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junho 30, 2019
Centros culturais do Banco do Nordeste têm programação cancelada e funcionários demitidos por Cinthia Freitas, G1
Centros culturais do Banco do Nordeste têm programação cancelada e funcionários demitidos
Matéria de Cinthia Freitas originalmente publicada no portal G1 em 26 de junho de 2019.
Fontes confirmam que já houve demissões. Já o CCBNB afirma que a medida “não implica desligamento de funcionários”
As unidades do Centro Cultural Banco do Nordeste em Fortaleza e Juazeiro do Norte, no Ceará; e Sousa, na Paraíba, tiveram a programação cultural cancelada sem previsão de retorno. Artistas parceiros do equipamento, com produções marcadas para os próximos meses, foram avisados nesta terça-feira (25), por telefone, de que seus projetos junto ao CCBNB foram cancelados. Fontes confirmam que já houve demissões. Já o CCBNB afirma que a medida “não implica desligamento de funcionários”.
Em nota, o Centro Cultural, mantido pelo Banco do Nordeste, informou que, “no momento, está reestruturando seu modelo de atuação, no intuito de modernizar a estratégia de funcionamento e ampliar parcerias com outras instituições”.
A justificativa da empresa para os artistas é um contingenciamento dos recursos.
Envolvido com o equipamento desde 2011, o guitarrista Caike Falcão vai cumprir a agenda até o fim deste mês. Outras cinco apresentações dele previstas no CCBNB Fortaleza para julho e agosto foram canceladas. “Me ligaram ontem da produção, pela manhã, confirmando o evento. Já à tarde ligaram dando a notícia [do cancelamento], porque rolaram cortes, que não iam conseguir manter a programação do restante do ano", confirma.
Fontes confirmaram ao G1 que pelo menos quatro pessoas já foram demitidas na unidade de Juazeiro do Norte. Sendo três funcionários da biblioteca e um diagramador. Outros prestadores de serviços foram avisados de que não vão ter os contratos renovados, portanto, devem ser desligados das funções no fim de julho.
O secretário da Cultura do Estado, Fabiano Piúba, vê a medida com preocupação. "O que está em questão não é apenas o fechamento, seja ele provisório ou não, é uma política de cultura do BNB. O BNB estabeleceu nos últimos quinze anos uma política de fomento à cultura do Nordeste muito forte. Sobretudo no semiárido, nas capitais da região, e depois como centros culturais", sinaliza.
O secretário afirma que vai propor, em reunião com outros secretários da Cultura da Região Nordeste, uma carta cobrando explicações ao presidente do BNB.
"O que a gente não pode permitir, falo enquanto secretário e ser que atua como artista, é um retrocesso desse. O Nordeste é uma região com carência de equipamento culturais, são ambientes fundamentais pro acesso e o fomento das artes na região", reforça.
Em maio, artistas retiraram as peças de uma exposição no Centro Cultural Banco do Nordeste que abordava casamento gay. O ato ocorreu em solidariedade aos artistas Eduardo Bruno e Waldírio de Castro, que tiveram uma faixa que fazia parte da exposição retirada pela organização do local.
'Desrespeito com a sociedade'
Um dos idealizadores do projeto Jazz em Cena, promovido pelo CCNBN Fortaleza há quatro anos, Dalwton Moura se diz impactado com a decisão. “Todo cancelamento é uma medida muito grave, muito prejudicial pra nossa cena musical e cultura como um todo. Cancelar shows já divulgados pro público, que seriam os de julho, é algo que é desrespeitoso com os músicos, com o público, com a sociedade”, apontou.
O produtor cultural recebeu a determinação por telefone, nesta terça. “O Centro Cultural apenas nos informou que os shows do projeto estavam cancelados até segunda ordem, sem prazo pra voltar. O prejuízo pra nós, pra essa cena, já é bastante relevante. Se torna ainda maior depois que ficamos sabendo que esse corte é geral. É algo extremamente negativo, um prejuízo inestimável”, lamenta.
Em um dos projetos, o músico Caike Falcão toca no CCBN ao meio-dia, e reforça a importância de dar acesso gratuito à cultura em um equipamento localizado no Centro da cidade e acessível para todas as camadas sociais.
“A gente via o tanto de gente que não teria tanto acesso à cultura ali, graças a esse projeto, participando. Tinha biblioteca, dança, jazz, forró. Acredito que a cultura e a arte devem ser democratizadas. Todo mundo deve ter acesso a isso. Fica um buraco enorme”, acrescenta.
Cadeia criativa e econômica
Érika Souza é produtora e trabalhou no seu último projeto com o CCBNB de Juazeiro este mês. “Na nossa cabeça tava tudo bem. Teve chamada, tudo direitinho, não havia sinais de algo dessa forma pudesse acontecer”, relembra.
Para ela, um equipamento cultural de programação gratuita tem impacto importante pro desenvolvimento da região do Cariri.
“Pra gente é um dos maiores equipamentos fomentadores da cultura, existia toda uma cadeia criativa e econômica que se se sustentava pelo CCBNB, tem uma cadeia inteira que está sendo prejudicada por esses cortes, assusta muito. Por muito tempo se acreditou que precisaria sair do Cariri pra ter visibilidade e trabalhar com cultura na nossa região, o CCBNB era um fôlego nesse sentido. Com essa perda, é uma sensação de orfandade”, complementa.
Trabalho voluntário
Conforme artistas que criticam a situação, a medida de contingenciamento e o estreitamento no quadro de colaboradores sinaliza que os equipamentos vão servir como locação.
Em Juazeiro, o Centro Cultural abriga uma das bibliotecas com maior acervo da região. Com a demissão de funcionários, o espaço passa a ser um local de ocupação, não sendo mais permitido o empréstimo de livros.
Elvis Pinheiro, curador e mediador do projeto Cine Café em Juazeiro há nove anos, vai trabalhar de forma voluntária no próximo mês, já que possui os direitos de exibição dos filmes já pagos.
“Vou continuar fazendo a movimentação dos cinemas, mas avisando que é uma ação voluntária minha pelo cinema, pelo audiovisual. Não é um trabalho voluntário pro CCBNB, mas para o Cariri”.