemporâneo. É a tarefa atual. Mas de que modo? Isto implica até a relação da obra com imposições arquitetônicas dos espaços disponíveis. Vai do bater das asas da borboleta ao tsunami.
PORTELLA: Pertinente ou não, parece que é a maneira possível e conveniente da próxima "bienal" (sic) ser feita. Salva a instituição de um fiasco e agrada, pela oportuna chance, um curador competente e interessado. Entretanto mesmo para uma "Bienal de reflexão", acho razoável que se tenha para a sua realização um tempo equivalente ao tempo destinado às "bienais de exposição". Uma escolha não elimina a outra. A edição anterior trabalhou assim. Agora se assiste a um outro acontecimento. O sol não fica tampado.
LIA: Existem várias maneiras de se pensar a instituição da Bienal, uma delas é a perspectiva histórica, através dos arquivos, que se bem apresentados, organizados e relacionados, podem ajudar a pensar os significados da Bienal, do passado e do futuro. Tudo de como esses documentos e memórias serão utilizados. Penso que será um fazer coletivo.
PÉREZ-BARREIRO: Fica claro que a Bienal de São Paulo, como todas as bienais, precisa de um questionamento sobre seu formato, futuro, função, etc. Esta proposta é a mais radical, pois tenta criar ao mínimo um espaço de debate sobre a própria Bienal. É como fazer um livro e não uma exposição. Pode resultar em uma experiência interessante, mas tudo vai depender de como é feito.
3 - Ivo Mesquita acredita que as bienais de arte não são mais espaço para a consagração dos artistas. Você concorda com ele? Qual a importância de um evento como este para dar visibilidade ao trabalho do artista consagrado e/ou descoberta de novas poéticas?
TADEU: Creio que o papel das bienais deve ser revisto. Sem dúvida, hoje em dia uma Bienal não tem mais o mesmo significado que possuía nos anos de 1950 ou há duas décadas. É nesse sentido que tem de ser revista, reorganizada para que ela possa readquirir novas responsabilidades junto à formação efetiva do público para o debate atual da arte. É isso o que ela tem de fazer: o público brasileiro - e aqui estou incluindo os artistas também -, a partir do empobrecimento geral das últimas bienais (e as exceções confirmam a regra), ficou sem uma bagagem coerente sobre o que ocorreu na arte internacional entre Andy Warhol e, digamos, Thomas Hirschorn. É um blefe dizer que os museus poderiam ter feito isso. Até poderiam, mas não o fizeram. A Bienal de São Paulo por muitos anos cumpriu esse papel e poderia continuar cumprindo se tivesse a responsabilidade de se assumir não apenas como a instituição que divulga o que de mais contemporâneo se faz atualmente, mas também as bases para o entendimento dessa contemporaneidade.
PORTELLA: Há outras vias mais consagratórias. E elas estão disponíveis todos os dias em muitos lugares e, claro, não apenas em breves intervalos bianuais. O trabalho educativo bem-feito em mostras desse porte e a grande visitação fazem grande diferença na divulgação e expansão de idéias. Porém, o público deve ser considerado quanto ao seu potencial de produção de conhecimento sobre a arte e a contemporaneidade, sobre si e seu tempo, pelas vias da educação, em oposição ao seu potencial de mero consumidor de eventos, pelas vias da publicidade.
LIA: Hoje em dia existem vários eventos do tipo Bienal. Diria que participar das grandes Bienais, como Veneza, Istambul, São Paulo (incluo também a Documenta de Kassel) tem importância, sim, para vitalizar a trajetória do artista. Entretanto, essas exposições não funcionam como detonadores de carreiras ou lugar de pesquisa avançada. O artista, atualmente, não depende da Bienal para pesquisar, ter o trabalho reconhecido e divulgado. Além do mais, o campo audiovisual se ampliou e o artista trabalha também com o cinema, na internet, em eventos públicos, desenvolvendo pesquisas poéticas e novas linguagens.
PÉREZ-BARREIRO: Essa é uma questão para cada curador definir dentro de seus paradigmas, e olhando o contexto de cada Bienal.
4 - Bienal de arte tem de ter obras de arte?
TADEU: Acredito que uma Bienal de arte deve exibir obras de arte, levando-se em consideração o que um determinado segmento, em uma determinada sociedade, entende como tal. O que seria descabido a meu ver, ou melhor, o que seria talvez estender um pouco demais o conceito elástico de arte contemporânea, é transformar um colóquio produzido para refletir sobre uma instituição que está falindo a olhos vistos, em um substituto de uma edição de Bienal. A 28ª Bienal deve ser cancelada e em seu lugar ocorrer o colóquio, prestando atenção para que uma parcela grande do público das bienais seja informada claramente do que está ocorrendo, das razões para que esta Bienal determinada, submetida a um gerenciamento determinado, não ocorreu. Instrumentalizar o colóquio, aliá-lo a um espaço físico vazio para que juntos substituam aquilo que deveria ser a 28ª Bienal seria, no mínimo, um desrespeito ao público e aos artistas.
PORTELLA: Bienal de Artes Visuais tem que ter obras de Artes Visuais.
LIA: As áreas das artes, mesmo com especificidades, formam sempre uma unidade. Acredito que quanto menos dividir e fragmentar a arte melhor para todos, pois o cinema, o teatro, a literatura, a dança e a música são maneiras de pensar o mundo e o ser humano. E, mais do que nunca, todas as artes estão dialogando entre si, compondo linguagens híbridas e permitindo maior liberdade ao artista.
PÉREZ-BARREIRO: Não necessariamente. Uma Bienal pode incluir música, cinema, performance, livros, muitas coisas.
5 - Como você acredita que vai ser a relação do público com essas propostas todas do novo curador?
TADEU: Creio que essa primeira proposta foi feita no calor da hora e que Ivo saberá revê-la encontrando a melhor solução para continuar nesse papel importantíssimo que ele assumiu: conduzir um debate aberto sobre a Bienal, seu passado, presente e seu devir. Hoje em dia não existe outro profissional mais qualificado do que Ivo para realizar essa tarefa. O início de sua carreira confunde-se com alguns dos melhores momentos da instituição.
ANNA BELLA: Primeiro, há uma crise de caráter institucional, como os problemas do ?pagou, não pagou?, demorada publicação do seu catálogo e uma situação de curto espaço de tempo diante da qual precisa-se de uma solução. Em segundo, o entendimento pela curadoria de que do(s) modo(s) como vem se apresentando, a Bienal demonstra sinais de esgotamento. Crise, para os chineses significa necessidade de renovação. A Bienal não é uma universidade cuja entrada só se dá através do vestibular. Toda e qualquer coisa que seja organizada em nome dela precisa ser levada ao conhecimento público. A Bienal é política porque envolve relações com o público, com representações de outros países, com outras estruturas da arte, e um número imenso de eventos colaterais . A Bienal é um ato público e político.
PORTELLA: Penso que o público vai desaparecer. Artistas, intelectuais até poderão ir, mas o público, como a instituição o entende, vai passar longe. Vai ser um contra-senso estimular a visita do público! Todo o investimento educativo anteriormente feito sofrerá um hiato forte, se não for pensado algo equivalente para alimentar a presença da arte contemporânea na escola. Tenho curiosidade em saber até que ponto esse novo projeto vai radicalizar a compreensão da existência da mediação com o público, como vem sendo patrocinado pela instituição.
LIA: Difícil saber. Aliás, ainda não consigo imaginar o que vai ser o vazio. Neste momento, penso que pode ser positivo mostrar a crise.
PÉREZ-BARREIRO: A relação com o público é uma meta fundamental de qualquer Bienal. É possível que Ivo consiga articular essa relação, mas existe um risco que o público perceba que a Bienal ?acabou?.
6 - No primeiro piso, Ivo Mesquita transformará o espaço em uma "praça" onde ocorrerá uma programação diária de eventos, como exibições de filmes, música, performances, etc. O que você acha disso?
TADEU: Também tenho certeza de que Ivo Mesquita vai rever essa proposta. Com certeza ele não convidará atores, músicos, performers para ?animarem? a festa. Se ele pensar em convidar artistas para trabalharem no espaço da Bienal, então que se assuma essa proposta como a proposta artística da 28ª Bienal.
PORTELLA: Uma programação diversificada, num mesmo espaço físico, não traz necessariamente nenhuma novidade em si.
LIA: Desde que seja de forma articulada, acho que poderá ser positivo. Entretanto, esta série de eventos deve ter o cuidado de não se tornar apenas espetáculo ou diversão. O ambiente é de crise e, portanto, soturno.
PÉREZ-BARREIRO: Já que não tem Bienal no sentido tradicional, esses eventos são extremamente complicados de apresentar. São substitutos? Entretenimento? Não conheço a programação para opinar.
Quem são eles
IVO MESQUITA: Curador da Pinacoteca do Estado e da 28.ª Bienal de São Paulo.
TADEU CHIARELLI: Professor-doutor da USP e integra diretoria do MAM-SP.
PAULO PORTELLA FILHO: Arte-educador, coordena o Serviço Educativo do Masp.
ANNA BELLA GEIGER: Artista, participou da 16.ª Bienal de São Paulo em 1981.
LIA CHAIA: Artista plástica da jovem geração, vive e trabalha em São Paulo.
GABRIEL PÉREZ-BARREIRO: Foi curador da 6.ª Bienal do Mercosul em Porto Alegre.
DEPOIMENTO
PODER TRANSFORMADOR: "Estou entendendo a proposição do Ivo Mesquita como um convite à reflexão sobre a necessidade de redefinição do papel da Bienal. Esta proposição está sendo colocada em substituição à realização de uma Bienal convencional, uma vez que, ao que parece, não há mais tempo hábil nem dinheiro suficiente, o que já não é mais um problema do curador e sim da estrutura da Fundação Bienal de São Paulo. Partindo daí, acho plenamente pertinente a proposição do Ivo. Veja, não é a primeira vez que a Bienal ?engasga?, isso já aconteceu em 1991, quando passou de anos ímpares para pares e depois naquela vez em que se comemorariam os 50 anos da Bienal, em 2000, e que não pôde ocorrer por causa da mostra dos 500 anos, que esvaziou o caixa da fundação.
Posso afirmar, sem nenhuma sombra de dúvida, que se eu me tornei artista foi praticamente 100% devido à existência das Bienais acontecendo na cidade onde nasci e que tive o privilégio de freqüentar desde criança nos anos 60 até a última, no ano passado. As Bienais representaram na minha formação um estímulo inigualável e a possibilidade de contato com a produção de artistas de todas as partes do mundo, fundamentais como repertório e ampliação da noção do que é arte e do seu poder transformador.
A nossa sociedade como um todo ainda está interessada em que as Bienais continuem existindo? Acredita na necessidade de haver um projeto para arte, cultura e educação?"
novembro 26, 2007
"Esquentando os salões", por Fátima Sá, O Globo
"Esquentando os salões"
Matéria de Fátima Sá, originalmente publicada na Revista O Globo do dia 25 de novembro de 2007.
Ainda em obras, a Casa Daros já movimenta a cidade com oficinas e encontros de artistas
Um barracão nos fundos de um terreno em Botafogo virou um festejado ponto de encontro do circuito artístico carioca. Marcelo Yuka esteve por lá dia desses discutindo idéias para um livro infantil. Antonio Dias aproveitou o espaço para reunir amigos e colecionadores. Ernesto Neto, Iole de Freitas e Vik Muniz também já circularam pelo lugar. Sem falar nos artistas latino-americanos que têm aparecido freqüentemente. O cenário de tanto agito é a sede provisória - e improvisada - da Casa Daros, filial carioca da Daros-Latinamerica, instituição suíça que reúne a maior coleção de arte da América Latina na Europa.
Oficialmente, o espaço abrirá as portas apenas em meados do ano que vem. O casarão que irá abrigá-lo ainda é um imenso canteiro de obras. Mas o barracão e um galpão ao lado dele estão sendo usados para oficinas, palestras e encontros de artistas. Um pequeno exercício do que a Casa Daros pretende pôr em prática no Rio. O espaço vai abrigar exposições, uma biblioteca especializada em arte latinoamericana, filmes, workshops e vários projetos de arte-educação. Também pretende hospedar artistas, para que eles tragam sua rotina criativa para dentro da casa.
- A proposta é abrir espaço, dar instrumentos e chamar as pessoas - diz Isabella Nunes, gerente geral da Daros carioca. - O que nos interessa é justamente o que pode nascer desses encontros.
Por enquanto, os tais encontros têm provocado interessantes trocas de experiências. Desde agosto, por exemplo, 26 jovens artistas selecionados pela equipe da casa participam de oficinas com críticos, pedagogos e artistas. Eles já estiveram no lixão de Gramacho com Fabio Ghivelder, assistente de Vik Muniz, coletando matéria-prima para o artista. Também ajudaram Ernesto Neto a criar uma instalação na Praia do Leme. E, a bordo de um ônibus da linha Penha-Cosme Velho, fizeram flores de papel para distribuir aos passageiros. O trabalho no ônibus foi uma das atividades realizadas com o panamenho Humberto Vélez, que expôs recentemente na Tate Modern, em Londres, e causou sensação ao transformar uma galeria num ringue de boxe.
Vélez esteve no Rio no mês passado. Pouco depois, desembarcou por aqui a mexicana Betsabeé Romero. Acostumada a desenvolver obras de arte para espaços urbanos, Betsabeé levou o grupo até o Morro do Banco, comunidade sem tráfico nem milícia a que se tem acesso por um condomínio de casas, no Itanhangá. O resultado foi parar numa das praças do morro: o Carro-Molotov - um Chevete velho, coberto por garrafas de cerveja com um pano dentro, lembrando coquetéis molotov.
- É para recordar que a cultura, numa comunidade, pode gerar outro tipo de arte, outras formas de explosão - dizia a mexicana, cercada pelos alunos e por moradores da favela, numa sexta-feira calorenta, quando o carro começou a ser preparado.
Sejam palestras ou atividades na rua, os jovens artistas terão encontros assim até dezembro. A idéia das oficinas é fazer com que eles sejam capazes de relacionar ate e educação de maneira não-convencional. Alguns captaram bem o espírito.
- O foco é acabar com o egocentrismo do artista, que se isola. A idéia é conviver com diferentes grupos - argumenta Carolina Cortes, de 28 anos, aluna da Escola de Artes Visuais do Parque Lage e integrante da oficina.
Quem associa educação e museu a enfadonhas visitas guiadas deve se surpreender com a proposta da Daros.
- Nosso princípio fundamental é a visão do educador Paulo Freire, que dizia que ensinar é saber escutar e que o ensino é um processo sempre inconcluso de interação horizontal - teoriza o cubano Eugenio Valdés Figueroa, diretor de arte-educação e pesquisa da casa.
Outro projeto que vem agitando o lugar acontece entre andaimes e britadeiras. Desde agosto, seis integrantes da Escola de Fotógrafos Populares Imagens do Povo, do Observatório de Favelas, registram o dia-a-dia da obra no casarão. As imagens passam longe da mera documentação, que fique claro. São imagens autorais.
- Quando mostramos as primeiras fotos, os diretores gostaram tanto que resolveram fazer um livro - conta o coordenador do grupo, Dante Gastaldoni. - Eles já produziram mais de 600 imagens e ainda farão muitas outras.
Desse total, devem ser selecionadas 250, além de 60 dos portfólios de cada um. No terreno da fotografia, chama a atenção também a Casinha Daros, uma oficina de pin hole para 34 meninos de 12 a 17 anos que vivem em comunidades carentes do Rio. As fotos feitas por eles, usando como câmeras potinhos de filme e latas, devem ser expostas na casa.
- Eles têm lições teóricas, aulas de direitos humanos e saem para fotografar na Daros, nas comunidades e em pontos turísticos - conta o fotógrafo Bira Carvalho, que comanda o projeto.
Uma das maiores preocupações da Casa Daros é tornar-se íntima dos cariocas.
Exemplo disso são as noites do projeto Passa lá em Casa, em que artistas convidam amigos e parceiros para um coquetel oferecido pela Daros. Depois de Iole de Freitas, Vik Muniz e do cineasta Roberto Berliner, na semana passada foi a vez de Antonio Dias receber no barracão/galpão. Entre comidinhas da Academia da Cachaça e som do DJ Dodô, eram projetados vídeos do artista para uma platéia que incluía os marchands Jean Boghici e Mercedes Viegas e os colecionadores Luis Antonio de Almeida Braga e Marta Fadel. Mês que vem, Ernesto Neto será o cicerone.
Paralelamente a esses eventos, a direção da casa vem discutindo outros projetos, como a edição de livros. Uma das propostas é lançar um título infantil, com texto de Marcelo Yuka e ilustrações do cubano Antonio Eligio Fernandez, o Tonel. Como a estrutura ainda é precária, os agitos, por enquanto, são restritos a convidados. Mas as obras seguem em ritmo acelerado. A Daros ocupará um casarão de dez mil metros quadrados do século XIX, na Rua General Severiano. O imóvel, comprado por R$ 16 milhões, vem sendo recuperado desde junho pelo escritório do arquiteto Paulo Mendes da Rocha.
- A gente não vê a hora de abrir e começar a expor a coleção - suspira Isabella.
A tal coleção reúne mais de mil esculturas, pinturas, desenhos, fotos, vídeos e instalações produzidos desde os anos 60 por cerca de cem artistas. Iniciada em 2000, a Daros Latinamerica pertence à milionária Ruth Schmiteinyr, que costuma vir ao Brasil a cada três meses para se inteirar do projeto.
- Escolhemos o Rio porque precisávamos de um ambiente fértil, que reunisse muitos artistas e fosse internacional, mas que carecesse de uma instituição como a nossa - explica o curador e diretor geral da coleção, Hans-Michael Herzog. - Vamos pôr o Rio no mapa artístico mundial.
novembro 22, 2007
"Paranóia ou Mistificação?", por Marcos Augusto Gonçalves, Folha de São Paulo
"Paranóia ou Mistificação?"
Texto de Marcos Augusto Gonçalves, originalmente publicado na Folha de São Paulo, no dia 22 de novembro de 2007, depois da resposta enviada por Moacir dos Anjos à Folha - É do mundo que a arte trata (Como atiçar a Brasa 20/11 e Ilustrada 28/11), comentando o artigo "É de fama e dinheiro que se trata a arte?" de Luciano Trigo.
Leia também os artigos:
Entrando na discussão e procurando outras direções de Luiz Camillo Osorio (Como atiçar a Brasa, 28/11)
A maior violência contra a arte é querer falar dela sem ela de Laura Vinci (Folha de S. Paulo, Ilustrada 28/11)
Resposta da artista Débora Bolsoni (Máquina de Escrever, 27/11)
Idéias fora do tempo, tréplica de Luciano Trigo (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 01/12)
Arte e Fla x Flus de Daniela Labra (Como atiçar a brasa, 06/12)
Ataques atuais à arte contemporânea lembram a crítica conservadora de Lobato ao modernismo
É célebre o artigo de Monteiro Lobato, com o título ao lado, escrito por ocasião de uma mostra de Anita Malfatti, no qual o pai da adorável Emília demonstra seu horror com a reforma da estética promovida pela arte moderna.
As pinturas de Malfatti são vistas por Lobato como reflexos de uma percepção anormal do mundo -e ele lamenta o fato de a artista ter cedido à influência das "extravagâncias" de Picasso e seus colegas.
Em seu livro "Crítica Cultural: Teoria e Prática", Marcelo Coelho toma o artigo do famoso escritor como aquilo que ele é -um modelo de crítica conservadora. E o disseca, para identificar três traços básicos em seu antimodernismo: 1) o método de julgar uma obra nova a partir de critérios já estabelecidos, anteriores e externos à própria obra; 2) a avaliação de que vivemos num período de declínio, decadência, degeneração, doença cultural; e 3) a postulação de que o crítico de arte seria um representante do "homem comum", enganado pelo artista. O autor observa com argúcia: o crítico "é ao mesmo tempo fiscal, médico e promotor de Justiça".
É impossível não pensar nas reinações conservadoras de Lobato ao ler opiniões como as expressas pelo jornalista Luciano Trigo em artigo publicado pela Ilustrada (19/11). O alvo agora não são mais as distorções formais e cromáticas da arte modernista, já institucionalizada. A doença é a arte contemporânea.
O articulista, na realidade, parte das idéias de nossos dois grandes candidatos ao Troféu Paranóia ou Mistificação do Século 21, a saber, os críticos e poetas Ferreira Gullar e Affonso Romano de Sant'Anna. Ambos têm regularmente atacado as extravagâncias da produção artística atual.
Não raro, como no artigo de Trigo, as opiniões aparecem recheadas de preconceitos e rancores em relação ao mercado de arte, ao suposto "descompromisso" das obras e à inevitável interface midiática da cultura no mundo de hoje.
Não falamos de um reconhecimento crítico do território da arte contemporânea, de uma tentativa legítima de discernir o que seriam bons e maus trabalhos, bons e maus artistas. O que temos é a negação "in totum" da produção de nosso tempo, uma vontade perversa e frustrada de anulá-la, em nome dos "verdadeiros" cânones.
Daí a incrível capacidade de generalização do argumento, que segue a linha "tudo é a mesma coisa": uma arte que não apresenta "nada de novo ou original", é "desligada da realidade" e realizada por gente interessada apenas em "fama, viagens e dinheiro". O que é, na melhor das hipóteses, ignorância.
Não concordo com a opinião de Gullar e Trigo sobre as instalações de Laura Vinci e Débora Bolsoni, mas eles, obviamente, como outros críticos, podem detestá-las. Outra coisa é desqualificá-las e tratá-las como sintomas de uma doença maior que precisa ser erradicada.
Não creio que, no futuro, esses ataques venham a ser lembrados. Se o forem, provavelmente servirão apenas, como o texto de Lobato, para ilustrar o anedotário crítico do século.
novembro 20, 2007
É do mundo que a arte trata por Moacir dos Anjos
É do mundo que a arte trata
MOACIR DOS ANJOS
Resposta ao artigo "É de fama e dinheiro que se trata a arte?" de Luciano Trigo enviada à Folha de S. Paulo, em 20 de novembro de 2007, com cópia para o Canal Contemporâneo (Como atiçar a Brasa 20/11 e Ilustrada 28/11).
Leia também os artigos:
Paranóia ou Mistificação? de Marcos Augusto Gonçalves (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 22/11)
Entrando na discussão e procurando outras direções de Luiz Camillo Osorio (Como atiçar a Brasa, 28/11)
A maior violência contra a arte é querer falar dela sem ela de Laura Vinci (Folha de S. Paulo, Ilustrada 28/11)
Resposta da artista Débora Bolsoni (Máquina de Escrever, 27/11)
Idéias fora do tempo, tréplica de Luciano Trigo (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 01/12)
Arte e Fla x Flus de Daniela Labra (Como atiçar a brasa, 06/12)
Sob o pretexto imodesto de discutir "os rumos da arte contemporânea", o Sr. Luciano Trigo condensa, em artigo publicado na Ilustrada em 19.11 ("É de fama e dinheiro que se trata a arte?"), um número significativo de equívocos e de lugares-comuns sobre as artes visuais. Por ser exemplar de outras manifestações semelhantes e recentes em jornais e revistas do país - em seu conteúdo simplista e em sua arrogância formal -, julgo ser necessário tecer alguns comentários sobre o referido texto, ainda que pontuais.
O autor se apóia, para formular seu juízo depreciativo sobre a arte contemporânea, em uma caracterização pueril do processo de atribuição de valor à produção recente das artes visuais, em que artistas corrompidos subordinariam o trabalho que fazem à obtenção de uma inserção dócil no "sistema" mercantil. Para o Sr. Trigo, isso se deveria ao fato de os artistas há muito terem dado as costas para críticos íntegros capazes de identificar o "valor intrínseco" do que produzem (e aqui os nomes por ele invocados não poderiam ser outros senão os de Affonso Romano de Sant'Anna e Ferreira Gullar, notórios detratores da arte atual), aliando-se a curadores e galeristas empenhados em construir a sua "fama" e em garantir, assim, o seu "sucesso" financeiro. Sem desconhecer que existem artistas, curadores e galeristas inescrupulosos, assim como existem profissionais corruptos em quaisquer outras áreas de atuação humana (seja a advocacia, o jornalismo, a política ou o sacerdócio), a generalização proposta em seu artigo só se justifica por preguiça intelectual ou por má fé dissimulada.
O articulista esquiva-se, portanto, de modo grosseiro (em ao menos dois sentidos da palavra), de buscar entender os complexos mecanismos de valoração simbólica e monetária da arte contemporânea, fundados no conflito irresoluto entre instituições diversas, tais como a mídia, as universidades, os museus e as galerias. Conflito que gera, através de intervenções legitimamente interessadas dos representantes daquelas instituições - críticos, historiadores, curadores, galeristas -, convenções instáveis sobre qualidade e preço de obras, as quais, por sua própria natureza, estão fadadas a serem recorrentemente rompidas e substituídas por mais outras. Ao contrário do que o autor sugere, é justamente do atrito constante entre juízos distintos que se constroem, a cada momento, acordos sobre o que é ou não é arte e sobre os valores com que as produções simbólicas circulam no mundo da riqueza, inapelavelmente satisfazendo alguns e frustrando outros. A recusa em reconhecer a impossibilidade de atribuir valores inequívocos e estáveis a um trabalho de arte no mundo contemporâneo - definidos, de preferência, por críticos que partilham a sua visão de mundo - faz com que o Sr. Trigo se conceda o direito de aplacar a sua legítima discordância do reconhecimento social detido por artistas contemporâneos (quer em termos simbólicos, quer em termos monetários) atribuindo-lhes, de modo vulgar, um comportamento supostamente venal.
A determinação do autor do texto em desqualificar a produção recente em artes visuais leva-o, ainda, a associar as criações dos artistas contemporâneas a repetições descontextualizadas do que foi já feito pelos "movimentos de vanguarda do século 20". Tais trabalhos seriam pouco mais, em sua visão, do que o fruto do esforço ultrapassado de "chocar" as pessoas, constituindo-se em componentes de uma estratégia "desesperada" de destacar-se frente a potenciais competidores e de ganhar maior espaço de mercado. Por estarem desconectadas de seu tempo, as obras feitas por esses artistas seriam auto-referentes e incapazes, por isso, de articularem-se às questões culturais e sociais da contemporaneidade, tal como fizeram, em sua época, os ... "movimentos de vanguarda do século 20".
Para além da contradição do argumento utilizado, em que uma presumida vinculação da arte contemporânea com os tais movimentos de vanguarda é ora denunciada como "empulhação" e ora cobrada como pertinente, o que mais chama a atenção aqui é a incapacidade do Sr. Trigo em notar a maneira como a produção artística atual vincula-se criticamente ao tempo e ao lugar onde foi criada: não somente por meio da representação de um contexto específico (cultural, político, social, econômico), mas também evocando esse contexto na própria materialidade com que se apresenta ao mundo. Incapacidade que impede o autor de considerar o roçar entre maçãs vermelhas perecíveis e a solidez branca e esculpida do mármore (parte do trabalho de Laura Vinci recentemente exposto na Galeria Nara Roesler) como locução simbólica do momento e do espaço em que vivemos nós todos. Assim como o inibe a ponderar que o fato de um quebra-molas ser construído de paçoca, matéria que desmorona mesmo ao contato físico mais delicado (instalação de Débora Bolsoni ainda exposta no Museu de Arte Moderna), pode muito dizer sobre a fragilidade do ambiente social que nos acomoda.
Que fique claro, entretanto, que a questão aqui posta não é a de cobrar adesão do articulista a essas obras, mas a de abrir-se a elas tal como elas se abrem ao mundo. Ainda que o autor do texto continuasse a não partilhar aquilo que é evocado por esses e tantos outros trabalhos contemporâneos; e ainda que contraditasse os modos como esses sentimentos de estar no mundo são neles enunciados. O fundamental, ao fim e ao cabo, é apenas não buscar medi-los e julgá-los com o metro e as razões que não lhes cabe mais e não lhes entendem o bastante.
Por fim, e ao contrário do que o Sr. Trigo afirma na primeira frase de seu texto, as exposições a que se refere e sobre as quais tece comentários críticos estiveram ou estão em cartaz apenas em São Paulo, o que lança dúvidas acerca do articulista ter-se dado ao trabalho, ao menos, de ver in loco as instalações comentadas. Ou se, como já havia decidido de antemão que as obras de Laura Vinci e Débora Bolsoni eram destinadas tão-somente a "trazer fama, viagem e dinheiro" a suas autoras, não seriam sequer dignas de um olhar atento antes de desqualificá-las do modo desrespeitoso como o faz.
Moacir dos Anjos
Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e curador de Contraditório - Panorama da Arte Brasileira, exposição em cartaz no Museu de Arte Moderna.
novembro 19, 2007
O Grande Vazio, editorial da Folha de São Paulo
O Grande Vazio
Editorial da Folha de São Paulo, originalmente publicado no dia 17 de novembro de 2007
Numa proposta que nem a filosofia desconstrucionista ousou fazer, o curador da 28ª Bienal de São Paulo, Ivo Mesquita, chamado às pressas para administrar a massa falida, sugere um modelo não-tradicional para o evento: uma exposição de arte sem obras de arte. Mesquita só não esclareceu se pretende cobrar ingressos para que os visitantes possam apreciar o Grande Vazio.
Sem recursos e tempo hábil para organizar a versão 2008 da segunda mais antiga Bienal do mundo, pretende deixar totalmente vazio um dos andares do pavilhão projetado por Oscar Niemeyer. A idéia é "convidar a um debate" sobre a instituição. Um dos pisos será dedicado à memória de eventos passados, e o térreo estará aberto a performances e exibições de vídeo.
Mesquita, cujas credenciais técnicas para ocupar o cargo são inquestionáveis, não é o maior nem o único culpado pelo desastre que se avizinha, mas faria melhor se não tentasse travestir o fracasso de modernidade.
A esta altura, o melhor e mais honesto seria suspender o evento do próximo ano e tomar as medidas necessárias para profissionalizar a administração da Fundação Bienal, a fim de que o malogro não se repita.
Não há muita dúvida de que o problema é de gestão. Num país com generosas leis de renúncia fiscal e estatais ávidas por patrocinar tudo o que se pareça com arte, soa estranho falar em falta de recursos para um evento com o porte e o prestígio da Bienal de São Paulo. Parece muito mais razoável acreditar que a organização não foi capaz de angariá-los.
É lamentável que o fiasco ocorra num momento em que o grande público se acostumava a visitar a Bienal e em que a produção de arte e o mercado brasileiro se fortalecem e ganham reconhecimento internacional.
É de fama e dinheiro que se trata a arte?, por Luciano Trigo, Folha de São Paulo
É de fama e dinheiro que se trata a arte?
Texto de Luciano Trigo, originalmente publicado na Folha de São Paulo, no dia 19 de novembro de 2007.
Leia também os artigos:
É do mundo que a arte trata de Moacir dos Anjos (Como atiçar a Brasa, 20/11 e Folha de S. Paulo, Ilustrada, 28/11).
Paranóia ou Mistificação? de Marcos Augusto Gonçalves (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 22/11)
Entrando na discussão e procurando outras direções de Luiz Camillo Osorio (Como atiçar a Brasa, 28/11)
A maior violência contra a arte é querer falar dela sem ela de Laura Vinci (Folha de S. Paulo, Ilustrada 28/11)
Resposta da artista Débora Bolsoni (Máquina de Escrever, 27/11)
Idéias fora do tempo, tréplica de Luciano Trigo (Folha de S. Paulo, Ilustrada, 01/12)
Arte e Fla x Flus de Daniela Labra (Como atiçar a brasa, 06/12)
O sucesso hoje não depende só do valor intrínseco de uma obra, mas sobretudo da capacidade do artista de se inserir nas regras do mercado
Duas exposições recentes, uma no Rio e outra em São Paulo, sugerem interessantes questões sobre os rumos da arte contemporânea. Na instalação "Ainda Viva", a paulista Laura Vinci espalhou 7.000 maçãs sobre uma mesa de mármore branco e o chão de uma galeria; "Quebra-Molas", da carioca Débora Bolsoni, reproduziu um redutor de velocidade feito com uma tonelada de massa de paçoca de amendoim. As duas têm em comum a deliberada efemeridade e o recurso a comestíveis como matéria-prima.
Solicitado por uma revista a comentar as duas exposições, o poeta e crítico de arte Ferreira Gullar afirmou: "Essa produção vai morrer aí. Trata-se da arte da boa idéia, da Caninha 51. [...] Não tem artesanato, não tem técnica, não tem linguagem. Já se usou de tudo: balde, bacia, ovo frito. É uma falta de imaginação, uma grande bobagem que não me interessa. [...] Uma mancha no chão, uma água escorrendo, tudo isso é expressão, mas não é arte". As artistas se justificam falando da transitoriedade das coisas vivas, de tentativas de simbolização etc.
Arte contemporânea é um tema em que é difícil tornar produtivo qualquer debate, pois sempre se cai num diálogo de surdos, num Fla-Flu, isto é, numa questão de adesão incondicional de torcedor, mais que de reflexão crítica. O que temos hoje são, de um lado, críticos, como Ferreira Gullar e Affonso Romano de Sant'Anna, que contestam a legitimidade e o valor de instalações como as de Laura e Débora, e, de outro, artistas que rejeitam esse julgamento como reacionário.
Menos do que saber quem está com a razão, importa constatar que desse atrito não sai nenhum desdobramento interessante. Por quê? Algumas hipóteses: - Os artistas se tornaram auto-suficientes: ignoram solenemente qualquer crítica que os contesta.
- Os críticos perderam a importância que tinham no processo de legitimação da pro- dução artística. - Hoje, para um artista, importa muito mais se inserir numa rede de relações composta de curadores, marchands e galeristas do que obter reconhecimento crítico.
Valor da arte
A noção de valor em artes plásticas é altamente subjetiva.
Mas é também condicionada pelo contexto histórico-cultural e pelo modelo de relação entre economia e cultura que estiver prevalecendo.
O sucesso de um artista hoje não depende somente, nem mesmo principalmente, do valor intrínseco do que ele produz, dos méritos plásticos ou estéticos de sua obra, mas sobretudo de sua capacidade de inserção num "sistema" que funciona cada vez mais segundo as regras do mercado, do consumo e da moda -mesmo quando se veste o surrado disfarce da transgressão.
Pode-se simpatizar com as maçãs de Laura e o quebra-molas de Débora -embora não representem nada novo nem original. Mas é preocupante que esse tipo de produção -desligada da realidade, das questões contemporâneas, de compromissos, da História, do presente, em suma, da vida real- monopolize os espaços da arte hoje. É uma produção que pode até trazer fama, viagens e dinheiro a quem a faz, mas é disso que se trata?
As duas instalações pecam por serem obras inofensivas, fechadas em si mesmas, que não se articulam com nenhum processo exterior a elas próprias. Os artistas têm obrigação de vincular suas obras à realidade? Não. Mas, quando instalações desse tipo se tornam a tendência dominante da arte, fica a impressão de esgotamento e alienação.
Todos os movimentos de vanguarda do século 20 que resistiram à prova do tempo devem parte de seu êxito ao fato de terem mobilizado a sociedade, de estarem associados a transformações sociais, culturais e tecnológicas que tinham um impacto direto na vida das pessoas. Basta pensar na relação do futurismo com a guerra e com velocidade trazida pela máquina ao cotidiano para constatar que o novo não era uma manifestação espontânea e gratuita de gênios individuais.
Mesmo o surrealismo, com seu projeto de libertar a criação de qualquer controle racional, só foi possível num contexto de consolidação da idéia freudiana de inconsciente; mesmo assim, numa segunda etapa, foi associado por André Breton a um projeto político de esquerda -o que é uma contradição em termos, mas confirma o papel do contexto histórico na arte de cada época. Quando Marcel Duchamp expôs um urinol ou desenhou um bigode na Mona Lisa, fez um gesto revolucionário, que rompia com as convenções e abria possibilidades infinitas para a arte. Mas, como todos os gestos fundadores, é irrepetível, porque o contexto já passou: fazer um bigode na Mona Lisa hoje seria apenas ridículo.
Abolidos os cânones, qualquer adolescente é capaz de transgressões parecidas, e as fronteiras entre a criação artística e a empulhação pura e simples se tornam muito tênues. A falência da crítica como fator relevante agrava esse quadro, já que quem legitima o artista hoje é o sucesso em si: se faz sucesso, é bom. Nada mais capitalista. Mas talvez seja mesmo este o destino de todas as artes (a literatura, a música etc), isto é, enquadrar-se numa lógica de mercado ou morrer.
Projeção no mercado
Mais grave que a repetição anódina de fórmulas que fizeram sentido na primeira metade do século passado é o esforço, igualmente ultrapassado, de épater a qualquer custo. Como é cada vez mais difícil chocar as pessoas, alguns artistas caem no ridículo, numa tentativa desesperada de ganhar projeção num mercado (pois é) cada vez mais competitivo. Duas obras que nos últimos meses apareceram na mídia são bem representativas desse fenômeno:
1) Numa exposição em Manágua, em agosto passado, o artista plástico costa-riquenho Guillermo Vargas Habacuc amarrou um cachorro num canto da galeria e o deixou lá sem comida, até morrer de fome, diante dos olhos perplexos dos visitantes. Habacuc se justificou: "O importante para mim era constatar a hipocrisia alheia. Um animal torna-se foco de atenção quando o ponho em um local onde pessoas esperam ver arte, mas não quando está no meio da rua morto de fome".
2) Em outubro, o artista plástico cipriota Stelarc convocou a imprensa para mostrar sua obra mais recente: ele implantou uma orelha no próprio braço. Não satisfeito, ele anunciou que quer implantar um microfone próximo à orelha, para captar o que estiver sendo "escutado".
Será arte?
LUCIANO TRIGO é jornalista e editor de livros.
Pintura contemporânea ganha destaque em galerias de SP, por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo
Pintura contemporânea ganha destaque em galerias de SP
Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 19 de novembro de 2007
Exposições ao longo deste mês reúnem obras de artistas plásticos como Franz Ackerman, Paulo Pasta, Daniel Senise, Juan Tessi e Beatriz Milhazes, entre outros
Seu fim foi decretado várias vezes, mas o fato é que a pintura nunca deixou de ser realizada e continua com intensa vitalidade, como se pode verificar em vários espaços da cidade, neste mês. Novembro até poderia ser chamado de mês da pintura, já que, por coincidência, algumas das principais galerias da cidade abriram espaço para um dos mais tradicionais suportes da arte.
Até o último fim de semana, galerias com artistas brasileiros radicais, como a Millan -que representa Tunga- e a Vermelho -com destaques da chamada Geração 00, que inclui Lia Chaia e Marcelo Cidade-, exibiam, respectivamente, Paulo Pasta e Daniel Senise. Com trajetórias distintas, ambos estão vinculados à revalorização da pintura brasileira nos anos 1980.
Foi nesse período, aliás, que também despontou o alagoano Delson Uchoa, que pode ser visto na galeria Brito Cimino, em mostra individual, e no Panorama da Arte Brasileira, no Museu de Arte Moderna de SP.
A geração de pintores brasileiros surgidos nos anos 80 teve forte influência de Georg Baselitz e A.R. Penck, ambos em cartaz na cidade. Pintores relacionados ao novo expressionismo alemão, corrente surgida no final dos anos 1970, como reação à produção conceitual e não-comercial daquele período, os dois fazem parte da mostra "5 + 1", que comemora os 25 anos da galeria Thomas Cohn.
Além de Baselitz e Penck, a exposição traz outras importantes figuras da pintura alemã, como Sigmar Polke, Burkhard Held e Markus Lüpertz, assim como o jovem artista sul-coreano SEO, radicado em Berlim.
Também vem da Alemanha outro destaque da pintura contemporânea na cidade, Franz Ackermann, em exibição na Fortes Vilaça. Ackermann vem com a instalação "No Directions Home" (sem endereço residencial), que busca discutir a política da Cidade Limpa. Parte da obra, em formato horizontal, é um manifesto a favor dos outdoors, já que o artista acredita que eles são um mecanismo de comunicação, e escondê-los não é solução urbana.
Já na sede da Pinacoteca do Estado entrou em cartaz na última semana o israelense radicado na Dinamarca TAL R, um dos mais jovens pintores em exibição na cidade. Sua obra, com grande diversidade de estilos, reflete a liberdade alcançada pela pintura no século 21, com obras em distintos formatos e procedimentos.
Na próxima quinta, é a vez da Casa Triângulo exibir seu representante na pintura, o peruano radicado na Argentina, Juan Tessi. Sua obra marcadamente figurativa é representativa de uma produção com forte referência na fotografia.
Por fim, em se tratando de pintura, um dos nomes brasileiros de maior projeção internacional tampouco estará fora da cidade neste mês: Beatriz Milhazes entra em cartaz dia 29, na Fortes Vilaça. O que pode reunir um grupo tão diverso? Entre todos os meios, a pintura segue como a mais segura e rentável no mercado de arte.
novembro 16, 2007
O vazio não deve ser visto como o nada, por Marcio Doctors, Folha de São Paulo
O vazio não deve ser visto como o nada
Texto de Marcio Doctors, originalmente publicado na Folha de São Paulo, no dia 14 de novembro de 2007
O crítico Marcio Doctors explica o seu projeto curatorial para a 28ª Bienal de São Paulo e os motivos de sua retirada
Como estive envolvido durante dois meses nas negociações da 28ª Bienal Internacional de São Paulo, gostaria de tornar pública minha participação neste processo e expressar meu ponto de vista a respeito do projeto e das soluções que eu e Ivo Mesquita apresentamos, visando solucionar o impasse em que a Bienal se encontra.
Ao juntar esforços e dividir a curadoria, nossa intenção era enfrentar a falta de tempo que teríamos para a realização da próxima Bienal. Após análise dos dois anteprojetos, decidimos juntá-los e propor uma conferência e uma exposição, cujo tema seria o vazio.
Nossa primeira idéia foi a de manter a conferência, nos moldes tal como está sendo divulgado, e uma exposição sobre o vazio no segundo andar do Pavilhão.
Como as negociações avançavam lentamente para o pouco tempo que restava e como ficava cada vez mais evidente que havia limitações financeiras que inviabilizariam os custos de uma Bienal "completa", julgamos que seria oportuno dividir a 28ª Bienal em duas etapas: em 2008, uma conferência, e, em 2010, uma exposição. O que ligaria estes dois momentos seria o tema do vazio.
Em 2008, a exposição do vazio como manifesto espacial -esta é a razão do segundo andar vazio- e como gesto radical de afirmação de que a Bienal instauraria o vazio para se repensar. Importante: o educativo trabalharia com a idéia do vazio como a energia que permite a invenção na arte; e a conferência incluiria uma linha de trabalho sobre o tema, fortalecendo o conceito da segunda etapa.
Em 2010, a exposição sobre o vazio. Preenchendo e justificando o gesto inaugural da primeira etapa e consolidando a pertinência da proposta, a apresentação do vazio como uma instância ativa e não niilista -como o outro que propicia que as coisas aconteçam no processo inventivo da arte. A exposição estaria estruturada em 3 núcleos:
1- O sempre outro. Artistas que não temem o imponderável e o mistério e que buscam na mudança o fio condutor de seu pensamento plástico. Este núcleo teria como centro a artista Lygia Pape.
2- O vazio ativo (Mira Schendel). O vazio como elemento ativo na constituição da obra plástica e do processo de invenção do artista e que garante a dimensão metafísica da obra de arte como imanência e não como transcendência.
3 - Rede de afetos. A arte como forma de dissolver o massacre do cotidiano e estrutura capaz de rearticular as relações do homem com o mundo, ao trazer à superfície da visibilidade, situações que são percebidas como invisíveis. A Bienal em duas etapas tinha como objetivo imediato resolver as limitações econômicas e de tempo que a Fundação Bienal nos apresentou. Haveria três anos para realizar a 28ª edição de maneira tranqüila e conseqüente. E como objetivo conceitual, explicitar que no processo inventivo da arte o "vazio" não pode e não deve ser confundido com o nada porque é a possibilidade de tornar visível, o invisível.
Durante todo o processo de negociação fui buscando soluções que abrissem portas e que permitissem superar as dificuldades porque meu compromisso fundamental é com a Bienal. Na última reunião, o presidente da Fundação Bienal, Manoel Pires da Costa, declarou que não tinha como garantir o projeto da 28ª Bienal em duas etapas e que só poderia se comprometer com a conferência em 2008. Diante deste fato, de fragmentar o projeto original, julguei que seria mais coerente me retirar porque não via sentido dissociar o projeto da conferência e da exposição do segundo andar vazio (2008) de uma exposição sobre o vazio (2010).
novembro 15, 2007
Lucas discute ordem britânica, por Rafael Cariello, Folha de São Paulo
Lucas discute ordem britânica
Matéria de Rafael Cariello, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 14 de novembro de 2007
Artista brasileira faz intervenção com árvores e arbustos no jardim da Tate Modern, em Londres
Renata Lucas confunde fronteiras entre público e privado, mudando ordem de espaços; na última Bienal de SP, duplicou uma calçada
"Mind the gap", em inglês algo como "tenha em mente, não se esqueça do intervalo" entre o trem e a plataforma, é provavelmente a frase mais ouvida em todo o Reino Unido. Repete-se nas inúmeras paradas do extenso metrô de Londres a cada estação.
Serve também como síntese de uma cultura em que as distinções e as diferenças são sempre muito bem demarcadas. A artista plástica brasileira Renata Lucas, 36, resolveu desrespeitar o aviso.
Ela participa desde o final do mês passado da mostra coletiva "The World as a Stage" (o mundo como palco) numa das mais importantes instituições da arte contemporânea, a Tate Modern, às margens do rio Tâmisa.
Descoberta em São Paulo por uma das curadoras do museu quando participava da última Bienal, e convidada a criar uma obra a ser exibida por aqui, Renata inventou "The Visitor".
Num dos jardins completamente simétricos plantados à frente do museu, entre árvores que alinhadas recortam espaços retangulares de grama, ela fez atravessar o tal "visitante".
Interferência
Trata-se de uma confusão de árvores locais, samambaias, mato e outras plantas misturadas e desalinhadas, que parecem invadir a calma e atrapalhar a ordem do lugar, apontando na direção da porta principal da Tate.
No espaço de exibição da mostra, alguns andares acima e dentro do amplo prédio, o espectador tem que dar as costas para o restante das obras e ir até as janelas que dão para o rio para poder descobrir, ao lado de uma delas, uma pequena placa que indica a obra que está lá embaixo.
Intervindo nos jardins dos ingleses, Renata usa um tema local para dar seqüência ao tipo de projeto que já desenvolvia no Brasil. "O tema paisagístico é importante por aqui. Os ingleses têm obsessão por jardinagem", ela diz.
Ao mesmo tempo que têm obsessão por ordem e por limites rígidos e fronteiras claras entre diferentes espaços, entre o que é e o que não é institucional, entre público e privado. A confusão dessas fronteiras é justamente o método de trabalho da artista, o que torna o Reino Unido um espaço privilegiado -e difícil- para as suas obras.
Fundo contra fundo
Na Bienal, por exemplo, ela "instalou" uma nova calçada, contígua à que já existia, numa das ruas do bairro da Barra Funda, na capital paulista. Tudo foi duplicado: o meio-fio, a linha de postes, os canteiros. Novos canteiros às vezes esbarravam com os antigos, e ficava difícil para quem chegava a essa calçada pela primeira vez saber qual era a original e qual era a duplicata.
É essa duplicação e esse questionamento do espaço original que, embora demandando enormes e caras intervenções, torna a sua obra de certo modo sutil. "É fundo contra fundo. Não tem um contraste muito grande", ela diz.
"É uma espécie de colagem. Tento traduzir um lugar em outro. Trazer uma faixa de um lugar no outro. Quando você faz isso, na verdade faz com que tudo pareça muito ficcional. Essa instância de dúvida faz com que você questione tudo: o real e o ficcional."
Um dos riscos que ela corre com essa idéia de fundos duplicados é que as pessoas simplesmente não percebam suas obras. No caso da exposição da Tate Modern esse risco é claro, já que é preciso que o espectador "desista" dos outros artistas para, por sorte, encontrar, sua obra misturada ao jardim lá fora. Concorda?
"Totalmente", ela diz. "Mas gosto muito dessa idéia de uma pessoa contar para a outra o que viu. "Nossa, perdi", alguém pode dizer. Acho que as pessoas precisam prestar atenção."
CIRCUITO
The World as a Stage
Andrea Fraser, Catherine Sullivan, Cezary Bodzianowski, Dominique Gonzalez - Foerster, Geoffrey Farmer, Jeppe Hein, Jeremy Séller, Mario Ybarra Jr, Markus Schinwald, Pawel Althamer, Renata Lucas, Rita McBride, Roman Ondák , Tino Sehgal, Trisha Donnelly, Ulla Von Brandenburg
24 de outubro de 2007 a 1° de janeiro de 2008
Tate Modern - Starr Auditorium
Bankside, SE1 9TG, Londres - Inglaterra
+44-20-78878888 ou visiting.modern@tate.org.uk
www.tate.org.uk
Domingo a quinta, 10-18h; sextas e sábados, 10-22h
novembro 14, 2007
Gil confirma que sai do Ministério da Cultura em 2008, O Globo Online
Gil confirma que sai do Ministério da Cultura em 2008
Matéria originalmente publicada no O Globo Online, no dia 13 de novembro de 2007
BRASÍLIA - O ministro da Cultura, Gilberto Gil, confirmou nesta terça-feira que deixará o ministério no próximo ano. Segundo ele, a decisão foi motivada por um problema de voz.
- Tive a reincidência de um pólipo (calo) de voz que tinha sido removido há dez anos - disse Gil.
Em entrevista a emissoras de rádio parceiras da Radiobrás, ele afirmou estar satisfeito com o trabalho no Ministério da Cultura, especialmente com o reconhecimento pelo governo e pela sociedade do papel estratégico da cultura. No entanto, para Gil, o momento é de fazer um recolhimento.
- Eu especializei a minha voz em cantar, e ultimamente tenho usado mais para falar.
O ministro ainda detalhou o Programa Mais Cultura, que prevê investimentos de R$ 4,7 bilhões até 2010.
Segundo ele, esse orçamento será utilizado em diversos ministérios, que vão se dedicar parcialmente a programas culturais. Como exemplo, Gil lembrou que o Ministério da Justiça vai fazer 300 pontos de cultura em áreas de risco para evitar o envolvimento da juventude com a violência.
O ministro disse que o programa foi desenvolvido em associação com os programas sociais do governo federal, dando atenção aos locais de maior vulnerabilidade social.
- Os programas culturais vão estar trabalhando em função do aprimoramento da abordagem social geral que o governo lula vem fazendo - afirmou.
Gil ressaltou que o conceito de cultura vem sendo ampliado nos últimos anos no Brasil e no mundo. Segundo ele, até pouco tempo, eram consideradas culturais apenas as manifestações ligadas a artes e ao patrimônio.
- Muita gente que não se achava culta, não se sentia parte da cultura, hoje se sente porque é parte da cultura.
novembro 12, 2007
28ª Bienal de São Paulo em brasa
28ª Bienal de São Paulo em brasa
Esta é uma série de reportagens acerca das mudanças na organização e na curadoria da 28ª Bienal de São Paulo
Bienal na mira , por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo
Curadores anteriores criticam proposta, por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo
"Agora a casa está arrumada", diz presidente, por Gustavo Fioratti, Folha de São Paulo
"Não há tempo para Bienal tradicional", por Gustavo Fioratti, Folha de São Paulo
Bienal de 2008 promete abrir as portas sem expor obras de arte, por Márcia Abos, Globo Online
Novo curador quer colocar a Bienal em "quarentena", por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo
Em crise, 28ª Bienal não terá exposição, por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo
Bienal na mira, por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo
Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 12 de novembro de 2007
Curadores, críticos e artistas se dividem em relação à proposta da 28ª edição da exposição, em que não haverá obras de arte exibidas e andar inteiro ficará vazio
A proposta do curador Ivo Mesquita de deixar de organizar a 28ª Bienal de São Paulo num formato tradicional divide o meio artístico nacional.
O projeto prevê em 2008 um andar dedicado a uma espécie de arquivo histórico, com documentos e livros, um andar completamente vazio e o térreo do pavilhão aberto para performances e exibições de vídeos.
"Acho que é um luto internacional, a conclusão de uma administração ausente e desastrada, o Ivo está fazendo o papel de defunto em um enterro, é uma cooptação absurda", diz Nelson Aguilar, curador da 22ª e da 23ª Bienal de São Paulo. "Esse é um problema de cidade, é um erro de todos nós, não só dos conselheiros, as pessoas deviam ir para a rua e fazer alguma coisa."
Já Sheila Leirner, curadora da 18ª e da 19ª edição do evento, apóia o projeto: "Ivo foi um dos responsáveis por nossas bienais, tenho confiança no trabalho e nas idéias dele".
Responsável por uma das edições mais polêmicas da mostra, em 1985, a curadora vê semelhança entre os dois projetos. "De forma simbólica talvez à "Grande Tela", e no mesmo 2º andar, afinal teremos, 23 anos depois, o "Grande Vazio". Nada é mais necessário neste momento do que o vazio e pode ser bem mais difícil lidar com o vazio do que com o cheio."
A proposta de uma "quarentena" para a Bienal agrada alguns críticos e curadores, mas uma mostra sem arte seria o ponto fraco do projeto.
"Dada a crise vivida pela fundação, com dívidas financeiras e simbólicas, como a não-publicação dos catálogos da última Bienal, o que resta neste curto espaço de tempo é propor este "parar para pensar". Cabe sublinhar que a arte vai bem, o público tem comparecido em massa, o que anda mal das pernas é a instituição, mas uma coisa é certa: bienal "sem arte" é triste", afirma o curador e crítico carioca Luis Camillo Osório.
Segundo o curador pernambucano Moacir dos Anjos, "Em Vivo Contato", nome da 28ª Bienal, "poderá redefinir a missão da Bienal na contemporaneidade e recuperar a confiança e o respeito esgarçados em anos recentes".
Edição esvaziada
Mas nem todos os curadores gostam dessa idéia. "Eu preferiria ver trabalhos de arte que tratassem do vazio em vez de encontrar uma Bienal literalmente esvaziada, mas acho que a curadoria encontrou uma saída inteligente. Discutir estratégias das bienais interessa mais aos profissionais da arte do que ao grande público. Espero que a discussão sobre a instituição não ofusque a discussão sobre arte", diz Cauê Alves.
Galeristas também divergem. "Acho admirável o Ivo aceitar e tentar realizar algo viável frente ao caos da administração dessa presidência, mas acho lamentável que seja roubado de nós um dos poucos eventos de caráter internacional do país", diz a galerista Márcia Fortes, da Fortes Vilaça.
Para Eduardo Brandão, da galeria Vermelho, "frente à espetacularização das exposições, acho que é quase óbvio pensar nesse formato, exposições grandiosas estão falidas".
Entre os artistas, a divisão de opiniões também ocorre. "A idéia de um pavilhão vazio já é em si uma grande atitude artística conceitual", diz Paulo Climachauska. "É uma ampliação no entendimento do que é uma bienal, um movimento importante em favor da reflexão e uma afirmação a respeito do papel da instituição na cidade e no circuito artístico internacional", defende Carla Zacagnini.
Maurício Dias, da dupla Dias & Riedweg, é um dos críticos ao projeto: "Em São Paulo não faltam bons simpósios e praças vivas, o que falta é vigiar e conter a sucessão de erros administrativos e políticos da Fundação Bienal".
"Acho que um processo de reflexão pode ser bom, mas pensar criticamente a partir de documentos históricos, espaços vazios ou abertos à participação requer tempo e intensidade de trabalho e deveria ser um pressuposto para a realização de uma mostra de arte do porte da Bienal e não estar no lugar desta", afirma a artista paulistana Carmela Gross.
Contudo, segue ela, "enquanto os artistas e suas obras aparecerem como figuração fantasmática dentro uma estrutura fortemente armada em termos não-artísticos, acho difícil avançarmos".
Curadores anteriores criticam proposta, por Fabio Cypriano, Folha de São Paulo
Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 12 de novembro de 2007
Equipe responsável por edição de 2006 reclama de falta de publicações
Co-curadora espanhola ainda não recebeu por sua participação; "Obrigação era terminar o processo da 27ª Bienal", diz colombiano
A equipe curatorial da última Bienal de São Paulo, "Como Viver Junto", critica a instituição por iniciar um novo projeto sem ter concluído o anterior.
"Antes de começar qualquer outro projeto, inclusive a participação nas Bienais de Valência e Veneza, a obrigação da Fundação Bienal era terminar o processo da 27ª Bienal", afirma o colombiano José Roca, um dos co-curadores da mostra.
Para a curadora geral da 27ª Bienal, Lisette Lagnado, "é inadmissível que ainda se mantenha uma administração desacreditada, que não conseguiu honrar suas dívidas para com a última edição da Bienal. A falta de tempo e de dinheiro é conseqüência de uma incapacidade de captar recursos".
Quase um ano após o fim da mostra, os curadores aguardam as publicações programadas. "Até agora não se publicou o catálogo, parte da proposta de Lisette e do time curatorial, pois havia artistas que teriam participação apenas no projeto editorial. Tampouco se publicou o texto dos seminários, um espaço de discussão e reflexão da 27ª Bienal", diz Roca.
Participante da organização de várias bienais, a co-curadora espanhola Rosa Martinez diz ter sido a primeira vez que enfrentou situação parecida.
"Parece-me muito triste que a instituição mais prestigiada da América Latina esteja passando por essa crise lamentável, na qual se misturam corrupção, má gestão e falta de respeito aos trabalhadores. Não sou a única a não ter recebido os honorários, há dívidas com outros co-curadores e artistas. Isso não é só um problema econômico, mas de falta de ética institucional."
Mesquita, porém, é poupado das críticas. "Ainda bem que surgiu um profissional competente para aceitar a missão de dar continuidade a um evento historicamente tão importante. Se a instituição conseguir recuperar sua reputação internacional, terá valido a pena", diz Lagnado. Ele também é apoiado por outros curadores da Bienal anterior. "É uma proposta radical, mas coerente com este momento", diz o alemão Jochen Volz.
"Ela me parece bastante pertinente para um ano em que a Bienal está com o orçamento apertado e atravessa uma crise de identidade. O que me parece belíssimo, porém complicado para uma bienal sem muitos recursos, é o projeto de se retirar os vidros do piso térreo", diz Adriano Pedrosa, co-curador de "Como Viver Junto".
Na história das Bienais de São Paulo, a próxima terminaria um ciclo: "A 25ª e a 26ª mostraram os limites do modelo bienal em sua vertente espetacularizante, enquanto a 27ª sofreu as conseqüências institucionais de tentar recriar sua estrutura; já a 28ª tem a oportunidade de mostrar a instituição em toda sua nudez, literal e metaforicamente", avalia Roca.
"Agora a casa está arrumada", diz presidente, por Gustavo Fioratti, Folha de São Paulo
Matéria de Gustavo Fioratti, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 10 de novembro de 2007
O jeito foi embarcar no espírito de um velho ditado otimista que diz: "Há males que vêm para o bem". O presidente da Fundação Bienal de São Paulo, Manoel Pires da Costa, assumiu, em entrevista coletiva na sexta, que a crise de 2007 -sua administração teve de responder a uma série de denúncias ao Ministério Público- pesou na decisão de aceitar a proposta de curadoria de Ivo Mesquista, uma bienal sem artes plásticas.
No entanto, para o presidente, mesmo tendo surgido de um "verdadeiro vendaval", o projeto é "extremamente moderno".
Ivo Mesquita, também presente na coletiva, deu continuidade à defesa da idéia. Ele acha que o modelo da Bienal de Veneza, referência mundial das bienais, envelheceu.
"Os museus, galerias e espaços culturais, muito deles criados no entorno das bienais, já estão fazendo um papel muito parecido. As bienais precisam apontar um novo caminho."
Mesquita disse ainda que essa "reflexão" seria proposta mesmo no caso de haver tempo para o planejamento de uma bienal convencional. "É um projeto que eu faria de qualquer maneira. Uma espécie de grande conferência, para pensar de forma profunda."
A mostra de 2008, para o curador, funcionaria, portanto, como um "hiato" necessário para colocar os velhos padrões em xeque. "Não dá mais para seguir um modelo do século 19 em pleno século 21", disse.
"Acho que o modelo da primeira Bienal, de 1951, com sua proposta de lançar nossos artistas no exterior, já está logrado, já foi realizado."
Em relação à dívida financeira da Bienal com artistas, profissionais técnicos e diversas instituições, que participaram da última edição da mostra, Pires da Costa prometeu pagá-las até o fim do ano. Já sobre o catálogo da 27ª edição, diz que ele acabou de ser editado e está sendo impresso.
"Tive de enfrentar um verdadeiro vendaval, responder denúncias ao Ministério Público, conversar com autoridades, com o prefeito, com o governador. Mas agora a casa está arrumada e já estamos passando por um período de tranqüilidade", disse.
"Não há tempo para Bienal tradicional", por Gustavo Fioratti, Folha de São Paulo
"Não há tempo para Bienal tradicional"
Matéria de Gustavo Fioratti, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 10 de novembro de 2007
Para Pires da Costa, presidente da Fundação Bienal, projeto que descarta exposição é "extremamente moderno"
Pires da Costa afirma, em coletiva, que "falta de tempo no fim foi positiva, pois vai permitir reflexão sobre o papel da Bienal"
O presidente da Fundação Bienal de São Paulo, Manoel Pires da Costa, afirmou ontem que não há tempo para a realização de um projeto para a Bienal Internacional de Artes de 2008 no modelo usado para mostras anteriores. "Nosso tempo não é escasso a ponto de não podermos fazer uma Bienal, mas também não é suficiente para fazermos uma Bienal tradicional."
Segundo o presidente da fundação, esse foi um dos fatores centrais para a decisão de escolher um projeto -assinado por Ivo Mesquita, curador-chefe da Pinacoteca do Estado- que quebra uma tradição de mais de 50 anos: desde 1951, a Bienal se dedica a abrir espaço para artistas plásticos, nacionais e estrangeiros, das mais diferentes vertentes; para 2008, a curadoria deixa esses artistas em segundo plano. O projeto prevê um andar dedicado a uma espécie de arquivo histórico, com documentos e livros, um andar completamente vazio e o térreo do pavilhão aberto para performances, exibições de vídeos ou até mesmo festas. A programação ainda não foi definida.
Ao justificar sua escolha, Pires da Costa também se propôs a discutir o papel da Bienal Internacional de Artes de São Paulo, reafirmar sua função de apontar novos rumos no meio artístico. "Essa falta de tempo no fim foi positiva, pois vai nos permitir uma reflexão, não só sobre o papel da Bienal, mas sobre o papel das 200 bienais espalhadas pelo mundo. Todas elas estão procurando um caminho. Nós vamos fazer alguma coisa diferente. Considero o projeto do Ivo [Mesquita] extremamente moderno", disse.
Sobre a falta de tempo hábil, o presidente da fundação diz que 2007 foi um ano atípico, em que teve de responder várias denúncias relativas a sua administração, principalmente sobre a contratação de parentes para prestação de serviços à fundação e de uma empresa da qual é sócio, a editora TPT Comunicações, para produção de produtos da Bienal. O Ministério Público considerou que negócios entre a empresa de Pires da Costa, a TPT Comunicações, e a Bienal não trouxeram prejuízos à fundação.
Sobre as dívidas da fundação (cerca de R$ 3 milhões), Pires da Costa prometeu quitá-las até o fim do ano. A crise financeira também foi citada como um dos motivos da escolha do projeto, que, segundo o presidente da fundação, deve ter orçamento menor do que as mostras de anos anteriores.
"Cara a tapa"
Sentado a seu lado durante a coletiva, Ivo Mesquita diz que espera reações dos mais diversos tipos à sua idéia de curadoria. "Estou dando a cara a tapa", diz. "Mas espero que as pessoas se manifestem mesmo, espero um grande debate sobre o trabalho. Estou propondo um vazio, um hiato que funcione como um tempo de reflexão. Ou uma quarentena, por isso a Bienal vai ficar em cartaz por 42 dias." Em tom de brincadeira, Pires da Costa disse esperar uma divisão de opiniões no exterior. "Serão 20% contra a proposta e 80% a favor".
Durante a coletiva, Ivo Mesquita também foi questionado sobre uma possível rejeição do meio artístico a uma parceria assumida com uma administração que respondeu a tantas denúncias e que ainda tem dívidas financeiras com artistas chamados para a última Bienal. "Espero que falem na minha cara e não pelas costas. Sou um profissional técnico. Posso responder apenas pelo meu projeto, que é propor um espaço para reflexão", disse.
Bienal de 2008 promete abrir as portas sem expor obras de arte
Matéria de Márcia Abos, publicada originalmente no Globo Online, no dia 9 de novembro de 2007
A maior Bienal de Arte da América Latina está doente e vai passar literalmente por uma quarentena em sua próxima edição. O diagnóstico e a prescrição são do próprio curador da 28ª Bienal Internacional de São Paulo, Ivo Mesquita, que anunciou nesta sexta-feira que a mostra abrirá as portas ao público em outubro de 2008 sem expor uma única obra sequer. É polêmica à vista.
- Estou propondo um debate, chamando para uma conversa. Resolvi assumir e dar a cara para bater. É uma Bienal bastante polêmica e entendo se ela for controversa. Não haverá exposição no sentido formal. Odiaria ter que fazer uma exposição tampão, convidando artistas sem fazer uma pesquisa. Tive dez meses para preparar a Bienal, quando o prazo normal é dois anos. Fiz o que pude no tempo que tenho - disse Mesquita, que é o atual curador da Pinacoteca do Estado de São Paulo.
De acordo com o projeto de Mesquita, a 28ª Bienal vai durar 42 dias - o período clássico da quarentena. O térreo e o primeiro pavilhão do prédio serão transformados em uma praça. Os caixilhos e vidros que fecham a rampa de descida e o térreo serão removidos, seguindo o projeto original de Oscar Niemeyer. Nestes espaços, podem acontecer performances, concertos, apresentações de teatro, exibições de cinema e vídeo e shows. O segundo pavilhão estará totalmente vazio. O terceiro andar vai abrigar uma imensa biblioteca, contendo os arquivos de todas as Bienais de São Paulo desde a primeira, de 1951, e catálogos com informações sobre as cerca de 200 bienais de arte que existem hoje no mundo.
- A Bienal é um modelo de exposição do século XIX e estamos no século XXI. É preciso parar e repensar o que este modelo está fazendo e que tipo de imagem de arte ele passa. Será um exercício de reflexão sobre qual o lugar da Bienal hoje. Não acho que o modelo esteja esgotado, mas que ele precisa ser revisto. Estou propondo uma reflexão. Sei que estou fazendo uma curadoria mão pesada, pois teremos uma única instalação, que será o próprio prédio da Bienal, reformado segundo a proposta original de Niemeyer, e o imenso vazio do segundo pavilhão - explicou Mesquita.
A escolha do curador e do projeto da 28ª Bienal sofreu uma atraso de mais de um ano devido à profunda crise pela qual passa a atual administração da Fundação Bienal de São Paulo, presidida por Manoel Pires da Costa. Ele foi acusado de nepotismo ao contratar a seguradora na qual trabalhava seu genro, e uso da Fundação em benefício próprio, por usar serviços editora da qual é dono para prestar serviços à Bienal.
Alguns artistas até hoje reclamam que não receberam pagamentos da Fundação e um dos catálogos que trata dos seminários ocorridos na 27ª Bienal ainda não foi publicado. Manoel Pires da Costa passou a maior parte da entrevista de apresentação da 28º Bienal defendendo-se destas acusações, que segundo ele são quase todas mentirosas e motivadas por objetivos políticos de adversários que queriam seu cargo. Disse que foi inocentado das denúncias pelo Ministério Público.
- A Bienal de São Paulo tem graves problemas institucionais e de gestão, mas é a segunda maior e mais antiga do mundo. Sua importância permite que ela lance luz a todas as outras bienais do mundo. É tão importante quando a Bienal de Veneza - explicou Márcio Doctors, curador da Fundação Eva Klabin.
Doctors apresentou uma proposta para ser o curador da 28ª Bienal, mas acabou retirando sua candidatura. Chegou a cogitar fazer a curadoria em conjunto com Ivo Mesquita, dividindo a Bienal em doia períodos: a primeira parte em 2008, que abrigaria seminários e debates, e a segunda em 2010, quando aconteceria a exposição de fato.
- Não quero ser lembrado como o curador da Bienal que não fez uma exposição, por isso desisti da curadoria. A fragmentação do projeto original esvazia a noção de vazio criativo, fazendo com que o vazio seja sinônimo de nada - disse, explicando ainda que seu projeto visava preservar a Bienal em um momento de crise. No entanto, ele acredita que a fragmentação do conceito original em dividir a Bienal impedirá a compreensão do público.
- Tendo o projeto completo, as pessoas entenderiam o conceito. O segundo pavilhão vazio seria até uma afirmação de força. Com o projeto fragmentado, perde-se a clareza do conceito - concluiu.
Novo curador quer colocar a Bienal em "quarentena"
Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 8 de novembro de 2007
Ivo Mesquita diz que, com seu "gesto radical" de deixar vazio um andar do evento, pretende pôr em xeque a história da instituição
Conselheiros dizem que a proposta apresentada fere o estatuto da Bienal, que prevê a realização de exposição de artes plásticas
Ao deixar um andar inteiro do prédio da Bienal de São Paulo vazio, o curador Ivo Mesquita pretende causar uma pausa na história da instituição. "É uma quarentena, suspende-se um processo para colocar tudo em xeque. Creio que, do ponto de vista da imagem, é um gesto radical, que será bem acolhido", disse Mesquita, por telefone, de Buenos Aires, sobre o evento previsto para entre outubro e dezembro de 2008.
Ontem, conselheiros da Fundação Bienal se manifestaram contra a proposta de Mesquita, pois ela não seguiria o estatuto da Bienal, que prevê em seu objetivo a "exposição de artes plásticas". No projeto de Mesquita, "Em Vivo Contato", anunciado anteontem, em vez de uma mostra no formato tradicional, prevê-se um ciclo de seminários que irá durar 40 dias, além de uma praça para concertos e performances, e um andar que se transformará em biblioteca e arquivo.
"Meu projeto é esse, e é preciso entender que não há tempo para fazer uma exposição, pois é preciso pesquisa. A Lisette [Lagnado] fez o que considero uma boa bienal, pois teve dois anos para pesquisa a partir de um projeto", disse Mesquita.
Um dos curadores convidados a apresentar um projeto para a 28ª Bienal, Mesquita não entregou o projeto no tempo previsto. "Dois dias antes de encerrar o prazo, recebi uma carta da presidência pedindo para manter as representações nacionais e me posicionei contra essa imposição", afirmou. O único a apresentar o projeto foi Marcio Doctors, que desistiu ao saber ser o único candidato.
"Nós dois fomos procurados por conselheiros para reapresentar juntos um projeto, e achei que seria uma boa idéia. Em meu primeiro projeto, eu já previa um ciclo de seminários", disse o curador. Na última segunda, Doctors renunciou ao cargo, deixando Mesquita sozinho. Sem a lista de convidados definida, o curador indica como pretende usar a praça: "Imagine um espetáculo do Ivaldo Bertazzo, uma procissão do Zé Celso Martinez Corrêa, ou um show do Fischerspooner".
Mesquita assume a 28ª Bienal em meio a uma crise financeira da instituição, que não pagou grande parte dos gastos da edição passada, inclusive com curadores estrangeiros, nem tem previsão de publicação do catálogo do ciclo de seminários. Isso não pode afetar a imagem da instituição? "Não sei, mas vou verificar", disse o curador. O presidente da Fundação Bienal, Manoel Francisco Pires da Costa, realiza hoje à tarde entrevista coletiva na qual se pronunciará sobre o assunto.
Em crise, 28ª Bienal não terá exposição
Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 8 de novembro de 2007
Seminários irão ocorrer em 2008; mostra não vai seguir modelo usual
Estão previstos concertos, performances e andar inteiro vazio no pavilhão; Ivo Mesquita foi anunciado ontem como curador
A 28ª Bienal de São Paulo, que será realizada entre outubro e dezembro do próximo ano, não terá uma exposição no formato usual e um andar inteiro do edifício projetado por Oscar Niemeyer ficará vazio durante os dois meses do evento.
O curador Ivo Mesquita foi anunciado, ontem, como responsável pelo projeto, denominado "Em Vivo Contato", que prevê ainda um ciclo de conferências, uma praça, no térreo, para encontros e acontecimentos, como performances e concertos, e outro andar composto por uma biblioteca e um arquivo. Desde a primeira edição, em 1951, é a primeira vez que uma Bienal deixa de expor obras.
O processo de seleção do curador desta edição foi bastante tumultuado. Diversos curadores foram convidados a apresentar um projeto e se recusaram a entregar -entre eles Mesquita, que chegou a ser o responsável pela 25ª Bienal, e no centro de uma polêmica com o então presidente, Carlos Bratke, em 2000, saiu do posto.
Para a 28ª Bienal, apenas Marcio Doctors entregou um projeto para a instituição. Ao saber que havia sido o único, recusou-se a continuar no processo, mas, acatando um pedido do presidente da instituição, Manoel Francisco Pires da Costa, aceitou realizar um projeto em parceira com Mesquita.
Na última segunda, Doctors renunciou ao cargo, afirmando que o projeto proposto não seria cumprido na íntegra, pois ele teria um segundo momento, em 2010, com uma mostra que tivesse o vazio como tema.
"Propusemos deixar o segundo andar vazio, no próximo ano, para simbolizar a crise pela qual atravessa a instituição", disse Doctors à Folha.
Além do prazo exíguo para a organização da Bienal, diversos curadores não aceitaram participar em razão dessa crise. A atual presidência da Bienal esteve envolvida em várias polêmicas, neste ano, e chegou a assinar um ajuste de termo de conduta com o Ministério Público, por cometer irregularidades com a publicação "Bien'Art" e a contratação de parentes de Pires da Costa.
Financeiramente, a Fundação também atravessa dificuldades, pois ainda não pagou grande parte dos gastos com a 27ª Bienal, realizada no ano passado, como os de transporte ou os honorários da curadora espanhola Rosa Martinez, além dos catálogos da mostra não terem sido publicados.
No projeto divulgado ontem pela Fundação Bienal, Mesquita, que se encontra no exterior, afirma que "faltando menos de um ano para a próxima edição, não é mais viável montar uma grande exposição nos moldes habituais". Ainda de acordo com o projeto, "a Bienal precisa de um momento para reflexão, para sistematizar conhecimento e pertinência, uma vez que seu modelo original parece criticamente exaurido".
Ironicamente, as galerias paulistanas que organizam a mostra "Paralela", evento simultâneo à Bienal, já têm um curador, o mineiro Rodrigo Moura, e a exposição está sendo preparada. Contudo, sem uma exposição na Bienal, galeristas avaliam que o afluxo de curadores e colecionadores estrangeiros caia sensivelmente, colocando em questão a própria "Paralela".
Projeto curatorial 28a. Bienal de São Paulo
Projeto curatorial 28a. Bienal de São Paulo
"Em vivo contato"
Curador: Ivo Mesquita
Curadores adjuntos: Ana Paula Cohen e Thomas Mulcaire
Datas (a confirmar): 19 de Outubro a 30 de Novembro de 2008
As Premissas
Em 1951, no texto de abertura do catálogo da I Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo, Lourival Gomes Machado, Diretor Artístico do museu, escrevia:
"Por sua própria definição, a Bienal deveria cumprir duas tarefas principais: colocar a arte moderna do Brasil, não em simples confronto, mas em vivo contato com a arte do mundo, ao mesmo tempo em que, para São Paulo se buscaria conquistar a posição de centro artístico mundial". (pg. 14).
O tom otimista, a retórica cheia de esperanças, o engajamento e o compromisso com um tempo de reconstrução do mundo depois dos terríveis episódios da II Guerra Mundial, soam hoje como uma profecia, o lançamento de uma utopia, que cinqüenta e oito anos depois parece ter constituído o seu lugar: São Paulo converteu-se sim num centro artístico internacional, uma cidade cosmopolita, uma referência na cena artística globalizada, enquanto o Brasil tornou-se um ponto de atração para artistas, curadores, galeristas, colecionadores internacionais, e artistas brasileiros consolidaram presenças sólidas no debate sobre a produção de visualidade contemporânea. Está claro, portanto, que aqueles objetivos foram alcançados, a tarefa a que ela se propunha em 1951 parece estar terminada.
Então, a pergunta que se coloca é: não seria o momento da Bienal de São Paulo avaliar suas produções e, talvez, considerar a possibilidade de ter que se re-colocar diante de uma cidade com seis museus de arte, centros culturais ativos e diversificados, todos os espaços com programações sistemáticas de arte contemporânea local e internacional (Vários com orçamentos proporcionalmente maioroes que o da FBSP)? Sem deixar de lembrar o panorama de coleções particulares importantes e representativas, e o mercado respeitável, com presença internacional, que ela ajudou a consolidar, a Bienal não é apenas de São Paulo, portanto, que papel ela desempenha hoje, como instituição pioneira no país e no continente, uma vez que também esses circuitos cresceram e se profissionalizaram, sendo parte de um sistema cultural globalizado? Talvez, um processo de auto-reflexão pudesse apontar para a compreensão e possível solução de ajustes pontuais da instituição.
Os processos da globalização chegaram aos territórios da cultura e as bienais tornaram-se, desde o final dos anos 80 do século passado, a estratégia mais usada por cidades e suas elites econômicas e políticas para ganharem visibilidade na aldeia global. O mesmo modelo de exposição de arte - e vale lembrar que ele vem do século XIX - que orientara a criação da Bienal de São Paulo, com o intuito de estabelecer um centro artístico internacional e promover a cultura local em um circuito ampliado, parece ainda ser eficiente ao tempo do fim das fronteiras nacionais. Já são quase duas centenas de bienais ao redor do mundo, algumas das quais inspiradas não só na de Veneza, mas também na de São Paulo, todas mais ou menos trabalhando questões semelhantes, mostrando as diversas práticas artísticas que constituem os territórios da visualidade hoje. Está evidente que é preciso definir caminhos. Que avaliação faz a Bienal de São Paulo desse fenômeno cultural, que se propaga pelos países até então chamados de periféricos ou em regiões de grande tensão política e cultural? Qual o papel de uma bienal na era da globalização? Qual o papel das bienais na indústria cultural, do turismo e do espetáculo? Que contribuição a Bienal de São Paulo pode trazer ao debate dessa questão com base na sua experiência, já que ela é a terceira organização mais antiga e a primeira fora dos centros hegemônicos? Sistematizar uma reflexão sobre as bienais hoje, re-avaliando suas próprias qualidades e objetivos, revendo a sua vocação, pode representar uma possibilidade da Bienal de São Paulo definir um novo papel de protagonista entre as tantas mostras de artes visuais periódicas que povoam o mundo no século XXI.
Recentemente, um novo fenômeno no circuito, as feiras de arte, parece também ter entrado em competição com as bienais. Artistas freqüentam ambos os eventos, enquanto curadores incluíram a primeira como espaços privilegiados de pesquisa e levantamento de perspectivas para ler a contemporaneidade. Mas elas não são a mesma coisa: enquanto a primeira é um espaço eminentemente comercial, de venda, a segunda quer ser de trocas e confrontos entre artistas, curadores, críticos e o público de Arte. O que há sim é uma relação pouco transparente entre essas duas instâncias, embora nada de grave ou errado, até aqui. Afinal é notável o fato de que muitos dos projetos importantes desenvolvidos por artistas e apresentados em bienais, só foram possíveis porque foram financiados por suas galerias. E isso não é mau em si. O problema está em as bienais, tradicionais instâncias legitimadoras da arte contemporânea, só sobreviverem como agentes de ponta de um mercado ávido por carne fresca e pela última insolência de artistas rebeldes, coladas com fita crepe, mas com potencial de mercadoria sofisticada. Pior, considerando a perspectiva local inserida num circuito global em que as bienais operam, elas correm o risco de se tornar provedoras do exotismo para consumo, de espaços de interação com a alteridade (diversidade cultural, racial, econômica), e dos álibis políticos e sociais para a economia globalizada do capitalismo transcontinental.
O modelo parece criticamente exaurido, banalizado (nada de novo, pois já se falava disso ao final dos anos 60, e então elas, as bienais, eram pouco mais que doze!).
Talvez, neste momento, todas as bienais careçam de uma pausa para reflexão, de sistematizar conhecimento e experiência, e procurar especificidade, pertinência, uma vez que Diante do fluxo incessante da produção de imagens e trabalhos, da diversidade das práticas artísticas, da voracidade da economia que alimenta o circuito, talvez as bienais pudessem ser ainda agentes da internacionalização e do cosmopolitismo, se fundadas nas singularidades do seu lugar de origem, nas demandas imediatas da região em que se inscrevem, no conhecimento e aprofundamento de questões, sintomas, referências que informam a produção de visualidade no mundo contemporâneo. Trata-se, talvez, de redirecionar sua vocação para, em lugar de tentar produzir uma visão totalizante e representativa do fenômeno da Arte da atualidade, delinear especificidades, produzir cartografias detalhadas, pondo em marcha um processo de trabalho investigativo e crítico, regular e sistemático, que acompanhe e dê conta de modo produtivo dos movimentos e transformações percebidos num circuito determinado, assim como das reverberações que eles causam e ecoam.
A Proposta
A proposta para a 28ª BSP é que seja repensada a mecânica com que a FBSP vem produzindo as sucessivas bienais desde 1951, abrindo desse modo um intervalo na história da exposição, para dar lugar à meditação, considerando o curto período para planejamento e organização de uma mostra nos padrões tradicionais da Fundação, as possíveis limitações na captação de recursos, e, principalmente, o aparente descompasso entre o modelo atual da mostra e a realidade onde ela se inscreve, seja local, seja internacionalmente. Um processo de análise da sua condição atual poderá apontar perspectivas para um novo tempo na história da Fundação Bienal de São Paulo, revelando mais uma vez uma atitude audaciosa e vanguardista, instaurada por Ciccillo Matarazzo, respondendo aos desafios que se apresentam a ela no século XXI, e honrando sua tradição de renovação ao longo de 56 anos de vida.
A 28BSP se articulará a partir de quatro componentes: uma biblioteca e arquivo sobre a questão das bienais no circuito artístico contemporâneo, centrados no acervo do Arquivo Wanda Svevo da FBSP, e que servirá de suporte para o ciclo de conferências a ser realizado entre outubro e novembro (período de 40 dias); uma praça, o espaço aberto à cidade, um lugar para encontros e acontecimentos, marcando uma abertura da instituição às energias que vêm do seu entorno; entre eles, o segundo andar do pavilhão, totalmente vazio, materializando o gesto de busca por novos conteúdos e publicações, que sistematizarão as idéias e trabalhos desenvolvidos. O objetivo é colocar a Bienal de São Paulo "em vivo contato" com a sua história, com a sua cidade, com seus pares, com o mundo e o seu tempo.
A - Praça
Os espaços do primeiro andar e do térreo na extremidade do edifício terão uma ocupação diferente, abrindo para outra disposição e uso, desenhando outra proposta de relação da Bienal com o seu entorno, o parque, os outros museus, a cidade. No primeiro andar, na parte que corresponde ao princípio da rampa de acesso ao segundo andar e se estende até o mezanino, que se projeta como observatório sobre o térreo, serão colocados os serviços da exposição (bilheteria, receptivos, livraria, informações, meeting point, monitores, banheiros, lanchonete, elevadores etc) e um conjunto de lounges para internet, vídeo, dvds, com mobiliário especialmente desenhado para o espaço, uma extensão da Biblioteca no terceiro andar.
A partir da rampa descendente ao térreo, serão removidos os caixilhos e vidros que hoje fecham aquela área (eles serão reinstalados posteriormente), restauradas as magníficas jardineiras que ali um dia existiram, e o espaço será reabilitado como uma grande praça, conforme o desenho original do projeto de Oscar Niemeyer. Aí terá lugar uma série de acontecimentos pelo período de seis semanas da exposição. Articulada a partir de um mobiliário, criado especialmente para permitir a construção de pequenos palcos, arenas, salas de conversa, a praça será um espaço polivalente, onde acontecerão performances, apresentações musicais, conversas com artistas, críticos, curadores, músicos, escritores, arquitetos, pontuadas por projeções de filmes, performances, grandes festas públicas, por artistas nacionais e internacionais.
A praça quer ser um espaço democrático, a ágora na tradição da polis, um território de encontros, confrontos, fricções. Um espaço para gerar energia, permitir a aeração do prédio, dos objetivos e programas da instituição. Como já mencionado acima, abrir esta parte do edifício tem, além do sentido simbólico da Bienal de São Paulo abrir-se para rever e reafirmar seu lugar na cidade, ele é gesto de resgate do projeto original do pavilhão, pensado como uma praça para exibição de grandes equipamentos industriais, a serem contemplados dos terraços do mezanino.
B - O Vazio
A exposição do espaço vazio do segundo andar do pavilhão será um gesto radical de afirmação deste momento para elaborar e analisar sobre o modelo das bienais, seu papel no mundo contemporâneo. Esse gesto simbólico toma o vazio como o lugar onde as coisas são em potência, por isso pleno e ativo, ao contrário de uma manifestação niilista, onde as coisas deixam de ser e perdem o sentido. Ele é fonte geradora, o território do devir, com possibilidades de múltiplos caminhos para ser cruzado.
Apresentado com teatralização para acentuar seu caráter simbólico para que a exposição instaure um momento de reflexão, o espaço vazio remete primeiro à avaliação de um processo de verificação do seu estado ou qualidade, e, segundo, à intensa atividade artística que toma a cidade por ocasião das bienais.
C - Biblioteca: Conferências, Documentos, Arquivo, Website
No terceiro andar, no espaço climatizado, será instalada uma grande biblioteca, composta por um arquivo, um auditório, uma arena, uma sala de reuniões, uma sala de leitura grande, uma sala fechada para computadores e acesso a rede eletrônica, e uma coleção de catálogos, se possível, de todas as bienais no mundo hoje. Com o mesmo espírito da Praça no térreo, esse segmento tem como função ser o centro gerador de um conhecimento sistematizado sobre a própria Bienal de São Paulo, o modelo das bienais, o que elas representam, para pensar que futuro se pode querer para elas. Se a praça no térreo é o espaço do encontro, da energia epidérmica, sob a regência da intuição e dos sentidos, o conjunto do terceiro andar é o território da razão, o tempo e o lugar do registro da experiência, de colher e sistematizar o conhecimento, e pôr em prática uma reflexão organizada. Este segmento será articulado a partir do acervo dos Arquivos Históricos Wanda Svevo, o único e mais valioso patrimônio da Fundação Bienal de São Paulo, a sua memória. É ele quem melhor pode contar o valioso trabalho realizado pela FBSP na formação do meio artístico brasileiro, desde a constituição do Museu de Arte Moderna de São Paulo, em 1949.
Se essa Bienal se propõe como um momento de reflexão sobre o papel da instituição e seu projeto para arte contemporânea, levando em conta uma nova realidade local e internacional, ele requer uma revisão histórica das bienais de São Paulo, seu lugar no quadro das instituições de arte no Brasil, assim como uma discussão aprofundada sobre o modelo em que ela opera, replicado a todo instante em algum lugar no planeta. A Biblioteca se constituirá de um conjunto de documentos, livros, depoimentos (ex-curadores, artistas, críticos, intelectuais) selecionados e organizados com a colaboração de artistas, e propostos ao público como possíveis entradas para a história das Bienais de São Paulo, de outras bienais, da economia e cultura que elas representam. Será um espaço de pesquisa e reflexão, aberto ao público, e que deverá prover subsídios para o conhecimento e a compreensão da instituição e do modelo cultural que representa.
Assim como os outros componentes da mostra, o mobiliário e equipamentos para esse segmento também será objeto de trabalho encomendado a artistas/designers/arquitetos. Por outro lado está sendo considerado o convite a alguns artistas, que investigam por meio de seus trabalhos os limites entre documento e representação, linguagem e leitura, a história e a ficção, para, a partir do material existente nos arquivos da FBSP, produzirem leituras dele, em trabalhos e intervenções que serão incorporados posteriormente ao acervo dos Arquivos Wanda Svevo.
O ciclo de conferências será organizado a partir de quatro grandes entradas:
1) a BSP e o meio artístico brasileiro;
2) agentes oficiais e privados da globalização reunindo agencias governamentais, ONGs, fundações públicas e privadas, todas organizações fundamentais nas estratégias das bienais;
3) o modelo e o sistema das bienais, reunindo diretores e curadores do maior número possível de organizações;
4) uma conferência ou painel, de caráter mais teórico e filosófico, visando organizar uma reflexão sobre conceitos e parâmetros envolvidos no projeto curatorial da 28BSP.
Os trabalhos desenvolvidos serão registrados em publicações específicas, documentando os e produzindo um documento atualizado sobre o sistema das bienais, sua economia, desempenho e possibilidades no século XXI. No quadro dessa proposta de trabalho, o website da 28BSP será um dispositivo de fundamental importância por criar na rede, além de um espaço de difusão do evento e acompanhamento do seu processo de produção, um instrumento eficiente para acesso e troca de idéias com interessados no tema em toda parte do mundo.
As Publicações
As publicações são parte integrante do projeto da 28ª BSP, constituindo um de seus elementos fundamentais. Os volumes principais só poderão ser lançados depois do fim exposição, com o encerramento dos programas realizados na Praça e na Biblioteca durante o período da mostra. Para a abertura, estarão disponíveis o guia da exposição e o programa das conferências, além de depoimentos e atividades na praça.
O Programa Educativo
Um dos principais desafios da 28BSP será o seu programa educativo. Considerando que o tema da Conferência é a própria Bienal e o que será apresentado é o 2º andar vazio entre dois campos de intensa energia (a Praça - a intuição e os sentidos; a Biblioteca - a razão sistematizada), pode-se pensar que esse conjunto permitirá o desenvolvimento de uma série de atividades em torno a experiências do vazio como o território da criatividade. Em outras palavras, o território do vazio é o lugar onde a intuição e a razão encontra solo propício para fazer emergir as potências da invenção na arte. Outro caminho importante será a recuperação das memórias das bienais de São Paulo para o público. Serão desenvolvidos uma série de atividades que mostrem as contribuições dessas mostras para a formação do meio artístico brasileiro e para a história da arte.
novembro 9, 2007
Centro de Arte Hélio Oiticica em questão, resposta de Luiz Camillo Osorio, O Globo
Resposta de Luiz Camillo Osorio à carta de César Oiticica, originalmente publicada na seção Cartas, do Segundo Caderno do Jornal O Globo, do dia 8 de novembro de 2007.
A propósito de HO
A carta do Sr. César Oiticica respondendo à minha crítica ao atual abandono do Centro de Arte Hélio Oiticica - que, no momento, expõe para um público ridículo a obra magnífica de seu pai, José Oiticica Filho - merece uma tréplica, pois está cheia de interpretações equivocadas.
Vamos a elas:
1. Não fui eu quem disse que o CAHO foi construído para abrigar a obra do artista. No catálogo de inauguração do Centro, está escrito pela então secretária de Cultura, Helena Severo: "Esta nova instituição carioca vai abrigar todo o acervo do artista (Hélio Oiticica) e colocá-lo à disposição do público, em caráter permanente, além de promover exposições e eventos de relevância para as artes plásticas nacionais e internacionais.
Adotando critérios interdisciplinares promoverá também simpósios, seminários através de seu Centro de Documentação".
2. Há alguns anos, o projeto HO decidiu retirar as obras do artista do CAHO em função de a prefeitura não ter cumprido com suas obrigações no que dizia respeito a uma reserva técnica de qualidade e outras demandas do projeto HO. Muito justo. Entretanto, de uma hora para outra resolveu-se dizer que são coisas autônomas e que a prefeitura não tem obrigação nenhuma perante o acervo. Não quero retirar a autonomia do projeto HO, quero que a prefeitura cumpra com suas obrigações iniciais e faça o possível para manter na cidade a obra deste artista em exposição permanente.
3. As "nossas mãos" do meu texto referem-se ao cidadão carioca.
Pagamos com "nossos" impostos a criação e manutenção, nos últimos dez anos, do CAHO e temos a expectativa de poder ver com alguma sistematicidade as obras de Hélio Oiticica. Mais do que isso, queremos um centro de arte dinâmico, à altura do artista que lhe dá o nome. O meu sonho era que a restauração primorosa das suas obras feita pelo Museu de Houston, com justa parceria da Petrobras, pudesse ter sido feita aqui. É bom que se diga que acho fundamental para a arte brasileira expor e pertencer ao acervo de um museu da qualidade do de Houston. Uma coisa (termos instituições fortes) não impede a outra (ter visibilidade e presença internacional).
Muito pelo contrário.
4. O Sr. César leu apressadamente a passagem em que mencionei o "museu americano" e compreendeu mal. Não me referia a Houston, mas ao Guggenheim, pondo em questão nossa capacidade (e interesse) de levar adiante aquele projeto da prefeitura, uma vez que mal conseguimos manter as nossas principais coleções no país. Todavia, não vai ser introduzindo uma legislação conservadora que vai se resolver este problema, ou impedindo a saudável circulação da arte brasileira lá fora, mas com uma política cultural de médio e longo prazo que comprometa o poder público e a iniciativa privada.
5. Não tenho "interesses" velados a não ser defender e valorizar a melhor arte brasileira. O que não posso é ficar quieto diante do abandono de um centro de arte que deveria, entre outras coisas, abrigar e expor a obra de um dos maiores artistas do século XX, que temos a sorte de ser brasileiro e de ter tido com o Rio de Janeiro uma relação afetiva e poética. Recomendaria ao Sr. César, para conhecer melhor o que acho da obra de seu irmão, ler a crítica que escrevi sobre a exposição de Houston para o site do Canal Contemporâneo ou as inúmeras outras que escrevi para O GLOBO quando o CAHO ainda expunha o artista.
Pedir que lesse minha tese de doutorado, que inclui um capítulo sobre ele, seria exagero.
Talvez, ao contrário do que foi dito, eu esteja, isto sim, entre os que mistificam a obra de HO. Não me incomodo com isso, ela merece e sustenta todas as mistificações. Pena que o meu filho dificilmente poderá vê-la na sua cidade e entender o fascínio do pai.
Luiz Camillo Osorio
Um espaço em busca da identidade perdida, por Suzana Velasco, O Globo
Diretor do Centro de Arte Hélio Oiticica reconhece dificuldades, mas diz que local voltou ao 'ritmo normal'
Matéria de Suzana Velasco, publicada originalmente no Segundo Caderno do Jornal O Globo, no dia 8 de novembro de 2007
Com a mostra de fotografias de José Oiticica Filho, o Centro de Arte Hélio Oiticica (CAHO), inaugurado em 1996, voltou a ter uma programação de destaque, que sobressai depois da escassez de exposições nos últimos dois anos. O centro voltou ao debate na semana passada, quando o crítico de arte do GLOBO, Luiz Camillo Osorio, elogiou a alta qualidade da mostra, lamentando que não haja público para apreciá-la, já que o centro, nos últimos anos, não tem exposto com regularidade o acervo de Hélio Oiticica privado, pertencente à pela família do artista, que desde 1981 comanda o Projeto Hélio Oiticica ou de outros artistas. A crítica de Osorio foi rebatida por César Oiticica, irmão de Hélio, no último sábado, e agora é respondida pelo crítico do GLOBO (leia a carta).
O centro foi criado para abrigar o escritório do Projeto Hélio Oiticica e expor freqüentemente as obras do artista. A promessa não cumprida de uma reserva técnica para os trabalhos de Oiticica fez com que a família retirasse as peças dali, em 2002, e construísse sua própria reserva. Não deveria haver qualquer prejuízo para a programação do CAHO, mas essa retirada coincidiu com o declínio na freqüência das mostras.
Diretor do centro desde 2003, Luciano Figueiredo - excurador do Projeto Hélio Oiticica - admite que nos últimos dois anos a programação contínua foi interrompida, devido a uma redução no orçamento da secretaria das Culturas, impedindo a realização de exposições e a publicação de livros.
- Com a exposição de José Oiticica Filho, o centro supera o período difícil por que passou e retoma o ritmo normal, com a previsão de novas exposições de obras inéditas de Hélio Oiticica e outras de artistas internacionais, com programa a ser anunciado em breve - promete Figueiredo.
Procurado pelo GLOBO para falar da atual situação e dos rumos do centro, o secretário municipal das Culturas, Ricardo Macieira, não deu entrevista ao jornal, limitando-se a enviar um e-mail burocrático: "O Centro de Arte Hélio Oiticica nunca esteve abandonado. Nos últimos dez anos, foram realizadas 170 ações culturais importantes para a cidade do Rio de Janeiro: 35 lançamentos de livros; 94 palestras, seminários e cursos; e 41 exposições (...), consagrando o CAHO como um dos mais importantes espaços culturais do Rio de Janeiro dedicado às artes visuais (...)". À lista de mostras realizadas, seguem-se considerações sobre a importância de José Oiticica Filho.
De 2005 para cá, CAHO abrigou apenas duas mostras
Figueiredo, diretor do CAHO quando o centro foi criado, desligouse do espaço em seis meses, voltando a ele em 2003, a convite de Macieira e César Oiticica.
Sua gestão começou com a mostra "Hélio Oiticica: cor, imagem, poética", que ficou um ano e meio cartaz, seguida da retrospectiva de François Morellet, e de "Cosmococas", de Hélio Oiticica e Neville D'Almeida, em 2005. A partir de então, o CAHO só cedeu espaço para galerias de arte do Rio realizarem a exposição "Arquivo geral", no ano passado, e agora abriga a mostra de José Oiticica Filho.
- Um contrato intitulado "termo de permissão de uso" previa a implantação de reserva técnica a ser construída pela secretaria de Cultura da época (de quando o centro foi criado, em 1996) para abrigar o acervo de obras de Hélio Oiticica. Como isso nunca se deu, desliguei-me do CAHO - diz Figueiredo.
- Após o desligamento, a secretaria continuou a ignorar os termos do contrato, desvirtuou por completo os objetivos principais do CAHO e negligenciou o apoio ao acervo de obras de Hélio Oiticica, de propriedade de César e Claudio Oiticica.
O que tanto Figueiredo como César Oiticica rebatem é o argumento de que a retirada das obras da reserva do CAHO tenha relação com a falta de atividades do local. Segundo eles, não faz diferença a localização do acervo, mas sim o modo como ele é utilizado. César conta que tenta captação de recursos na Lei Rouanet para montar uma exposição dos penetráveis de Hélio Oiticica: - A mostra do José Oiticica Filho estava programada há três anos, mas custa R$ 250 mil. Nem a prefeitura tem todo o dinheiro nem nós conseguimos captar tudo. Eu mesmo anunciei exposições que não foram realizadas - reconhece.
- O centro não foi construído com dinheiro público para abrigar a obra do Hélio. A prefeitura estava com um elefante branco, um prédio bonito e restaurado. Surgiu a idéia de abrigar o escritório e o acervo do Projeto Hélio Oiticica, que estava num apartamento alugado no Flamengo. Mas o contrato da prefeitura nunca nos obrigou a manter as obras lá.
Além da falta de verbas, a maior parte das obras de Oiticica estava sendo restaurada no Museu de Houston, que prepara um catálogo raisonée do artista. Depois seguiram para a Tate Modern, em Londres, que acabou de realizar uma grande exposição de Oiticica.
Agora, as obras voltam ao Projeto Hélio Oiticica.
- Preferia fazer como a Tate, mas primeiro há que se equacionar as políticas públicas de artes plásticas e conseguir dinheiro.
Vai mudar o governo, vão botar outro cara lá. E tem tudo pra dar errado, porque os governos não têm continuidade das políticas - diz César.
novembro 7, 2007
PF prende cinco acusados de cobrar propina no MinC, por Andréa Michael, Folha de São Paulo
PF prende cinco acusados de cobrar propina no MinC
Matéria de Andréa Michael, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 7 de novembro de 2007
Segundo a polícia, grupo pedia dinheiro para acelerar trâmite de projetos que buscavam os benefícios da Lei Rouanet
Esquema atuou no interesse de ao menos 20 produções; por enquanto, não há indícios de envolvimento dos proponentes na fraude
A Polícia Federal prendeu ontem, em Brasília, quatro empresários e uma servidora pública acusados de montar um esquema de cobrança de propina para garantir a aprovação, no Ministério da Cultura, de projetos com incentivos fiscais previstos na Lei Rouanet. Eles responderão por corrupção passiva e ativa e formação de quadrilha (pena total de até 15 anos de prisão, se condenados).
Pela investigação, o grupo atua há pelo menos um ano. O teor de escutas telefônicas feitas pela PF indica que as pessoas presas atuaram no interesse de ao menos 20 projetos que tramitaram ou tramitam na Cultura, atrás de financiamento pela Lei Rouanet, que garante ao investidor abater o valor destinado aos projetos (até 4% do Imposto de Renda devido).
O delegado Gustavo Bucker, que conduziu a investigação (Operação Mecenas), disse que o grupo escolhia os projetos pelo valor, sem área fixa. O interesse começava por aqueles acima de R$ 300 mil.
"Há projeto até de R$ 2 milhões", afirmou Bucker, sem dar o nome das produções. Segundo ele, o esquema cobrava do interessado de 2% a 5% do valor total do projeto.
Segundo a PF, o esquema começava pela servidora Adriana Barros Ferraz, da área de avaliação de projetos do ministério. Ela identificava as propostas com aprovação quase certa, do ponto de vista técnico. Depois, encaminhava os dados para o policial civil Paulo Cesar Guida, da produtora brasiliense Mecenas, por meio do qual as informações também chegavam aos empresários José Ulysses Xavier e Raul e Jair Santiago, da produtora G4.
Os empresários, segundo a PF, contatavam os proponentes e ofereciam assessoria para agilizar a aprovação do negócio. Não haveria projetos da G4 sob apuração, pois o ganho da produtora seria na intermediação.
Se houvesse negativa, o grupo dava uma demonstração de força: a servidora apontava alguma pendência burocrática. Assim, a proposta saía da pauta da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura, que aprova ou não as propostas.
"A característica principal era dificultar, e não facilitar. O esquema não era na avaliação, mas sim no trâmite burocrático", disse o secretário-executivo da Cultura, Juca Ferreira.
Quanto ao alcance da fraude (8.000 projetos são inscritos por ano na Lei Rouanet), Ferreira observou: "O fato é grave, mas é circunscrito e limitado".
O ministério vai pedir à Justiça acesso à investigação e analisar se há irregularidade nos projetos que despertavam o interesse do grupo preso. Por ora, não há indícios de participação dos proponentes na fraude.
Em nome da servidora, o advogado Divaldo Teóphilo disse que ela "não admite participação no esquema e que apenas prestava favores a amigos, sem obter vantagem". O advogado dos sócios da G4, Ronaldo Cavalcanti, não respondeu à Folha. A reportagem não localizou o defensor de Paulo Guida.
novembro 6, 2007
Conferência Municipal de Cultura de Goiânia: Encontrado esqueleto no armário do MINC, por Deolinda Taveira
Conferência Municipal de Cultura de Goiânia: Encontrado Esqueleto no Armário do MINC
No dia 12 de outubro, Goiânia comemorou além do dia da Santa Padroeira do Brasil, o dia da criança e ainda o aniversário de dois anos da fraude em que consistiu a III Conferência Municipal de Cultura.
Dois anos de embate entre a Prefeitura de Goiânia e entidades representativas do setor cultural poderiam ter sido evitados se a Prefeitura tivesse acatado a decisão judicial, cancelado a conferência marcada para aquela data.
A prefeitura preferiu outro caminho. Pediu e obteve do Presidente do Tribunal de Justiça decisão que tornou sem efeitos a liminar do juiz, para que pudesse participar da Conferência Nacional de Cultura.
Porém para participar da 1ª Conferência Nacional de Cultura era preciso uma Conferência Municipal que fosse considerada válida pelo MINC e delegados eleitos. E não havia uma Conferência valida e menos ainda delegados eleitos para participar da CNC.
Em 28 de outubro de 2005 apoiado no silêncio do MINC , o prefeito nomeou os novos conselheiros de cultura de Goiânia.
Apenas no dia 14 de dezembro, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça manteve, por unanimidade, a decisão do seu presidente que permitira a nomeação e posse do Conselho. O TJ - GO, ainda desconhecia a existência de um esqueleto nos armários do MINC.
Uma semana antes, no dia 07 de dezembro, os novos membros do Conselho Municipal de Cultura já haviam tomado posse e a decisão do Órgão Especial do TJ apenas servia para legalizar o que acontecia de fato, porém não de direito.
No dia 09 de dezembro, O POPULAR publicou uma matéria extensa, em que a Agepel dizia que não concordava com a realização da CNC por isso não organizara a participação do Estado, e a SECULT reafirmava o envio de 33 delegados de Goiânia. Mas que delegados? A conferência começou no dia 13, sem eles.
Em m 24 de janeiro de 2006 , o MINC enviou um e-mail à FETEG (veja aqui), confirmando que a Comissão Organizadora da 1ª CNC invalidara a conferência de Goiânia. Em 8 de junho saiu a sentença definitiva do juiz, confirmando a anulação da III Conferência Municipal, o que tornou sem efeito as decisões do Presidente e do Órgão Especial do Tribunal de Justiça (leia aqui). Até hoje, porém, esta sentença não foi cumprida pela prefeitura, nem confirmada pelo Tribunal de Justiça, a sociedade ganhou mas não levou.
O esqueleto encontrado
Em 24 de outubro de 2007, data comemorativa de 74 anos de fundação da cidade de Goiânia, o blog ENTRETATOS http://entreatos.blogspot.com/2007_10_01_archive.html notícia que havia sido encontrado um esqueleto nos armário do MINC.E relata que depois de intensas buscas foi localizado o documento que declarou invalidada em 2005 a 3ª Conferência Municipal de Cultura de Goiânia.
"Numa visita pessoal ao Minc, foi possível, finalmente, obter uma cópia da Resolução nº 001/2005, de 9/12/05, com 4 páginas, que invalidou a III Conferência Municipal de Cultura.
Segundo o documento (leia aqui), a decisão foi a propósito de e-mail, enviado por Deolinda Taveira, naquele mesmo dia, relatando irregularidades e com cópia da matéria de O Popular daquela data. No dia seguinte, a decisão, foi comunicada à prefeitura de Goiânia (veja aqui)."
Tal documento foi mantido em sigilo e mesmo a remetente, que aparentemente motivou a decisão, até agora não conhecia o teor . E Mais: o MINC não menciona os pedidos feitos anteriormente, nem que naquele dia, não foi só ela quem procurou o ministério - o presidente da FETEG, entidade que conseguira as decisões judiciais anulando a conferência, falou por telefone com vários funcionários e, como não obtivesse sucesso, enviou um e-mail no fim da manhã, com cópia da matéria de O Popular (veja abaixo). A FETEG também não recebeu cópia do documento.
Mas a prefeitura, que recebeu cópia no dia 10 de dezembro, não a divulgou, fazendo com que o Tribunal de Justiça, no dia 14 de dezembro, decidisse a seu favor. O Tribunal de Justiça de Goiás decidiu, desconhecendo por completo a existência da Resolução Nº 001/2005 de 09/12/05, que deliberadamente foi ocultada pela Prefeitura de Goiânia e esquecida no armário do MINC.
Desconhecer esse documento, que propositadamente foi oculto pela Prefeitura de Goiânia com a finalidade de garantir para si o ganho do litígio em pauta, não inocenta o Tribunal de Justiça da acusação de protelar o julgamento final do processo (200602567151 (13881-9/195) até que o mesmo perca o seu objeto. Adormecido na gaveta do DES ZACARIAS NEVES COELHO da 2ª Câmara Civil, a causa da Cultura em Goiânia dorme o sono dos injustiçados e as espertezas locais assumem proporções nunca vistas na história do Estado de Goiás.
Deolinda Taveira
Conservadora Restauradora de Bens Culturais e Esp. Gestão de Patrimônio Cultural Integrado
SOS Parque Lage, por Alessandra Duarte, O Globo
SOS Parque Lage
Matéria de Alessandra Duarte, originalmente publicada no Jornal O Globo, no dia 5 de novembro de 2007
Espaço fará mostra e leilão de 40 obras de artistas brasileiros para ajudar em sua revitalização
A partir de hoje, o público poderá conferir obras de arte que devem ser o início da salvação do Parque Lage. Até o próximo domingo, dia 11, o privilegiado espaço no bairro do Jardim Botânico vai abrigar uma exposição gratuita com cerca de 40 trabalhos de alguns dos principais artistas brasileiros; nesta sexta-feira, as obras serão leiloadas, e a renda, utilizada na revitalização do parque. Esta é a primeira ação da nova diretoria da Associação de Amigos do Parque Lage (Ameav), que assumiu no primeiro semestre de 2007, para sanar as finanças do local, hoje com um déficit mensal de cerca de R$20 mil. O leilão beneficente integra ainda um processo maior de recuperação do Parque Lage e de sua Escola de Artes Visuais, que inclui a ida de recursos do Fundo Estadual de Meio Ambiente (Fecam) para a reforma do espaço, de propriedade do Ibama. A concessão do imóvel federal ao governo estadual, vencida desde maio, também será renovada.
As obras expostas nas instalações do Parque Lage e que serão leiloadas levam a assinatura de um time formado por 37 artistas plásticos contemporâneos, a maioria de reconhecimento internacional, como Tunga, Ernesto Neto (integrante da nova Ameav), Anna Bella Geiger, Adriana Varejão, Beatriz Milhazes, Cildo Meireles, Daniel Senise, Nelson Leirner e Raul Mourão. Os lances mínimos devem ser de R$3 mil, com convites a R$500 (nesta sexta-feira, dia do leilão, a exposição não será aberta à visitação pública).
Como meta, a criação de responsabilidade cultural
Para convencer muitos dos artistas a doarem suas obras para o projeto, a Ameav chegou a levar umas duas horas de conversa com cada um. A resistência a participar é explicada pela situação do Parque Lage nos últimos dez anos: um rombo que faz a administração só conseguir pagar metade de seus custos por mês; a conservação inadequada da estrutura física do imóvel; a falta de condições de ensino, como ausência de computadores e de equipamento audiovisual nas salas de aula; e o imbróglio com o Ibama, já que é permanente a necessidade de renovações da concessão ao estado.
- Nos últimos anos, o Parque Lage foi abandonado pelo governo estadual. E sua Associação de Amigos sempre foi voltada para o próprio parque, sem conversa com a sociedade. Quando os artistas ou colecionadores participavam, era apenas como mecenas, para ajudar com dinheiro o parque e a escola a "irem indo" - ressalta Márcio Botner, diretor da galeria Gentil Carioca e um dos integrantes da nova diretoria da Ameav. - O que mais queremos é, além de obter ajuda financeira, fazer com que as pessoas desenvolvam uma responsabilidade cultural.
- É por isso que pensamos nesse leilão como o primeiro de outros - acrescenta o colecionador Fabio Szwarcwald, outro novo diretor da Ameav (que conta ainda com Paulo Vieira, Jaqueline Vojta e Guilherme Gonçalves; o novo diretor da escola é Carlos Martins), citando mais uma ação planejada pela entidade. - Queremos fazer com que artistas se tornem padrinhos das salas de aula da escola do parque: cada sala levaria o nome de um deles, em troca de ajuda financeira. Isso é feito em muitos museus pelo mundo. Nunca foi pensado para cá porque o Parque Lage nunca foi visto como uma empresa cultural, só como algo dos seus professores e alunos, o que é bonito mas não sustenta.
A relação dos professores com o parque também está na mira da nova diretoria. Até hoje, o Parque Lage nunca trabalhou com professores fixos, contratados. Agora, está estudando a possibilidade de manter o antigo vínculo apenas para parte dos professores, fazendo um contrato de trabalho com outros, para dar mais capacidade de planejamento aos seus cursos.
Os novos ares para o parque vêm ainda da Secretaria estadual de Cultura. A secretária Adriana Rattes, que assumiu há dois meses, planeja transformar a Ameav numa organização social, para que ela funcione legalmente dentro do modelo que Adriana pretende implantar nos equipamentos culturais estaduais: fundações e órgãos que se mantêm públicos, mas que passam a ser geridos por organizações sociais ou por grupos privados.
- As instituições estaduais que funcionam como escolas de arte, como a do Parque Lage, estavam espalhadas pela estrutura do governo. A Escola de Teatro Martins Pena, por exemplo, foi parar na Faetec (Fundação de Apoio à Escola Técnica)! Queremos incluir as escolas nessa nova gestão da cultura estadual - diz Adriana Rattes, adiantando que no início de 2008 enviará à Assembléia Legislativa projeto de lei que cria a possibilidade de gestão pública compartilhada com organizações sociais e entes privados. - No caso do Parque Lage, vamos também financiar sua reforma com verba do Fecam e tentar com o Ibama uma renovação da concessão por mais 20 anos.
Uma das artistas com obras no leilão, Beatriz Milhazes acompanhou de perto o parque por 27 anos. Ela se diz otimista com a ação no local, mas alerta:
- O Parque Lage precisa encontrar uma solução definitiva para a relação com o Ibama. Enquanto isso não for feito, será como gastar energia e dinheiro numa casa que não é sua.
novembro 5, 2007
Centro de Arte Hélio Oiticica em questão, O Globo
Hélio Oiticica
Resposta de César Oiticica à matéria de Luiz Camillo Osorio, originalmente publicada na seção Cartas, do Segundo Caderno do Jornal O Globo, do dia 3 de novembro de 2007
Hélio Oiticica
Em relação à crítica de Luiz Camillo Osorio publicada no Segundo Caderno de 28/10/2007, cabem alguns esclarecimentos;
1) O Centro de Arte Hélio Oiticica (CAHO) não foi construído para abrigar a coleção de Hélio Oiticica. O prédio foi restaurado pela prefeitura, que, em 1996, depois de pronto e após outras tentativas de utilização, resolveu fundar o Centro de Arte Hélio Oiticica, no qual foi previsto um espaço para abrigar o Projeto Hélio Oiticica e o acervo de obras e documentos que são propriedade privada de César e Cláudio Oiticica.
2) Nunca foi obrigação da prefeitura restaurar, preservar, pesquisar, expor ou divulgar a obra e os documentos do artista. Essas são as finalidades do Projeto Hélio Oiticica, tal como formuladas em seu estatuto, feito em 1981, pelos irmãos do artista e que é do conhecimento de todos. O Projeto Hélio Oiticica é uma associação sem fins lucrativos, privada, que tem seu regulamento próprio e cujo compromisso é somente com a obra do artista. Seu desempenho tem sido inigualável nesses quase 26 anos de trabalho, como atestam suas inúmeras realizações.
3) Não é finalidade da prefeitura nem do CAHO manter a coleção em mãos de quem quer que seja. Aliás, de quem serão as "nossas mãos" a que o Sr. Luiz Camillo se refere?
4) O "museu americano", citado pelo articulista, é o Museum of Fine Arts, de Houston, que restaurou as obras, as expôs em Houston e na Tate Modern, em Londres. A exposição na Tate constituiu um momento único para a cultura brasileira com o reconhecimento explícito de Hélio como um dos maiores artistas do século XX em todo o mundo. O Projeto Hélio Oiticica é o único responsável pela política de exposições de Hélio Oiticica. E sua obra continuará a ser exposta no exterior.
Quais serão os reais interesses do Sr. Luiz Camillo? Substituir o artista que dá nome ao CAHO por um artista mais do seu agrado? Faz sentido: coincide com a última estratégia de uma parte da crítica de arte no Brasil, que é dizer que Hélio Oiticica e Lygia Clark estão superexpostos, que há uma mistificação de curadores internacionais sobre a importância da obra de Hélio. Impedir que a obra de Hélio Oiticica seja exibida em outros países ou até em outras cidades?
César Oiticica, diretor do Projeto Hélio Oiticica
José Oiticica Filho: Centro Hélio Oiticica exibe uma das produções mais importantes da história da fotografia brasileira
Matéria de Luiz Camillo Osório, originalmente publicada no Jornal O Globo, no dia 28 de outubro de 2007
A exposição de fotografias de José Oiticica Filho, no Centro de Arte Hélio Oiticica, é maravilhosa, porém lastimável. Explico-me: a produção do pai de Helio Oiticica é das mais importantes da história da fotografia brasileira, merecendo, há tempo, uma retrospectiva como esta. Todavia, daí a nota negativa, está sendo visitada por um público inexpressivo, no espaço quase abandonado que deveria abrigar a coleção do seu filho.
É inexplicável o que se passa no CAHO. Deveria ser dos pontos culturais mais prestigiados da cidade, construído para abrigar a obra do artista brasileiro mais respeitado internacionalmente - que acaba de ter uma retrospectiva no museu de Houston e na Tate Modern de Londres. Por que a obra de HO não "mora" no centro que tem o seu nome e que foi feito com dinheiro público para ter tal finalidade? Não há contrato obrigando as partes - a prefeitura e o projeto HO - a um conjunto de obrigações no sentido de restaurar, preservar, pesquisar, expor e divulgar a obra - e os documentos - do artista? Se algo não foi cumprido, isto deveria ter sido explicado e negociado de modo a se resgatar o compromisso com este acervo.
Nossas políticas culturais estão sempre correndo atrás do prejuízo. A prefeitura do Rio, por exemplo, propôs criar uma filial do Guggenheim aqui na cidade. Independentemente do mérito da proposta, como defendê-la se não se consegue manter uma coleção que já esteve em nossas mãos e que tem muito mais a ver com o Rio do que o museu americano? Restam explicações: da prefeitura, em relação ao que pretende fazer com o CAHO e do projeto HO se tem vontade de manter algum vínculo com esta cidade que está tão entranhada na poética do artista. Sem negociação possível, isto seria uma pena, desfaz-se o contrato e procura-se uma nova identidade para aquele espaço. O que não pode é ficarmos nesta enganação de que se tem na cidade um Centro de Arte Hélio Oiticica. A memória do artista e a população carioca não merecem isso.
Voltemos a José Oiticica Filho, que não tem nada a ver com a história. O rigor do entomólogo, reconhecido na comunidade científica pelas pesquisas com borboletas, deslocou-se da análise de insetos para a construção da imagem fotográfica. Para além do registro de uma cena ou de algum objeto, sobressai nas fotografias de José Oiticica uma incansável pesquisa de laboratório, buscando encontrar texturas e luzes singulares. As microfotografias da década de 40 revelam que a atenção científica e o encantamento artístico combinavam-se. Saindo da documentação de microorganismos, temos na mesma década fotos memoráveis como "Luz dançante" de 1942, "Na praia" de 1948, "Triângulos semelhantes" de 1949 e "Um que passa" também de 1949, que mostram toda a sua sensibilidade no manuseio da luz.
Na década de 1950, sua fotografia embarca na abstração, em perfeita sintonia com os encaminhamentos do concretismo que corria em paralelo - que ele certamente acompanhava de perto através de seus filhos César e Hélio. A série Derivação de 1958, por exemplo, é muito próxima dos "meta-esquemas". O trabalho de textura, que singulariza sua poética, surge na série Ouropretense de 1956 e nos magníficos reflexos em vidro das fotografias abstratas intituladas Formas também de meados da década de 50.
Se as Derivações partiam de uma cena fotografada e desconstruída pela combinação de positivos e negativos, a série seguinte, "Recriações", parte de algo criado pelo próprio artista e retrabalhado no laboratório. Este é o momento mais original de sua obra, em diálogo aberto com o melhor da fotografia abstrata internacional. Acompanhando de perto a urgência expressiva do começo da década de 1960, suas Recriações vão fugir da geometria e ganhar um aspecto informal, seja com uma grafia solta e automática, seja partindo de grossas pinceladas brancas.
Completa a exposição algumas tentativas de José Oiticica com a pintura, também deste começo dos anos 60. O uso da madeira como suporte enfatiza as pinceladas de cor. Entretanto, não é como pintor que sua obra se afirma. A fotografia é o seu instrumento poético, o meio pelo qual ele contribuiu definitivamente para a história da arte brasileira. Não fosse a indigência do CAHO, esta era a ocasião perfeita para se fazer uma publicação decente e à altura desta obra. Apesar das nossas dificuldades institucionais, o público não deve perder esta exposição.