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julho 30, 2004
MinC reúne entidades para discutir Lei Rouanet
Texto de Sílvio Crespo, publicado originalmente no sítio Cultura e Mercado no dia 27 de julho de 2004
MinC reúne entidades para discutir Lei Rouanet
Decreto ganha novas versões com participação da sociedade civil; benefício do Ficart para TVs comerciais não é cogitado, nem por produtores nem pelo Ministério
SÍLVIO CRESPO
O Ministério da Cultura estuda a forma como será redigido o decreto que dará nova regulamentação da Lei Rouanet. Na semana passada (dia 20), recebeu no Rio de Janeiro representantes da Associação dos Produtores Culturais do Rio de Janeiro (APTR) e do Sindicato dos Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais (Sinparc), que apresentaram uma proposta de redação do decreto, este previsto para ser publicado no Diário Oficial da União até o final do mês.
A proposta de incluir as emissoras comerciais de televisão no guarda-chuva do Ficart (Fundo de Investimento Cultural e Artístico) não é cogitada pelo MinC desde o início do mês, quando as três entidades, acompanhadas de artistas conhecidos, embora o texto provisório do decreto ainda traga essa discussão. Além de o Ministério e várias instituições culturais terem se posicionado contra a medida desde o início, o Fundo, que foi criado junto com a Lei Rouanet em 1991 e nunca saiu do papel, não poderá ser reativado por meio de decreto. Para isso seria necessário alterar a lei.
Em outra questão polêmica a utilização de editais para selecionar projetos por meio da Lei Rouanet o Governo e as entidades presentes na reunião parecem estar chegando a um consenso. APTR, Apetesp e Sinparc tinham receio de que a medida acabasse por destinar a projetos do MinC recursos que tradicionalmente são utilizados por produtores independentes.
O MinC, de outro lado, argumenta que a seleção de projetos por editais deve estimular a investir na área cultural empresas que não têm tradição no setor. "O que a gente não queria era que, por exemplo, a Petrobras deixasse de patrocinar um projeto independente para patrocinar um projeto do MinC", afirma Bianca de Fellipes, representante da APTR. Sócia da produtora Copacabana Filmes, Bianca conta que as entidades propõem que esses editais sejam dirigidos apenas a empresas que ainda não têm uma política cultural instaurada. É preciso que fique claro no decreto, diz ela, o objetivo da medida: ampliar o número de empresas que investem em cultura. O Ministério e as entidades avaliam se a medida é juridicamente viável.
100% de dedução A polêmica ainda é grande quando o assunto é o percentual, do valor investido em projetos culturais, que patrocinadores podem deduzir no Imposto de Renda. Hoje, esse percentual é de 30% para alguns segmentos culturais e 100% para outros. A proposta do MinC é fazer uma escala gradativa, de 30% a 100%. O Ministério quer poder intervir nessa escala, aumentando ou reduzindo o incentivo de cada setor, conforme as necessidades do momento.
A APTR, Apetesp, Sinparc e outras entidades opõem-se à proposta. Por questão jurídica, o decreto não modificará o percentual do abatimento. A questão só poderá ser definida futuramente, por meio de Medida Provisória ou projeto de lei.
julho 26, 2004
Visão restrita de uma geração
Emeio enviado por Patricia Canetti sobre a matéria de Luiz camillo Osorio que foi capa, na última segunda, do Segundo Caderno de O Globo. (Leia a matéria reproduzida a seguir.)
Assunto: antes tarde do que nunca
Caro Luiz Camillo e Editores,
Gostaria de parabenizar ao crítico, como também aos editores, pela excelente matéria de capa do Segundo Caderno, "Visão restrita de uma geração", publicada ontem.
Tivemos que esperar 20 anos (mas antes tarde do que nunca) para ouvir uma voz dissonante na grande mídia provocar a visão viciada da história da arte brasileira recente. Aproveito para chamar a atenção dos senhores para essa experiência que estamos tendo: a de vivenciar a maneira de como a história é escrita e de como distorções e cegueiras históricas podem influenciar, não apenas a visão do passado, mas também a do presente e do futuro.
Faço uma sugestão: que tal fazer, durante a Bienal de São Paulo, quando vocês forem fazer uma matéria sobre os artistas brasileiros participantes, incluir, on the side, uma pesquisa histórica enfocando os anos 80? Quem sabe, assim, começamos a refrescar as nossas memórias embassadas pela repetição dessa história da arte feita de uma nota só.
Um abraço,
Patricia Canetti
Matéria de Luiz Camillo Osorio, publicada originalmente no Segundo Caderno do Jornal O Globo do dia 26 de julho de 2004.
Visão restrita de uma geração
Luiz Camillo Osorio
Respondendo à pergunta contida no título da exposição: parte dela, a mais óbvia, está agora no Centro Cultural Banco do Brasil. Mas já era hora de se fugir de alguns estereótipos e olhar os acontecimentos daquela década de modo mais abrangente. Marcus Lontra que já fora curador da mostra "Como vai você, geração 80?", do Parque Lage, em 1984 poderia ter aproveitado a ocasião para abrir novas perspectivas de compreensão sobre aquele momento da arte brasileira. Passados 20 anos, seria o caso de pôr em questão o sentido da tal "volta à pintura", tão propalada na época, e apostar no que talvez tenha sido o mais decisivo dentro de toda aquela euforia: a diversidade. De que maneira a pintura foi retomada naquela década, quais poéticas de fato se firmaram e como esta retomada se deu junto à multiplicação de meios expressivos e não contra a experimentação com novos suportes?
O começo dos anos 80 foi marcado por uma sensação de liberdade e otimismo que fazia tempo não era sentida no país. Festejar era uma nova possibilidade de engajamento político. Sem nenhuma apologia à caretice, muito pelo contrário, era o caso, nesta exposição institucional, de se descolar da festa para olhar seus desdobramentos com mais distanciamento. A irreverência e a improvisação da primeira exposição deram lugar a uma certa nostalgia cerimoniosa. É fundamental que cada um tenha a sua leitura e que se façam exposições de reavaliação histórica como esta; mas tanto melhor se forem capazes de nos abrir outras possibilidades de compreensão. Faltou esta ousadia de revisão.
Depois de uma arte de resistência, como foi a dos anos 70, nascia na década seguinte uma nova postura, menos combativa e mais afirmativa. Este caráter afirmativo era uma aposta na diversidade e na alegria que a ditadura negara. Pelo que vemos no CCBB, todavia, há uma reincidência em enxergar aquele momento apenas sob a ótica da volta à pintura, e esta como mera reação a um suposto hermetismo da arte experimental (leia-se conceitual, mas que de fato nunca existiu no Brasil). Por que manter as salas tão abarrotadas como se todas aquelas pinturas, sejam as da década de 80, sejam as posteriores, apostassem na contaminação da "grande tela"? De que maneira a pintura surgia como algo além de mera reação do mercado à "desmaterialização" da arte experimental? Por que não mostrar artistas importantes que apareceram naquele mesmo contexto alguns participando inclusive da exposição do Parque Lage e que fugiram, nas suas obras individuais, do que se convencionou como um estilo "geração 80"? Poderia citar, por exemplo, Eduardo Kac, João Modé, Jac Leirner, Nelson Felix, Ricardo Basbaum, Paulo Pasta, Mario Ramiro, Beth Jobim, entre outros. Não são estes nomes muito mais pertinentes para se pensar hoje a história dos anos 80 do que uma série de artistas escolhidos cujas obras ficaram presas ao passado e não fizeram nada de interessante desde então? Será que é o caso, então, de se separar a geração 80 dos anos 80, e começar a pensar na década como algo mais plural e fértil para a história da arte?
No que diz respeito à pintura propriamente dita, a produção dos anos 80 não pode ser vista como mero retorno à ordem, mas como procura de novas possibilidades pictóricas a partir dos fragmentos deixados pela tradição moderna. O interessante na obra de Jorge Guinle, por exemplo, é o modo como ela retoma a pintura expressionista e retira dela o heroísmo ou o desespero gestual. É uma obra distanciada e envolvente, que sabe que toda herança histórica é uma conquista e não um dado a ser livremente apropriado. A disponibilidade para atualizar e reciclar o legado fragmentado da pintura moderna está presente em duas trajetórias pictóricas bastante interessantes daquela geração a de Cristina Canale e de Luiz Zerbini. Não se trata de dizer que são os melhores artistas, mas os que têm dado à pintura um frescor renovado e sempre surpreendente. Uma artista que merece atenção é Monica Nador, cujo deslocamento das pinturas negras de grafite para as interferências pictóricas no espaço urbano é bastante interessante para se pensar a atualidade da pintura para além do seu suporte tradicional. É claro que Daniel Senise, Marcus André e Fabio Miguez, para citar só alguns entre os presentes, são pintores relevantes, mas suas obras não tiveram possibilidade de aparecer nesta exposição. A sala dos artistas paulistas da Casa 7 estava abarrotada e a escolha da escultura de Nuno Ramos deixou este artista aquém de sua trajetória.
As obras de Angelo Venosa e de Leonilson dão um tom mais introspectivo, reflexivo, de estranhamento de si e do mundo, àquele momento de aparente exaltação ensolarada. Venosa é dos poucos que se mantiveram escultor desde o começo e foi depurando sua forma plástica e dando-lhe um traço mais vertiginoso e menos orgânico. Leonilson trouxe para a arte dos 80 o traço existencial de uma geração pós-utópica que misturava uma subjetividade em crise aos novos processos de investigação formal. Sua pintura inicial, mediana, nada de particularmente interessante, foi se transformando em seus desenhos/costuras/poemas de alta dosagem poética, dando ao fazer artístico um lirismo singular. Leonilson está para a arte brasileira dos 80 assim como o The Smiths (leia-se Morrisey) está para a música pop: recriaram uma sensibilidade trágica desafetada, sem drama.
Como já mencionei, faltou a esta exposição ampliar nossa visão daquela geração, mostrando os novos usos da imagem fotográfica, da tecnologia, do vídeo. Ali a diversidade e a simultaneidade ganharam novo estatuto poético. Os objetos e engenhocas de Barrão e seu desdobramento atual no Chelpa Ferro pareceram coisa isolada e à parte, quando na verdade se articulam a uma série de outras experiências contemporâneas germinadas naquele momento. A montagem, por fim, ficou confusa e com salas cheias demais.
julho 22, 2004
Estado e Mercado, acho que é mais complexo do que isso...
PATRICIA CANETTI
Quem é o melhor parceiro da criação: o Estado ou o mercado?
Essa pergunta que inicia o texto de Adriano de Aquino, artista plástico e ex-Secretário de Cultura do último governo do Estado do Rio de Janeiro, publicado no Jornal do Brasil na semana passada (e reproduzido nesse e-nforme e no Como atiçar a brasa), traduz, na minha opinião, uma dualidade equivocada e induz o texto a uma análise viciada de uma situação complexa. Me explico.
O Estado hoje funciona com um olho nos custos e o outro nos seus consumidores (cidadãos ou eleitores?), e, como qualquer empresa, desenvolve suas funções e administra seus resultados objetivando o melhor marketing para a sua marca. No nosso caso, atualmente, a marca se traduz no slogan Brasil - um país de todos. Logo, não vejo diferença entre o Estado e o Mercado (este, citado pelo Adriano de Aquino, que me referirei daqui para frente em maiúscula), na medida que ambos perseguirão os seus próprios objetivos na hora de patrocinar ou não um evento artístico.
Como em qualquer parceria e negociação, há que se encontrar o melhor termo para as partes envolvidas; sendo que, o lado que detiver o capital, como sempre, sairá em vantagem, pelo óbvio motivo dele ser mais escasso, ao contrário da massa trabalhadora artística carente por recursos. Caberá ao lado em desvantagem, no caso, a cultura, saber vender o seu produto, seja para o Estado ou para o Mercado.
Partindo dessa premissa, de que haverá sempre uma negociação a ser feita, ainda podemos insistir na pergunta inicial e talvez a resposta nos retorne ao momento histórico em que a Lei Rouanet foi inventada: melhor lidar com a pluralidade (?) do Mercado do que com a unicidade do Estado.
Nesse ponto, gostaria de falar de alguns aspectos negativos e positivos da Lei Rouanet.
- Em primeiro lugar, vale lembrar que a lei foi criada para ampliar o acesso dos artistas aos recursos públicos, que, na época, eram gerenciados pelo governo, que tinha uma enorme dificuldade em distribuí-los de maneira - digamos - democrática.
- A passagem dessa responsabilidade do Estado para o Mercado, apesar da alegada pluralidade desse último, resultou num outro tipo de concentração e ainda inventou novos vícios e algumas deturpações sérias no nosso processo de produção.
- Passamos a ter mais exposições itinerantes, pois essas recebem 100% de incentivo, mas como esses recursos públicos foram desviados dos investimentos nas instituições públicas, que ficaram sem aportes diretos para compra de acervos, equipamentos, e contratação de pessoal que pudessem permitir o desenvolvimento de sua programação, temos hoje como conseqüência um descompasso entre as nossas instituições e as demandas da produção artística atual.
- O Brasil passou a ter livros de arte, o que era inexistente antes da lei, mas, apesar dos muitos milhões de dinheiro público investido nesse segmento, até hoje, ele se mantém totalmente dependente desse subsídio, mesmo sendo um segmento comercial.
- Esses dois exemplos que revelam lados positivos e negativos demonstram uma falha na condução da Lei Rouanet e, mais ainda, um equívoco em relação aos seus objetivos. O que, a quem e como a lei pretende incentivar? O que significa incentivar?
- No caso do modelo adotado pelas nossas leis de incentivo, esse rótulo serviu mais para o Estado se livrar da cultura, do que propriamente para incentivar, no sentido de impulsionar o objeto estimulado em direção a alguma coisa.
- Continuando com os dois exemplos citados acima, pergunto: o que se pretendia conseguir com a dissociação da produção das exposições das instituições culturais? Ou ainda, o que se pretendia em relação ao mercado editorial de arte, que vende livros a preços que os próprios profissionais da área, seus consumidores potenciais, não podem comprar?
Concluo que falta-nos vivenciar uma lei que de fato nos estimule e para isso é preciso que o Estado tenha algum interesse pela cultura, que diz querer incentivar, pois seria necessária uma proximidade muito grande com os artistas, e todos os profissionais de nossa cadeia produtiva, para conseguirmos um resultado eficiente. O Mercado também precisa demonstrar o seu interesse colocando "dinheiro bom" (não incentivado) na parada. Mas isso ainda não seria suficiente. Falta-nos também o interesse dos profissionais de arte em criar uma política e um mercado de arte que não sirvam apenas aos interesses de seus grupos específicos, mas ao país.
Por que o Estado investe ou não em Arte? Por que o Mercado investe ou não em Arte? Qual a relação que esses objetivos têm com a produção de pensamento e idéias numa sociedade? Como o Estado e o Mercado se relacionam com a experimentação e com o novo? Como nós, profissionais de arte, vemos o nosso mercado de trabalho? O que é importante e essencial para criarmos um contexto fértil para a produção de arte no Brasil?
São perguntas difíceis de responder e mais ainda pela falta de diálogo existente entre os atores envolvidos.
Empresários se ocupam com os seus desafios num mundo aonde a informação é vasta e incessante, e tudo se automatiza. Sua preocupação está voltada para gerir culturas de conhecimento e nutrir a inteligência coletiva, para o desafio de desenvolver os cérebros humanos nessa nova era que alguns já chamam de a Quarta Onda, a Era do Cérebro. Sim, cérebros humanos são hoje o maior ativo das empresas. Será que eles relacionam isso de alguma maneira com arte e produção de pensamento?
O governo, por sua vez, se esforça em incentivar a produção científica e tecnológica brasileira. (Cérebros, novamente.) Sim, precisamos correr atrás do prejuízo, somos um fracasso em patentes. Será que eles relacionam isso com experimentação artística?
Quanto a nós, na hora de trocar o que produzimos, ainda estamos perdidos por outras temporalidades. Ora buscamos nos mecenas de hoje o ideal renascentista, ora fazemos comércio como se estivéssemos no século XIX. E, apesar da arte contemporânea ser processo e vivência, interagimos muito pouco com certos aspectos da contemporaneidade.
Voltando ao início do texto, quando digo que Estado e Mercado formam uma dualidade equivocada, gostaria de acrescentar que entre essas duas entidades percebo um enredamento, um sistema que engloba a todos, aonde informação, comunicação e visibilidade são essenciais para encontrarmos as brechas e respirarmos ar puro.
Patricia Canetti é artista, criadora e editora do Canal Contemporâneo.
julho 21, 2004
Finaciamento público das telenovelas?
Texto de Sílvio Crespo, publicado originalmente no sítio Cultura e Mercado do dia 19 de julho de 2004
SÍLVIO CRESPO
Financiar uma peça de teatro, um livro, um concerto ou comprar cotas de uma telenovela? Este será o dilema do patrocinador cultural, caso seja publicado da forma como está redigido o decreto que dá nova regulamentação à Lei Rouanet. Ainda em fase de discussão com entidades culturais, a minuta do decreto elaborada pelo Ministério da Cultura estende às emissoras comerciais de televisão o direito de utilizar os benefícios da Lei Rouanet, por meio do Ficart (fundo de investimentos na indústria cultural que nunca foi colocado em prática).
O MinC afirma que é contra essa proposta, mas que se viu na obrigação de colocá-la em debate a pedido de emissoras de TV. O presidente da Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), em férias, ainda não se pronunciou sobre assunto. A Rede Globo afirma que não fez essa solicitação ao Governo Federal.
O fato é que a proposta está incluída na minuta do decreto, este previsto para ser publicado no Diário Oficial até o final do mês. Cultura e Mercado destrincha esta polêmica e traz na íntegra carta assinada por quase 300 artistas, incluindo Pedro Cardoso, Marco Nanini, Bibi Ferreira, Paulo Autran, Osmar Prado, Antônio Fagundes, Sábato Magaldi e Giulia Gam, entre várias outras celebridades que se posicionam contra a medida.
A revista online do setor cultural traz ainda estudo do produtor Paulo Pélico que analisa as modificações na Lei Rouanet ao longo de 13 anos. O estudo é endossado pelos artistas citados acima e, além de criticar o polêmico incentivo às TVs comerciais, analisa a proposta do MinC de utilizar editais para seleção de projetos inscritos no sistema de "mecenato" e defende poder deliberativo para a comissão que avalia esses projetos.
TVs podem ganhar incentivo da Lei Rouanet
Texto de Sílvio Crespo, publicado originalmente no sítio Cultura e Mercado do dia 19 de julho de 2004
TVs podem ganhar incentivo da Lei Rouanet
Patrocinadores poderão optar entre financiar um livro ou comprar cotas de telenovela, segundo minuta do decreto que dará novas regras à Lei de Incentivo
SÍLVIO CRESPO
As emissoras comerciais de televisão podem ganhar o direito de utilizar os benefícios da Lei Rouanet, por meio da ativação de um mecanismo que nunca foi colocado em prática, o Ficart (fundo de investimento à indústria cultural). Parte da Lei de Incentivo à Cultura, o fundo foi criado em 1991 para financiar grandes espetáculos e construção de casas de shows, entre outros empreendimentos culturais com caráter industrial. Agora, o benefício pode ser estendido a produções culturais e artísticas de televisões comerciais.
A mudança está incluída na minuta do decreto que dará nova regulamentação à Lei Rouanet. A minuta foi elaborada pelo Ministério da Cultura e colocada em debate com artistas e produtores culturais. O decreto deve sair no Diário Oficial ainda este mês, prevê o ministério.
Segundo estudo elaborado pelo produtor de cinema e teatro Paulo Pélico, se o decreto for publicado da forma como está redigido, as TVs comerciais concorrerão com produtores de outras áreas na busca por patrocínio incentivado, comprometendo praticamente toda a produção que hoje é financiada por meio da Lei de Incentivo.
"Uma empresa patrocinadora potencial se verá diante das seguintes opções: patrocinar a edição de um livro, a produção de um espetáculo, ou então comprar uma cota de patrocínio de uma telenovela, de uma minissérie, de um game-show cultural, etc...", diz o estudo, endossado por três entidades culturais e assinado por quase 300 artistas, entre eles Pedro Cardoso, Marco Nanini, Antônio Fagundes, Fernanda Montenegro, Sábato Magaldi, Edla Van Steen, Marieta Severo e várias outras celebridades (clique aqui para ler o estudo).
O coordenador da assessoria do ministro, Sérgio Sá Leitão, afirmou que, assim como os signatários do documento, o MinC é contra o uso da Lei Rouanet para financiamento da TV comercial. De acordo com ele, a proposta foi apresentada por emissoras de televisão e o ministério viu-se na obrigação de coloca-la em debate. Perguntado sobre qual emissora fez o pedido, Sá Leitão afirma não ter a informação, uma vez que o MinC recebeu inúmeras propostas de diversos setores.
A Rede Globo, procurada por Cultura e Mercado, enviou nota por meio de sua assessoria de imprensa dizendo que não fez a solicitação ao MinC. A Abert (Associação Brasileira das Emissoras de Rádio e Televisão), preferiu não falar sobre o assunto, pois o presidente Paulo Machado de Carvalho Neto está em férias.
No documento assinado pelos artistas, há ainda duas outras sugestões ao MinC: modificar a proposta de utilização de editais para financiamento via mecenato e concessão de poder deliberativo à Cnic (comissão que analisa os projetos que buscam patrocínio incentivado).
O MinC criou um grupo de trabalho para discutir todas essas recomendações. Estão representadas as três entidades que procuraram o ministério: Associação dos Produtores de Teatro do Rio de Janeiro (APTR), que organizou a mobilização de artistas, Associação Paulista de Produtores de Teatro (Apetesp) e Sindicato dos Produtores (Sinparc). O grupo apresentará ao MinC amanhã (terça, 20), no Rio de Janeiro, a proposta de uma nova redação para a minuta.
MinC promete não interferir na avaliação de projetos
Texto de Sílvio Crespo, publicado originalmente no sítio Cultura e Mercado do dia 19 de julho de 2004
MinC promete não interferir na avaliação de projetos
Desde 1997, ministro da Cultura tem poder de decidir sobre quem vai ou não poder utilizar os benefícios da lei federal de incentivo; assessor diz que isso mudará em um mês
SÍLVIO CRESPO
O Ministério da Cultura está elaborando decreto que modifica a regulamentação da Lei Rouanet. Sérgio Sá Leitão, coordenador da assessoria do ministro Gilberto Gil, garante que o decreto devolverá à Cnic (Comissão Nacional de Incentivo à Cultura) do seu poder deliberativo. A Comissão é responsável por analisar os projetos que buscam benefícios da Lei Rouanet.
Dia 3 de julho, representantes das associações paulista (Apetesp) e fluminense (APTR) de produtores teatrais e do Sindicato de Produtores de Artes Cênicas de Minas Gerais (Sinparc) entregaram ao ministro Gilberto Gil uma carta, acompanhada de um estudo sobre os 13 anos da Lei Rouanet, em que defendem, entre outras coisas, que a Comissão volte a ter poder deliberativo. A carta e a mobilização são iniciativa da APTR; o estudo é de autoria do produtor Paulo Pélico, associado da Apetesp.
A carta é assinada por 298 profissionais da área, entre eles Antônio Fagundes, Marco Nanini e Pedro Cardoso. O estudo faz ainda outras duas críticas à minuta do decreto de modificação das regras da Lei Rouanet (saiba quais são elas). Os documentos foram escritos pelo produtor Paulo Pélico.
Segundo o estudo, a Cnic deixou de ter suas funções deliberativa, fiscalizadora e formuladora de propostas em 1997 (Medida Provisória nº 1589/97). Desde então, o ministro tem o poder de aprovar ou não cada projeto cultural que busca incentivo da Lei Rouanet.
Sá Leitão afirma que a posição do Ministério é a mesma dos artistas e que, na prática, esse poder deliberativo já existe. "Ao longo deste ano e meio, o Gil não assinou nenhum ad referendum, ou seja, a Cnic foi a palavra final, em todos os momentos". Ele acrescenta que o MinC não concordou, algumas vezes, com decisões da Cnic, mas mesmo assim não interveio, apesar de ter o direito de fazê-lo.
Foi criado um grupo de trabalho com representantes do Sinparc, da Apetesp e APTR, que apresentará nesta sexta (dia 16) uma nova proposta de redação para o decreto.
O decreto, que segundo Sá Leitão deve ser concluído até o final do mês, é a primeira fase da reforma da Lei Rouanet. Ele modificará a sua regulamentação. A segunda etapa será a modificação do próprio texto da lei, que deverá ser feita por medida provisória ou projeto de lei.
julho 20, 2004
Perguntas para João Sattamini
Emeio enviado por Carlos Bernardi, para o Jornal do Brasil, sobre a entrevista de Cleusa Maria com João Sattamini, publicada originalmente na coluna Informe de Arte, no Caderno B do Jornal do Brasil no dia 19 de julho de 2004, e reproduzida abaixo.
O comodato do MAC-Niterói
Prezada Cleusa,
Acompanhei sua coluna essa semana, especialmente a entrevista com o colecionador João Sattamini e confesso ainda me encontro um pouco atônito com as revelações. Não acreditava que de fato o MAC pudesse perder de vez o comodato da coleção João Sattamini - talvez por não ser essa a primeira vez que o boato fora despertado - mas a força das declarações na entrevista são esclarecedoras.
O calendário do museu sobrevive quase que exclusivamente das exposições correntes da coleção, o que torna o episódio ainda mais absurdo quando pensamos no MAC como um símbolo tão cuidadosamente construído pela prefeitura da cidade de Niterói. Ainda brincamos de fazer políticas públicas, e a situação nos embaraça mais quando ouvimos do próprio colecionador a possibilidade de transferir sua coleção - o que deve ser feito quando seu acervo for mal utilizado - para a cidade do Rio de Janeiro, num espaço que deve ser (ou está sendo) construído no Armazém do Cais do Porto, um enigma que parece ser feito às escondidas, longe dos olhos e das críticas do público carioca. Talvez soasse mais interessante pensarmos em como dialogar entre esses espaços de convivência da arte, um olhando para o outro por sobre a Guanabara, confabulando circuitos interessantes da arte contemporânea. Não parece interessante, nem mesmo urgente à cidade do Rio de Janeiro, simplesmente transferir de Niterói o comodato das obras da coleção João Sattamini - significativas e que merecem um belo lugar para acolhê-las - ecoa ligeiramente deselegante e preguiçoso. Gostaria muito de saber, por sua coluna ou numa cobertura mais intensa pelo Jornal do Brasil, como está sendo realizada a efetivação desse novo espaço das artes visuais. Aqui em casa não havia recebido nenhuma notícia anterior.
Grato,
Carlos B.
Entrevista de Cleusa Maria, publicada originalmente, na coluna Informe de Arte , no Caderno B do Jornal do Brasil no dia 19 de julho de 2004.
Perguntas para João Sattamini
CLEUSA MARIA
O Museu de Arte Contemporânea de Niterói vive um momento de crise com a saída de sua diretora Dôra Silveira. Uma das ameças que pairam sobre a instituição é a perda da Coleção Sattamini, que compõe o acervo da casa, em regime de comodato desde a inauguração do museu, em 1996. São cerca de mil obras de artistas brasileiros, que o colecionador João Sattamini vem adquirindo desde os anos 50. Hoje, pode ser considerado o segundo mais importante conjunto da produção artística nacional das últimas décadas. O dono da coleção confirma a possibilidade de mudança de endereço. Mesmo evasivo, ele não desmente os boatos de que as obras poderiam vir para um outro espaço no Rio.
Em que situação se encontra a coleção, atualmente no MAC?
A coleção está no fim de carreira em Niterói, porque há 18 meses a prefeitura da cidade não define a situação legal do comodato.
Existem outras alternativas de lugares para acolher as obras, no Rio, por exemplo?
Sim, existem.
Quais seriam elas?
Espero que o prefeito do Rio, Cesar Maia, ofereça outras alternativas para abrigar a coleção.
Comenta-se que pode ser no Armazém do Cais do Porto. É verdade?
É verdade. O Luiz Alphonsus (artista plástico e ex-diretor do Parque Lage) já está até fazendo um projeto imenso para o Armazém do Cais.
Se as obras de arte saírem do MAC, a cidade de Nitérói perde. E a sua coleção, ela ganha com a mudança?
Sinceramente não sei. Se isso acontecer, o problema deve ser colocado para o prefeito de Niterói.
Como o senhor vê a transferência da coleção para o Rio?
Gosto da idéia. Mas o projeto para o Rio está voltado, basicamente, para as esculturas.
E para onde iriam as outras obras, como as pinturas?
Isso a gente vai pensar numa segunda etapa.
Esculturas urbanas
Emeio enviado por Carlos Bernardi, para o Jornal do Brasil, sobre a matéria Esculturas urbanas de Luciano Ribeiro, publicada originalmente no Caderno de Domingo do Jornal do Brasil no dia 18 de julho de 2004, e reproduzida abaixo.
Prezados do Jornal do Brasil,
Anuncio meu total descontentamento frente à reportagem "Esculturas urbanas", do Caderno de Domingo do dia 18 de julho.
Como circunstante urbano e interessado em obras de arte de pertencimento público, tive a impressão que o jornalista pouco se embrenha em buscar esclarecer na matéria da situação da arte pública na cidade do Rio de Janeiro, retendo-se aos parcos comentários capturados por transeuntes "normais" (circunstantes urbanos como eu) sobre as obras, interessados em "compreender" a produção em contraponto às palavras dos escultores, e ignorando os caminhos oficiais por onde esse espaço deva ser publicamente, ou esteticamente, ocupado. Nos casos de Ivens Machado e Waltercio Caldas, ambos participaram de seleção pública promovida pela secretaria da cultura no ano de 1995, caso que deveria ser melhor colocado frente aos comentários que tendem a, desnecessariamente, dar um discurso de significação às obras mencionadas. A "descompreensão" - permitam-me o fracasso do termo - em dado momento é a sugestão suficiente para as provocações da ordem pública, espacial e estética, o que parece figura cativa da intenção de um artista interessado em produzir um trabalho dessa natureza.
Parece muito mais urgente refletirmos sobre que política pública precisamos encarar para estabelecer critérios "compreensíveis" à cidade.
Grato pelo tempo disponível.
Carlos B.
Matéria de Luciano Ribeiro publicada originalmente no Caderno de Domingo do Jornal do Brasil, no dia 18 de julho de 2004.
Esculturas urbanas
Elas estão pela cidade, mas poucos sabem o que são
LUCIANO RIBEIRO
Em pé, diante de Escultura para o Rio, de Waltercio Caldas, o gari Benedito Leopoldo, 26 anos, não demonstrava muita compreensão. As duas hastes que parecem brotar do chão da esquina das avenidas Presidente Wilson e Beira-Mar são feitas com as mesmas pedras portuguesas da calçada, medem nove metros, pesam 16 toneladas. Estão ali desde 1996, mas foi a primeira vez que Benedito parou para olhar.
- Sinceramente, não sei o que isso quer dizer. São como dois pirulitos feitos a partir da calçada de Copacabana, é engraçado. De qualquer forma, essa esquina parece ter ficado menos perigosa - acredita o gari.
Mesmo sem saber, foi pensando justamente em pessoas simples, como Benedito, que o artista plástico criou a sua escultura. A intenção era mostrar, de forma bem-humorada, o espírito do carioca, sugerindo vários entendimentos a partir da vivência de cada um.
- Ela não pode, simplesmente, ser posta num lugar qualquer. A escultura deve inventar o próprio local, deve utilizar a cidade como uma forma de pele. E ter bom humor, atitude própria do carioca - acredita Waltercio, que levou um ano e dois meses para concluir a obra.
Ao todo, a cidade concentra 500 esculturas em seu espaço público. O secretário municipal das Culturas, Ricardo Macieira, nomeou, no último dia 6, a Comissão de Proteção da Paisagem Urbana da Cidade do Rio de Janeiro. Um grupo de 16 nomes, entre artistas plásticos, arquitetos, diretores de instituições, curadores de arte e críticos, passa a definir as obras que vão ou não ocupar a cidade. A intenção é estabelecer critérios e, evitar que esculturas sem valor tomem conta das ruas e que obras inexpressivas emporcalhem o Rio. A comissão não tem poder de mexer no que já está feito, mas de definir as instalações futuras.
São atitudes que vão interferir, diretamente, nas observações de pessoas como a funcionária pública Maria Clara Romero, 32 anos. Diariamente ela cruza com o Passante, de José Resende, no Largo da Carioca, no Centro. Nos dias de semana a escultura serve de suporte para pipoqueiros guardarem penduricalhos. Quando chove, há quem tente se abrigar debaixo da obra, criada pelo artista em 1995. Não é fácil. Resende buscou uma peça que se mexesse com o vento, capaz de dar a sensação de movimento. Ela tem 12 metros de altura, 90 centímetros de largura e seis metros de extensão, e é feita em aço córten, um material auto-protetor.
- Isso me lembra os retirantes nordestinos, muito magros e com força para andar, andar, sem, muitas vezes, conseguir coisa alguma - compara Maria Clara.
A funcionária pública não tinha como saber quem era o autor da obra. Quase todas as placas de identificação das esculturas urbanas cariocas não estão no lugar. Sem elas, só mesmo um conhecedor para identificar que o trabalho em aço exposto no Leme pertence a Angelo Venosa. Embora o artista não tenha pensado em nenhum animal marinho quando a criou, a peça ganhou um apelido. É chamada, pelos transeuntes do canto de Copacabana, de Baleia.
- Só não entendi por que ela não fica na areia da praia, encalhada, mas fincada aqui, depois do calçadão - questiona o publicitário Fabio Meirelles, 24 anos.
Um dos motivos pode ser porque Venosa não enxerga tantas semelhanças entre sua obra e uma baleia. A escultura foi criada em 1991, para ser posta na Praça Mauá. Há quatro anos se mudou para o Leme.
- Na Praça Mauá achavam que era uma algema. As interpretações variam de acordo com muitas coisas. Mas não tive a preocupação de passar uma idéia específica. Queria que a escultura fizesse parte do dia-a-dia das pessoas. Que elas se afeiçoassem à obra, como quem tem carinho por uma árvore ou um banco de jardim - explica Venosa.
O artista Ascânio MMM, com sete esculturas nas ruas cariocas, concorda com Venosa que a função das peças urbanas não é ser inteligível a todas as pessoas, muito menos a de prestar homenagens a personagens da história. Com seu Módulo 6.5 instalado no jardim em frente ao prédio da Prefeitura do Rio, com 1.200 quilos de alumínio, Ascânio conta que pensou somente em criar algo atual:
- Na escultura contemporânea, não faz sentido produzir bustos de personalidades - diz o artista.
A funcionária da prefeitura Matilde Soares, 33 anos, diz adorar a escultura de Ascânio, mesmo sem saber exatamente o que ela quer dizer.
- E precisa? Sei que é bonita, adoro ficar olhando para ela. Quando estamos no horário de verão, saio daqui com o dia claro. É muito legal poder ver uma obra desse tamanho, em vez de concreto para tudo quanto é lado - diz Matilde.
Ivens Machado pôs um dos seus trabalhos mais interessantes na Rua da Carioca, no Centro. Quem passa por ali tenta entender as intenções do artista. A dona de casa Debora Vilela arrisca, de bate-pronto:
- Parece o passo de um gigante.
Seu marido, Antonio Vilela, enxerga as pernas de uma mulher:
- Não tem todas as curvas de que eu gostaria, mas é bastante interessante - brinca.
Paulo Herkenhoff, diretor do Museu Nacional de Belas Artes, faz parte da comissão criada pelo governo e acredita que a visão plural dos moradores é muito favorável. Mas reclama que, na última década, a cidade foi infestada por ''presentes de casamento''.
- Esses bonecos com cara de gente famosa insultam a memória do homenageado. As ruas não são um território para política, nem para os artistas, e sim para a sociedade - define.
julho 16, 2004
O Estado, o mercado e a cultura
Matéria de Adriano de Aquino, publicada originalmente, publicada originalmente no Jornal do Brasil no dia 15 de julho de 2004.
O Estado, o mercado e a cultura
Qual o melhor parceiro da arte?
ADRIANO DE AQUINO
Quem é o melhor parceiro da criação: o Estado ou o mercado? Os últimos 20 anos viram fortalecer a idéia de que a melhor forma de estimular a criação artística é através do mercado, porém, alguns artistas e produtores culturais admitem que o Estado continua sendo o mais importante parceiro para o fomento da produção cultural e para o desenvolvimento das artes em nosso país.
Os anos 90 viram florescer a idéia de que a economia de mercado seria a panacéia para todos os males. As sugestões neoliberais - da equipe do governo Clinton para os países latino-americanos - eram os acessórios mais vistosos da vitrine global. No Brasil, as determinações administrativas delas oriundas geraram graves distorções nas políticas públicas e no ambiente artístico. Reduzindo seus compromissos sociais, o Estado direcionou o artista e o produtor cultural para a fila de crédito de um agente financeiro privado ou para as empresas de publicidade ligadas a bens de consumo. A partir de então implantou-se uma política de atendimento ao setor cultural que desse visibilidade para a administração. As empresas estatais foram levadas a financiar projetos culturais, suprindo em parte os custos que caberiam à administração direta, patrocinando alguns setores da arte e da cultura, como o cinema e determinadas atividades esportivas, por exemplo. Para os segmentos artísticos não beneficiados por essa cobertura a administração direta oferecia apoio institucional e leis de incentivo fiscal. A redução orçamentária, o controle fiscal e a diminuição de investimentos públicos infra-estruturais são marcas incontestes dessa política. É sempre bom lembrar que os incentivos fiscais são concedidos pelo Ministério da Fazenda.
Críticos dessa política afirmam, sem pestanejar, que foi ela a responsável pelo agravamento dos problemas do setor cultural ao liberar-se da responsabilidade de proteger as artes excluídas dos sistemas de financiamento, de difusão ou em experimentação. Alegam que os investimentos públicos para educação e para cultura são prioritários e estratégicos no combate às desigualdades sociais, ao atraso tecnológico e ao subdesenvolvimento. Argumentam, ainda, que o Estado é um interlocutor qualificado, pois suas decisões são passíveis de questionamentos e as pressões políticas inerentes à democracia permitem que a sociedade civil discuta e interfira na condução da política cultural. Essas características tornam a mediação do Estado uma ação positiva e uma via de proteção contra interesses exclusivamente mercantis.
No meu entender, as transformações sociais só ocorrem a partir das ações da sociedade civil visando à reordenação das políticas públicas. Entretanto, elas só se realizam pela cultura. O criticado descompromisso dos governos com as manifestações culturais dos diferentes grupos sociais vem sendo um facilitador para a implantação da lógica de uma cultura hegemônica. Um padrão global que há algum tempo direciona a indústria cultural de massas espalhou-se para os demais setores artísticos. O ambiente simbólico das elites cosmopolitas refletiu-se nos espaços culturais em todo o mundo, sobrepondo-se às especificidades locais. Nas artes plásticas, por exemplo, essa lógica tem sido o principal vetor das curadorias, disseminando-se pelas feiras e eventos artísticos e outros espaços onde artistas e público muitas vezes buscam informações que lhes permitam identificar os códigos que transitam no ambiente artístico e nos centros culturais hegemônicos. Essas supostas trocas em liberdade não são garantias seguras para a ''autonomia'' quando artistas e manifestações culturais, não identificados pelos códigos vigentes, são excluídos do circuito de arte. O que de fato se garante é a afirmação das tendências estéticas eleitas por segmentos intelectuais e operacionais dominantes.
Alguns comentaristas de arte insistem em reduzir as operações do mercado a ações despidas de conotações diretivas. Uma política de Estado para a cultura é a forma de posicionar o governo diante dos interesses que cercam a produção artística e cultural no país e que não são de natureza pública.
Retornando à pergunta inicial desse artigo: que parceiro é capaz de trocas significativas para as artes e a cultura, que proporcionem prosperidade sem riscos para a liberdade criativa?
A crise atual pode ser avaliada em dois planos objetivos. No plano governamental ela faz ressurgir a pergunta: a política cultural continuará a ser gerida no Ministério da Fazenda? No plano cultural aguarda-se uma atitude mais definida dos artistas sobre a prioridade dos seus diálogos.
Falamos com a sociedade ou com um mercado?
Leia mais sobre o assunto no site www.canalcontemporaneo.art.br
julho 15, 2004
Impagável Culto ao Teatro!!
Emeio enviado por José Miranda, para o Jornal O Globo, sobre a matéria reproduzida abaixo, Culto ao teatro, de Roberta Oliveira, do dia 13 de julho de 2004.
Senhores do Segundo Caderno,
Foi a melhor tirada do ano a reportagem de Roberta Oliveira no Segundo Caderno de hoje; Culto ao Teatro. A secretaria das culturas continua perdida como cego em campanha eleitoral, e nesse tempo de intenso "investimento patrimonial" nunca é demais perguntar qual o Cigano Igor que recentemente andou cortando algumas despesas menos importantes do Sérgio Porto. Não existem regras claras sobre quais fatias do orçamento são destinadas às áreas das artes na cidade do Rio de Janeiro, muito menos algum critério onde podemos nos orientar para entender porque algumas áreas são contempladas e outras simplesmente esquecidas, mas tenho certeza de que quando o desvio cai bem, entorta-se o orçamento e as regras à vontade.
Além do mais, simplesmente investir na aquisição de espaços "físicos" não significa nenhuma garantia de dinâmica cultural à cidade.
Parabéns pela matéria.
José Miranda
Adorando ao Teatro
Emeio enviado por Carlos Eduardo Bernardi sobre a mesma matéria reproduzida logo a seguir.
Prezados dO Globo,
Quero prestar reverências à jornalista Roberta Oliveira pela fabulosa titulação à matéria de capa do Segundo Caderno do dia 13 de julho. "Culto ao teatro" tece significado marcante ao conteúdo descrito no andamento de seu testemunho. Vemos mais uma vez uma secretaria de(das) cultura(s) equivocada quanto sua relação com o que deveria ser de fato uma política de cultura e seu orçamento destinado. Cabe aqui debater se é válido o tombamento do Tereza Rachel? Evidente que não, é indiscutível sua relevância enquanto patrimônio cultural e público (e mesmo que o fosse em qualquer condição religiosa). O que interessa de fato é pensarmos sobre a forma em que essa quermesse foi armada. O Conselho de tombamento do município é presidido pelo próprio Secretário de Cultura e isso é dito como se fosse apenas mais um cargo sem importância. Relembro as palavras do Sr. Macieira: "A política cultural da prefeitura passa também pela ampliação do número de espaços e, se neste processo, formos esbarrando em empecilhos, vamos entrar com instrumentos legais que nos garantam a obtenção destes espaços". Senhores, diante desse panorama de "legalidades", estamos muito longe do que posso imaginar ser um rastro de política pública, mas bem próximos de uma anedota.
Carlos B
Matéria de Roberta Oliveira, publicada originalmente no Segundo Caderno do Jornal O Globo no dia 13 de julho de 2004.
Culto ao teatro
ROBERTA OLIVEIRA
Numa medida inédita em cultura, o prefeito Cesar Maia determinou ontem, através de decreto publicado no Diário Oficial, o tombamento provisório do Teatro Tereza Rachel. Com isso, não só o espaço não pode passar por nenhum tipo de obra, como também não pode ser utilizado para nenhuma outra função que não a de palco para apresentações de espetáculos teatrais. O prefeito resolveu tomar esta atitude depois de a atriz Tereza Rachel, dona do imóvel, ter levantado, em artigo publicado no GLOBO na última quinta-feira, a hipótese de vender o teatro à Igreja Universal do Reino de Deus, que vem alugando o local há cinco anos.
Ela pode discordar e recorrer na Justiça, mas é praticamente impossível que consiga impedir o tombamento definitivo comemorava ontem o secretário municipal das Culturas, Ricardo Macieira. Garantir que o Tereza Rachel continue funcionando como espaço teatral é uma grande vitória para a cidade. A política cultural da prefeitura passa também pela ampliação do número de espaços e, se neste processo, formos esbarrando em empecilhos, vamos entrar com instrumentos legais que nos garantam a obtenção destes espaços.
"Não sou um palhaço", diz o gestor Miguel Falabella
Quando fala em empecilhos, o secretário refere-se ao impasse vivido na semana passada pela prefeitura ao descobrir que, depois de seis meses negociando com a atriz para alugar o teatro, Tereza Rachel estava pensando em vendê-lo para a Igreja Universal do Reino de Deus. A idéia de entrar na briga para que o palco deixasse de ser espaço de culto evangélico e voltasse a abrigar espetáculos partiu de Miguel Falabella, gestor da Rede Municipal de Teatro, depois de assistir a uma entrevista em que a atriz lamentava que o Tereza Rachel tivesse deixado de ser teatro.
Achei que estava apenas atendendo a um pedido dela diz Falabella, que, ao saber, na semana passada, da possibilidade de venda, sentiu-se pessoalmente atingido. Eu não sou um palhaço, estou fazendo um trabalho sério, ela não pode me alugar durante seis meses e depois dizer que está pensando em vender como se nada tivesse acontecido. Eu viabilizei o contrato num tempo recorde, se pensarmos na morosidade burocrática, e consegui um bom aluguel. Querer mais do que R$ 35 mil é quase obsceno num país como o nosso.
Na última quarta-feira, a atriz disse ao GLOBO que estava pensando em vender o teatro porque, como não tem filhos e, portanto, não precisa deixar dinheiro para ninguém, ela quer "aproveitar a vida viajando, conhecendo lugares que ainda não conhece".
Não sou dessas atrizes que querem morrer no palco, quero morrer na vida acrescentou ela, lembrando que realmente tinha feito um apelo, tempos atrás, para que o Tereza Rachel voltasse a funcionar como teatro. Mas a cidade já perdeu este espaço há tanto tempo, que diferença faz isso, agora?
Ontem, procurada pelo GLOBO, a atriz não pôde ser encontrada. Ela disse que viajaria no fim de semana para Barcelona e Dublin para convidar o diretor espanhol Calixto Bieito para dirigi-la em seu próximo espetáculo, "Celestina". Mas quem atendeu no número de telefone do seu apartamento disse que ela não viajou, que continuava no Rio e que tinha deixado apenas um recado: "Saí e não tenho dia nem hora para voltar."
"A prefeitura não faz leilão", diz secretário das Culturas
O que mais deixou o secretário das Culturas, Ricardo Macieira, irritado foi a sensação de que a atriz estava tentando fazer um leilão entre a Prefeitura e a Igreja Universal do Reino de Deus, na tentativa de arrancar de um dos dois um preço melhor.
Passamos meses negociando, estava tudo pronto, só faltava ela sentar e assinar e, de repente, chega a notícia de que ela está pensando em vender, como se esperasse que nós oferecêssemos mais? questiona Macieira. A prefeitura não participa de leilão.
O prefeito optou pelo tombamento provisório porque esta é a medida mais rápida para se impedir que um edifício considerado importante para o patrimônio históricos e cultural da cidade não seja demolido ou deixe de ter a sua principal ocupação no caso, a de espaço teatral. Agora, o local passará por uma análise técnica e histórica. O parecer, ou ficha cadastral, será, então, encaminhado para a Conselho de Proteção do Patrimônio Cultural do município. Cabe a ele definir, ou não, se o prédio ou estabelecimento será tombado definitivamente. O secretário não tem dúvidas de que isto irá acontecer, em um prazo que ele estipula ser de três a quatro semanas.
Eu presido o Conselho diz Macieira, que redigiu pessoalmente o Artigo n 2 do decreto, que estabelece que "Fica gravado o uso de casa de espetáculos teatrais para o referido imóvel". Ela pode alugar ou vender para quem quiser, mas terá que continuar sendo teatro.
Apesar do conflito, nem Macieira nem Falabella estão fechados ao diálogo e garantem que a prefeitura ainda está interessada em alugar o espaço pelo valor já negociado de R$ 35 mil.
Tombar aquele teatro é uma conquista para a cidade porque, com o histórico e com as proporções que tem, ele precisa continuar sendo usado para espetáculos teatrais, não para qualquer outra coisa diz Falabella, que espera uma reação da atriz. Tenho certeza de que ela vai brigar, vai gritar, ela tem todo direito porque é dela, mas a classe está a nosso favor.
julho 12, 2004
Resposta ao Jornal O Globo
Emeio enviado por José Miranda, para o Jornal O Globo, no dia 7 de julho de 2004.
Prezados dO Globo,
Na matéria "Lula promete ajudar a valorizar cultura nacional", parece muito mais importante, na motivação do texto, a qualidade do grupo de artistas representantes do que a própria pauta de reivindicações. Quando o Ministério da Cultura diz querer tratar de política cultural segundo uma visão menos parcial da realidade cultural brasileira, não me parece conveniente nesse momento representar-nos por uma parcela de trabalhadores de qualidade questionável e que pertencem a um círculo muito específico da nossa produção de cultura. Ainda não encontrei na minha televisão os resultados práticos do aclamado Seminário "Conteúdo Brasil", que prestava-se a discutir novos caminhos para a difusão dos bens culturais, ditos, nacionais. Não penso estar ali a legitimação para um ato tão forte como a entrega de um documento que simularia uma pauta de sugestões para a valorização da cultura nacional. Onde estão representadas as universidades públicas, os movimentos sociais ou a classe dos artistas visuais, já que o documento "defende, por exemplo, mudanças na lei que estabelece mecanismos para regular os novos meios de comunicação social, como a internet e o conteúdo veiculado pelas empresas de telecomunicações". Espero estar-se tratando aqui um investimento não só na produção e circulação dos bens de cultura, mas na fruição e formação de um público que se sinta reconfortado em dialogar com as múltiplas faces das linguagens culturais. As ditas 13 sugestões do documento deveriam ser proclamadas pelo jornal e na rede de computadores livremente para que avaliássemos a motivação concreta dessa ação. Gostaria de conhecer os pontos desse tratado, espero vê-los nO Globo em breve.
Grato pela gentileza,
José Miranda
Propostas do Conteúdo Brasil
Pauta de sugestões e propostas de algumas personalidades do meio cultural, enviadas ao Presidente Lula no dia 6 de julho de 2004, previamente publicada no site Teletime News
Conteúdo Brasil
Introdução
Quando decidimos fazer um seminário para discutir o futuro da cultura brasileira, com representantes de todas as tendências, alguns companheiros temeram, com razão, que uma reunião assim se transformasse numa babel improdutiva. Apesar dessas ponderações, decidimos que não havia outro jeito: se nenhum consenso houvesse, esta já seria uma valiosa informação. Foi assim que a PUC -SP e a TV Globo convidaram mais de setenta personalidades para que discutissem a defesa e a valorização da nossa cultura frente aos desafios do nosso tempo: a globalização, a revolução tecnológica e a convergência de mídias impõem riscos numa escala jamais enfrentada. Atores, cineastas, escritores, produtores, publicitários, jornalistas, diretores de TV, editores de livros, arquitetos, cientistas e educadores dedicaram todo um dia à tarefa. Ao fim, os moderadores apresentaram as conclusões do grupo, e o que se passou foi um momento raro no Brasil. Em vez de uma babel, um pensamento convergente: a certeza de que é preciso agir logo para rechaçar um perigo real, concreto e iminente. O perigo de que o Brasil se transforme em Brazil. Porque tudo na letra de Aldir Blanc e Maurício Tapajós está atual, menos o verso inicial. Porque o Brasil não somente conhece bem o Brasil, como deseja que ele seja o seu espelho. Aqui, um resumo do que aqueles profissionais pediram:
1) Uma ação rápida do Congresso e do Executivo para estender o disposto na Constituição a todas as atividades de Comunicação Social para brasileiros;
2) Uma ação que preserve a produção de cultura brasileira nas mãos de brasileiros, mas que não interdite o diálogo com outras culturas;
3) Uma ação que reconheça que a produção de cultura é um setor estratégico para o desenvolvimento do país e para o aumento da riqueza nacional e que, por isto, exige políticas públicas e investimentos à altura desse papel;
4) Uma ação que divulgue a qualidade do conteúdo brasileiro, para o Brasil e para o mundo;
5) Uma ação efetiva em favor da educação como forma de aumentar a demanda e o consumo de bens culturais de qualidade;
6) Enfim, uma ação firme e imediata do Estado brasileiro em defesa da cultura nacional, sem, no entanto, jamais cair em tentações autoritárias que firam a liberdade de expressão artística e intelectual e de informação e comunicação.
O que se verá nas páginas seguintes é uma síntese de tudo o que foi discutido, cujo título geral bem poderia ser os versos finais de "Querelas": "Do Brasil S.O.S. ao Brasil".
Coordenação do Seminário - PUC e TV GLOBO
Globalização e Cultura Nacional
É nossa convicção que a produção de bens culturais brasileiros é fundamental para assegurar a soberania e sustentar o desenvolvimento nacional. É um direito e um desejo dos brasileiros. É importante elemento de inclusão social. A globalização não está cumprindo a promessa de abertura de mercados, livre comércio e oportunidade de geração de riqueza para todos os povos. Ela vem sendo feita pelo viés das economias centrais. O que ocorre é a dominação de mercados pela cultura dominante. É preciso evitar a perda de hegemonia econômica nacional na cultura. O domínio econômico interfere, reorganiza e dirige a produção e circulação de bens culturais, com forte impacto sobre o modo de fazer, criar e viver dos brasileiros. O que se vê é a Globalização tendendo a uniformizar idéias e modos de vida, uma uniformização feita, sobretudo, sob a influência americana.
É uma questão econômica. Bens e serviços culturais não são mais atividades secundárias ou marginais em relação à agricultura, indústria e serviços bancários. A indústria do entretenimento mundial movimenta 430 bilhões de dólares por ano, segundo a ONU, sendo que o grosso desse setor é controlado pela indústria americana. E o bem cultural se transforma em bem econômico: um tênis estrangeiro de grife tem altos preços de venda do produto, enquanto seu custo de produção é muito baixo. Isso é justificado pela venda do conceito. Eles vendem emoções, não produtos. A calça jeans é usada no mundo inteiro, porque o cinema americano a vendeu como um estilo de vida. A veiculação de conteúdos estrangeiros faz, portanto, parte de uma estratégia de dominação cultural dos mercados emergentes, em apoio à dominação econômica e política. É uma ameaça promovida pelas grandes produtoras mundiais de mídia e os gigantes das telecomunicações, com o poder que lhes conferem, nos seus países de origem, mercados internos fortes, crédito farto e políticas governamentais altamente favoráveis. Reconhecemos que a cultura nacional é robusta, tem uma força e um potencial criador sem muitos similares no mundo. Mas, não havendo uma política firme de proteção e de incentivo à produção e distribuição de conteúdos nacionais, a crescente veiculação de conteúdos estrangeiros nos nossos meios de comunicação social constitui uma ameaça real à identidade e à sobrevivência da cultura nacional e à capacidade criativa e produtiva do nosso país.
Trata-se de uma luta desigual. Em números de 2001, divulgados por revista especializada, é assim o faturamento dos grandes grupos: AOL-Time Warner, US$ 36 bi; Walt Disney, US$ 25 bi; Viacom, US$ 23 bi; Vivendi, US$ 24 bi; Bertelsmann, US$ 19 bi; News Corporation, US$ 13,8 bi; Comcast, US$ 8 bi. No Brasil, segundo dados publicados na imprensa, a TV Globo, o maior grupo de mídia do país, teve no mesmo ano um faturamento de US$ 1 bi; a Abril, US$ 494 milhões; Estado de S. Paulo, US$ 210 milhões; Folha, US$ 196 milhões; SBT, US$ 182 milhões. Mas esqueçamos os grandes grupos estrangeiros. Analisemos o que é considerado um pequeno grupo de mída, o alemão Axel Springer, que edita, entre outros, o tablóide Bild e o Die Welt (o Bild vende milhões). Seu faturamento em 2001 foi de US$ 3 bi, três vezes maior do que o da maior empresa de mídia nacional. O desenvolvimento e a expansão da indústria cultural nesses países não é obra apenas de seus grandes conglomerados, mas parte de uma estratégia de Estado.
Precisamos assim, urgentemente, formular e implementar uma clara política cultural, com o objetivo de fomentar e proteger os conteúdos nacionais, revendo as regras que regem as atividades de produção, distribuição, comercialização e consumo. Isso tanto para fortalecer o nosso próprio mercado como para aumentar a nossa presença no mercado mundial de bens e serviços culturais. Somente com o apoio de uma estratégia de Estado, o país terá os meios para criar, difundir e consolidar uma cultura diversificada e vigorosa, capaz de atender plenamente às múltiplas e complexas necessidades culturais da nossa sociedade e fazê-la participar das trocas internacionais de forma vantajosa e rentável.
A TV tem papel fundamental na formação da identidade e dos hábitos de consumo cultural brasileiros, por ser o veículo de maior penetração na sociedade. É importante a sinergia entre TV, cinema, teatro, literatura e outras formas de expressão cultural. Os interesses comuns entre esses meios são muito fortes e eles podem e devem atuar integradamente no fortalecimento da cultura brasileira. Mas a situação é grave em todos os setores da cultura nacional. Se no audiovisual os sinais do avanço das mídias estrangeiras sobre a nossa cultura são mais gritantes, eles estão, no entanto, presentes em todos os setores. Na propaganda, o patrocinador, que é o grande fomentador da economia livre, é cada vez mais estrangeiro. A publicidade nacional se enfraquece não só pela concentração de marcas sob o domínio de grandes conglomerados internacionais, mas também pela contratação de agências internacionais pelas matrizes das empresas que estão fora do Brasil e que são hoje os grandes anunciantes. Antes, os anúncios publicitários só podiam ser produzidos por empresas brasileiras. Agora, eles podem ser importados e apenas dublados. Nas TVs por assinatura, alguns sequer são dublados.
Dentre as várias formas de produção cultural a arquitetura é a mais vulnerável aos interesses do mercado internacional. O grave é que arquitetura é um bem de consumo compulsório. Você obrigatoriamente consome a paisagem urbana no lugar em que mora e trabalha. E o que está acontecendo é que os grandes centros produtores de bens e serviços estão impondo a sua arquitetura. Os grandes fabricantes de equipamentos hospitalares, por exemplo, oferecem gratuitamente projetos arquitetônicos de hospitais e centros de saúde desde que os aparelhos instalados sejam os de sua marca. Outro exemplo: as filiais das grandes corporações estrangeiras se instalam nas cidades brasileiras, trazendo seus projetos de sede dos seus escritórios mundiais de arquitetura. Enfim, falta legislação adequada para proteção da arquitetura e do urbanismo nacionais.
Também no mercado de livros a globalização surge como ameaça. O modelo de editoras nacionais e regionais cede lugar ao modelo de grandes editoras de alcance mundial, ameaçando a competitividade das nossas editoras e a viabilidade econômica da edição de livros de autores nacionais por editoras brasileiras. Na música, o mercado brasileiro não está de fato nas mãos do Brasil. Graças a uma política de incentivos, agora também ameaçada, cerca de 75% do que se produz aqui é brasileiro, mas o domínio econômico desse mercado está nas mãos das gravadoras multinacionais. O fim dos incentivos pode significar também o fim da hegemonia, até aqui, da música popular brasileira.
E o que é mais grave é que também o mundo da educação está sofrendo a mesma invasão: escolas estão sendo compradas rapidamente por grupos estrangeiros. É a globalização da prestação de serviços educacionais. A questão essencial é a discussão sobre como estão sendo formadas as novas gerações. Não estamos atribuindo prioridade a essa questão nem estamos preparados para enfrentá-la. Será apenas com uma política de Estado coerente e eficaz de defesa de nossa cultura, aliada a empresas nacionais fortes e saudáveis, que a nação brasileira poderá enfrentar os desafios e as ameaças que vêm de fora. Dessa forma, poderemos participar também do cenário internacional em condições de conquistar mercados. A globalização é, no entanto, um fato. Não se trata, portanto, de tentar negá-la. Nem tampouco devemos ter uma postura de xenofobia. Ao contrário, prezamos profundamente as trocas culturais e a sua diversidade que nos enriquecem e ampliam os nossos horizontes na produção dos nossos próprios conteúdos, como sempre fizemos ao longo da nossa história.
Exportar bens culturais brasileiros é tão importante quanto consumir bens de outras culturas. A troca cultural é fundamental. Os mecanismos de defesa do consumidor brasileiro não podem impedir a inserção do Brasil num mundo globalizado. Mas precisamos dar à cultura nacional meios de criar, viver e ser exportada.
Convergência Tecnológica
Com a digitalização dos meios de comunicação e a conseqüente convergência de mídias, abriu-se em escala mundial um novo cenário de enormes possibilidades técnicas e comerciais. Mas é preciso estar atento à nova situação que a revolução tecnológica originou. Antes, havia uma barreira intransponível entre empresas de telecomunicações e empresas de comunicação social. Enquanto a telecomunicação se define pela comunicação à distância de duas pessoas, a comunicação social se caracteriza pela comunicação de um para com "n" indivíduos. É a diferença entre o telefone, capaz de levar a mensagem de um indivíduo a outro, e a televisão, capaz de levar a milhares uma mesma mensagem. Com o avanço tecnológico, no entanto, as barreiras entre esses dois tipos de empresa deixaram de existir, sem que a legislação acompanhasse essa nova realidade. Hoje, as empresas de telecomunicação fazem conteúdo à margem do aparato regulatório aplicável às empresas tradicionais de comunicação social. Em todo o país, essas empresas veiculam conteúdos produzidos sem qualquer vinculação com a cultura, a diversidade e as necessidades nacionais e regionais e apenas comprometidas com os hábitos e padrões de consumo dos seus países de origem e a estratégia de negócio de seus controladores. Com a evolução da internet, da banda larga e da telefonia celular, as empresas de telefonia estão usando os seus meios de distribuição para também fazer comunicação social. Em resumo, todos os meios vão convergir para uma só plataforma, pela qual passarão todas as mensagens. Tudo poderá ser carregado por uma única infra-estrutura. O problema é que, no Brasil, essa infra-estrutura foi quase completamente desnacionalizada. Os marcos legais para a comunicação social, no Brasil, derivam da Constituição de 1988, quando não havia telefones celulares, internet e fluxo de dados transfronteiras na diversidade e intensidade atuais. Em função disso, a Constituição de 1988 trata basicamente de dois temas: a cultura como ativo a ser protegido e fomentado pelo Estado e a regulação das empresas jornalísticas e de radiodifusão, que eram os únicos meios existentes na época para veiculação dos conteúdos de jornais impressos, rádios e TVs.
Em 1997, surgiu a Lei Geral das Telecomunicações, que trata as empresas de telecomunicações como meio de comunicação de voz entre duas pessoas, deixando claro, inclusive, que outros usos de sua infra-estrutura são serviços de valor adicionado que não podem ser confundidos com o serviço de telecomunicação autorizado. Falta, portanto, no ambiente regulatório em vigor, uma visão ampla e integrada das comunicações, que podem ser mais bem entendidas se separarmos as quatro camadas que as compõem: infra-estrutura, serviços, aplicações e conteúdo. Para nossa discussão, vamos nos limitar à infra-estrutura e ao conteúdo. A camada da infra-estrutura é, no caso da televisão tradicional, o espectro eletromagnético. Por ser um bem escasso, ele foi regulado pelo Estado. Já a infra-estrutura para a internet, como não é escassa, não teve regulação. A camada do conteúdo está regulamentada apenas para as mídias que usam as infraestruturas tradicionais: rádio, televisão convencional, jornal e revista. Mas quem "transmite" uma estação de televisão ou um jornal pela internet não é obrigado a seguir nenhuma regulamentação. Isso é uma assimetria, que deve ser estudada e que pode levar à criação de um novo marco regulatório.
Há consenso quanto à necessidade urgente de se aplicar os princípios constitucionais a todas as formas de comunicação social que, hoje, face à evolução tecnológica, não é mais uma atividade exercida apenas por empresas jornalísticas e de radiodifusão. Hoje, somos ótimos produtores de conteúdo, mas é preciso que tenhamos acesso aos canais de distribuição em qualquer meio. Disso depende o nosso futuro. Por isso, é urgente a regulamentação dos novos canais de veiculação de conteúdo: a internet, a TV digital e a telefonia fixa e móvel. Existe por parte da comunidade artística e intelectual plena consciência da complexidade conceitual, técnica e política desta tarefa. Não se considera viável, hoje, a nacionalização da propriedade das empresas de telecomunicações. Mas deve haver uma regulamentação para que o conteúdo divulgado por elas seja produzido por grupos controlados por brasileiros. É preciso que haja uma distinção clara: uma coisa é a propriedade das empresas de telecomunicações; outra é controle das empresas que produzem conteúdo, que deve estar em poder de brasileiros. É uma questão de isonomia de tratamento e de respeito à Constituição.
Em 2005, contratos do setor de telecomunicações serão renovados. Agora é a hora de mobilizarmos a nação para que voltemos ao rumo que os constituintes vislumbraram para o país. Podemos deixar claro, dentro dos marcos da lei, que quem controla a infra-estrutura de telefonia está impedido de produzir conteúdo. Será também a ocasião de impedir a concorrência desleal e predatória dos provedores de acesso à internet estrangeiros contra os nacionais. É preciso acabar com a propaganda enganosa de que a internet pode ser gratuita, que não há custos a serem cobertos. São as empresas telefônicas que fazem essa falsa oferta, porque se remuneram com a tarifação do pulso telefônico. Quem não é telefônica não pode fazer isso. Não é à toa que os provedores de acesso nacionais, desvinculados de empresas telefônicas, ou já morreram ou estão morrendo.
Somos contra qualquer dirigismo estatal nos meios de comunicação, inclusive internet, mas isso não pode servir de pretexto para deixar empresas telefônicas atuando na produção de conteúdo ou adotando políticas de destruição dos produtores de conteúdo ou provedores de acesso nacionais. Por último é preciso fazer um alerta: precisamos de um padrão e de regras para a televisão digital brasileira (diferentes ou não das do mercado internacional). A televisão é fundamental para a promoção da identidade nacional e o processo de desenvolvimento da televisão digital no Brasil, que é essencial para a capacidade de competição da televisão aberta, no mundo, está atrasado, muito atrasado. Se isto demorar muito mais a acontecer, a capacidade brasileira de competir no mercado internacional de televisão digital pode ser seriamente comprometida. Enfim, é preciso entender que a tecnologia e seus produtos são um bem cultural e fonte de riqueza. Somente na futura passagem dos aparelhos de televisão analógicos para os digitais, cerca de R$ 30 bilhões serão movimentados em 10 anos. Essa indústria - entre várias outras que estão associadas à evolução da comunicação, computação e controle digital - não pode deixar de ter uma significativa participação do Brasil como fabricante e como detentor de propriedade intelectual. Temos de criar competitividade tecnológica e propriedade intelectual nessa cultura digital e convergente para termos voz nesse novo cenário. Temos de criar oportunidade para muito mais gente participar da construção de um futuro inevitavelmente digital, para que possamos ter uma cultura digital popular e um país íntegro também do ponto de vista digital.
Cultura como Indústria
Com o advento da sociedade de consumo e a gradativa incorporação das massas a ela, a produção cultural ganhou porte e características de uma verdadeira indústria e assim deve ser tratada, protegida e estimulada. No mundo, ela já ocupa o quinto lugar em termos de importância econômica. Nos Estados Unidos o segmento de entretenimento já é a segunda indústria. A cultura é, portanto, fator de desenvolvimento nacional. É preciso conhecer a dimensão econômica da cultura e entender que todos os produtos e atividades culturais fazem parte de uma mesma cadeia produtiva. Essa indústria é sustentada, na maioria dos países desenvolvidos, não só pelos mecanismos de oferta e procura, mas também por marcos regulatórios sofisticados, que incluem instrumentos poderosos de proteção e incentivo. No Brasil, falta uma discussão estruturada sobre uma política industrial. Nesse cenário, inexiste a discussão de uma política para a indústria cultural como fator de desenvolvimento econômico e social. A legislação vigente não promove a competitividade da indústria cultural brasileira face aos grandes produtores mundiais. Ao contrário, os grandes produtores estrangeiros, além de terem o apoio de seus países de origem e acesso a mercados mundiais para a diluição dos seus custos de produção, recebem no Brasil incentivos fiscais que são negados aos produtores culturais nacionais. É preciso priorizar a produção de cultura nacional, com crédito, subsídios e legislação adequada, para que ela tenha condições de competitividade com o similar estrangeiro. Com as políticas e condições hoje existentes não há como ter a qualidade dos produtos estrangeiros, a custos competitivos: os produtos de fora já chegam com os seus custos amortizados. O Estado brasileiro deve apoiar a consolidação de empresas fortes de produção, distribuição e comercialização de conteúdo nacional. Deve-se, portanto, tratar a indústria cultural brasileira como indústria. É necessário que se olhe a cultura não apenas sob o prisma ideológico, mas também pela sua dimensão econômica (divisas, empregos etc.) O capital estrangeiro é bem-vindo, mas devem ser priorizadas ações que garantam o controle do emprego e da renda para o Brasil. Não basta haver o domínio simbólico da produção cultural brasileira. O importante é que o Brasil e os brasileiros tenham o domínio econômico desses bens. É essencial que os lucros e divisas gerados fiquem no Brasil e realimentem o sistema nacional de produção cultural. Em todo o mundo desenvolvido, propriedade intelectual é fator de geração de riqueza para o país e seus criadores.
É preciso definir novos mecanismos de incentivo ao produto nacional e taxação ao produto importado que impulsionem o desenvolvimento da produção cultural brasileira, ampliando a participação do produto nacional no mercado interno (formando o hábito de consumo de produto de qualidade) e no mercado internacional (promovendo o reconhecimento de seu conteúdo singular e alto padrão técnico). Embora alguns tenham defendido que "a cultura não fecha a conta em país nenhum do mundo, cabendo ao Estado subsidiá-la permanentemente", a maioria acredita que é possível e preciso desenvolver uma indústria cultural forte e dinâmica que persiga obstinadamente a auto-sustentação. Ela certamente será alcançada, se o ambiente regulatório e a economia nacional favorecerem o fortalecimento do mercado brasileiro de produção e consumo cultural. Contribuir para tudo isso é dever do Estado, mas a premissa essencial é a de que a cultura tem de ser livre.
Qualidade e Liberdade
Não só no Brasil, mas no mundo inteiro, existe uma preocupação crescente com a qualidade dos conteúdos audiovisuais veiculados para o público, sobretudo pela televisão. A pergunta que devemos fazer é se a qualidade da TV brasileira melhorou ou piorou nos últimos anos. A percepção é de que a TV hoje é melhor. Antes, na faixa nobre do horário noturno, havia uma quantidade enorme de enlatados estrangeiros; hoje, temos mais produtos nacionais e de melhor qualidade. Enfim, quando se fala em qualidade, a TV brasileira é referência em todo o mundo.
É preciso, no entanto, haver clareza sobre o que é qualidade, o que não é tarefa fácil ou desprovida de riscos. Mesmo assim, concluiu-se que qualidade é a soma de várias dimensões propostas por Arlindo Machado, professor da PUC-SP, no livro "A televisão levada a sério ". A qualidade é a reunião simultânea dos seguintes conceitos:
1 - Conceito Técnico: qualidade como apuro técnico, fazer bem feito, bom artesanato;
2 - Conceito Mercadológico: qualidade como capacidade de identificar os interesses do público;
3 - Conceito de Inventividade: qualidade como inovação, capacidade de explorar novos recursos de imagem, nova formas expressivas;
4 - Conceito Pedagógico: qualidade como aquilo que contém aspectos pedagógicos, valores morais, modelos edificantes, qualidade como virtude;
5 - Conceito Político: qualidade é o que mobiliza, o que impele à ação e à participação - qualidade é mobilização;
6 - Conceito das Minorias: qualidade é o que valoriza as diferenças, as minorias, os excluídos;
7 - Conceito da Diversidade: qualidade é atender à diversidade de necessidades e aspirações do público.
Mesmo tendo bem definido o conceito de qualidade, resta saber, de um lado, como avaliar o que tem ou não qualidade, ou de outro, o que fazer para promovê-la. Como promover a qualidade? Ela pode ser promovida e estimulada de muitas formas. A primeira delas é, sem dúvida, o diálogo entre os produtores culturais e o público. Esse diálogo já existe, mas pode e deve ser ampliado, seja através do contato direto com os consumidores, seja através de organizações da sociedade civil. A crítica, exercida pela imprensa escrita, é uma das formas concretas desse diálogo, sempre produtivo. A educação também cumpre papel fundamental na promoção da qualidade. A educação, através da família, da escola ou de campanhas promovidas pelos próprios meios de comunicação e entidades voltadas para o assunto, levará gradativamente a um aumento do nível de exigência e, por conseqüência, a uma melhoria de qualidade. A qualidade não é definida apenas pela demanda da população, mas também pela oferta de bons produtos culturais. Também é parte da fórmula para elevar o nível dos programas, portanto, aumentar os estímulos para a produção de bons conteúdos para todos os públicos, gostos e interesses, através de mecanismos de incentivo à produção e distribuição de conteúdo nacional, para que da quantidade e da regularidade da produção brasileira a qualidade possa se ampliar e fortalecer.
A discussão sobre qualidade não se restringe apenas à grade de programação das emissoras de televisão. É consenso que as várias dimensões da qualidade propostas se aplicam a todas as formas de expressão cultural, do cinema à publicidade, do livro ao teatro. Na publicidade, por exemplo, é impossível separar todas aquelas dimensões, que passam necessariamente pelo respeito ao consumidor e à formação da cidadania. Quanto mais o consumidor se sentir cidadão, melhor será a publicidade brasileira. Também na publicidade, a qualidade exige liberdade de expressão e, por isso, tem uma dimensão fundamental que é a ética. Neste sentido, um código de ética e postura foi redigido pelas agências e anunciantes, que espontaneamente assumiram o compromisso de cumpri-lo. Tudo o que se disse em relação à qualidade leva em conta que o modelo de TV no Brasil, tradicionalmente, é a TV comercial aberta feita para o grande público. Falamos de qualidade em cultura de massa. Qualidade como o que se sustenta no tempo e é legitimado e legado pela sociedade para as gerações futuras. Seria um erro acreditar que o que é popular na tem qualidade.
Mas também podemos pensar em qualidade como aquilo que rompe padrões. Que não exige um repertório amplo, o consumo de massa. Neste sentido, as televisões públicas podem cumprir importante papel. Definidos conceitos, mecanismos e possíveis modelos de promoção de qualidade, cabe a pergunta: quem deve avaliar o que tem ou não qualidade? Não existe outra resposta: o público, a sociedade civil organizada. Cabe à própria audiência, à sociedade, sinalizar o que consideram de boa qualidade, estabelecendo mecanismos de classificação e valoração de produtos culturais para indicar o que é aceitável, condenável ou recomendável. A classificação indicativa, seja ela oficial, das próprias emissoras ou de entidades da comunidade, é considerada uma ferramenta de grande valor e de eficiência comprovada em uma série de países. Ela pode ser divulgada por todas as instituições ou entidades que, em função de seus valores, crenças e princípios religiosos ou políticos, queiram orientar o público na escolha de conteúdos, refletindo assim a pluralidade das formas de pensar das pessoas e comunidades nas sociedades contemporâneas. Mas ela não pode ser jamais impositiva.
Uma coisa é certa: o anseio pela qualidade não deve dar margem a formas de controle que firam a liberdade de expressão artística, de comunicação e de informação. Não há dúvida de que os meios de comunicação social devem estar sempre a serviço do interesse público, mas temos de estar sempre vigilantes para que essa verdade não seja usada como pretexto para a criação de controles que sejam barreiras às liberdades asseguradas pela Constituição.
Recomendações
A Cultura e a Constituição:
Estender o disposto na Constituição (capítulo V) a todas as atividades de comunicação social voltadas para brasileiros, independentemente dos meios de transmissão.
A Cultura e a Proteção do Estado
Tratar a produção, distribuição e comercialização de bens culturais nacionais como prioridade estratégica, estruturando e implantando uma política de fomento público, com atenção especial à política tributária, para:
a) Promover a criação de novos mecanismos de subsídios e empréstimos para a produção de conteúdos nacionais;
b) Rever as leis de subsídios já existentes, de modo a assegurar aos produtores culturais nacionais, no mínimo, os mesmos incentivos fiscais hoje concedidos às empresas estrangeiras;
c) Definir novos mecanismos de taxação de conteúdos estrangeiros;
d) Criar estímulo à exportação de bens culturais brasileiros;
e) Criar condições para ampliar investimentos em canais de distribuição de bens culturais, como, por exemplo, sala de cinemas, teatros, livrarias e bibliotecas;
A Cultura e a Diplomacia
Aperfeiçoar o modelo de posicionamento do Brasil nas discussões e fóruns internacionais sobre educação, cultura e comércio;
Formalizar, através de discussões com os vários segmentos da indústria cultural, as posições do Brasil para defesa da propriedade intelectual e da cultura nacional no Mercosul, Alca, OMC e outros organismos.
A Cultura e o Marketing
Desenvolver uma campanha de valorização da língua portuguesa e da cultura nacional. A iniciativa privada deve se articular para a divulgação do valor da produção cultural brasileira. Artistas, intelectuais, produtores cultur ais, grandes empresas nacionais, veículos de comunicação devem se unir com esse objetivo;
Criar um selo "Feito no Brasil", como símbolo da qualidade do que é produzido em nosso país. O selo deve associar a produção cultural brasileira a conceitos como modernidade, criatividade e universalidade.
A Cultura e a Criação de Riqueza
Incluir as atividades da cultura no catálogo nacional de atividades econômicas do IBGE;
Desenvolver projeto de coleta e sistematização de informações socioeconômicas sobre a produção e o consumo de bens culturais no Brasil.
A Cultura e a Educação
Investir na Educação para formar cidadãos que demandem bens culturais de qualidade;
Incluir nos currículos escolares mecanismos que promovam os valores culturais brasileiros e o desenvolvimento do senso crítico do cidadão;
Fomentar a leitura nas escolas, desde a infância;
Promover fóruns de debates e novos seminários para a defesa e valorização da cultura brasileira como meio de gerar subsídio para o Legislativo, o Executivo e os agentes da educação e da produção cultural brasileiras.
A Cultura e a Liberdade
Garantir a liberdade de criação, produção e expressão, como princípio fundamental à sobrevivência da cultura e comunicação social brasileiras. Para tanto:
a) O Estado não deve criar ou modificar legislação sem amplo debate com a sociedade;
b) O Estado tem o papel de regulamentar e fomentar a produção cultural brasileira, mas não de geri-la.
c) No exercício do seu papel regulador cabe ao Estado garantir, sempre, a liberdade de criação, produção e expressão;
d) Ao Estado não cabe definir o que é qualidade. A sociedade deve estabelecer os mais variados mecanismos de classificação e valoração dos produtos culturais para indicar o que é aceitável, condenável ou recomendável;
e) O papel do Estado é o de incentivar, nunca o de impor.
Participaram do evento as seguintes personalidades representantes da cultura brasileira nas áreas de arquitetura e design, cinema, educação, publicidade, entretenimento, música, TV, teatro, literatura, imprensa e internet:
Ali Kamel
Ana Cristina Zahar
Antonio Carlos Gomes da Costa
Antonio Fagundes
Antonio Grassi
Armando Strozemberg
Arnaldo Jabor
Carlos Ary Sundfeld
Carlos Diegues
Carlos Eduardo Rodrigues
Carlos Fayet
Claudio Manoel
Cora Ronai
Dalton Pastore
Eugênio Bucci
Fernando Barbosa Lima
Fernando Bittencourt
Frederico Monteiro
Gil Torquato
Gilberto Beleza
Gilberto Dimenstein
Gilberto Leifert
Gloria Perez
Guel Arraes
Haroldo Pinheiro
Hector Babenco
Hermano Vianna
Jayme Monjardim
João Falcão
Jorge Cunha Lima
José Alvarenga Jr.
José Luiz Madeira
Ladislau Dowbor
Leonardo Monteiro de Barros
Luciana Villas-Boas
Luis Claudio Latgé
Luis Erlanger
Luís Lara
Luiz Carlos Barreto
Luiz Carlos Dutra
Marcos Caruso
Marcos Didonet
Marcos Nanini
Maria Adelaide Amaral
Marieta Severo
Marina Colassanti
Miriam Leitão
Monica Bergamo
Nelson Motta
Otaviano De Fiori
Paula Lavigne
Paulo Rocco
Paulo Tiago
Petroneo Correa
Regina Casé
Regina Duarte
Renato Machado
Roberto Duailibi
Roberto Farias
Silvia Borelli
Stepan Nercessian
Tony Ramos
Walter Negrão
William Bonner
William Waak
Wilma Lustosa
Wilson Cunha
Zuenir Ventura
Mediadores
Gabriel Priolli
Luiz Carlos Prestes Filho
Manoel Rangel
Silvio Meira
Zelito Vianna
As conclusões do grupo foram apresentadas e aprovadas em plenário e o documento final, aqui consolidado, foi redigido em conjunto pelos mediadores dos grupos e pela coordenação do seminário.
julho 8, 2004
Artistas vão a Lula
Emeio enviado por Patricia Canetti para os jornais O Globo e Folha de São Paulo, sobre as matéria sobre a ida dos artistas a Brasília, publicadas no dia 7 de julho de 2004. (As matérias estão reproduzidas nos posts anteriores a esse.)
Caro jornalista,
Um dos aspectos mais importantes da ida desse grupo a Brasília - a regulamentação da Comunicação Social e das Novas Mídias - ficou eclipsado pelo velho discurso da defesa da Cultura Nacional e pelas características dos profissionais que lá se reuniram, estes em sua maioria ligados ao nosso monopólio doméstico de comunicação - a Rede Globo (leia-se tv aberta e por assinatura, jornal, rádio, cinema, internet).
É interessante perceber que justamente os artistas que trabalham e desenvolvem as novas mídias apoiados no que elas têm de realmente novo, e não apenas como segmentos acoplados aos veículos existentes, não estavam presentes, mesmo estando o segmento da Arte, Ciência e Tecnologia presente na graduação e pós-graduação da PUC-SP.
Lembro aqui a importância da luta que nós artistas visuais/tecnológicos travamos nesse momento para ver nossos segmentos, internet inclusive, reconhecidos pelo MinC.
Fica a seguinte pergunta para o vosso jornal: o grupo de celebridades globais reunidos em Brasília é de fato a melhor representação para o desenvolvimento das novas mídias no Brasil?
Cordialmente,
Patricia Canetti
Artista criadora e editora do Canal Contemporâneo
Mídia-arte e comunidade digital de arte contemporânea brasileira
www.canalcontemporaneo.art.br
julho 7, 2004
Artistas pedem valorização da cultura nacional a Lula
Matéria publicada originalmente no Folha Online, caderno Ilustrada, do dia 7 de julho de 2004.
Artistas de vários setores da cultura nacional se encontraram nesta terça-feira (6 de julho) com o Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, para pedir mais valorização aos trabalhos realizados no país.
O grupo, formado inicialmente por mais de 70 personalidades que discutiram a defesa e a valorização do produto nacional em um seminário batizado de "Conteúdo Brasil", promovido pela PUC (Pontifícia Universidade Católica) e pela Rede Globo, teve 26 representantes no Palácio do Planalto.
Eles entregaram um documento com informações do debate, realizado em fevereiro, em São Paulo.
Participaram do seminário atores, cineastas, escritores, produtores, publicitários, jornalistas, diretores de TV, editores de livros, arquitetos, cientistas e educadores. Uma das idéias debatidas foi a internacionalização ou a globalização da "marca" Brasil.
O grupo foi recebido por Lula, que estava acompanhado da primeira-dama, dona Marisa da Silva; do ministro da Casa Civil, José Dirceu; do ministro das Comunicações, Eunício Oliveira; e do ministro interino da Cultura, Juca Ferreira.
O grupo foi representado por Tony Ramos, que leu uma carta que destacava alguns dos projetos sugeridos no documento. Em uma delas, pediu "uma ação rápida do Congresso e do Executivo para estender o disposto na Constituição a todas as atividades de Comunicação Social para brasileiros; uma ação que preserve a produção de cultura brasileira nas mãos de brasileiros, mas que não interdite o diálogo com outras culturas; uma ação que reconheça que a produção de cultura é um setor estratégico para o desenvolvimento do país e para o aumento da riqueza nacional e que, por isto, exige políticas públicas e investimentos à altura desse papel; uma ação que divulgue a qualidade do conteúdo brasileiro, para o Brasil e para o mundo; uma ação efetiva em favor da educação como forma de aumentar a demanda e o consumo de bens culturais de qualidade; e, enfim, uma ação firme e imediata do Estado brasileiro em defesa da cultura nacional, sem, no entanto, jamais cair em tentações autoritárias que firam a liberdade de expressão artística e intelectual e de informação e comunicação".
Lula se comprometeu a encaminhar as propostas a seus ministros. "Não haverá globalização total se não houver integração cultural, com respeito às particularidades de cada país", disse o presidente, segundo a assessoria de imprensa que representa o grupo.
Foram ao encontro: o ator Antonio Grassi, o cineasta Cacá Diegues, o humorista Claudio Manoel, a autora de novelas Gloria Perez, o arquiteto Haroldo Pinheiro, o diretor de TV Jayme Monjardim, o diretor da Central Globo de Comunicação Luis Erlanger, o cineasta Luiz Carlos Barreto, o ator Marcos Caruso, a autora de novela Maria Adelaide Amaral, o produtor musical Nelson Motta, o professor da PUC Otaviano De Fiori, o publicitário Petrônio Correa, a atriz Regina Casé, o publicitário Roberto Duailibi, o cineasta Roberto Farias, o ator Stepan Nercessian, o ator Tony Ramos, os mediadores do debate o professor da PUC de São Paulo Gabriel Priolli, o pesquisador da PUC do Rio de Janeiro Luiz Carlos Prestes Filho, o cineasta e assessor especial do ministério da Cultura Manoel Rangel, o cientista-chefe do Centro de Estudos e Sistemas Avançados de Recife Silvio Meira e o cineasta Zelito Vianna, além do reitor da PUC de São Paulo, Antonio Ronca.
Lula promete ajudar a valorizar cultura nacional
Matéria de Rodrigo Rangel, publicada originalmente no Jornal O Globo no caderno O País do dia 7 de julho de 2004.
Lula promete ajudar a valorizar cultura nacional
RODRIGO RANGEL
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu ontem de um grupo de artistas e intelectuais um conjunto de propostas para valorizar a cultura brasileira. A lista de sugestões é resultado de um seminário realizado em fevereiro, em São Paulo, em que mais de 70 profissionais ligados à área debateram possíveis soluções para proteger a produção cultural nacional. O presidente se comprometeu a tirar as propostas do papel e defendeu uma atitude mais altiva do Brasil no setor cultural.
Presidente: Brasil deve deixar de ser subalterno
Segundo ele, o país não pode continuar se comportando como um "zé-ninguém".
É uma orientação de todo o governo que em todos os debates que façamos em nível internacional a questão da cultura seja vista como estratégica para a interação que o Brasil pretende fazer com o restante do mundo disse Lula.
Para o presidente, o Brasil deve deixar de se comportar como um subalterno diante dos outros países:
Um país do tamanho do Brasil, com a diversidade cultural que tem o Brasil, com a dimensão tanto cultural quanto de outras riquezas que tem o Brasil, não pode mais ficar agindo no mundo como se fosse um "zé-ninguém", como se fosse uma coisa menor, como se tivesse sempre que estar pedindo licença para fazer as coisas.
O documento entregue a Lula tem 13 sugestões para o Executivo e o Congresso Nacional. Todas elas com o objetivo de defender a produção brasileira da crescente inserção, no mercado nacional, da concorrência muitas vezes desleal de empresas estrangeiras. O seminário que originou as propostas foi promovido pela Rede Globo e pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
Lula informou que encaminhará o texto aos ministros ligados à área e dará a eles um prazo para que as sugestões virem políticas públicas ou leis. O documento defende, por exemplo, mudanças na lei que estabelece mecanismos para regular os novos meios de comunicação social, como a internet e o conteúdo veiculado pelas empresas de telecomunicações por meio de telefones, hoje sob controle de empresas estrangeiras.
"Essas empresas veiculam conteúdos produzidos sem qualquer vinculação com a cultura, a diversidade e as necessidades nacionais e regionais e apenas comprometidas com os hábitos e padrões de consumo de seus países de origem e a estratégia de seus controladores", diz o documento.
Personalidades de diversas áreas participam do evento
A delegação que foi ao Palácio do Planalto levar o documento a Lula estava repleta de famosos e de gente que trabalha nos bastidores. Havia ainda estudiosos de temas como comunicação e cultura. Lá estavam, por exemplo, artistas como Tony Ramos, Regina Casé e Cláudio Manoel, os diretores Cacá Diegues, Luiz Carlos Barreto e Jayme Monjardim e a escritora Maria Adelaide Amaral.
O documento defende a criação de subsídios e a taxação de produtos culturais importados como forma de defender a produção nacional.
julho 6, 2004
A Deus pertence
Nota publicada originalmente no Jornal do Brasil, na coluna Informe de Arte de Cleusa Maria, no Caderno B do dia 28 de junho de 2004.
A Deus pertence
CLEUSA MARIA
O destino do MAC de Niterói está dependendo das próximas eleições municipais. No momento, ele vem sendo gerido por uma comissão de funcionários e tem, ainda na sua direção, Italo Campofiorito. A crise política cerca o museu desde a recente saída da diretora-executiva Dôra Silveira. Irmã do pedetista Jorge Roberto Silveira, ex-prefeito da cidade, ela se demitiu após a ruptura do PT e do PDT na Prefeitura de Niterói. O conselho gestor está se esforçando para manter a Coleção Sattamini, ameaçada de deixar o museu. Se a instituição perder o comodato das obras, fica sem acervo. O colecionador diz que é cedo para falar sobre o assunto.