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agosto 5, 2004
A arte da discórdia
Texto de Gilberto de Abreu, publicado originalmente no Caderno B do Jornal do Brasil no dia 4 de agosto de 2004
A arte da discórdia
Pedido de remoção das esculturas de Marli Mazeredo do espaço urbano divide a opinião dos cariocas
GILBERTO DE ABREU
A notícia da deliberação de retirar do espaço público carioca as esculturas da artista plástica Marli Mazeredo, publicada ontem no Caderno B, trouxe à tona o debate sobre o valor artístico das peças produzidas pela escultora.
O colecionador Jean Boghici, que integra a Comissão para Preservação da Paisagem da Cidade do Rio de Janeiro, responsável pela deliberação, valoriza a polêmica:
- Reclamar faz parte da natureza humana, mas o que deve prevalecer é o bom senso. As esculturas de Mazeredo não são do tipo que, no futuro, terão seu valor reconhecido.
Para Boghici, outras intervenções são tão urgentes quanto as referentes à Mazeredo.
- Do ponto de vista estético, a escultura das ninfas próxima da Igreja de Santa Teresinha e as estátuas em bronze em homenagem a personalidades como Zózimo e Carlos Drummond de Andrade também são igualmente condenáveis - diz.
Dono de um escritório de projetos de paisagismo e estudos ambientais e professor no curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade do Sul de Santa Catarina, José Tabacow - autor do recém-lançado Roberto Burle Marx: arte e paisagem - se diz chocado com a deliberação:
- Uma comissão não é a dona da verdade para exigir a retirada de uma obra do espaço urbano, existe um componente muito subjetivo nesse julgamento. Isso me parece uma atitude arbitrária.
Tabacow teme que, no futuro, uma outra comissão surja com novas verdades:
- As obras de arte não podem ficar ao sabor desse jogo, sob pena de desaparecerem dos espaços públicos.
João Domingues, editor do site Canal Contemporâneo, direcionado à comunidade artística brasileira, diz que esta polêmica reflete a má condução da política cultural carioca:
- Especialmente no caso da Mazeredo, a polêmica vai pôr em debate a questão do valor artístico, o que é essencial.
Luciano Figueiredo, diretor do Centro de Artes Hélio Oiticica, diz que não cabe à comissão determinar o prazo das remoções:
- É o secretário das Culturas, Ricardo Macieira, e a Prefeitura do Rio que devem determinar o início da operação, envolvendo se necessário outras secretarias.
Ricardo Macieira, que também é presidente da Comissão para Preservação da Paisagem da Cidade do Rio de Janeiro, diz que a remoção das obras vai depender de cada caso, especificamente:
- Se um privado foi autorizado pela prefeitura a instalar uma determinada obra, é dele a responsabilidade de removê-la. E, no caso de obras da própria prefeitura, isso será feito pela Fundação Parques e Jardins.
Macieira não soube informar quais peças de Mazeredo pertenceriam à prefeitura, nem mencionou quando serão feitas as primeiras remoções:
- Procuramos compor uma comissão formada por pessoas com expertise e bom senso. Sorte da cidade ter um grupo de pessoas com esse tipo de comprometimento e respeito.
Pivô de toda a polêmica, a artista Mazeredo, 60 anos, prefere não se pronunciar.
- Ainda estou meio atordoada com toda essa confusão. Digo só uma coisa: recebi esta notícia com surpresa e indignação. Só espero que um dia também não inventem de tirar o Cristo Redentor do lugar.
agosto 4, 2004
Arte revogada
Texto de Gilberto de Abreu, publicado originalmente no Caderno B do Jornal do Brasil no dia 4 de agosto de 2004
Arte revogada
Comissão criada pela Secretaria das Culturas para preservação da paisagem urbana da cidade pede a remoção das 14 esculturas de Marli Mazeredo do espaço público carioca
GILBERTO DE ABREU
Criada há duas semanas pela Prefeitura com a missão de analisar os projetos de intervenção urbana implantados ou em fase de aprovação pela Prefeitura, a Comissão para Preservação da Paisagem da Cidade do Rio de Janeiro já tomou uma decisão que promete ser polêmica. Na reunião inaugural da última quinta-feira, a comissão deliberou por unanimidade retirar do espaço público carioca todas as peças da artista plástica Marli Mazeredo.
- Nosso objetivo é rever e reorganizar, com todo bom senso, toda e qualquer situação considerada imprópria à cidade - disse o secretário das Culturas, Ricardo Macieira.
Macieira é quem preside a comissão, formada pelos dirigentes de instituições culturais cariocas Fernando Cochiaralle (curador do MAM), Lauro Cavalcanti (diretor do Paço Imperial) e Paulo Herkenhoff (diretor do Museu Nacional de Belas Artes); pelos artistas plásticos Carlos Zílio, Ernesto Netto e Waltercio Caldas; pelo crítico de arte Luis Camilo Osório; pelos colecionadores Jean Boghici e João Sattamini e pelo arquiteto Paulo Casé.
- Estaremos com o olhar atento, estudando com mais cuidado cada área da cidade, a fim de pensar toda e qualquer intervenção que tenha sido ou possa ser feita - disse Macieira.
Diretor do Centro de Artes Hélio Oiticica, Luciano Figueiredo justifica a decisão:
- As esculturas criadas por Mazeredo são desprovidas de qualquer valor artístico. Depois de retiradas, elas não poderão ser instaladas em nenhum outro local público da cidade - frisa.
Com 30 anos de carreira, Marli Mazeredo é autora de 14 monumentos espalhados pela cidade, dentre eles as esculturas Paz, na Praça Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, Espaço da Paz, em Laranjeiras, Tributo a Ayrton Senna, na Barra da Tijuca, e Tributo a Zuzu Angel, em São Conrado.
A artista soube da deliberação da comissão na tarde de anteontem, por telefone, pela reportagem do JB, e reagiu à notícia com indiferença. Para ela, a decisão de banir os trabalhos se deve à transferência da responsabilidade da aprovação de construção de monumentos públicos, que passou da Secretaria Municipal de Meio Ambiente para a das Culturas.
- Isso aí só pode ser jogo de vaidade entre as secretarias das Culturas e do Meio Ambiente - declarou.
Mazeredo disse ainda preferir não se envolver em polêmicas.
- O senhor secretário das Culturas Ricardo Macieira deveria ser o primeiro a dar incentivos aos artistas da cidade, e não impedi-los de expor suas criações. Mas não me compete julgá-lo, não tenho tempo a perder com esse tipo de mediocridade - disparou.
Mazeredo alega que suas esculturas vêm sendo instaladas desde 1992, sem críticas de nenhuma natureza.
- É curioso que isto esteja acontecendo agora, no calor das eleições. Mas acho ótimo que constituam essa comissão, porque a cidade está cheia de estátuas que são verdadeiras aberrações - declarou a artista, sem detalhar quais.
Candidado à reeleição pelo PFL, o prefeito César Maia conferiu à comissão plenos poderes para avaliar a ocupação do espaço urbano carioca.
- Eu duvido desse poder, e ainda que de fato ele exista, imagino que não deva ser retroativo ao que já foi implementado. Seria uma palhaçada ir contra a vontade dos prefeitos antecessores, aqueles para quem trabalhei - disse Mazeredo.
Ricardo Macieira rebate as acusações de Mazeredo e reitera que todo monumento, busto ou escultura é passível de revisão pela comissão.
- Só se fala em Mazeredo, mas o trabalho da comissão é bem mais amplo que ela. Nossa missão está começando.