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janeiro 23, 2019
O longo alcance da Lei Rouanet por Tuninho Galante, O Globo
O longo alcance da Lei Rouanet
Artigo de Tuninho Galante originalmente publicada no jornal O Globo em 12 de janeiro de 2019.
‘Os artistas mamam na Lei Rouanet” é uma fake news que já foi desmontada.
A Lei Rouanet é uma eficaz ferramenta de apoio à cultura, ainda mais em um país com péssimo resultado na educação. Cultura e educação caminham juntas, e ambas são pilares de um poderoso segmento, o da economia criativa. Este segmento é tão importante que deveria ser partilhado entre a equipe econômica e a Secretaria de Cultura.
A indústria do entretenimento e a economia criativa geram, no mundo, bilhões de dólares e milhões de empregos com alta capilaridade e são uma importante ferramenta de desenvolvimento social e econômico. A indústria criativa está no design dos produtos, nos sites das empresas, nas roupas, na arquitetura das cidades, em praticamente tudo o que se lê, se escuta e que se vê e se consome.
Mas, como desenvolver esse segmento? Com cérebros, educação e cultura.
Em todo o mundo, existem leis e projetos de incentivo à economia criativa, artes, design, museus, teatros, música, grafite, audiovisual, games, aplicativos de celular etc.
A renúncia fiscal da Lei Rouanet — que foi criada no governo Collor — é ínfima, em comparação com outros setores da economia (cultura, 0,66%; comércio e serviços, 28,5%; indústria, 11,89%; saúde, 11,6%; agricultura, 10,32%; educação, 4,85%; habitação, 4,45%) e sensivelmente mais transparente, visto que os relatórios de prestação de contas estão na internet. As empresas e pessoas físicas escolhem livremente o projeto que vão apoiar. Se existem desvios que devem ser combatidos, são a exceção, não a regra, e normalmente são descobertos pelos próprios mecanismos de controle interno.
Por trás de uma canção tocada no rádio, existem dezenas de pessoas envolvidas, entre compositores, músicos, cantores, produtores, estúdios, editoras e gravadoras. Apenas na produção de uma única música com videoclipe, o número de pessoas envolvidas chega a três dígitos, sem contar a circulação em shows, discos, streaming, downloads, sincronizações em audiovisual etc.
Conteúdo é o petróleo do século XXI. E o que é conteúdo? Muitas coisas, mas também qualquer coisa que prenda a atenção das pessoas, principalmente através de aparelhos eletrônicos como tablets, TVs, telefones celulares etc. Conteúdo é um produto da economia criativa e é consumido em todo o mundo, sem fronteiras, à distância de apenas um clique.
Gigantes da internet como Apple, Amazon e Google, que valem trilhões de dólares, migraram para produção e circulação de conteúdo. A Apple, por exemplo, está apostando pesado neste segmento. O Brasil é extremamente criativo, tem todas as condições de brilhar na produção de conteúdo de alta qualidade. Pelas entrevistas do secretário de Cultura, José Henrique Pires, não teremos desmonte na Lei Rouanet, mas esta passará por mais um escrutínio. Isso pode ser muito positivo, se acompanhado por uma campanha de esclarecimento e incentivo para que seu uso seja ampliado.
O Brasil está saindo da pior recessão de sua história. Os números oficiais ou extraoficiais de desemprego e de brasileiros abaixo da linha da pobreza são alarmantes. O país precisa (re)encontrar-se com uma trajetória de desenvolvimento econômico e social, pluralizando sua matriz econômica. O agronegócio é um sucesso, ótimo, mas não podemos ficar na “indústria de uma nota só”.
Um país sem cultura é um país sem espelho, triste, que não se enxerga. Devemos apoiar a indústria criativa, explorar sua alta capacidade de gerar renda e aprimorar a Lei Rouanet, tornando-a mais acessível, conhecida e utilizada.
Tuninho Galante é compositor e empreendedor multimídia