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janeiro 21, 2019
Bienal de São Paulo escolhe burocrata da arte contemporânea como curador por Fabio Cypriano, Folha de S. Paulo
Bienal de São Paulo escolhe burocrata da arte contemporânea como curador
Opinião de Fabio Cypriano originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 16 de janeiro de 2019.
Com Jacopo Crivelli Visconti à frente, segue a expectativa de mais uma mostra arroz com feijão
Em um momento que bienais buscam curadoras e curadores arrojados e que portam questões relevantes, como a Bienal do Mercosul que selecionou a argentina Andrea Giunta, uma das organizadoras de “Mulheres Radicais”, para sua edição de 2020, a Bienal de São Paulo escolhe Jacopo Crivelli Visconti, um curador sem mostras importantes no currículo ou qualquer tipo de aporte significativo no pensamento da arte.
Visconti, de origem italiana, começou sua carreira no Brasil na própria Fundação Bienal, em um de seus momentos mais polêmicos, na gestão de Manuel Francisco Pires da Costa, que foi de 2002 a 2009. Foi a época que levou a instituição a práticas condenadas pelo Ministério Público e dívidas superiores a R$ 2,8 milhões, que quase inviabilizaram seu futuro.
Visconti era uma espécie de braço direito de Pires da Costa, tanto que quando o presidente retirou de Lisette Lagnado, a curadora da 27ª edição, em 2006, o direito de escolher a representação nacional de Veneza, em 2007, ele foi o selecionado para a tarefa.
Com a eleição de Heitor Martins, em 2009, para a presidência da Fundação, Visconti ainda continuou ocupando funções burocráticas na instituição, mas logo a seguir partiu para carreira independente e, desde 2012, curador da coleção Barbosa-Moraes.
Visconti possui boa relação com grande parte dos artistas e tem realizado textos para catálogos e mostras em galerias comerciais e institucionais, nenhuma delas com repercussão destacada. Ele é uma espécie de burocrata da curadoria em arte contemporânea, que sabe cuidar bem do “Feijão com Arroz”, título de uma de suas mostras, mas sem qualquer tom autoral ou inovador.
Visconti concorreu a direção do Museu de Arte Latino -Americano de Buenos Aires, o Malba, para suceder Agustin Perez-Rubio, no ano passado, mas foi preterido por Pablo León de la Barra.
A questão, portanto, é como a Fundação Bienal escolhe um nome tão irrelevante frente a um circuito que tem Nicolas Bourriaud à frente da Bienal de Istambul, agora em 2019, e Lagnado e Rubio como parte da equipe curatorial da Bienal de Berlim, em 2020, para citar dois casos.
Esses dois casos, aliás, já ajudam a esclarecer o motivo —em ambos há comitês que encomendam projetos e, de forma democrática, fazem um processo que evita escolhas personalistas. A comissão de Berlim, por exemplo, que escolheu Lagnado e Rubio, foi formada por um grupo internacional de peso: Doryun Chong (M+, em Hong Kong), Adrienne Edwards (Whitney Museum, em Nova York), Reem Fadda (curadora independente da Palestina), Solange Farkas (Associação Cultural Videobrasil, de São Paulo), Krist Gruijthuijsen (KunstWerke, de Berlim), Miguel López (TEOR/éTica, de San José) e o artista israelense Omer Fast.
A equipe se reuniu na Alemanha três vezes ao longo do ano passado: na primeira para conhecer as regras e começar a indicação de nomes, na segunda para selecionar os projetos a serem avaliados de forma presencial e na última para entrevistas e seleção final.
Na Bienal de São Paulo ainda impera o personalismo centralizador do presidente e seus seguidores, sem a necessária independência para uma escolha sintonizada com nomes expressivos.
Não é à toa que a edição passada foi totalmente desconectada dos debates da arte e da sociedade, apresentando um tema como novo, “o artista como curador”, o que Marcel Duchamp já fazia há quase cem anos atrás. Foi uma das edições mais lamentáveis da história da Bienal.
O declínio da relevância da Bienal de São Paulo, contudo, vem sendo contrabalançado pela cena local, onde instituições como Masp, Pinacoteca e Instituto Tomie Ohtake, para dar alguns exemplos, vêm apresentando exposições que seguem apontando como a arte contemporânea é um importante farol para os tempos presentes.
O que se torna mais contraditório com tudo isso é que, depois da crise institucional gerada nos primeiros anos do século 21, agora a fundação é uma máquina com pessoal interno qualificado, cheia de recursos e público, mas sem condições de tornar o evento de fato relevante.
Com Jacopo Crivelli Visconti à frente da 34ª. Bienal de São Paulo, marcada para 2020, segue a expectativa de mais uma mostra arroz com feijão, de mais um curador homem, branco e heterossexual, e de que as demais instituições da cidade consigam, novamente, compensar o vazio intelectual no pavilhão do Ibirapuera.