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fevereiro 26, 2020
Mulheres são a grande maioria na nova Bienal do Mercosul por Luiz Antônio Araujo, Folha de S. Paulo
Mulheres são a grande maioria na nova Bienal do Mercosul
Matéria de Luiz Antônio Araujo originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 17 de fevereiro de 2020.
Elas são 80% do total de artistas com obras no evento em Porto Alegre, que destaca nomes africanos e latinos
A 12ª Bienal do Mercosul começa em 16 de abril em Porto Alegre sob a marca da produção artística feminina. Com o tema Feminino(s), Visualidades, Ações, Afetos, a mostra terá obras de 75 artistas de 27 países — 80% são mulheres.
Serão 182 peças em exposição. O fio condutor da mostra é a arte das mulheres e de todos os gêneros, para além do binômio masculino-feminino. De acordo com a curadora-geral, Andrea Giunta, a intenção é aproximar do público obras e manifestações pouco valorizadas nos circuitos latino-americanos de arte contemporânea.
“Estamos em um momento em que as mulheres buscam ativamente sua representação em diversos campos. As mulheres, as sensibilidades femininas, as sensibilidades não binárias. A Bienal quer ser o fórum em que distintas vozes se expressem”, afirma Giunta, que é historiadora da arte latino-americana e professora da Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires.
A modesta participação de mulheres em exposições e acervos é preocupação cada vez maior entre artistas e curadores. Um dos focos da Bienal é chamar a atenção para a arte de artistas africanas e latinas.
“Essa arte está acontecendo, queremos expô-la. As artistas mulheres afrolatino-americanas estão realizando uma obra absolutamente sofisticada que o público tem o direito de conhecer. As exposições não são feitas para mostrar sempre o mesmo, mas para permitir conhecer mais”, afirma Giunta.
A equipe de curadores é composta ainda pela polonesa Dorota Biczel, professora visitante de história da arte na Universidade de Houston (Estados Unidos), e pelos brasileiros Fabiana Lopes, curadora independente radicada em Nova York, e Igor Simões, professor de história da arte da Universidade do Estado do Rio Grande do Sul (Uergs).
Outra das preocupações do grupo é valorizar técnicas como tecelagem, tapeçaria e artesanato, associadas às “artes do feminino”. “Muitas das obras se vinculam ao têxtil em um sentido tradicional. Têxteis antigos que são reapropriados por artistas contemporâneos que revisam seus significados tradicionais, pequenos tapetes realizados com patchwork, tecidos realizados com tramas recobertas, vestidos e bordados”, diz a curadora-geral.
Tecido como metáfora, frisa. “O central não é a técnica, mas a metáfora, tudo que a noção de tecido envolve. Interessa-nos o sentido social do tecido e as formas de abordá-lo.”
Em 2017, Porto Alegre foi palco do fechamento da exposição Queermuseu —que valorizava obras de temática gay e queer—, por pressão de grupos conservadores. Giunta diz, porém, que a 12ª Bienal não é uma resposta ao fechamento da exibição.
Atenta ao debate sobre política cultural no Brasil, a curadora rechaça a ideia de “arte heroica” proposta pelo ex-secretário especial da Cultura Roberto Alvim, demitido depois de parafrasear um discurso do ideólogo nazista Joseph Goebbels.
“Ninguém, no mundo da cultura, está de acordo com essas ideias. Sobretudo porque remetem a discursos de um passado que nunca mais queremos que se repita. Remetem aos anos em que se proibiram e queimaram livros e obras de arte. As obras de artistas como Picasso, Chagall, Kandinsky ou Klee foram eliminadas nos museus da Alemanha. Hoje esses artistas são centrais na história da arte moderna”, diz Giunta.
Em 11 edições na capital gaúcha, o evento já registrou 6 milhões de visitas. O desejo dos organizadores da 12ª Bienal é também de envolver o público além das exposições.
Com inspiração no romance “Um Defeito de Cor”, da escritora Ana Maria Gonçalves, o curador educativo Igor Simões propôs a criação do Território Kehinde, série de debates e rodas de conversa gratuitas realizadas em outubro e novembro em Porto Alegre, Caxias do Sul e Pelotas.