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Como atiçar a brasa

 


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outubro 30, 2006

Arte, terceiro setor, por Bernardo Carvalho, Folha de São Paulo

Arte, terceiro setor

Texto de Bernardo Carvalho, originalmente publicado na Folha de São Paulo do dia 24 de outubro de 2006

O problema começa quando se reduz a arte ao possível, sob o pretexto de que se trata de fazer política

Logo na entrada da 27ª Bienal de São Paulo, há um cercado de arame. É uma instalação da sul-africana Jane Alexander. Dentro do cercado, há outra cerca que encerra um gramado onde está uma escultura em forma de ser híbrido, entre ave de rapina e humano. As duas cercas de arame formam um corredor estreito, entre o público e o monstro, com machetes espalhados pelo chão. A curadora Lisette Lagnado considera a obra uma das mais importantes da exposição: "É emblemática dos anos do apartheid". Os machetes representam "as armas brancas que mataram os negros nessa época em que brancos e negros não podiam viver juntos", diz Lagnado em entrevista ao UOL. "Como viver junto" é o tema desta Bienal. E Jane Alexander é uma artista contra o apartheid.

Mais adiante, os argentinos do projeto Eloisa Cartonera montaram uma banquinha onde confeccionam livros artesanais. Num cartaz, o visitante lê: "Projeto auto-sustentável". No segundo andar, o colombiano Alberto Baraya expôs o molde de uma seringueira, feito de látex, resultado de sua residência no Acre e da convivência com ex-seringueiros. No terceiro andar, além da sala onde estão expostos modelos da Daspu (grife criada pelas prostitutas da ONG Davida), o Long March Project procura desmistificar o lugar do artista, em favor do artesão. O projeto chinês insinua, por meio de uma série de papéis recortados (uma das formas mais tradicionais e disseminadas de artesanato na China), que todo mundo é artista.

Diante dessas manifestações, pode parecer difícil entender a razão da polêmica criada pela obra do coletivo dinamarquês Superflex, que ficou fora da mostra (o trio de artistas propunha reapropriar-se dos ingredientes de um refrigerante e, eliminando a marca, converter o lucro aos produtores comunitários). O trabalho estava adequado às diretrizes da Bienal, mas esbarrava em questões legais.

Como nas outras obras citadas, pode até haver confusão nas idéias do Superflex, mas nada para causar surpresa ou espanto. O projeto é feito das melhores intenções. Ninguém que pisa no prédio do Ibirapuera é a favor do apartheid, nem contra o trabalho comunitário e as ações culturais na periferia; ninguém é contra a reciclagem industrial, nem a favor do desmatamento da floresta e da exploração dos trabalhadores pelo capitalismo selvagem; ninguém é contra os direitos das minorias e a inclusão dos excluídos. Nesses pontos, estamos todos de acordo, vivendo juntos em consenso.

O mundo das ONGs é o da falência do Estado, mas também o da desilusão, do desencanto e do pragmatismo. É o contrário do encantamento da arte moderna, quando ainda se acreditava no impossível e no inominável, na potência libertária de uma individualidade autoral e irredutível. Este é o mundo do terceiro setor, onde já não é concebível nem revolução nem utopia. Não é à toa que o fotojornalismo tenha uma presença tão marcante nesta Bienal. Só resta fazer o que é possível, por menor que seja, com o patrocínio e o financiamento de empresas conscientes e filantrópicas. Da política, resta a retórica, o assistencialismo, a banalidade do consenso, o lugar-comum e as pequenas iniciativas, nem por isso menos louváveis. A política foi reduzida na prática ao que já a definia em tese: "a arte do possível". O problema começa quando se decide reduzir também a arte ao possível, sob o pretexto de que se trata de fazer política. A arte é o avesso do possível.

É claro que há uma contradição fundamental entre arte política e mercado. O problema se acirrou no capitalismo tardio com as proporções assumidas pelo mercado de arte num mundo de desigualdades estarrecedoras. A rigor, a arte como forma de resistir e contrariar não poderia estar atrelada e submissa ao mercado. Seria hipocrisia, porém, dizer que os artistas expostos na Bienal, por mais políticos que se proclamem, estejam fora do mercado. Jogando a favor do vento, a curadoria da mostra (mas não só ela, já que a idéia está no ar) resolveu a contradição de um modo curioso: como não pode eliminar o mercado no qual a própria Bienal está inserida, optou por abolir o artista e a arte, sob o espírito das ONGs, substituindo o valor da individualidade autoral pela ação comunitária e o bem comum. Como me disse um artista: se viver junto é isso, me deixem sozinho. De fato, se a arte ainda for um ato de resistência, esse é o primeiro passo político para quem quiser ser artista: contrariar o rebanho e a norma em nome da radicalidade perdida e inesperada do indivíduo.

Posted by João Domingues at 2:42 PM

outubro 23, 2006

Um país de cegos, entrevista de Paulo Herkenhoff a Ana Paula Sousa, Revista Carta Capital

Um país de cegos

Entrevista de Paulo Herkenhoff a Ana Paula Sousa, originalmente publicada na Revista Carta Capital nº 416, do dia 25 de outubro de 2006

Para Paulo Herkenhoff, o gosto pelo colunismo social e o fim do pensamento crítico deixam a arte num estado letárgico

O prestígio de Paulo Herkenhoff como curador e crítico de arte se mede pelo seu currículo. E não é preciso esticar a lista. Basta dizer que esse capixaba de 57 anos e feições que em certos momentos remetem a Mário de Andrade foi curador do Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), da Fundação Eva Klabin Rapaport, da 9ª Documenta de Kassel, da 24ª Bienal de São Paulo e, até janeiro deste ano, dirigiu o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro.

Mestre em Direito Constitucional pela Universidade de Nova York, Herkenhoff, antes de aderir de vez à arte, foi professor de Direito na PUC do Rio e desenovelou processos num escritório de advocacia. Arriscou também traços e formas. "Fui aluno de Ivan Serpa e tive a ilusão de ser artista por uns cinco anos. Depois passou."

Este ano, após o trabalho de três anos à frente do Museu Nacional de Belas Artes, Herkenhoff voltou às curadorias em duas exposições em São Paulo: Manobras Radicais, que esteve em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, e Pinceladas, que foi exibida no Instituto Tomie Ohtake. Coube também a ele a seleção dos participantes do Arte Pará 2006. Neste momento, está debruçado sobre um texto a respeito de Louise Bourgeois para a retrospectiva que começa no fim de 2007 na Tate Gallery, e sobre um trabalho que ergue pontes entre a arte polonesa e a brasileira.

Se os afazeres são muitos, muitas também são suas preocupações em relação ao estado das artes no Brasil. Após a passagem por um dos mais importantes museus do País, Herkenhoff tem uma constatação a martelar a cabeça: para ser um administrador público da cultura, é preciso consentir em calar, é preciso silenciar sobre mazelas. Foi com essa observação que ele deu a largada à conversa com CartaCapital, no Instituto Tomie Ohtake.

CartaCapital: Trabalhar num museu brasileiro é se debater contra impossibilidades?

Paulo Herkenhoff: Eu aprendi muito sobre museus com duas pessoas: Evelyn Iochpe e Aracy Amaral. São pessoas que têm uma visão da arte e compreendem o que é um museu, desde o corpo técnico até o campo estético-filosófico, passando pelos programas educativos. Museu, para essas pessoas, não é reiteração de papel social, mas sim uma instituição que tem um papel a desempenhar na sociedade. Esse é um dos problemas mais graves da museologia: a elite brasileira confunde soçaite com sociedade. Esse é um nó ético. Os museus são depositários da imagem simbólica que um país faz de si, mas estão tomados por farsas intelectuais e pelo colunismo social com champanhe.

CC: O colunismo social contribuiu para a sua saída do Museu Nacional de Belas Artes?

PH: Eu fui atingido por uma coluna social que participava da farsa que achava que a notinha proposta, o veneno e o elogio poderiam mudar o real. A arte é uma relação com o real e com a poética. Não adianta colocar um tapete vermelho sobre um ladrilho quebrado. O ladrilho quebrado continuará significando a impossibilidade de corrigir o que está decaindo. Mas, na coluna social, o novo diretor deveria ser elegante e mentir, dizer que não achou o museu à beira de uma crise.

CC: O senhor foi criticado por dizer que o museu corria riscos de ter um incêndio?

PH: Falei isso numa entrevista e estou sendo processado pela antiga diretora. Será que todos eles se esqueceram do que aconteceu há 25 anos no MAM? Pois eu não esqueci. Não quero ver o museu da minha cidade se esvair em fogo por incompetência, como aconteceu no MAM. Eu guardei todos os recortes da época e tenho até hoje. Trabalhei nesse museu, dediquei quatro anos da minha vida a ele. Eu encontrei no MAM do Rio de Janeiro lixo de 40 anos acumulado do subsolo, pronto para virar fogo. Papéis, restos de montagem, caixas, obras que viraram pó... Da mesma maneira, encontrei no Museu de Belas Artes salas cheias de lixo. Foram 30 caminhões retirados pela companhia de limpeza urbana do Rio de Janeiro.

CC: Falta de verba não justifica isso...

PH: Não. Tanto que isso tudo foi resolvido. Não precisa muito esforço. Basta ter disciplina e vontade de fazer. É saber que antes da festa é preciso construir a casa. Não adianta fazer festa com o presidente da República, o presidente da França, o rei daqui e de lá, sair nas colunas sociais sempre elegante. Essas cenas não apagam a memória do descaso. Agora, eu sou muito claro. O governo Lula, com o ministério de Gilberto Gil, é infinitamente mais responsável do que o governo Fernando Henrique, com o ministro Weffort.

CC: Em que sentido?

PH: Este governo teve mais responsabilidade. O ministro Weffort não teve coragem de limpar o Museu Nacional de Belas Artes quando foi preciso. O museu expunha obras do Aleijadinho, cuja autenticidade não era assinada pelos especialistas do Iphan. Isso é um sério desvio ético.

CC: Se houve avanços, por que o senhor deixou a diretoria do museu?

PH: Porque existe uma tendência de entregar os museus à burocracia. Estamos na contramão do que está acontecendo na Europa, onde, cada vez mais, os museus são reconhecidos como entidades autônomas. No Museu Nacional de Belas Artes, eu levei às últimas conseqüências a proposta de uma reforma estrutural que passasse pela recondução de uma ética fisiológica que, antes de tudo, teria de passar pela verdade.

CC: O que é essa ética fisiológica?

PH: O diretor de um museu não pode mentir. Eu venho da arte. Não estou a serviço de um partido político ou de uma carreira pessoal.

CC: Por que o senhor aceitou o convite para dirigir o Museu de Belas Artes?

PH: Esse era o meu grande sonho profissional. É um museu extraordinário, com um potencial incrível. O museu foi posto num estado terminal de sobrevivência e estava sendo maquiado como um defunto saudável. Mas eu acho que fiz bastante. Agora vou voltar às curadorias.

CC: O que faz um curador do MoMA que não faz um curador brasileiro?

PH: O curador do MoMA tem de fazer doações de valor ou de obras de arte ou fazer doações de serviços. Você não é conselheiro para tomar champanhe e conversar com artista. Então, o conselheiro participa do prazer de escolher as obras de arte, mas também vai participar da reunião que vai decidir o destino da biblioteca, por exemplo. São os prazeres e os deveres. Ao se incorporar àquela sociedade, você é convidado a doar o seu tempo. A doar de verdade. É isso que faz um museu se manter independente de mudanças no governo. No Brasil, seria preciso, pelo menos, ligar o narcisismo à produtividade social. Se os jornais cobrassem responsabilidade social na cultura, as coisas poderiam mudar também.

CC: Que o diga o caso Edemar Cid Ferreira, não?

PH: O Edemar sabia lidar com a imprensa. Quando houve um ato de vandalismo na Bienal e beijaram uma obra do Warhol, ele conseguiu fazer com que não saísse nada nos jornais. Eu não quero colocar a imprensa como um bloco irresponsável e homogêneo, mas gostaria que funcionasse como um alerta: ou o Brasil repensa sua posição com relação aos museus ou iremos por água abaixo. Os museus são um retrato da elite brasileira. As coisas se dão por pulsões. Temos um Cicillo ou um Chateaubriand, faz-se uma bela coleção, mas depois aquilo reflui. Não há continuidade.

CC: Ainda falando de imprensa, por que a crítica de arte praticamente acabou no Brasil?

PH: Porque existe um deslocamento ético de olhar. A arte é vista como colunismo social, como mercadoria, como forma de aquisição de prestígio. Só não é vista como essência ontológica. E eu uso esse termo para o leitor da coluna social não entender. A arte está sendo abandonada pela sociedade brasileira em sua essência ontológica. Estamos produzindo um país de cegos. A arte só aparece quando cega.

CC: Como assim, "quando cega"? Quando pode ser embalada como se embala o Superman?

PH: Mais ou menos. De alguma maneira, essas duas coisas se cruzam. O New York Times tem chamada na primeira página sobre artes plásticas quase toda semana e, toda semana, tem duas páginas de crítica dedicada à arte. Mas tem também a contrapartida: o mercado anuncia. É uma ilusão pensar que quem financia o sistema jornalístico, que reduz os segundos cadernos hoje ao entretenimento, não pauta esses cadernos. Nosso artista novinho tem de custar 30 mil dólares, porque é esse o preço de um artista jovem em Nova York. Mas a galeria que paga 30 mil dólares por esse artista anuncia no New York Times.

CC: Por que a galeria brasileira não anuncia?

PH: Porque somos arremedo do mercado de arte internacional. Um artista brasileiro vale o preço internacional se ele tiver um mercado de demanda e de distribuição. Não adianta dizer que fulano vale "x" se não há uma demanda. Ele pode valer "x" no Brasil e "x-10" lá fora.

CC: Mas a moda é dizer que tal artista foi comprado por uma galeria européia ou norte-americana...

PH: Eu espero que o sistema fiscal brasileiro tenha eficiência, ou seja, se as obras alcançam preços internacionais, o sistema fiscal brasileiro também deve ser beneficiado por isso. Artistas e galerias não podem estar à margem do sistema fiscal.

CC: E estão?

PH: Não sei, eu estou colocando isso. Se um Volpi vale 3 milhões de reais, isso é uma questão da lei da oferta e da procura. Mas, por que não há uma avaliação das heranças, como se faz na Europa ou nos Estados Unidos? Na França, quando morre um artista, parte de seus fundos são revertidos para o Estado. Aqui, certas coisas não são claras. Alguns colecionadores brasileiros pensam que se abrigar do Fisco é um estado de segurança. Mas não é. Eu falo em termos gerais. As galerias querem um preço internacional para os artistas. Mas a arte tem um custo social e, no Brasil, há uma relação disparatada entre sistema fiscal e o que se paga de salário a um ajudante, por exemplo.

CC: É um mercado que vive na informalidade?

PH: Parte dele. Existe todo tipo de nuance, desde um mercado que a gente conhece até um mercado secundário. A minha mensagem básica é que é uma ilusão achar que, a médio prazo, o melhor é ser capaz de sobreviver ao Fisco. O melhor é formalizar a produção e a circulação de arte dentro daquilo que é do sistema de circulação de mercadorias. A informalidade é uma bomba que vai estourar daqui a pouco. A formalização é boa para o sistema de arte.

CC: É arte a serviço da especulação?

PH: Às vezes, sim. Mas não se pode falar disso em termos genéricos e eu prefiro não entrar nessa discussão. O que é certo é que, cada vez mais, o artista é produtor de mercadorias.

CC: Esteticamente, isso se reflete em quê?

PH: Eu acho que o artista se transformou num financista, ele tem de entender das finanças da sua produção.

CC: Isso significa buscar o que dá dinheiro?

PH: Sim ou não. Tem artistas que produzem muito pouco e que sabem que, quanto mais rigor tiverem, mais sua obra se tornará objeto de desejo. Eu não quero moralizar a questão. Quero dar à questão uma dimensão social. Insisto que é importante avançarmos para maiores níveis de formalização do mercado.

CC: Há distorção nos preços de jovens artistas?

PH: Depende da ótica. Trata-se de um mercado de demanda. Além disso, estamos falando de gosto e, muitas vezes, do gosto do ignorante, do novo-rico, o gosto do brilhareco, do cara que compra assinatura.

CC: Esse seria o gosto dominante hoje?

PH: Acho que é uma mistura. O mercado de arte brasileira vai tentado alcançar uma maturidade.

CC: O que é essa maturidade?

PH: Compreender que o mercado é uma força dinâmica do sistema cultural. O mercado de arte é mais maduro quando busca encaminhar determinadas obras especiais para coleções públicas ou privadas especiais e quando vai sendo mais lúcido, nas estratégias políticas de circulação.

CC: Mas quando a Adriana Varejão é mais notícia porque casou do que porque abriu uma exposição ou quando a Beatriz Milhazes se torna um hit das colunas sociais não estamos na contramão dessa lucidez?

PH: Trata-se de duas artistas que, pela maneira como pensam a vida, concedem isso. Mas é preciso dizer que ser reconhecida pelo casamento não é a preocupação da Adriana Varejão. Nesse sentido, elas são muito mais resposta às demandas do que produção de demanda, entende?

CC: Não... Significa que a Adriana, por ser bonita e ter casado com o (colecionador) Bernardo Paz, atende a um desejo desse gosto da elite?

PH: Da elite e da mídia de futilidades. A obra da Adriana Varejão mudou depois do casamento? Não. Ela não expôs na Fundação Cartier depois do casamento. Isso é muito mais sintomático de um sistema de arte querendo produzir um estrelato e de um processo de imprensa onde o pensamento crítico cede lugar ao mundanismo do que de uma busca da artista.

CC: Mas ajuda a vender a obra...

PH: Como diz o Mário Pedrosa, a arte é como um presunto qualquer no sistema capitalista. O artista produz bens. Mas é fato que essa rarefação da crítica começa a colocar a arte brasileira num estado de letargia que pode empurrá-la para o tipo do cânon contemporâneo, com photoshop, conceitualismo simplista etc. De um lado, temos esse sistema e, de outro, a Lei Rouanet, que é uma espécie de colesterol da cultura: está com muito peso e acha que isso é sinal de saúde. A lei deformou o museu como espaço de civilização. Ela raramente é aplicada em etapas fundamentais, como a conservação. O patrocinador gosta dos eventos, mas os eventos deveriam ser, no mínimo, precedidos de pesquisa. O preocupante é que, enquanto isso tudo acontece, o brasileiro desaprende a olhar.

Posted by João Domingues at 2:21 PM | Comentários (1)

outubro 19, 2006

Parque temático, entrevista de Dominique Gonzalez-Foerster a Marcelo Rezende, Revista Bravo

Parque temático

Entrevista de Dominique Gonzalez-Foerster a Marcelo Rezende, originalmente publicada na Revista Bravo nº 110

Dominique Gonzalez-Foerster, um dos destaques da 27a bienal, fala sobre a fascinação pelos trópicos e a procura por alguma coisa "orgânica, intensa, pulsante, imatura e fora de controle"

A artista Dominique Gonzalez-Foerster, nascida em Estrasburgo, França, é hoje, aos 41 anos, um dos mais importantes nomes na cena da arte contemporânea mundial. Assim como os também artistas Pierre Huyghe e Philippe Parreno - dois franceses que usam o vídeo como meio para diferentes comentários sobre a memória, a sociedade e a cultura—, com quem compõe um trio aos olhos da crítica internacional, Dominique fez seu aprendizado na cidade de Grenoble, na École du Magasin - Centre National d'Art Contemporain.

O organismo foi extremamente influenciado pela passagem do cineasta Jean-Luc Godard, que viveu na cidade no início da década 70 e propôs, com a criação do Sonimage ( uma sociedade de produção) "usar o cinema para criar uma TV que ainda não existe; e usar a TV para recuperar um cinema que não existe mais". Dominique Gonzalez-Foerster realiza seu primeiro filme, Ile de Beauté (ilha de beleza), em 1996, ao lado do videasta Ange Leccia: durante o ano de 1985, um narrador divide seu olhar entre duas ilhas, a Córsega e o Japão, no qual uma atmosfera de vazios é criada em frente ao espectador, que acompanha uma série de micro-eventos. Até o momento, Dominique realizou 13 produções em filme e vídeo, perseguindo sempre uma leitura "sutil" das imagens.

Em seguida, a artista passa a investigar com intensidade dois dos temas que resultaram em trabalhos responsáveis por sua projeção: a tropicalidade e os espaços criados pela arquitetura em meio a um cenário natural ou urbano. Além dos filmes, passa a criar suas "situações em espaços específicos". Algumas marcantes instalações surgem a partir desse momento: Quelle Architecture Pour Mars ? (qual arquitetura para marte ?, Le Consortium, Dijon, 2001); Exotourisme (Centro Georges Pompidou, Paris, 2002), vencedor do prêmio Marcel Duchamp; Artist in Focus (artista em foco, Bojmans Museum, Roterdam, Holanda, 2003) e Multiverse (Kunsthalle, Zurique, Suíça, 2004).

Como afirma o crítico e curador sueco Daniel Birnbaum, "no trabalho de Gonzalez-Foerster, o gênero não parece mais relevante. Suas produções recentes incluem uma aventura 'cósmica', projeções em vídeo e 'ambientes' sonoros". Nesta entrevista, Dominique Gonzalez-Foerster fala sobre sua atração pelas terras tropicais, seus planos para a Bienal e sua estreita relação com o Brasil.


Bravo: Você tem trabalhado muito com a noção de "tropicalidade" e também sobre a procura por uma "outra modernidade", como em "Tropicale Modernité" (Fundación Mies van der Rohe, Barcelona, 1999). Que tipo de relação poderia ser feita entre suas pesquisas e seu trabalho pensado para a Bienal de São Paulo?

Dominique Gonzalez-Foerster: Como disse para Lisette Lagnado durante minha primeira visita ao pavilhão da Bienal, em abril, a principal dificuldade é propor alguma coisa nesse contexto que já me influenciou tanto - há um tipo de timidez. Viajo para o Brasil desde 1998, agora moro também no Rio de Janeiro durante parte do ano, e houve filmes, ambientes, alguns tipos de "exportações"…agora é preciso conseguir "importar" alguma coisa.

Quando e por que você escolheu a "tropicalidade" como tema?

Quando tive a necessidade de identificar alguma coisa essencial que nos falta muito em Paris e que me parece muito produtiva e necessária: alguma coisa orgânica, intensa, sensorial, vegetal, pulsante, imatura, fora de controle…mas a tropicalidade é também um contraponto ideal à modernidade, uma construção modernista em um contexto tropical é extraordinário.

Quando você pensa sobre o Brasil, que tipo de modernidade você tem em mente?

Em primeiro lugar, a modernidade arquitetônica, que me fez sonhar com Brasília durante anos. Mas há também uma relação com a modernidade mais banal, mais cotidiana. O formato das cabines telefônicas e das caixas do correio brasileiras continuam para mim um permanente prazer. Trata-se de um país que não está ainda emparedado no culto do patrimônio e do retrô, algo que vemos agora na Europa.

Uma reflexão sobre o espaço e a arquitetura é também algo constante em sua trajetória. Encontrar a construção de Oscar Niemeyer na Bienal teve alguma influência em seu trabalho em São Paulo?

Eu já olhei, atravessei, filmei muito a arquitetura de Oscar Niemeyer, sou uma admiradora de suas qualidades de espaços e de situações que ele pensou e produziu - um espaço ao mesmo tempo coberto e aberto, como a marquise do parque do Ibirapuera, isso é único no mundo. O pavilhão da Bienal, naquelas dimensões, dá um arrepio a cada andar. Participar dessa bienal é a oportunidade de dialogar diretamente com essa arquitetura que é tão estimulante para mim; a possibilidade de falar a linguagem dessa arquitetura, de usar esse vocabulário. A exposição como território para o jogo e para o pensamento.

Mas como evitar o exotismo, um Brasil exótico, que pode surgir nesse contexto?

No Japão, um filme francês do período da nouvelle vague é exótico. Alguns filmes indianos recentes são filmados nos alpes suíços, é a estética do diverso, como diria o escritor Victor Segalen, e não apenas uma noção turística. É também a prova de heterogeneidade, não é apenas do cliché que se trata - é uma forma de exotismo visual, a "comunhão do sensível": sejamos abertos ao diferente, inquietos e curiosos.

Na Bienal vemos uma instalação e também alguns de seus filmes. Você poderia comentar as proximidades e diferenças desses dois campos em seu trabalho?

Quando faço filmes, identifico momentos urbanos, situações em espaços específicos. Eu registro conjuntos complexos: a coreografia inconsciente de pessoas que atravessam a cidade, a luz que muda, a influência da paisagem e da arquitetura sobre os deslocamentos, o clima sonoro. Quando faço propostas espaciais, tento prolongar essa identificação, essa escolha, propor situações que poderiam ter essas qualidades dos espaços atravessados e filmados. O interesse principal da exposição é o de ser um espaço "dividido". Não é o livro, o filme ou o espetáculo que assistimos sozinhos, estamos na exposição com o corpo em deslocamento, a voz, podemos andar rápido ou devagar, fazemos parte da imagem (da situação) para os outros visitantes. Conscientes ou não dessa situação, ela existe.

Há também a música como elemento em sua trajetória, como o documentário realizado com o cantor francês Bashung. É possível criar no mercado, dentro de um mercado como o da música?

Para mim foi muito importante trabalhar fora do museu e da galeria, junto a um público que tem outras referências e que não pensa com as regras da arte contemporânea. Escuto as canções de Bashung na rádio desde minha adolescência, e quando ele me pediu para trabalhar com ele, foi uma emoção extraordinária - eu procuro os limites do campo da arte, obras que se difundem e para as quais se olha de modo diferente.

Existe alguma diferença entre realizar trabalhos nos grandes centros, como Veneza ou Nova York, e expor na Bienal de São Paulo ou de Istambul, países que não estão no grande circuito da arte? Existe alguma diferença quanto ao público?

Não, não acredito que exista uma diferença. Há sempre o público "profissional" dos primeiros dias, e depois o público da cidade, do país, os viajantes e os estudantes…muitas pessoas criticam as bienais, mas eu gosto bastante delas, porque são como festivais de cinema para as artes plásticas. Encontramos os outros artistas, vemos novas obras, olhamos a cidade de um modo diferente. Jamais estive na Bienal de São Paulo, a mais antiga depois de Veneza, e que possui uma longa história, mas não sei como ela funciona em relação ao público. Isso vou descobrir logo.

Marcelo Rezende é escritor e jornalista. É autor do romance Arno Schmidt (Planeta, 2005) e do ensaio Ciência do Sonho - A imaginação sem fim do diretor Michel Gondry (Alameda, 2005). Criou e dirige a coleção de ensaios Situações

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outubro 16, 2006

"La globalización no pone en riesgo la identidad", entrevista de Juca Ferreira a Héctor M. Guyot

Los intelectuales del mundo y LA NACION

Juca Ferreira: "La globalización no pone en riesgo la identidad"
Opina un embajador cultural de Brasil

Entrevista de Juca Ferreira a Héctor M. Guyot, originalmente publicado no Jornal La Nacion, no dia 11 de outubro de 2006

Viste un traje impecable y sus modos son atentos y medidos. Sin embargo, algo en su persona llama la atención: un arito dorado destella en una de sus orejas. João Luiz Silva Ferreira, o Juca Ferreira, como todos lo llaman, es secretario ejecutivo del Ministerio de Cultura de Brasil, la mano derecha del ministro, el músico Gilberto Gil, al que conoció a principios de los años 80, cuando ambos militaban en la causa ecologista. Sociólogo por la Sorbona, 57 años, casado, Ferreira pasó por Buenos Aires para participar del IV Encuentro Internacional sobre Diversidad Cultural, organizado por el gobierno porteño.

Lejos de temerle al fantasma de la globalización, Ferreira afirma que el flujo informativo que llega de afuera enriquece los procesos culturales nacionales, siempre que en esa relación compleja el Estado garantice equilibrio y reciprocidad. Y ofrece como ejemplos de feliz interacción la bossa nova y el tropicalismo.

"La expectativa pesimista de una homogeneización cultural no se confirmó. El propio mercado necesita de la diversidad para realizarse plenamente", dice Ferreira, quien en cada viaje de Gil asume interinamente la cabeza de un ministerio que, según las voces críticas, no alcanzó aún a plasmar en los hechos todas sus intenciones.

Para Ferreira -ex secretario municipal de Medio Ambiente de Salvador de Bahía y autor de numerosos proyectos ligados a la ecología y a la difusión de la cultura-, la clave es que cada expresión cultural tenga la oportunidad de aportar su voz al coro de la diversidad, objetivo para el cual los medios de comunicación -y especialmente la TV- cumplen un rol esencial.

"La experiencia brasileña muestra que es posible estar abierto al mundo y al mismo tiempo mantener las singularidades a partir de nuestras características culturales específicas -dice a LA NACION-. Brasil siempre fue un punto de encuentro de muchas culturas. Los portugueses encontraron la presencia indígena. Con la esclavitud vinieron los africanos, y desde fines del siglo XIX llegaron corrientes migratorias de casi todo el mundo. En un país de grandes dimensiones, tenemos regiones con características culturales muy propias. Yo diría que nuestra identidad es la diversidad."

-¿La globalización pone en jaque esa diversidad?

-No hay por qué temer el intercambio con el mundo. Hoy la subjetividad se construye no sólo con las matrices culturales locales, sino también con la cacofonía de informaciones que llegan de múltiples canales de intercambio. No hay posibilidad de pensar, ni sería bueno hacerlo, en una identidad aislada. La gente necesita absorber la información que viene de afuera, procesarla desde sus patrones culturales y devolverla enriquecida. Todas las experiencias de un ser humano interesan a todos los seres humanos, independientemente de los contextos culturales específicos. Pero, claro, existen colonialismos, hegemonías y una concentración de los medios de comunicación de masas, y eso hace que este intercambio sea muy desigual. Allí entran las políticas públicas, para garantizar que no sea predatorio.

-¿Cómo se evita?

-Es fundamental que cada pueblo se exprese y se reconozca en sus manifestaciones culturales. Especialmente en los medios de comunicación de masas, que son los que determinan las sensibilidades. Yo diría que la televisión es hoy el hecho cultural más importante.

-¿La TV es un instrumento de homogeneización o, por el contrario, de promoción cultural?

-Las dos cosas. Al tiempo que es un canal de hegemonía y homogeneización, es una oportunidad enorme de multiplicación de fuentes. Vuelvo a lo anterior: si el pueblo no se ve en la tele, si no hay posibilidad de que todas las regiones del país tengan presencia en los medios, se restringe la canalización de esa expresión que permite el diálogo entre lo producido dentro del país, para que luego se relacione de manera generosa y saludable con lo que viene de afuera.

-¿Es posible lograr ese equilibrio cuando la industria cultural del Primer Mundo es tan fuerte?

-La expectativa pesimista de una homogeneización cultural no se confirmó. Las diversas matrices culturales y las sensibilidades singulares acabaron teniendo un peso importante en un contexto de globalización. El mercado necesita esa diversidad para realizarse plenamente. Si existen tendencias de homogeneización, por el otro lado existe la posibilidad de que la diversidad se desarrolle plenamente en ese territorio integrado. Les cabe a los Estados y a la sociedad generar mecanismos para garantizar ese desarrollo.

-Pero los paradigmas de esta tensión entre lo local y lo global han cambiado en los últimos años.

-Claro. La globalización ha cambiado la construcción de la subjetividad. Hoy usted no tiene sólo los estímulos de su experiencia local, de su comunidad, de su país, sino que todas las experiencias están conectadas. Se reciben información, signos y mensajes de todos los contextos. Es casi un supermercado donde uno puede elegir, y eso tiene un lado positivo, porque esa disponibilidad ofrece un nivel de libertad mayor.

-¿Los sistemas educativos de nuestros países apuntan a desarrollar esa capacidad de elección?

-Las escuelas están atrasadas en el mundo entero con relación a ese proceso. Han perdido el monopolio de la transmisión de información y conocimiento. Hoy, un chico o un joven tienen más información fuera de la escuela que adentro. En este sentido, todavía no hubo una adecuación de las estructuras escolares. Yo diría que hoy estamos viviendo un tiempo de transición, en el que se buscan caminos y políticas que permitan que la globalización sea experimentada no como vía de una sola mano, sino de manera más amplia.

-¿Cómo se hace para mantener la diversidad dentro de un país tan rico y complejo como Brasil?

-En un país de dimensiones continentales como Brasil existe una hegemonía de Río de Janeiro y San Pablo que necesita ser equilibrada con regulaciones que permitan la divulgación de la producción cultural de todas las regiones del país para que puedan ser parte de la subjetividad nacional. Porque la homogeneización cultural no es sólo una amenaza que viene de afuera. En nuestros países, en los que la república no se ha desenvuelto plenamente, la amenaza es también interna.

-¿ Qué políticas ha trazado desde su ministerio al respecto?

-Cuando Gil asumió, manifestó que entendía la cultura en tres dimensiones. Primero, como hecho simbólico. Cultura no es sólo el arte, sino también toda producción simbólica del pueblo brasileño, y eso incluye lo culinario, las tradiciones y hasta la tecnología. Segundo, como derecho de ciudadanía. En Brasil, los números indican una gran exclusión: menos del diez por ciento de los brasileños va alguna vez al año al cine, y con casi 200 millones de habitantes los libros tienen una tirada promedio de 5000 ejemplares. Por eso nuestra política pública se volcó a promover el acceso de la población a la cultura. La tercera dimensión es la económica. Con todo esto, introdujimos un concepto fuerte de política pública.

-¿No existe el peligro, por otra parte, de que el Estado financie el arte de una elite para que sea consumido por una elite?

-Parte de la producción cultural, especialmente la más elaborada, es para un universo social elitista. Por ejemplo, la producción de música erudita no tiene un público grande en Brasil. Pero no hay que olvidar que al principio la bossa nova no tenía un público grande y luego resultó una contribución definitiva para la música brasileña y mundial. El desarrollo del lenguaje artístico nunca es un fenómeno de masas, porque por lo general contraría el gusto mayoritario. Pero es una parte fundamental del proceso cultural, que vive de la ampliación del acceso y de la profundización de los lenguajes. Ambas cosas son importantes.

-¿A qué atribuye la fuerza cultural que manifiesta el pueblo brasileño?

-En Brasil la cultura nacional tiene una razonable expresión en todos los medios. Por ejemplo, la música brasileña representa el 80 por ciento de la que se escucha. Creo que esto empezó a fines del siglo XIX, cuando Brasil advirtió que no era un segmento de Europa y comenzó a buscar su singularidad. Los modernistas formularon la idea de que éramos un pueblo mestizo y no teníamos una sola identidad cultural, sino muchas. Entonces perdimos el miedo a la relación con el exterior y empezó a construirse un orgullo, una conciencia cultural importante. Mario de Andrade primero, Tarsila do Amaral, los concretistas y otros después perdieron el complejo de inferioridad. La bossa nova y el tropicalismo, por ejemplo, son una prolongación de esa sensibilidad.

Posted by João Domingues at 3:18 PM