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janeiro 23, 2020
Paço das Artes inaugura nova sede em casarão de Higienópolis por Helena Galante e Tatiane de Assis, Veja São Paulo
Paço das Artes inaugura nova sede em casarão de Higienópolis
Matéria de Helena Galante e Tatiane de Assis originalmente publicada na revista Veja São Paulo, edição nº 2670, em 17 de janeiro de 2020.
Praticamente nômade por cinquenta anos, a instituição ganha no sábado (25) sede em imóvel da década de 30
Despejado da Cidade Universitária. Para muitos paulistanos, a imagem do Paço das Artes ficou cristalizada lá em 2016, quando a instituição, voltada à produção contemporânea, deixou o prédio que ocupava desde 1994 para dar lugar, dizia-se, a uma fábrica de vacinas contra a dengue do Instituto Butantan. O espaço acabou sendo utilizado para outras funções administrativas e o órgão cultural foi realocado de forma temporária dentro do Museu da Imagem e do Som (MIS), no Jardim Europa. A partir de sábado (25), a fachada do imponente Casarão Nhonhô Magalhães, novo endereço do Paço, deve conseguir ofuscar qualquer passado conturbado. “A sede praticamente fixa é uma conquista histórica na nossa comemoração de cinquenta anos”, celebra a diretora artística e curadora Priscila Arantes, no cargo desde 2007.
Na esquina da Avenida Higienópolis com a Rua Doutor Albuquerque Lins, o imóvel de 1937 foi encomendado pelo barão do café Carlos Leôncio de Magalhães (1875-1931). Ele não chegou a morar no local (morreu antes do fim das obras), mas sua esposa, Ernestina, e os filhos viveram lá por onze anos. A Secretaria de Segurança e da Delegacia Antissequestro passou a funcionar ali em 1974. Em 2005, o Estado vendeu a casa ao Shopping Pátio Higienópolis com uma cláusula no edital de licitação: parte da área deveria ser cedida por vinte anos, renováveis por mais vinte, à Secretaria de Cultura. A reforma geral teve início em 2009 e só em 2018 foi definido que o Paço ficaria nos mais de 300 metros quadrados do 2º pavimento inferior, onde era a garagem. “A inauguração havia sido anunciada para 2019, mas optamos pela data do aniversário de São Paulo. Não houve atraso, só uma readequação de calendário”, garante Priscila.
Para dar conta das particularidades das obras digitais exibidas ali, a direção encomendou ao arquiteto Álvaro Razuk um projeto de adaptação. “Era fundamental criar uma infraestrutura flexível, com barras no teto com tomadas para ligar projetores em diferentes configurações”, explica Razuk. Em caso de mostras de vídeo, é possível fazer um fechamento cenográfico das janelas, para deixar o ambiente escuro. Por se tratar de um patrimônio tombado, os limites arquitetônicos tinham de ser respeitados. “Foi preciso adequar as questões de acessibilidade, criando uma rampa de acesso.” Moradores da região chegaram a questionar a obra com a Associação dos Proprietários, Protetores e Usuários de Imóveis Tombados. Em vistoria conjunta com o Condephaat, a secretaria informou que todos os procedimentos e cartas patrimoniais de restauro estavam corretos, descartando irregularidades.
A primeira artista a ocupar o espaço é a gaúcha Regina Silveira. “Fazia questão de que fosse uma mulher brasileira, para contemplar a representatividade feminina na arte”, completa a curadora Priscila, que escolheu o nome Limiares para a exposição. “Fico muito feliz com a reabertura do Paço. Ele volta à cena a todo o vapor como uma instituição que estimula a produção de artistas jovens”, afirma Regina, uma veterana em trabalhos multimídia que costuma propor instalações site specific, ou seja, pensadas de acordo com as características de um ambiente determinado. As janelas do Casarão Nhonhô Magalhães são replicadas e sobrepostas na inédita peça Cascata, que recebe os visitantes logo na entrada. Antes, no jardim, Dobra brinca com a percepção do público. A escultura é uma espécie de banco distorcido, alongado. Para vê-lo completamente, é preciso se deslocar e testar novos pontos de vista.
Algumas videoinstalações, como Limiar e Lunar, serão doadas ao Paço das Artes no fim da temporada de exibição, em maio, inaugurando o seu acervo digital. “Com esse movimento, o Paço se torna um museu. É o resultado de um trabalho de legitimação dos artistas que já passaram por aqui”, diz Priscila. Além das projeções, a documentação museológica inclui instruções de montagem. Completam a doação os vídeos Campo (1977), A Arte de Desenhar (1980) e Morfas (1981).
Principal marca do Paço das Artes, a Temporada de Projetos foi mostrada ao público em 1997 e teve participação de nomes como Regina Parra e Ana Elisa Egreja. Professora da Faap e jurada da temporada, Nancy Betts fez a curadoria da exposição do paulista Vitor Mizael em 2013. “A partir desse mergulho, é possível estabelecer outras relações com a história da arte”, analisa Nancy. A convocatória nacional deste ano teve 344 inscrições. Dos nove projetos artísticos e um de curadoria selecionados, ao menos sete são de profissionais que trabalham em São Paulo, o que gerou críticas sobre a abrangência da ação. “Há a preocupação de contemplar outros estados, contudo nossa prioridade é a qualidade das propostas. Nesse momento, o que recebemos não atendeu aos requisitos”, explica Priscila Arantes. Ela também adianta o relançamento da residência artística da instituição em março de 2020, agora com caráter internacional e parceria com o Ateliê Air 351, em Cascais, Portugal.
Um dos desafios do Paço será ampliar o público. Na última década, 2014 foi o ano do recorde de visitação, com 84 539 pessoas. Na transição para o MIS, em 2016, a marca baixou para 42 192, e alcançou o patamar de 52 009 no ano passado. “Vamos sentir neste ano quanto a sede fixa influenciará o público e também patrocinadores para as mostras”, anseia Priscila. A entrada é gratuita e a programação deve incluir parcerias com o Shopping Pátio Higienópolis. “É muito positiva a chegada do Paço, tem total sinergia com o nosso pilar de cultura”, diz o gerente-geral do empreendimento comercial, Ednaldo Souza. Que a boa vizinhança dure pelo menos vinte anos — ou mais.