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março 1, 2019
Sob Bolsonaro, revisão de patrocínios na cultura põe em xeque R$ 128 milhões, Folha de S. Paulo
Sob Bolsonaro, revisão de patrocínios na cultura põe em xeque R$ 128 milhões
Matéria de Gustavo Fioratti , Maria Luísa Barsanelli e Rafael Gregorio originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 28 de fevereiro de 2019.
Pente-fino realizado nas estatais prevê cortes e causa atraso de pagamentos
O governo Bolsonaro está causando apreensão por conta da revisão na política de patrocínio da Caixa Econômica Federal, do Banco do Brasil, do BNDES, da Petrobras e dos Correios, estatais que juntas destinaram ao menos R$ 128 milhões à cultura no ano passado.
A gestão está sendo marcada pela previsão de cortes e por atrasos em pagamentos em contratos em vigor com produtores. A Secretaria de Comunicação do governo (Secom), por meio de seu Departamento de Mídia, também vem solicitando às gerências de cultura dessas empresas detalhamentos mais completos dos projetos selecionados em editais.
A informação foi passada por diversos funcionários das estatais e também por produtores culturais que, de alguma forma, já se sentem atingidos pela redução de marcha no incentivo e no fomento às artes.
Segundo a Secom, porém, não se trata de cortes, mas, sim, de “uma reavaliação das aplicações de recursos”.
A secretaria explica também que participam dessa revisão as diretorias das próprias estatais e também a Secretaria de Governo, comandada pelo general Carlos Alberto dos Santos Cruz. Deste grupo saiu, por exemplo, a decisão de suspender o programa “Sem Censura”, que era exibido pela TV Brasil. Neste ano, a emissora também deixa de exibir desfiles de escolas de samba do Rio e de São Paulo.
A Petrobras até agora é a estatal em que a desaceleração se deu com mais força, muito embora esse anúncio ainda não seja oficial. Por nota, a empresa apenas disse que “está revisando sua política de patrocínios, em alinhamento ao novo posicionamento de marca da empresa, com foco em ciência e tecnologia e educação, principalmente infantil”.
Sob a nova gestão de Roberto Castello Branco, a petroleira reduzirá drasticamente a verba destinada aos patrocínios nas áreas de artes cênicas e do audiovisual —a direção da Mostra Internacional de Cinema, em São Paulo, manifestou preocupação pela falta de retorno da estatal. Sabe-se que a ideia é preservar ao menos a Orquestra Petrobras Sinfônica.
Será um corte de impacto no setor. Os contratos, alguns deles vigentes até 2021, estão sendo respeitados, diz a assessoria de imprensa da empresa. Mas não há até o momento previsão nem de renovações com proponentes das áreas citadas nem tampouco projeção de novos contratos.
Entre os atuais beneficiados, estão a Companhia de Dança Deborah Colker, o Festival Anima Mundi, o Festival de Cinema do Rio, o Grupo Galpão e o Grupo Corpo.
A Cia. Deborah Colker recebeu a confirmação da Petrobras que seu patrocínio será mantido até o fim do ano, mas as verbas das próximas temporadas ainda não foram discutidas —antes dos cortes, a estatal tinha contrato com o grupo até junho de 2020.
Em sua conta no Twitter, no início do mês, o presidente Jair Bolsonaro disse que determinou a revisão de contratos de patrocínio e que o financiamento de atividades culturais “não deve estar a cargo de uma petrolífera estatal”.
Segundo o texto do presidente, “a soma dos patrocínios dos últimos anos passa de R$ 3 bilhões”. A Petrobras não confirma esse valor. Os contratos vigentes de patrocínio na área somam cerca de R$ 450 milhões —mais de 4.000 projetos foram patrocinados desde 2003.
Não foi o primeiro equívoco de Bolsonaro. Ele também divulgou, pelo Twitter, que a Caixa teria gastado R$ 2,5 bilhões em patrocínio e publicidade em 2018, montante que classificou como “absurdo”. O orçamento para tal finalidade do banco no ano passado, porém, foi de R$ 685 milhões.
Em 2018, os patrocínios na cultura da Petrobras consumiram R$ 39 milhões, tendo lucrado R$ 25, 7 bilhões. O valor já vinha sendo reduzido ano a ano. Em 2017, a empresa destinou R$ 62,5 milhões a projetos na cultura.
A situação é ainda mais incerta na gerência que responde pelos patrocínios da Caixa Econômica Federal. Nesta semana, o banco confirmou o fim de um patrocínio que mantinha desde 2014 ao Cine Belas Artes, em São Paulo, de quase R$ 2 milhões ao ano. O corte põe em risco as atividades da sala de cinema.
Diversos outros contratos estabelecidos em 2018 estão com pagamentos atrasados por parte do banco.
Os produtores culturais afetados, a maioria deles ligada às artes visuais e ao teatro, dizem que seus contratos preveem investimento inicial próprio e reembolso posterior pelo banco, o que seria feito em três ou quatro parcelas.
Parte do dinheiro é devolvido a eles nas aberturas e nas estreias, parte é depositada no curso dos eventos, e outra parte, ao fim da temporada.
Os que foram prejudicados por parcelas em atraso se reuniram em um grupo de discussão online. São cerca de 35 endereços de emails cadastrados, em diversas capitais, entre elas São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza e Brasília.
Eles reclamam que precisam do dinheiro das parcelas para quitar débitos com prestadores de serviço contratados para que pudessem realizar suas produções.
Em nota, a Caixa informou que os contratos de patrocínio do banco, “os novos e os que ainda são vigentes”, estão sob análise. “As questões relacionadas aos projetos culturais e seus desdobramentos estão sendo tratadas, caso a caso, diretamente com os proponentes ou patrocinados.”
O BNDES e Correios também disseram que estão em fase de revisão de suas ações de patrocínio cultural. No ano passado, o banco destinou 4,4 milhões à área, e a companhia de serviço de postagem, R$ 1,87 milhão.
Há o esboço de uma reação a este cenário. Na Câmara, artistas e produtores culturais vêm tentando criar a Frente Parlamentar da Cultura, encabeçada pelo deputado Marcelo Calero (PPS-RJ). Até agora, foram recolhidas pouco mais de cem assinaturas de congressistas —para a criação, são necessárias 171.
Presidente da Associação dos Produtores de Teatro, entidade que participa do processo, Eduardo Barata diz que a ideia é formalizar, no legislativo, um baluarte contra possíveis cortes para a cultura.