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fevereiro 11, 2020
Fernanda Gomes abre ateliê e conta detalhes da retrospectiva na Pinacoteca por Ana Luiza Cardoso, Casa Vogue
Fernanda Gomes abre ateliê e conta detalhes da retrospectiva na Pinacoteca
Matéria de Ana Luiza Cardoso originalmente publicada na revista Casa Vogue em 15 de novembro de 2019.
Às vésperas de inaugurar uma grande retrospectiva na Pinacoteca de São Paulo, a artista carioca abre as portas de sua casa-ateliê no Rio de Janeiro
Com vista para um paredão rochoso coberto de musgos e bromélias, o lar de Fernanda Gomes, em Copacabana, é mais uma de suas obras de arte. A luz invade os cômodos e reflete em esculturas e objetos espalhados pelas paredes e outras superfícies. Cores palpitantes, só na cozinha, entre os alimentos. De resto, predomina o branco e suas nuances, obsessão presente no trabalho da artista há 30 anos. “É uma espécie de... não sei explicar. É uma inclinação muito forte num determinado universo de cores”, justifica.
“Mas você sabe por quê?”. “Não, não sei. Eu poderia explicar de várias maneiras, mas nada que eu explique vai explicar, é como o amor”.
A partir do dia 30 deste mês, 50 obras da carioca – todas sem nome, como ela sempre fez – estarão distribuídas por sete salas da Pinacoteca de São Paulo, em uma retrospectiva de sua carreira, com curadoria de José Augusto Ribeiro. Até 24 de fevereiro de 2020, poderão ser vistas peças nascidas a partir de materiais familiares, de uso cotidiano, como gesso, madeira e vidro. Para tanto, Fernanda ficará três semanas no museu, transformado em ateliê durante a montagem, como é a sua casa do Rio de Janeiro, onde foi feita esta sessão de fotos.
Nascida em 1960, e formada pela Escola Superior de Desenho Industrial, Fernanda nunca pensou em ser artista. Queria jornalismo. “Eu fazia arte para mim. Eu era designer, tinha uma profissão decente”, ri de si mesma. “Existe uma espécie de indiferença, cinismo, resignação, todo um baú de tristezas que estamos sentindo e que, para mim, a melhor maneira, mais positiva, real, de lidar com elas é fazer o que estou fazendo. Me dá um sentimento muito bom”, explica. “Quando faço uma exposição, todo o resto da vida deixa de existir. Tenho momentos de êxtase e outros de ‘Por que estou fazendo isso, meu Deus?’”, conta. “Você precisa ter o entusiasmo mais rasgado e a autocrítica mais feroz. Os dois extremos são necessários para mim.”
A proposta para a exibição na Pinacoteca surgiu há dois anos. Ela rascunhou ideias, manteve e descartou outras tantas. Revirou gavetas e encontrou trabalhos de décadas atrás, inéditos. Na mostra, pretende ainda emprestar obras de diferentes coleções. Criará novas também, como fez recentemente em uma exposição no museu Secession, em Viena, no qual optou por chegar de mãos vazias.
“Você não levou nada. Não ficou ansiosa?”. “Ansiosa? Eu fico ansiosa normalmente, não fico mais ansiosa por causa disso, pelo contrário.”
Na Áustria, se viu feliz ao deparar com três espaços vazios, onde poderia criar do zero, e também por ter se livrado dos trâmites de transporte das obras para a Europa. “É caríssimo, um nível de burocracia insano, pegada de carbono nem se fala, e não acho divertido”, argumenta. “Eu não estou morta, né? Estou mais viva do que nunca.”
Em São Paulo, pretende erguer uma estrutura de três metros, num espaço com iluminação específica, contendo partes de outra obra exibida anos atrás. “Acho importante pensar o processo sem desperdícios, aquele trabalho foi feito para ser reutilizado muitas vezes.” Fernanda também deve apresentar esferas de cravo e linha, uma extensão de papéis de cigarros justapostos e algumas esculturas cinéticas.
Suas peças minimalistas, de traços delicados, podem ser apreciadas por qualquer um, garante ela. “Ninguém precisa falar nada, o discurso verbal é totalmente paralelo, ele não toca a obra, nem as minhas palavras tocam o que eu faço”, diz. “Confie no que está vendo, não peça para ninguém dizer o que é. Existe uma conexão possível, direta, imediata entre um observador e um objeto. E isso é uma comunicação muito preciosa que está sendo perdida”, resume.
Fernanda Gomes, Pinacoteca de São Paulo - 01/12/2019 a 24/02/2020