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junho 21, 2007
Templos religiosos centenários já utilizam leis de fomento à cultura, por Carlos Minuano, Agência Carta Maior
Templos religiosos centenários já utilizam leis de fomento à cultura
Matéria de Carlos Minuano*, originalmente publicada na Agência Carta Maior, no dia 21 de junho de 2007
Patrimônio histórico também é contemplado por fontes específicas de recursos, como o programa Monumenta.
SÃO PAULO - A polêmica provocada pelo controverso Projeto de Lei do senador Marcelo Crivella [PRB-RJ] prossegue gerando indignação entre a classe artística e em grande parte do setor cultural (leia mais). Uma petição virtual que reuniu na internet cerca de 25 mil assinaturas de pessoas contrárias à proposta deve ser entregue nesta semana ao deputado federal Fernando Gabeira (PV-RJ). Em trâmite no senado federal, a emenda propõe a inclusão de templos religiosos entre os beneficiários da Lei Rouanet de incentivo à cultura e ancora-se no argumento de que as religiões representam parte fundamental da cultura brasileira, e que, portanto, deveriam ser também contempladas na lei de fomento.
A defesa do senador, porém, sugere uma contradição, afinal, conservação e restauração do patrimônio histórico e cultural brasileiro, incluindo o de templos de qualquer religião, reconhecidos como patrimônio, já são atendidas não apenas por leis de fomento à cultura, mas também em fontes específicas de recursos, como o programa Monumenta, executado pelo MinC [Ministério da Cultura] com recursos do Banco Interamericano de Desenvolvimento [BID] e apoio da Unesco.
Desde 2000, o programa tem promovido obras de restauração e recuperação de bens tombados buscando conciliar ações estratégicas de desenvolvimento econômico e social que garantam a sustentabilidade do patrimônio. Atualmente 26 cidades participam do Programa, segundo o coordenador-adjunto do programa, Robson Almeida, "todas escolhidas de acordo com sua representatividade histórica e artística levando ainda em consideração a urgência das obras".
"O Monumenta é implementado nas cidades a partir da assinatura de convênios firmados entre o MinC, prefeituras e Estados, nos quais se estabelecem as atribuições de cada uma das partes, valores a serem repassados e os prazos de execução das obras", explica Almeida. De acordo com informações obtidas junto ao MinC e ao Iphan [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], o volume de recursos aplicado em 2006 foi de R$ 34,3 milhões e o montante previsto para 2007 é de R$ 70 milhões.
A coordenadora do programa em São Paulo, a arquiteta Edmeia Fioretti, informa que a cidade recebeu R$ 9,7 milhões, utilizados desde 2002 em diversas obras como o restauro de um coreto no Jardim da Luz e a reforma da capela do Mosteiro da Luz, ambos na região central da cidade. Embora não tenha uma opinião formada sobre a emenda do senador Crivella, observa que, no âmbito do programa Monumenta, "não há nenhuma restrição para templos religiosos".
Marcio Oliveira, responsável pela Comissão de Bens Culturais da Igreja de São Paulo, também prefere não opinar sobre o projeto em trâmite no senado, mas defende que o debate deveria focar outras questões relacionadas à Lei Rouanet, como a burocracia em casos de patrimônio histórico. "Sei que é uma tramitação necessária, mas alguns órgãos demoram muito para dar um parecer". Oliveira cita como exemplo o caso típico das igrejas em São Paulo. Em geral, são tombadas pelo Estado, mas algumas, por sua localização, precisam também de aprovação do município, gerando com isso, claro, mais lentidão.
Via crucis
Os imóveis tombados em São Paulo que podem ser inscritos na Lei Rouanet no segmento de patrimônio histórico, em sua maioria, são de igrejas católicas. "São preservados os edifícios centenários que tenham importância arquitetônica. Como a colonização foi católica, e o Império patrocinava as instituições da Igreja Católica, até a proclamação da República igrejas e capelas aparecem como quase a totalidade dos imóveis utilizados como local de culto", explica Regina Célia Sasso Pereira, arquiteta responsável pelo projeto de restauro e reforma da Igreja de Nossa Senhora da Conceição de Santa Ifigênia, centro de São Paulo, aprovado na Lei Roaunet.
O exemplo da igreja de Santa Efigênia exibe a dimensão da via crucis burocrática que um projeto de restauração de patrimônio histórico enfrenta em certos casos. Localizada em uma região deteriorada da capital paulista, a igreja foi tombada em 1992, pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo [CONPRESP] em nível total de proteção, ou seja, deve ser integralmente preservado. No entanto, segundo Regina, o calvário que enfrenta para viabilizar a restauração do templo já completou oito anos. "É tudo muito demorado, só na Secretaria da Habitação foram dois anos para a aprovação", desabafa Regina.
Ela conta que, após muita labuta, o projeto foi aprovado pelo Minc em janeiro de 2006. Apesar de comemorar o resultado, foi só o início de mais um desafio: conseguir junto à iniciativa privada os recursos para a obra orçada em R$ 8 milhões. Conhecedora dos desafios da cultura no Brasil, em especial do patrimônio histórico, adverte para os riscos da proposta do senador Crivella. "É preciso tomar cuidado para não confundirmos o escopo das leis de fomento à cultura, afinal, se o templo religioso, seja ele de qualquer religião, tiver valor histórico e cultural, já pode utilizar a lei".
A arquiteta explica que apesar de São Paulo contar com um grande número de templos de outras religiões devido à presença dos imigrantes, ainda não houve destaque desses prédios religiosos para abertura de processos de tombamento. No entanto, os órgãos de preservação [CONPRESP, CONDEPHAAT e IPHAN] também se voltam para o tombamento da cultura imaterial, que inclui tradições, folclore e memória, abrangendo alguns cultos, como o candomblé.
Em São Paulo, existem diversas edificações tombadas, ligadas a cultos. Entre eles, Igreja de São Cristóvão, Igreja da Ordem Terceira de Nossa Senhora do Carmo, Mosteiro e Igreja de São Bento, Capela dos Aflitos, Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, Igreja Evangélica Luterana de São Paulo, edifício da Congregação Israelita Templo Beth-El, Terreiro de Candomblé Aché Ilê Oba, Colégio Batista Brasileiro, Círculo Esotérico e o Instituto Mackenzie.
(*) 100canais - núcleo editorial de jornalismocultural independente
TCU põe Lei Rouanet na berlinda, Folha de São Paulo
TCU põe Lei Rouanet na berlinda
Matéria, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 21 de junho de 2007
Ressalvas feitas pelo Tribunal de Contas da União recebem respaldo de gestores da cultura e crítica da classe artística
Secretário municipal da Cultura de SP quer a revisão total da lei; consultor ataca lentidão do governo na identificação das falhas
As ressalvas que o TCU (Tribunal de Contas da União) fez à Lei Rouanet -de renúncia fiscal em benefício de projetos culturais- provocaram, ontem, reações de apoio e também de discordância entre os gestores da cultura em São Paulo e representantes da classe artística ouvidos pela Folha.
No relatório de contas da União de 2006, divulgado anteontem, o TCU aponta como "alarmante" a situação da fiscalização dos recursos aplicados por meio da Lei Rouanet em projetos culturais -da ordem de R$ 971 milhões no ano passado. Segundo o tribunal, grande parte dos projetos não está sendo fiscalizada.
O tribunal critica ainda a concentração dos recursos em projetos da região Sudeste e o significativo aumento ocorrido nos últimos anos do volume de recursos investidos por empresas estatais, em detrimento da participação das privadas.
A Secretaria de Estado da Cultura avalia que o TCU tem razão ao apontar a necessidade de maior fiscalização da aplicação das verbas da lei, mas defende seu princípio. "A lei é ótima. É uma questão de como se a aplica. Creio que o Executivo tem sido competente em sua aplicação", diz o secretário-adjunto de Estado da Cultura, Ronaldo Bianchi.
Distorção
Já Carlos Augusto Calil, secretário municipal de Cultura de São Paulo, afirma que "o espírito da Lei Rouanet foi distorcido" e defende que ela seja "completamente revista".
Para Calil, "há excesso de liberalidade da lei em relação às empresas", como o fato, por modificações introduzidas no texto, de as empresas serem autorizadas a realizar seus patrocínios com 100% de dinheiro do Imposto de Renda devido, sendo dispensadas de aplicar recursos orçamentários. "A lei dá mais incentivo do que seria necessário", afirma Calil.
Crítico da lei, o consultor Yacoff Sarkovas, especialista em atitudes de marca e diretor-geral da Significa e da Articultura, diz achar "um escândalo que o poder público só se dê conta dessa questão 20 anos depois [a lei é de 1991]".
Sarkovas afirma que "quando o TCU fala em desequilíbrio regional [da aplicação dos recursos de patrocínio], está confundindo a opinião pública", ao apontar para uma conseqüência do uso da lei, sem questionar sua essência.
"A única forma de produzir uma distribuição mais horizontal [dos recursos], onde o peso econômico seja menos preponderante, é que ela tenha caráter público, e não transite pela decisão privada", diz.
Calil também diz que "o TCU chove no molhado", quando aponta para a concentração de patrocínios no Sudeste. "A renúncia fiscal é de quem paga impostos. Quem paga imposto está no Sudeste do Brasil."
Itinerância
O dramaturgo e diretor do grupo Parlapatões, Patifes e Paspalhões, Hugo Possolo, também questiona a ressalva do TCU quanto ao desequilíbrio geográfico na distribuição dos recursos. "Sou beneficiário das leis de incentivo para o projeto Circo Roda Brasil, que está hoje em Curitiba, depois vai para Ponta Grossa e Belo Horizonte. A minha base é São Paulo, mas estou saindo da minha região. É preciso mapear a itinerância dos projetos, antes de falar de problemas de regionalização", afirma.
Para o cineasta Paulo Thiago, presidente do Sicav-RJ (Sindicato Interestadual do Audiovisual), o baixo investimento privado ocorre porque o produto cultural, principalmente o cinema, tem dificuldades de se colocar no mercado.
"Ele enfrenta concorrência grande com filmes estrangeiros, algo que não existe, por exemplo, com as TVs e o teatro", diz o diretor, lembrando que iniciativas como os Fundos de Financiamento da Indústria Cinematográfica Nacional, administrados por bancos, e que captam recursos de empresas privadas para investir em produções, são exemplo de dinheiro "bom" investido em cultura.
junho 20, 2007
Novo presidente promete calar críticos do Mube, por Luciana Garbin, O Estado de São Paulo
Novo presidente promete calar críticos do Mube
Matéria de Luciana Garbin, originalmente publicada nO Estado de São Paulo, no dia 17 junho de 2007
Empresário Jorge Landmann assume presidência de museu com meta de profissionalizar a administração
Depois de 12 anos, o Museu Brasileiro da Escultura (Mube) tem novo presidente. É o empresário Jorge Frederico Landmann, eleito há quase um mês, em 18 de maio, pelo Conselho da Sociedade de Amigos dos Museus para substituir Marilisa Rathsam, no cargo desde a fundação. Aos 60 anos, pai de dois filhos, Landmann tem uma missão de fôlego pela frente: profissionalizar e modernizar o museu projetado por Paulo Mendes da Rocha, que fica num terreno de 7 mil metros quadrados, com paisagismo de Burle Marx, no Jardim Europa, zona sul de São Paulo. 'Estamos vivendo uma emergência e minha obrigação é deixar o Mube de pé. Acho que em alguns meses a gente consegue.'
A emergência começou em abril, quando o prefeito Gilberto Kassab rescindiu a concessão de uso da área, feita em 1987 pelo prefeito Jânio Quadros em regime de comodato, por 99 anos. A briga foi parar na Justiça. Além de ganhar essa batalha, Landmann tem outro desafio: calar críticos para os quais o Mube é um museu elitista, sem acervo, que virou basicamente sede de eventos.
'Quero construir algo a longo prazo. Um trabalho que prestigie artistas brasileiros, com enfoque nos objetos de arte tridimensionais. Por que não trazer designers de móveis não comerciais? E maquetes de grandes estádios? Nosso plano é ter de duas a três exposições de artistas de nível internacional por ano e possibilitar a convergência da arte manual para a arte eletrônica', diz.
Para Landmann, criatividade e destreza manual foram fundamentais até o século 20. 'Agora, a destreza manual pode ser substituída pela digital. A criatividade passa a ser a peça principal da arte. Queremos oferecer cursos na área e, quando o artista não tiver condições, dar bolsas.' Nos planos dele estão a criação de um centro de imagem digital, a promoção de palestras com professores brasileiros e estrangeiros e o intercâmbio de estudantes.
Landmann conta com algumas armas na empreitada pela modernização do Mube. Formado e pós-graduado em Economia pela Universidade de Hartford (EUA), tem um currículo elogiado no campo empresarial. Suas empresas fazem desde consultoria para estrangeiros que querem trabalhar no País a softwares de matemática e engenharia, que servem, entre outros usos, para simulações da Embraer e projeções de inflação do Banco Central.
No campo artístico, conheceu desde cedo, em casa, os bastidores de grandes exposições. Aos 13 anos, sob tutela do mecenas Ciccillo Matarazzo, já acompanhava a montagem da Bienal de 1961. Em 1968, foi com o pai, Oscar Landmann, e Ciccillo à Bienal de Veneza procurar bons nomes de artistas para trazer ao Brasil. Em 1977, Ciccillo passou o comando da 14ª Bienal a Oscar. Mais tarde, Julio, colecionador de arte pré-colombiana e irmão do comandante do Mube, presidiu a 24ª edição da Bienal.
'Ciccillo foi o grande difusor da arte brasileira e internacional no País e pôs o Brasil no mapa dos eventos internacionais', diz Landmann. 'A Bienal na época era muito menos rica. Não havia grandes incentivos à cultura. Lembro como adolescente de ficar noites em claro ajudando na colocação das obras. Isso será útil na nova e profissional gestão do Mube.'
No Mube, Landmann entrou ainda na época da construção, para ser diretor-tesoureiro. Saiu e, há cinco anos, voltou, para ser presidente do conselho e depois vice-presidente. Acha que a solução para o museu é ter um conselho gestor forte, formado por voluntários influentes na sociedade, que, por sua vez, indicará três diretores-executivos remunerados.
A profissionalização começou há duas semanas com a estréia como curador do crítico Jacob Klintowitz. Landmann ainda quer trazer para o Mube públicos que não costumam freqüentá-lo, como jovens da periferia, ONGs e deficientes. Informações sobre cada peça, por exemplo, passarão a ser escritas também em braile. 'Ficou a imagem (de elitista) muito em função da localização. A briga inicial para que não fosse feito shopping ou supermercado nessa área durou anos e vários diretores eram da elite industrial. Mas é uma imagem muito mais fabricada do que real.'
Sobre a crítica à falta de acervo - o museu tem hoje apenas 18 esculturas, às quais devem se somar outras 2, doadas por Caciporé Torres e Toyota -, Landmann afirma que 'museu moderno não precisa ter acervo'. 'Tem de ser uma casa comunitária de cultura para exposição, de livre acesso para comunidade como um todo. Não somos um museu histórico, queremos ser um museu dinâmico.'
junho 5, 2007
Crivella nega que Rouanet vá favorecer Universal, por Felipe Corazza Barreto, Terra Magazine
Crivella nega que Rouanet vá favorecer Universal
Matéria de Felipe Corazza Barreto, originalmente publicada na Terra Magazine, no dia 4 de junho de 2007
O autor do Projeto de Lei do Senado que prevê a inclusão de templos religiosos entre os beneficiários da Lei Rouanet, senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) diz que a proposta não vai beneficiar a Igreja Universal do Reino de Deus. Mas só por enquanto.
Crivella, bispo da Universal e sobrinho do fundador da Igreja, Edir Macedo, defende o projeto de lei número 69/2005, dizendo que somente "igrejas históricas" poderão receber recursos de incentivo cultural para restaurar os templos.
A Universal não está entre as "históricas" mencionadas pelo senador. Crivella admite, porém, que futuramente pode entrar:
- No futuro, sim. Daqui a 100 anos, sim. Mas no presente não.
A proposta já foi aprovada nas comissões do Senado e vai a plenário. Ainda não há previsão para a votação. "Depende de acordos de líderes", segundo Crivella. Um abaixo-assinado eletrônico contra o projeto já colheu 19.441 assinaturas.
Leia a entrevista com o senador Crivella:
Terra Magazine - Qual é o objetivo da proposta?
Marcelo Crivella - É dar condições às igrejas históricas de receberem investimentos de empresas e pessoas jurídicas dentro do benefício da Lei Rouanet para a reforma desses prédios.
Quais seriam as igrejas "históricas"?
Igrejas históricas, no Brasil, são aquelas que chegaram nos séculos passados. A Igreja Católica, que está aqui desde o século XVI, as protestantes são a Metodista, Presbiteriana, Congregacional e Batista. Essas são igrejas que começaram a construir há muitos anos e têm prédios tombados pelo Iphan.
Então é apenas para igrejas mais antigas?
Isso, como Congonhas (do Campo, em Minas Gerais), aquelas coisas lá dos profetas...
Do Aleijadinho...
Isso, do Aleijadinho. Houve um mal-entendido porque eu sou bispo e a minha igreja é muito jovem, a Universal, e cresce muito, que o projeto beneficiava a Igreja Universal, mas não é. A igreja tem 30 anos, nem tem obras históricas para serem restauradas.
A Igreja Universal não vai ser beneficiada pelo projeto?
Não. No futuro, sim. Daqui a 100 anos, sim. Mas no presente não. Então houve essa confusão, "ah, está desviando recursos da lei da Cultura". Mas as obras de Aleijadinho, que estão lá expostas ao tempo, aquilo não é cultural, meu Deus?
Então há um limite para a lei?
Existe. O projeto altera o artigo que diz que poderão contar com recursos da Lei Rouanet bibliotecas, arquivos e museus. Eu incluí templos religiosos. A lei tem 43 artigos. Quem continuar lendo a lei verá que só poderão receber recursos para reformas os museus, arquivos e bibliotecas que estejam tombadas pelo patrimônio histórico do Brasil. Eu incluí ali as igrejas que também estejam tombadas.