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agosto 18, 2006
Nova Iguaçu: oração no lugar do tridente, por Helvio Lessa
Nova Iguaçu: oração no lugar do tridente
Matéria de Helvio Lessa, originalmente publicada no Jornal O Dia, do dia 17 de agosto de 2006
Prefeitura desfaz símbolo associado ao mal pintado em cruzeiro e promove ato ecumênico
O prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), vai subir nesta quarta-feira a encosta da Serra do Vulcão, acompanhado de 20 padres e pastores para fazer um ato ecumênico no local onde, no fim de semana, foi pintado um tridente.
Lindberg acredita que essa é a melhor forma de tentar minimizar a polêmica que tomou conta da cidade e de provar que não tinha conhecimento do teor da obra, feita durante evento cultural da Funarte que contou com apoio da prefeitura.
Além de promover o ato religioso, o prefeito afirmou que vai processar o artista plástico Alexandre Vogler, que fez o tridente que provocou confusão na cidade. "Ele não podia fazer aquilo. Estou convencido de que ele quis criar uma polêmica. O povo está revoltado. Esse Alexandre Vogler não estava autorizado por ninguém para pintar aquele tridente. Ele quis fazer uma afronta", disse Lindberg.
DIFICULDADE PARA APAGAR
Cerca de 40 funcionários da prefeitura passaram dois dias na encosta tentando apagar o tridente. Até enxada foi usada. Mas como a pintura feita na pedra e na vegetação não desaparecia por completo, a solução encontrada foi estender algumas linhas com cal para mudar o formato do desenho. Com isso, a imagem que pode ser vista de vários pontos da cidade é um enorme quadrado mal feito.
A intenção do prefeito é convocar outros artistas para desenhar uma nova obra. "Vamos nos reunir para decidir se será pintada uma grande cruz no local ou se colocaremos apenas a inscrição 'Nova Iguaçu está sob proteção de Deus' na pedra", disse o prefeito.
O artista plástico Alexandre Vogler rebateu as acusações do prefeito e disse que Lindberg não tem elementos para mover um processo. Apesar de acreditar na liberdade de expressão de qualquer religião, Vogler voltou a dizer que o tridente é uma referência ao deus Netuno.
Segundo ele, o desenho era do conhecimento dos organizadores do evento e só surgiu devido à redução da verba prevista. "Era para ser colocada a inscrição "Eu amo Nova Iguaçu", com gambiarras. Mas a verba não foi suficiente para o que foi planejado", justificou.
Ambientalista denuncia risco ecológico
Ambientalistas de Nova Iguaçu pretendem responsabilizar tanto o prefeito quanto o artista plástico pelos possíveis danos ambientais provocados pela cal no local onde foi pintado o tridente.
Segundo o ativista Ricardo Portugal, da ONG Defensores do Gericinó, Mendanha e Tinguá (Dangemt) será feita uma representação no MP para apurar as responsabilidades.
"Além de tornar a terra infértil, a cal vai atingir o lençol freático. Pode ter um dano irreparável", justificou Ricardo. Moradores também temem que a pequena mina de água atrás do cruzeiro seja contaminada.
Lindberg, no entanto, disse que a informação é equivocada e que os técnicos da prefeitura afirmam que a cal não é prejudicial. "Ao contrário, serve como corretivo do solo", explicou.
Apesar disso, o prefeito garante que a alteração do desenho não será feita com cal. "Ainda estamos estudando qual o material a ser usado para corrigir esse desenho", acrescentou Lindberg.
agosto 15, 2006
Entre a cruz e o tridente, por Helvio Lessa
Foto orginal - Jornal O Dia
Entre a cruz e o tridente
Matéria de Helvio Lessa, originalmente publicada no Jornal O Dia, do dia 15 de agosto de 2006
Símbolo pintado no cruzeiro de Nova Iguaçu é criticado por moradores e religiosos
Rio - A figura de um tridente pintado na encosta da Serra do Vulcão, logo atrás do Mirante do Cruzeiro, causou ontem polêmica entre moradores e religiosos de Nova Iguaçu. Muita gente ficou revoltada e acusava a prefeitura de desrespeito às religiões. O desenho fez parte de oficina de arte pública, no Projeto Interferências Urbanas, evento promovido pelo município semana passada.
"Isso é coisa do mal, do demônio. Uma afronta a um símbolo de Jesus e com a permissão da prefeitura. Subiram aqui com o pretexto de fazer arte e foram embora deixando esse símbolo do mal", disse a evangélica Edileide Amaro, 31 anos.
O prefeito Lindberg Farias (PT), no entanto, alega que o artista plástico Alexandre Vogler, responsável pela oficina, não tinha permissão para colocar o símbolo, que segundo ele é ligado diretamente ao diabo.
"Quando soube que tinha sido desenhado um tridente mandei retirar imediatamente. Ele tinha combinado de escrever "Eu Amo Nova Iguaçu". Mas acabou colocando esse símbolo que afronta a cruz. Desde pequeno que vejo a figura do diabo com tridente na mão. Moramos numa cidade de Deus", justificou Lindberg.
Censura
O artista Alexandre Vogler, 32 anos, disse que a idéia do tridente está l igada ao deus Netuno, da mitologia grega e que não teve a intenção de afrontar qualquer religião. Alexandre afirmou que, depois que a pintura estava pronta, passou a ver uma possível relação do tridente com o símbolo de religiões afro-brasileiras.
"Não esperava toda essa polêmica . Considero a atitude da prefeitura uma censura à produção artística. A intenção da arte é provocar reflexão. Mas também acredito que levantou questões religiosas, que deveriam ser encaradas de maneira democrática", disse.
Segundo Alexandre Vogler, o poder público não costuma ter a mesma postura em relação a outras inscrições religiosas que estão espalhadas pela cidade. "Não esperava que minha arte fosse provocar esse tipo de retaliação pela prefeitura", acrescentou o artista.
A cruz no alto da Serra de Madureira é um marco na cidade e pode ser visto de vários pontos. Fiéis de várias religiões usam o local para orações e eventos. O Mirante do Cruzeiro palco tradicional de uma superprodução da Via Sacra na Semana Santa, realizada todo ano, envolvendo centenas de artistas.
O local, que chegou a ter iluminação especial com cores diferentes a estação do ano, segundo os moradores, agora se encontra abandonado. "Nunca aparecem aqui para tratar do problema da falta de água e da pavimentação da ladeira de acesso ao cruzeiro. Mas para fazer essa afronta arrumaram tempo", reclamou o vigilante Paulo Furtado, 45.
Arte e religião causaram polêmica em 2002, com a exposição de orixás na Lagoa, e em 2000, com a escultura de Exu dos Ventos, na entrada da Linha Amarela.
Críticas de líderes religiosos
Lideranças religiosas de Nova Iguaçu criticaram o tridente pintado no alto do Morro do Cruzeiro. Para o padre Justino Munduala, um dos diretores do Centro de Direitos Humanos (CDH) da Diocese de Nova Iguaçu, o desenho de 25 metros foi uma afronta contra outro símbolo religioso. "Há tanto espaço para se fazer obras de arte na cidade que considero a escolha daquele local, que é próximo a um cruzeiro, uma profanação e forma errada de se conseguir fama", declarou o sacerdote.
A umbandista Glória Maria Nunes, comandante da Tenda Espírita Mirim de Morro Agudo, informou que o tridente é a ferramento do orixá Exu, entidade que é freqüentemente confundido com o diabo. "Exu representa as forças e os caminhos espirituais. Algumas pessoas chegam a pedir o mal ao orixá, o que é um equívoco", disse Glória Nunes. "Não se pode usar o tridente para afrontar outras religiões", reprovou a umbandista.
Em ano eleitoral, plano traça ações imediatas, por Fabio Cypriano
Em ano eleitoral, plano traça ações imediatas
Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 7 de agosto de 2006
Seguido ao anúncio de que o professor Teixeira Coelho assumiria o cargo de curador coordenador do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na última sexta-feira, a diretoria da instituição divulgou um "Plano Cultural" a ser implantado com "ações imediatas".
O escandaloso corte de energia, ocorrido em maio passado, decorrente da falta de pagamento das contas de luz, teve o mérito de tornar visível a crise do museu -e não apenas a financeira-, que há anos perdeu a importância cultural na cidade por ausência de profissionais qualificados para criar a programação do Masp.
Mesmo assim, a atual diretoria, com o arquiteto Júlio Neves à frente, não manifestou o desejo de alterar a rota que vinha seguindo. Durante o anúncio do restabelecimento da energia e do plano de pagamento, em maio passado, por exemplo, a diretoria do museu, por meio da responsável pela programação, a colecionadora Beatriz Pimenta Camargo, reafirmou que o Masp continuaria a organizar mostras a partir de sua coleção sem procurar vínculos com a produção contemporânea, produção esta que deveria ser objeto da ação de outros museus e da Bienal de São Paulo.
No plano anunciado na última quinta, contudo, há uma significativa alteração nos princípios da direção do museu. Entre as atividades básicas propostas estão a "maior abertura de seu acervo também para a contemporaneidade e mostras de arte com novas tecnologias de expressão e comunicação", a "premiação anual do Masp destinada a jovens artistas", "ações de apoio à arte brasileira" e a "utilização do vão livre para mostras de arte".
Graças ao corte de fornecimento de energia, a pressão pela profissionalização deixou de pertencer apenas a figuras externas ao museu, mas seus próprios conselheiros, especialmente os empossados recentemente, passaram a exigir medidas que dessem novos rumos ao Masp. Numa dessas reuniões, foi pedida até a renúncia de seu presidente.
Em outubro próximo, quando Neves irá alcançar 12 anos à frente do museu, o Masp passará por novas eleições. O "Plano Cultural" aponta para uma nova fase da instituição, que, na prática, significa a retomada de uma ação comum durante a gestão -que durou quase 40 anos (1947-1996)- de Pietro Maria Bardi: um comando curatorial forte, o que Teixeira Coelho pode e sabe fazer, e um diálogo com a produção de arte contemporânea, o que pode injetar vida ao museu.
Entretanto, lançar um plano três meses antes das eleições, após uma gestão de 12 anos e sob críticas generalizadas, soa como estratégia para manter a atual direção no museu. Não há dúvida de que, estruturalmente, a atual gestão capacitou o museu a manter e expor seu acervo dignamente, apesar de alterar drasticamente o projeto de exibição de Lina Bo Bardi, um dos primeiros desafios do novo curador. Irá ele manter as paredes que desconfiguraram a arquitetura original de Lina ou se submeterá ao tecnicismo característico dos últimos anos de gestão? Se conseguir devolver ao museu seu espírito original, o curador poderá mostrar que o "Plano Cultural" não é mero projeto eleitoral.
agosto 11, 2006
Em busca de novas geografias, por Eduardo Veras
Em busca de novas geografias
Matéria de Eduardo Veras, originalmente publicado no Jornal Zero Hora, no dia 5 de agosto de 2006
Novo curador da Bienal descarta seleção por países e aposta na internacionalização da mostra
Começam a se definir os contornos da próxima Bienal do Mercosul, prevista para se realizar entre setembro e novembro de 2007. A exposição, já reconhecida como uma das maiores e mais importantes do mundo, deve passar por uma série de transformações - tanto no conceito quanto na forma.
Em sua sexta edição, a Bienal não vai se basear em um tema, mas em uma metáfora, a da "terceira margem do rio", pinçada do conto homônimo de João Guimarães Rosa. Terá artistas no papel de curadores e terá um artista a frente do programa educativo. Vai abolir a tradicional seleção por países - em que curadores das nações participantes apontam os artistas que irão representá-las - e vai assumir um modelo mais livre, acima das "geografias políticas". Na prática, artistas de qualquer nacionalidade poderão ser chamados a participar da mostra, desde que examinados a partir das seguintes questões: "O que é uma geografia cultural?", "O que separa o global e o local?", "Quais as fronteiras possíveis?".
É mais ou menos isso que o novo curador da Bienal do Mercosul deve apresentar em Porto Alegre na próxima segunda-feira, em reunião com o Conselho Administrativo da Fundação Bienal. Gabriel Pérez-Barreiro desembarca amanhã na Capital, mas, por telefone, desde a cidade norte-americana de Austin, no Texas, antecipou para ZH as linhas de seu projeto.
- Estamos pensando não em uma Bienal do Mercosul, mas uma Bienal desde o Mercosul - enfatizou. - Você tem o elemento que é local, que é regional, mas você olha para o resto do mundo. Como é o mundo desde o Mercosul?
Espanhol de nascimento, filho de um casal de tradutores, o curador de apenas 36 anos é doutor em História e Teoria da Arte pela Universidade de Essex, com tese sobre o construtivismo na Argentina - em especial, o chamado Movimento Madí, na segunda metade dos anos 1940.
Atualmente, Pérez-Barreiro vive em Austin, onde responde pela coleção de arte latino-americana do Blanton Museum. Ele esteve no ano passado em Porto Alegre, a convite da Fundação Iberê Camargo (o Blanton é o único museu norte-americano que tem um Iberê no acervo).
Na ocasião, o curador chamou atenção pelo tom não-dogmático de sua fala. Duvidou das separações entre a arte da América Latina e a arte dos Estados Unidos, criticou a febre das curadorias e as grandes exposições temáticas. Advertiu, sobretudo, para os riscos de fazer da arte mera ilustração para as teorias.
Este ano, Pérez-Barreiro cruzou por acaso, em Buenos Aires, com o presidente da Fundação Bienal do Mercosul, Justo Werlang. Os dois passaram a discutir modelos possíveis para a Bienal do Mercosul. Logo consolidou-se o convite.
Ainda em agosto, Pérez-Barreiro deve anunciar sua equipe de curadores.
O que planeja Grabriel Pérez Barreiro
1 - Artistas internacionais serão convidados a visitar regiões de fronteira no Rio Grande do Sul. Poderão fazer intervenções no local, ou, a partir das experiências, fazer exposições em Porto Alegre.
2 - A 6ª Bienal do Mercosul terá duas exposições monográficas em torno de dois artistas ainda a serem definidos: um de perfil contemporâneo e outro já "histórico" (não necessariamente brasileiros).
3 - No módulo Conversas, os curadores escolhem oito artistas e perguntam a eles que outros artistas dialogam com seus trabalhos. Em cada sala, fica um artista e seus três convidados.
4 - Na exposição Zona Franca, quatro curadores apontam os melhores trabalhos que viram nos últimos cinco anos em qualquer país. Não há temática. O único critério é a qualidade.
agosto 8, 2006
Paulo Herkenhoff finca pés em SP com duas mostras, por Fabio Cypriano
Paulo Herkenhoff finca pés em SP com duas mostras
Matéria de Fabio Cypriano, originalmente publicada na Folha de São Paulo, no dia 7 de agosto de 2006
CCBB e Instituto Tomie Ohtake inauguram, a partir desta semana, exposições que contam com mais de cem artistas
Curador fala, em entrevista à Folha, de sua experiência no Museu Nacional de Belas Artes e da próxima Bienal Internacional de São Paulo
A primeira vez que o curador capixaba Paulo Herkenhoff pisou em São Paulo, em 1955, aos seis anos, seus passos eram mancos, pois calçava sapato em apenas um pé, o outro estava machucado e com curativos.
Nesta semana, Herkenhoff está com os dois pés bem firmes na cidade: um no Centro Cultural Banco do Brasil, onde inaugura, hoje, "Manobras Radicais", mostra organizada junto com Heloisa Buarque de Holada, e outro no Instituto Tomie Ohtake, onde abre, depois de amanhã, "Pincelada - Pintura e Método, Projeções da Década de 50". Nas mostras, o curador expõe mais de cem artistas, algo da grandeza de uma bienal.
Seu trabalho à frente da 24ª Bienal de São Paulo, em 1998, aliás, é creditado por ele mesmo como "o mais feliz" de sua carreira profissional. "Sou extremamente grato à Fundação Bienal, tive condições ideais de trabalho". Logo após a Bienal, ele passou a exercer curadoria no Museu de Arte Moderna de Nova York, onde esteve por quatro anos, e depois dirigiu o Museu Nacional de Belas Artes, no Rio, gerando certa polêmica.
"Eu poderia ficar dez anos lutando para implantar o plano de reestruturação física do prédio, encontrei o museu à beira de um colapso, mas não posso ficar um dia a mais quando mudam as prioridades. É inaceitável trocar a reestruturação física por um restauro de fachada porque é ano eleitoral", diz o curador ao justificar sua saída, em janeiro passado.
Tal experiência afastou Herkenhoff de novos projetos institucionais: "Minha grande fantasia era trabalhar no Museu Nacional, mas, depois de minha experiência lá, não quero mais trabalhar em instituições. O governo Lula fez infinitamente mais do que o governo Fernando Henrique pelo museu, mas eu peço consistência no campo da ética museológica. O José do Nascimento Júnior [diretor do Departamento de Museus do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional] é uma pessoa intolerante, e o autoritarismo dele não se justifica."
Elogios
A experiência no Museu de Belas Artes não tirou o otimismo de Herkenhoff. Sobre a próxima Bienal, o curador não mede elogios: "A Lisette [Lagnado] e sua equipe estão fazendo a primeira bienal do século 21, porque partem de um entendimento de que é preciso trabalhar em grupo, o que até já ocorreu em outras bienais, mas não só define questões a serem trabalhadas como, ao acabar com as representações nacionais, realizará a mais ajustada bienal entre as intenções curatorais e a realização na arte."
O curador acha que a Bienal "Como Viver Junto" cria "uma agenda vinculada à crise do nosso mundo, que não admite utopias, e essa bienal criará diagramas de convivência, com perspectiva histórica firme; antes de ocorrer, já é memorável".
Sobre o recente episódio da expulsão de Edemar Cid Ferreira do conselho da Bienal, a partir do afastamento em protesto de Cildo Meireles, Herkenhoff torce para que o artista se reintegre à mostra. "O Cildo é um artista de uma consistência ética extraordinária. Conheço-o desde 1969 e acho que ele entendeu que hoje a sua presença é estratégica no sistema da arte internacional. Expressou uma opinião que foi um desafio à instituição e acendeu uma luz".
Finalmente, para Herkenhoff, "o presidente da Bienal, Manoel Pires da Costa, tem uma opinião semelhante à do Cildo, creio que agora é preciso parar de escutar fofocas e as partes perceberem que apontam para a mesma direção".