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fevereiro 15, 2005
Situação da cultura catarinense
Enviado por Eveline Orth Producoes orth.prod@terra.com.br
Situação da cultura catarinense
Comunicamos a todos que na tarde desta quinta-feira [10 de fevereiro] a Assembléia Legislativa aprovou o Projeto de Lei que cria o Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, Turismo e Esporte - SEITEC. O projeto aprovado foi o substitutivo encaminhado pelo Deputado Gilmar Knaesel que acata algumas reivindicações do movimento, acrescido de emendas feitas pelo Deputado Afrânio Boppré. Vale aqui citar que o executivo não abriu mão de editar esta lei, mas aceitou alterá-la, culminando num novo projeto que apresenta importantes avanços em relação ao original, especialmente no fato de que deixa para a regulamentação pontos polêmicos e também nos seguintes pontos: clareza na definição dos recursos destinados ao Fundo da Cultura; retirada da obrigatoriedade de contrapartida de 20% para todo projeto aprovado no SEITEC (isto fica pra ser definido na regulamentação); garantia de um valor mínimo para financiamento exclusivo a projetos de pessoas físicas e jurídicas de direito privado; definição de um limite para projetos do governo e de prefeituras, ou vinculados a estas entidades; garantia de que será criado um Conselho Estadual de Cultura paritário (isto não consta na lei mas foi palavreado pelo Dep. Knaesel para ser alterado nesta próxima etapa); possibilidade de que este fundo financie diretamente (repasse direto de recursos) os projetos (no original só existia o sistema de mecenato) e a garantia de que serão criados Editais de Fomento à Cultura. O executivo está divulgando que este Fundo amplia os recursos para a Cultura em 300%.
Caso a votação de ontem se confirme e a lei seja promulgada, terá 30 dias para ser regulamentada. Conforme negociado, os pontos mais polêmicos ficaram para a regulamentação, que terá a participação de uma comissão da Frente em Defesa da Cultura Catarinense no processo. Para tornar este debate o mais democrático possível, estamos agendando uma primeira reunião para esta segunda-feira, às 19:30 no SINDICATO DOS BANCÁRIOS - Rua Visconde de Ouro Preto, 308, com o objetivo de definir os principais tópicos que deverão ser debatidos com a sociedade civil organizada e a forma como este debate ocorrerá, uma vez que teremos que ser rápidos para apresentar uma proposta de regulamentação que atenda a maioria.
Abaixo apresentamos uma lista de 18 entidades de classes, entre as 48 entidades que assinam a Frente. Solicitamos que cada uma interessada em participar deste debate apresente um representante. O ideal é que este representante possa estar presente na reunião de segunda-feira. Caso não possa comparecer, deve entrar em contato para saber o que foi definido neste encontro. A intenção é criarmos uma rede que possibilite a rápida troca de informações nas diversas regiões para que o debate possa extrapolar a limitação geográfica. Por isso, é muito importante que as entidades definam representantes e entrem em contato com a FRENTE. As demais entidades que não se sentirem representadas nestas 18 listadas abaixo devem comunicar-nos (forumcultural@floripa.com.br), apresentando uma proposta de participação. Estamos priorizando a participação de Associações e outras entidades representativas de um coletivo. Outras entidades de classe que não estiverem listadas podem entrar em contato para serem cadastradas.
Solicitamos que esta mensagem seja amplamente divulgada!!! Contatos com a Frente deverão ser feitas pelo email: forumcultural@floripa.com.br
Nesta sexta-feira deve haver a votação do Projeto 001, que, entre outras decisões, extingue a FCC e cria a Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo. Nossa posição continua sendo a de que é necessária a criação uma Secretaria de Cultura desvinvulada de turismo e esporte e a manutenção da FCC até que se abra um amplo debate para se definir qual o melhor formato para a gestão da cultura no nosso Estado. Ainda não sabemos qual será a decisão final do legislativo, mas há forte indicativo de que a SOL se transformará numa Secretaria de Cultura, Esporte e Turismo e de que a FCC ficará mantida como está até o final do ano, sendo constituído um fórum de debate sobre a melhor forma de gestão. Outros artigos da lei devem ser retirados por emendas parlamentares, negociadas nestes dias, entre eles o 191 que cancela as dívidas do tesouro com fundos, editais e etc. e o artigo que cede o CIC para o município.
É importante reforçar aqui que nossas reivindicações tiveram como base uma proposta REAL de descentralização e democratização do acesso aos recursos, no sentido de dar garantias para que TODOS de TODAS as regiões deste Estado tenha acesso IGUAL a estes recursos. Ao contrário do que o Diretor Geral da Fundação Catarinense de Cultura tenta pregar, esta Frente quer realmente estadualizar o debate e garantir que o produtor independente de qualquer região tenha acesso a estes recursos, independente do apadrinhamento político que tiver. A garantia de que serão criados os Editais é um importante passo nesta direção. E nossa próxima tarefa será criar um Fórum Catarinense de Cultura, desvinculado do Governo do Estado, que possa ser deliberativo e representativo de todos os setores culturais deste Estado, diferente das duas frustradas tentativas neste sentido, feitas pela Fundação Catarinense de Cultura nos últimos anos.
Saudações
Frente em Defesa da Cultura Catarinense
Relação das Entidades de Classe que Assinam a Frente
AAPLASC - Associação dos Artistas Plásticos de Santa Catarina
ANPAP - Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas
APMUSICA - Associação dos Profissionais de Música de Santa Catarina
APRODANÇA - Associação Profissional de Dança
Associação Brasileira de Críticos de Arte/Regional Sul/Santa Catarina
Associação de Produtores Teatrais da Grande Florianópolis - Gesto
Associação dos Realizadores do Audiovisual
Associação Itajaiense de Teatro
Cinemateca Catarinense - ABD/SC
FECATE - Federação Catarinense de Teatro
FUNCINE - Fundo Municipal de Cinema
Movimento Conversas Culturais
Projeto Filocinema - CCE/UDESC
SANTACINE - Sindicato da Indústria Audiovisual de Santa Catarina
SINDCINE - Sindicato dos trabalhadores de Cinema
Sociedade Amantes da Leitura
Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos - Secretaria Regional Sul
União Brasileira dos Escritores - Secção Santa Catarina - UBE/SC
Implosão cultural por Deluana Buss
Publicado originalmente em A Notícia, sexta-feira, 28 de janeiro de 2005, Joinvillle, Santa Catarina, Brasil
Implosão cultural
Reforma administrativa proposta pelo governo muda radicalmente o setor, cujas representações estão incorformadas
DELUANA BUSS
Florianópolis - A proposta de reforma administrativa, encaminhada no começo deste ano pelo governo do Estado para a Assembléia Legislativa de Santa Catarina, onde está em discussão, significará uma mexida grande na área cultural. O pacote ainda não foi votado - acredita-se que isso ocorrerá depois de 2 de fevereiro - e deverá receber diversas emendas, mas, do jeito que está, ele acaba com a Fundação Catarinense de Cultura (FCC), abre a possibilidade de sua substituição por uma organização social, extingue o Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, institui um fundo que atenderá conjuntamente cultura, turismo e esporte, e cria o cargo de diretor de Cultura, que será diretamente vinculado ao secretário de Estado da Cultura, do Turismo e do Esporte, nova nomenclatura do antigo secretário de Estado da Organização do Lazer. É a essa secretaria que caberão tarefas antes a cargo da FCC, como promover ações de defesa do patrimônio artístico, histórico e cultural do Estado e coordenar a manutenção do Palácio Cruz e Sousa, do Museu Histórico de Santa Catarina, do Museu de Arte de Santa Catarina (Masc) e do Museu da Imagem e do Som (MIS).
Inconformados com a pressa com que o assunto vem sendo tratado, artistas e entidades ligados à produção cultural do Estado deflagraram uma grande mobilização contra as propostas. O principal ponto defendido pela classe artística é a retirada de tudo o que se refere à cultura da pauta de votação da reforma, possibilitando discussão e esclarecimentos para a sociedade. "É preciso uma reforma para a área, mas ela deve demorar o tempo necessário, deve ser aberto o debate", defende o editor Fábio Brüggemann, escolhido como porta-voz da classe.
Os encontros resultaram na criação da Frente em Defesa da Cultura Catarinense, na qual ocorreu uma divisão de tarefas. Enquanto alguns analisam detalhadamente a proposta de lei do Governo, outros fazem pressão junto aos deputados estaduais ou organizam reuniões de articulação em diversas cidades catarinenses. Para o dia 2 de fevereiro, quarta-feira, já está agendada, na Assembléia Legislativa, uma audiência pública com a presença de representantes dos setores culturais, além, claro, de deputados e representantes do governo.
Antes disso, a classe planeja entregar hoje, ao ministro da Cultura, Gilberto Gil, que estará no em Santa Catarina para realizar um show, um documento explicando a situação no Estado, com cópias para o secretário de Identidade e Diversidade Cultural do ministério, Sérgio Mamberti, e para a secretária de Cultura do Paraná, Vera Mussi, que preside o conselho permanente de secretários. Já na segunda-feira, dia 31, às 12 horas, será realizado o ato público Enterro da Cultura, numa passeata entre o Mercado Público e a Assembléia Legislativa, com esquetes de teatro, performances e panfletagem alertando a população para as mudanças da estrutura da cultura em Santa Catarina.
Diretor-geral da FCC, Edson Busch Machado acredita que "essa discussão é necessária para chegar a evoluir. A estrutura atual é arcaica, e os resultados nos últimos dez anos têm demonstrado isso". Ele acredita que a criação de uma organização social, compartilhando a gestão da cultura estadual entre iniciativa privada e o poder público, poderá trazer resultados positivos. "E assim, paralelamente, poderia ser viabilizada a proposta de criação de uma secretaria estadual de cultura, talvez para daqui a dois anos", aventa.
O que a Frente em Defesa da Cultura Catarinense propõe:
- Retirada da cultura do pacote de reformas para discussão e esclarecimentos;
- Criação de uma secretaria estadual de cultura;
- Cumprimento das leis culturais (incluindo pagamento de dívidas pelo Estado) que não foram cumpridas pelo governo desde o início do mandato;
- Tratamento adequado à indústria cultural do Estado como fonte de emprego e renda;
- Participação da classe artística na elaboração de uma política pública séria para o setor, que contemple e respeite as conquistas registradas até o momento, como a Lei Estadual de Incentivo à Cultura.
Projetos em discussão na Assembléia Legislativa
Veja o que eles prevêem:
Projeto de Lei Complementar no 0001.8/2005, que "estabelece novo modelo de gestão para a administração pública estadual e dispõe sobre a estrutura organizacional do Poder Executivo".
Art. 70 - À Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Esporte, compete: 1. formular, coordenar e avaliar a implementação das políticas integradas de lazer, turismo, cultura e esporte; (...) 4. apoiar e incentivar a realização de eventos e manifestações culturais, esportivos e turísticos; (...) 6. elaborar estudos e análises específicas sobre as áreas culturais, esportivas e turísticas visando a proposição de diretrizes para o desenvolvimento integrado do lazer; 7. coordenar ações voltadas à captação de recursos para financiamento de projetos relativos ao desenvolvimento cultural, esportivo e turístico junto a organismos nacionais e internacionais; (...) 9. promover ações de defesa do patrimônio artístico, histórico e cultural do Estado; 10. coordenar ações que envolvam o inventário e a hierarquização dos espaços culturais, esportivos e de turismo; 11. promover ações de defesa do patrimônio artístico, histórico e cultural do Estado; (...) 14. coordenar a manutenção do Palácio Cruz e Sousa, do Museu Histórico de Santa Catarina, da Casa de Santa Catarina localizada em São Paulo, do Museu de Arte de Santa Catarina e do Museu da Imagem e do Som, bem como ações que envolvam estudos e pesquisas sobre a história política do Estado; 15. normatizar os critérios de tombamento dos monumentos e obras de arte inventariados e classificados; 16. tombar monumentos e obras de artes inventariadas e classificadas pelas secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional; e 17. apoiar e orientar as secretarias de Estado de Desenvolvimento Regional na execução e implementação das atividades e ações relativas aos setores de Cultura, Turismo e Esporte.
Art. 153 - Ficam extintas as seguintes entidades da administração indireta estadual: (...) 2. Fundação Catarinense de Cultura - FCC;
Art. 153 / parágrafo 6 - (...) a extinção apenas efetivar-se-á na medida em que forem sendo constituídas as Organizações Sociais responsáveis pelas áreas respectivas, o que deverá ocorrer no prazo máximo de 90 dias, a contar da publicação desta Lei Complementar.
Art. 154 - Os servidores das autarquias e fundações extintas, passam a integrar o quadro de servidores da administração
direta do Estado (...)
Art. 171 - Ficam transformados os cargos de: (...) 3. secretário de Estado da Organização do Lazer, em secretário de Estado da Cultura, Turismo e Esporte;
Projeto de Lei no 0019.1/2005, que "institui o Fundo Estadual de Fomento à Cultura (Funcultural) e estabelece outras providências".
Art. 2 - O Funcultural, de natureza financeira, é constituído com recursos provenientes das seguintes fontes: 1. 0,5% da receita tributária líquida do Estado de Santa Catarina (...); 2. recursos oriundos do Fundo de Desenvolvimento Social (...); 3. receitas recorrentes da aplicação de seus recursos; 4. contribuições, doações, financiamentos e recursos oriundos de entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras; 5. recursos provenientes da tributação de atividades lotéricas, na forma da lei no 11.348 (...); 6. outros recursos que lhe venham a ser destinados.
Art. 2 / parágrafo 2 - Os recursos do Fundo serão depositados em conta corrente específica, em instituição financeira oficial, administrada pela Secretaria de Estado da Cultura, Turismo e Esporte (SECTE).
Art. 4 - O conselho gestor (do Fundo), presidido pelo secretário de Estado da Cultura, Turismo e Esporte, será composto: 1. pelo secretário de Estado da Cultura, Turismo e Esporte; 2. pelo diretor de cultura da SECTE; 3. pelo diretor de Turismo da SECTE; 4. pelo diretor de Esportes da SECTE; 5. três representantes da sociedade civil organizada, membros dos respectivos conselhos setoriais.
Art. 6 - Todos os projetos e programas, quer culturais, esportivos ou turísticos, devem ser submetidos à apreciação da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Regional a qual pertençam, de acordo com o disposto no regulamento desta Lei.
Art. 13 - Ficam revogados (...) a Lei no 10.929 (...), a Lei no 11.067 (que instituem o Sistema Estadual de Incentivo à Cultura).
O que é organização social
Art. 1 - O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos
previstos nesta Lei.
Fonte: Lei Federal nº 9.637, de 15 de maio de 1998
fevereiro 2, 2005
O museu público na corda bamba por Cristina Freire
Matéria publicada originalmente no MAIS, Folha de S. Paulo, em 30 de janeiro de 2005.
O museu público na corda bamba
CRISTINA FREIRE
O museu está na ordem do dia e, no Brasil, tem ocupado espaço significativo na mídia e na agenda do governo. Como instrumento ótico privilegiado, o museu vem, ao longo dos séculos, forjando noções sedimentadas na história. Em suas práticas e representações atuais, delineiam-se relações contraditórias e conflitantes com os anseios do humanismo que o criou.
Esse parece ser o drama maior do museu público em tempos neoliberais.
É fato corrente que, há pelo menos algumas décadas, a idéia de museu, sobretudo museu de arte, torna-se sinônimo de edifício, espaço público onde se efetiva a visibilidade de administrações e vaidades indisfarçáveis. Despontam nesse horizonte projetos faraônicos, como o do museu Guggenheim que ameaçou instalar aqui mais um de seus satélites, legítimo fast-food cultural, afrontando os museus nativos pela drenagem de divisas e desprezo pelo local, fruto do velho legado colonial.
Arquitetura monumental não garante lugar simbólico, isto é, legitimidade e relevância social não são feitos, apenas, de concreto e vidro. Está aí a crise do Masp (Museu de Arte de São Paulo) para que nos sirva de lição.
Distração x reflexão
Alavancar a dimensão pública do museu não se resume a invocá-la como chavão nos discursos oficiais, mas, partindo dessa condição, tornar o museu um lugar de apropriação social, independente de interesses mercadológicos e privados. Nesse caso, seu acervo é ponto privilegiado para que se reencontre um sentido, para além do bombardeio de imagens e informações descartáveis a que estamos expostos em nosso dia-a-dia.
É necessário instigar, em cada ação, o pensamento crítico e fomentar, por exemplo, nos museus de arte, por meio da pesquisa de seus acervo, uma revisão da história que se apresenta há tempos como história das formas, estagnada na celebração do fetiche das obras-primas, das cronologias estanques pontuadas por artistas já há muito consagrados.
Buscar a integração do museu com a dinâmica mesma do campo artístico, que não é outra senão a do campo social mais amplo, é vital. Mesclar-se no curso de seus movimentos, abandonar conceitos anacrônicos, apontar diretrizes para rever práticas, articular o global ao local, procurando integrar no museu os diferentes campos do conhecimento junto das novas tecnologias.
Transitório x permanente
Persistentemente, de maneira consistente, formar um público permanente e ampliá-lo. Instigar sua sensibilidade, provocar seu pensamento plástico e fruição intelectual e acima de tudo resistir, tenazmente, à hegemonia abstrata e flutuante das cifras.
Nossa época impregna-se pela lógica econômica em que domina a "síndrome da estatística". Os critérios de avaliação pautam-se inadvertidamente pela lógica da liquidação: massa atrai massa. Quantidade não é sinônimo de qualidade, e o museu público compreende que não deve se pautar pela pressão dos números.
Afinal, vale lembrar a advertência de Walter Benjamin [1892-1940]: "Irrecuperável é cada imagem do presente que se dirige ao presente , sem que esse presente se sinta visado por ela".
Cristina Freire é professora associada no Museu de Arte Contemporânea da USP, autora de "Poéticas do Processo - Arte Conceitual no Museu" (Iluminuras).