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dezembro 15, 2018
Diante da variação cambial, brasileiros avaliam participação na Miami Basel por Nelson Gobbi, O Globo
Diante da variação cambial, brasileiros avaliam participação na Miami Basel
Matéria de Nelson Gobbi originalmente publicada no jornal O Globo em 10 de dezembro de 2018.
Empresários festejam bons negócios, mas dizem que a disparada do dólar atrapalhou planejamento
MIAMI — Entre a expectativa de vendas e a realidade da economia nacional, galeristas brasileiros presentes à Art Basel Miami, que terminou anteontem no Miami Beach Convention Center, faziam contas para avaliar se a participação na maior feira de arte dos Estados Unidos ainda era tão vantajosa quanto no passado. Em um contexto de volatilidade cambial, na qual o dólar começou o ano a valendo R$ 3,3 e terminou a quase R$ 4, os galeristas celebravam os negócios e contatos realizados, mas sem abrir mão da cautela em relação ao balanço entre lucros e despesas. Caso da paulistana Jaqueline Martins, que levou para a seção Survey uma seleção de trabalhos da brasileira Regina Vater. Durante o evento, a galerista comemorou a projeção da artista, que morou por anos nos EUA, mas por pouco o projeto não se concretiza, já que ela quase desistiu de participar quando o dólar disparou, em setembro.
— Cheguei a mandar um e-mail para a organização, dizendo que se o câmbio piorasse eu teria que cancelar a minha participação. O dólar subiu para mim quase 30%, e não consigo repassar essa variação para as obras. Fora o imposto altíssimo que tenho que pagar no Brasil — ressalta Jaqueline. — Ainda assim, compensou estar aqui, tanto pelo interesse de colecionadores quanto pelas instituições. Além das tradicionais, os EUA têm muitas universidades com seus próprios museus, e com orçamento para fazer aquisições.
Para Antonia Bergamin, da Bergamin & Gomide, que comemorava a venda de obras de Leonilson e Ivan Serpa para instituições e colecionadores americanos, as vendas continuam sendo realizadas como no passado, embora observe uma mudança na dinâmica da feira.
— Acho que como vem acontecendo em feiras em todo o mundo, houve uma mudança no comportamento do colecionador. Não é mais como antes, em que vendíamos quase tudo no preview e depois ficávamos quatro dias quase sem nada para fazer no estande. Hoje o comprador vem, conversa, pesquisa, reserva e só depois efetua o negócio. Não tem mais aquele desespero — avalia Antonia, para quem a volatilidade da moeda prejudica todo mundo. — Claro que posso planejar vender algo a R$ 3,6 e receber a R$ 3,9, a oportunidade está ligada ao risco. Mas no geral é difícil porque, ainda que a maioria das obras esteja tabelada em dólar, se o câmbio chegar a R$ 8 eu não vou conseguir dobrar o preço dos trabalhos, tem uma média a ser feita.
Dona de galerias em São Paulo, Rio e Nova York, Nara Roesler também vê mudanças, mas no perfil dos colecionadores presentes à feira:
— Talvez tenha visto menos colecionadores conhecidos este ano, com mais presença de jovens, que estão começando as suas coleções. O que acho positivo, sinal que mesmo com o dinheiro mudando de mãos o interesse em adquirir arte continua. Ou, como disse um grande colecionador que passou aqui, comprar uma obra é a possibilidade de “transformar dinheiro em mágica” — conta Nara, que negociou obras de artistas como Julio Le Parc, Artur Lescher e Vik Muniz.
Há quem pretenda avaliar “com calma” a volta à feira no ano que vem. É o caso de Silvia Cintra, da carioca Silvia Cintra + Box 4. Neste ano, Silvia optou por levar à feira artistas de produção mais recente, a exemplo de Chiara Banfi e Pedro Motta, para ampliar sua visibilidade no mercado americano e, ao mesmo tempo, ter valores competitivos no evento.
— Em termos institucionais, o que nos interessa muito, Miami perdeu muito em relação ao que era no passado. Muitos curadores e representantes de instituições dizem não vir mais porque em dezembro a maioria das galerias já não tem como mostrar seu melhor — pondera Silvia. — Neste contexto, acho que as feiras menores podem ser mais interessantes, nos megaeventos as pessoas ficam aflitas para ver tudo e não param para ver as obras. Outros setores, como a moda, já estão buscando este caminho, talvez isso também aconteça com a arte em breve.
* Nelson Gobbi viajou a convite da Art Basel Miami Beach