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janeiro 28, 2005
Prefeitura do Rio reabre negociações para construir Guggenheim
Matéria publicada originalmente no Últimas Notícias do Portal Uol no dia 27 de janeiro de 2005.
Prefeitura do Rio reabre negociações para construir Guggenheim
A prefeitura do Rio de Janeiro e a Fundação Guggenheim reiniciaram as negociações para que esta cidade possa se tornar a primeira da América Latina a ter um museu da instituição.
"Neste momento estamos discutindo como desfazer o acordo que assinamos inicialmente e, simultaneamente, assinar um novo que supere todos os problemas que surgiram", disse nesta quinta-feira o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia, em uma entrevista com correspondentes estrangeiros.
O acordo inicial, assinado em abril de 2003, foi suspenso um mês depois pelas autoridades municipais por causa de uma sentença judicial que considerou o negócio inconstitucional e prejudicial para os cofres da cidade.
"A rescisão do contrato inicial e a assinatura de um novo será uma forma de resolver todos os problemas jurídicos que impediram a execução do projeto", disse César Maia, do PFL, que recentemente anunciou sua intenção de disputar as eleições presidenciais de 2006.
O prefeito, que foi reeleito em outubro passado e assumiu seu novo mandato este mês, disse que uma das prioridades de sua nova gestão, junto à organização dos Jogos Pan-americanos de 2007, é a construção do Guggenheim do Rio de Janeiro.
César Maia explicou que as negociações com a Fundação Guggenheim foram reabertas no final do ano passado em Nova York por seu secretário de Relações Internacionais, Raul Fernando Leite Ribeiro.
O prefeito disse também que a fundação americana recebeu uma primeira proposta da prefeitura do Rio, que está sendo estudada.
O novo acordo permitirá que o Rio de Janeiro se torne a sede do primeiro Guggenheim da América Latina. Fora dos Estados Unidos, o museu de Nova York tem sedes em Berlim (Alemanha), Bilbao (Espanha) e Veneza (Itália).
César Maia disse que a Fundação Guggenheim também defendeu a assinatura de um novo acordo, em vez de lutar nos tribunais para salvar o primeiro, porque revisou o museu projetado e considerou que havia riscos.
"Eles consideram que o primeiro museu, por suas características, oferece riscos", disse o prefeito, referindo-se ao projeto do arquiteto francês Jean Nouvel que inclui uma construção parcialmente submersa no mar.
Nouvel, conhecido por executar as obras do Instituto do Mundo Árabe em Paris e a Ópera de Tóquio, desenhou um museu que se parece com um navio atracado no porto do Rio de Janeiro.
"Todos chegaram à conclusão de que era preciso fazer ajustes ao primeiro acordo. Eu, particularmente, defendo o primeiro projeto, mas não sou técnico, sou um político", disse o prefeito.
César Maia acrescentou que a nova proposta apresentada pela prefeitura do Rio de Janeiro prevê que, antes da construção do Guggenheim, essa fundação possa fazer exposições em um espaço próprio na cidade.
"A idéia é assinar um acordo tripartite entre a Fundação, a prefeitura e o Museu de Arte Moderna (MAM) para que o Guggenheim conte com espaços particulares nessa edificação e possa trazer exposições itinerantes para o Rio de Janeiro", explicou Maia ao ser perguntado pela EFE.
Segundo os cálculos iniciais, que agora serão modificados, a prefeitura precisa investir cerca de 134 milhões de dólares para construir o museu Guggenheim.
César Maia considera que esse dinheiro pode vir de empresas privadas interessadas em concessões para explorar estabelecimentos próximos ao museu, como restaurantes e lojas, o que contribuiria para a revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro, atualmente abandonada.
A prefeitura já expropriou alguns diques do porto para garantir o espaço da obra.
Segundo a Fundação Guggenheim, no museu do Rio de Janeiro haverá exposições permanentes de arte contemporânea brasileira e internacional, arte clássica e outros espaços para convenções, além de amplos salões para mostras diversas.
janeiro 18, 2005
Guggenheim-Rio, texto de Henry Chu
Matéria publicada originalmente em inglês no jornal Los Angeles Times, em 29 de novembro de 2004, na página A3.
Prioridades questionadas em razão do suntuoso plano de construção de museu no Rio de Janeiro
Henry Chu
Essa cidade consciente de seu status gaba-se de lojas com design italiano, um hotel que está sendo construído pelo designer Philippe Starck e seus corpos desenhados que circulam pelas praias, cortesia do apreço brasileiro pelas cirurgias plásticas.
Agora o Prefeito do Rio de Janeiro procura desesperadamente planejar um museu com design arrojado e está preparado para desembolsar uma fortuna.
Após sua eleição no mês passado para um segundo mandato de quatro anos, sua primeira ação foi enviar um acólito para Nova Iorque para reativar os planos de erguer na cidade a maior de todas as marcas do circuito internacional de museus: Guggenheim.
Parece irrelevante o fato de um tribunal local ter suspendido o contrato assinado por Maia com a Fundação Solomon R. Guggenheim no ano passado, ou ainda que uma crescente oposição despreze sua proposta, interpretada como demonstração de seu orgulho arrogante e de sua loucura qual o homônimo romano. Sem contar que o preço da fatura facilmente ultrapassará 200 milhões de dólares numa cidade aonde milhares são ainda muito pobres para ter acesso à água encanada e eletricidade.
Maia, político conhecido por sua ambição e que alguns chamam de tirano, está determinado em persistir no seu plano de construir um complexo artístico de desenho francês, meio submergido na suja Baía de Guanabara. Ancorado por uma filial do Guggenheim, mostrará trabalhos brasileiros clássicos (sic) e contemporâneos, o complexo pretende revitalizar a abandonada zona portuária do centro da cidade e atrair turistas e cruzeiros de todo o mundo, declara o prefeito.
Contando com um acervo baseado na coleção Guggenheim e no trabalho de alguns artistas contemporâneos brasileiros, o complexo seria o ponto de partida para um projeto de revitalização da área portuária, ponto estratégico para atrair turistas e navios passantes em cruzeiros.
"Se eu não acreditasse que seria vitorioso na construção do museu, não estaria reativando o projeto novamente", ele disse ao Jornal do Brasil logo depois de sua reeleição.
Mas determinação também persiste entre aqueles que querem barrar o projeto; uma coalizão de políticos, artistas, arquitetos e habitantes que acreditam que as prioridades do Prefeito estão equivocadas para uma cidade atormentada com altas taxas de homicídio, desemprego e escolas arruinadas.
Até aqui, os opositores têm a lei a seu favor. A Justiça decidiu que Maia não tinha o direito de assinar um acordo comprometendo a cidade financeiramente por uma década inteira e que o contrato assinado com a Fundação Guggenheim estava equivocadamente baseado nas leis americanas e não nas brasileiras.
"O projeto não é apenas muito caro, mas repleto de irregularidades e ilegalidades", diz Eliomar Coelho, vereador da cidade que encabeça a oposição ao plano do prefeito.
A administração de Maia apelou do embargo e seu emissário voou para Nove Iorque no mês passado para persuadir a fundação a não desistir da filial no Rio.
Os representantes do Guggenheim recusaram-se a discutir as negociações. "Todas essas questões são incrivelmente delicadas", diz o porta-voz Anthony Calnek.
Convencer os cariocas dos méritos desse projeto é um desafio ainda maior do que convencer a fundação. Depois da Prefeitura ter gasto $ 2 milhões num estudo de viabilidades e trabalhado para fechar o acordo, a proposta passou por um tribunal popular, que incluiu protestos na praia - sempre um sinal do quanto os cariocas são sérios - e cartazes mostrando uma menina de rua bebendo água numa poça na calçada com os dizeres: "O Rio precisa desse museu?"
Alguns arquitetos locais ficaram irritados com a notícia que um francês, Jean Nouvel, fora o escolhido em detrimento dos talentos brasileiros.
Também os artistas, acharam um absurdo, despejar tanto dinheiro na construção de um gigantesco museu que competiria com as outras instituições da cidade, muitas delas estranguladas pelas microscópicas receitas e estruturas deterioradas.
O Museu Nacional no Rio, que já foi um palácio e é o museu mais antigo do Brasil, teve um orçamento de menos de $ 9 mil no ano passado para cuidar de uma enorme coleção de obras de ciência natural. O plano de César Maia para o Guggenheim pagaria mais de mil vezes esse valor - excessivos $ 10 milhões - apenas para os serviços de arquitetura de Nouvel.
"Um investimento como esse não faz sentido quando o governo não consegue cuidar do que já tem", diz Ruy Alves, diretor do Museu Nacional, que é mantida por verbas federais. "Nós temos vazamentos, riscos de furto e todo tipo de problemas; outros importantes museus enfrentam a mesma situação... Para o nosso país, construir um Guggenheim, é, no mínimo, politicamente incorreto."
O único vitorioso dessa história, dizem os opositores, seria a Fundação Guggenheim, que persegue agressivamente o licenciamento do seu nome como um meio de aliviar os seus problemas de caixa.
Confiante, Maia argumenta que o museu teria o chamado "efeito Bilbao", como o Guggenheim de Frank Gehry em Bibao na Espanha, que transformou uma pequena cidade desconhecida num pólo turístico internacional.
As previsões do Prefeito de que a versão carioca do museu atrairia 1 milhão de visitantes por ano são vistas com escárnio. O Museu Nacional recebe anualmente apenas 60 mil visitantes.
E por que traçar um paralelo com a cidade de Bilbao, dizem os críticos, se o Rio já é um dos pontos consagrados pelo turismo?
"Os turistas não virão ao Rio trazidos pelo Guggenheim", diz Eliomar Coelho. "O que atrai o turista ao Rio de Janeiro são suas belezas naturais, a cidade erguida entre o oceano e a floresta".
janeiro 10, 2005
O lugar dos museus na agenda política
Texto de José do Nascimento Júnior e Mário Chagas, originalmente publicada no Caderno B do Jornal do Brasil do dia 15 de setembro de 2004.
O lugar dos museus na agenda política
José do Nascimento Júnior e Mário Chagas
Observa-se na contemporaneidade um interesse crescente de antropólogos, sociólogos, filósofos, historiadores, educadores e museólogos pelo denominado campo museal. Na esteira desse interesse os museus passaram a ser percebidos como práticas sociais que se desenvolvem no presente, como centros envolvidos com a criação, comunicação, produção de conhecimentos e preservação de bens e manifestações culturais. Por isso, o interesse político nesse território simbólico também está em expansão.
Não há dúvida de que os museus conquistaram notável centralidade no panorama político e cultural do mundo contemporâneo. Também não há dúvida de que eles deixaram de ser compreendidos, por setores da política e da intelectualidade brasileira, apenas como casas onde se guardam relíquias de um certo passado ou, na melhor das hipóteses, como lugares de interesse secundário do ponto de vista sociocultural.
É possível supor que os museus estão conquistando um novo lugar na vida brasileira. Uma das evidências encontra-se na reformulação das agendas de política cultural de alguns candidatos a prefeito de metrópoles. Nesse sentido, o caso da cidade do Rio de Janeiro é paradigmático.
Os debates entre os candidatos a prefeito do Rio contemplam com destaque, por exemplo, a polêmica em torno do Museu Guggenheim, que mobilizou forças culturais convergentes e divergentes. Recentemente, convidados pelo jornalista Ruy Castro a pensar sobre o Rio do Futuro (JB, 03/09), os candidatos Cesar Maia (PFL), Jandira Feghali (PCdoB), Jorge Bittar (PT), Luiz Paulo Conde (PMDB), Marcelo Crivella (PL) e Nilo Batista (PDT) foram chamados ao debate sobre o lugar dos instituições museológicas federais no contexto político-cultural da cidade.
O enfrentamento desse debate, no entanto, precisa passar pelo reconhecimento de que desde o lançamento da Política Nacional de Museus (PNM), em maio de 2003, os museus federais do Rio - entre os quais destacam-se o Museu Histórico Nacional, o Museu da República, o Museu Nacional de Belas Artes, os Museus Castro Maya e o Museu Villa Lobos - estão recebendo do Ministério da Cultura (MinC) expressivos recursos visando a sua melhor qualificação institucional, a democratização do acesso aos acervos, desenvolvimento de ações educativas, melhor atendimento ao público e realização de projetos de alcance nacional.
A PNM e a conseqüente criação do Sistema Brasileiro de Museus - cujo objetivo é promover a articulação entre museus federais, estaduais, municipais e particulares - constituem um fato novo e estão contribuindo para a redefinição do lugar dos museus na agenda política. Esse fato novo impõe alguns desafios para o exercício da imaginação política e cultural dos candidatos a prefeito do Rio. Não basta apresentar respostas mais ou menos criativas para os museus federais situados por determinação histórica na antiga capital da República; não é suficiente a produção discursiva a favor da municipalização de museus federais. É preciso ir mais longe.
É preciso reconhecer que os museus nacionais do MinC, situados no Rio, estão retomando o seu lugar de instituições de destaque e, por isso mesmo, são considerados dispositivos estratégicos da política cultural em movimento. É preciso reconhecer também que as parcerias entre a prefeitura e essas instituições fazem parte da nova agenda política.
No que se refere ao mundo dos museus, o maior desafio da cidade não é a municipalização de instituições federais, mas a construção de uma política municipal de museus, como já ocorre em São Paulo. O desafio é responder às perguntas: o que fazer com os museus municipais? Como democratizar as suas gestões e ações? Como criar e colocar em movimento uma rede municipal de museus? Como valorizar e proteger o patrimônio cultural de interesse para a cidade, sem cair no melancólico ''tombamento'' da banda do bairro ''A'' ou do bairro ''B''?
Há tempos o Rio merece um Museu de Cidade comprometido com a cidade contemporânea, interessado em dialogar com a cidade que se faz e se refaz no presente. Em março de 2005, a ''mui heróica'' cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro estará completando 440 anos. Em vez de discutir a municipalização dos museus federais, será que não era hora de a nova prefeitura pensar um excelente projeto de Museu de Cidade e redefinir de vez o lugar dos museus na agenda política? Fica a sugestão.
*O antropólogo José do Nascimento Junior é diretor de Museus e Centros Culturais do Iphan. O museólogo Mario Chagas é professor da Escola de Museologia da Unirio