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abril 15, 2019
Adriana Varejão faz sua primeira exposição individual em Salvador por Ana Cristina Pereira, Correio
Adriana Varejão faz sua primeira exposição individual em Salvador
Matéria de Ana Cristina Pereira originalmente publicada no jornal Correio em 13 de abril de 2019.
A influente artista visual carioca expõe vinte trabalhos de várias fases no Museu de Arte Moderna a partir de terça (16)
Salvador sempre esteve no raio criativo da artista visual carioca Adriana Varejão, 55 anos. Ela já veio “diversas” vezes pesquisar e se inspirar pela atmosfera e herança barroca da cidade, como tem mostrado em trabalhos de diferentes fases, a partir dos anos 80.
Mesmo assim, Adriana, uma das artistas mais conhecidas do país e que já expôs em vários centros do mundo, nunca tinha feito uma exposição individual por aqui. “As instituições estão muito carentes de verbas. Nunca tinha recebido nenhum convite oficial”, resume.
A afirmação é apenas uma constatação, pois ela está “muito feliz” em apresentar a mostra Adriana Varejão - Por uma Retórica Canibal, no Museu de Arte Moderna, a partir de terça-feira (16). “Fazer esta exposição é como finalmente retornar à casa da mãe depois de uma longa viagem”, poetiza Adriana.
Com curadoria da crítica de arte carioca Luisa Duarte, a exposição reúne 20 trabalhos produzidos a partir de 1992, que percorrem três décadas, num esforço logístico complexo, já que as obras estão em coleções particulares de vários colecionadores.
“Não é fácil reunir os trabalhos, muitos colecionadores não ficam seguros”, pontua a artista, que não via alguns dos trabalhos desde 2013, quando fez retrospectivas nos Museus de Arte Moderna de São Paulo e do Rio .
Por isso, a mostra retrospectiva - uma iniciativa da Galeria Almeida e Dale - ganha ainda mais importância. É uma exposição, avalia a artista, para o público que ainda não conhece sua obra ter uma visão mais abrangente do conjunto. “São obras históricas, não necessariamente o que estou fazendo agora, mas que cobrem um grande período”, resume.
Devorações
É nas produções dos anos 90 que Adriana reflete com mais intensidade a força conceitual do Barroco. E as primeiras cidades em que ela pesquisou o tema foram Salvador e Cachoeira, seguidas de outras como Recife e Mariana, em Minas Gerais. Só muito depois, conta, foi a Portugal.
Ao beber na fonte estética do Barroco, com seus jogos retóricos e muitos excessos, Adriana diz que estava em busca das multiplicidades de referências que o período traz. “O Barroco foi o primeiro lugar de uma arte mestiça na América, uma arte com fortes referências locais. Este caráter múltiplo e mestiço é o que mais me atrai”, pontua, citando artistas referenciais do movimento no Brasil, como o artista mineiro Aleijadinho (1730-1814) e o poeta baiano Gregório de Matos (1636-1693).
Em pinturas como Língua com Padrão Sinuoso e Pele Tatuada à Moda de Azulejaria - que ilustram esta página - estão imagens do Barroco, relidas de forma pertubadora, com referências ao corpo humano e que parecem sangrar da tela. “A questão do canibalismo é uma metáfora, pois a ideia é subverter o padrão branco e eurocêntrico. Comer aquilo e devolver de uma outra forma. É isso que me interessa no Barroco”, diz.
Azulejos
Um dos elementos que chamam atenção no conjunto é a recorrente presença dos azulejos - tão marcante na cultura portuguesa e em suas colônias. Tanto nos trabalhos mais antigos quanto no mais recente da exposição, a pintura sobre gesso batizada de Azulejão (Neo-concreto), de 2016.
Adriana conta que tem um acervo de mais de seis mil imagens de azulejos, que vem fotografando desde 1988. “Trabalho em cima desse repertório de imagens”, explica a artista , que tem uma sala inteira dedicada a eles no Instituto Inhotim, em Minas Gerais. O quadro Azulejão, diz, é como se fosse um recorte dessa sala no museu a céu aberto de Minas Gerais.
Além das pinturas em telas e outros suportes como madeira, alumínio, fibra de vibro e resina, a mostra inclui a videoinstalação Transbarroco (2014). Nela, Adriana apresenta quatro filmes produzidos nas cidades de Rio de Janeiro, Ouro Preto, Mariana e Salvador.
Ou seja, a Bahia está muito presente em Por Uma Retórica Canibal. Por isso, diz Adriana, está mais feliz em expor no Solar do Unhão do que “em qualquer museu do mundo”. E olhe que ela já teve seu trabalho exibido em grandes instituições internacionais como MoMA (Nova York), Fundação Cartier (Paris), Centro Cultural de Belém (Lisboa), Hara Museum (Tóquio) e The Institute of Contemporary Art (Boston).
Bate-papo
Além da visitação , a mostra Adriana Varejão - Por uma Retórica Canibal terá uma programação educativa paralela, atendendo a um pedido da própria artista. O que inclui uma publicação com texto para cada obra e a uma conversa sobre o universo criativo exposto, que acontece terça, às 16h, no Museu de Arte da Bahia, no Corredor da Vitória.
Participam do encontro gratuito Adriana Varejão, o artista visual baiano Ayrson Heráclito, a antropóloga e escritora paulista Lilia Schwarcz e a curadora Luisa Duarte. Entre os últimos trabalhos assinados por Luisa, que também é professora, está os programas públicos da 21ª Bienal de Arte Contemporânea Sesc-Videobrasil, que estreia em outubro em São Paulo.
Também pesquisador e professor, Ayrson Heráclito aborda com frequência em sua produção artística elementos da cultura afro-brasileira e faz uma reflexão crítica sobre o Brasil Colônia.
Já Lilia Schwarcz é uma das mais importantes históriadoras e antropólogas do país sobre o período da escravidão. Um de seus últimos livros lançados é Dicionário da Escravidão e Liberdade (Companhia das Letras), organizado por ela em parceria com Flávio dos Santos Gomes.
Depois de Salvador, a mostra segue para outras capitais fora do eixo Rio-São Paulo, que nunca tinham tido o prazer de receber uma mostra de Adriana Varejão.
FICHA
Exposição: Adriana Varejão - Por Uma Retórica Canibal
Artista: Adriana Varejão
Onde: Museu de Arte Moderna da Bahia (Solar do Unhão/ Av. Contorno)
Abertura: terça-feira (16), às 19h30
Visitação: de terça a sábado, das 13h às 18h, até 15 de junho. Gratuita