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agosto 26, 2018
Feminina e historiográfica por Paula Alzugaray, revista seLecT
Feminina e historiográfica
Matéria de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista seLecT em 20 de agosto de 2018.
Focadas na produção feminina latino-americana, curadoras de Mulheres Radicais constroem capítulo omitido da história da arte
Entre os nove temas abordados na exposição Mulheres Radicais: Arte Latino-Americana, 1960-1985, um deles refere-se especificamente aos “feminismos”. Esta seção inclui obras de artistas que se definiram como feministas e ativaram essa condição em seus trabalhos documentando demonstrações ou criando uma iconografia radical do feminismo. Entre elas destacam-se as mexicanas Yolanda Andrade, Maris Bustamante, Ana Victoria Jiménez, Jesusa Rodríguez e Monica Mayer, pois, segundo a curadoria, o México foi o único país latino-americano a ter um movimento artístico feminista organizado no período abarcado pela exposição. Engrossam o coro das feministas assumidas a brasileira Josely Carvalho, a argentina Maria Luisa Bemberg e a colombiana Patricia Restrepo. Inegável, porém, que questões relativas à afirmação e à radicalidade da mulher perpassam os cerca de 280 trabalhos de 120 artistas reunidas na importante mostra que ocupa a Pinacoteca do Estado de São Paulo, depois de passar pelo Hammer Museum, de Los Angeles, e pelo Brooklyn Museum, de Nova York.
“Todas essas vozes que estão aqui são individualmente muito interessantes. Mas como grande voz coletiva demonstram uma contribuição inescapável à ideia de que foram partícipes da construção das linguagens da contemporaneidade. E o fizeram, em grande medida, falando do corpo”, diz a curadora Cecilia Fajardo-Hill à seLecT. “Este é o feminismo da exposição. Nosso feminismo é defender que a mulher deve ser respeitada, tem de ter o seu lugar na história.”
As curadoras Cecilia Fajardo-Hill e Andrea Giunta afirmam que a contribuição de sua pesquisa é historiográfica. Ao mostrar, por exemplo, que as artistas foram pioneiras em experimentar com vídeo, fotografia, performance e fotoperformance nos anos 1960, elas escrevem um capítulo omitido da história da arte. “Temos de ter consciência que a arte contemporânea ainda é muito patriarcal, a igualdade da mulher e do homem na arte não aconteceu”, diz Andrea Giunta à seLecT.
Outro papel da exposição é apontar, em obras dos anos 1960, 70 e 80, temas que não tinham uma representação na arte. Por exemplo experiências do corpo da mulher, como a menstruação, a gravidez, o erotismo – abordado de maneira poética, política ou radical por artistas surpreendentes, como a argentina Liliana Maresca.
Os efeitos da exposição nos contextos por onde passou já se fazem notar. Cursos em universidades, novas pesquisas acadêmicas e até aquisições a coleções de grandes museus. A Tate Modern, de Londres, demonstrou interesse pelas artistas paraguaias. “Por isso é tão importante que o catálogo seja um livro com muita investigação, para ser um terreno para estudantes seguirem investigando”, diz Andrea Giunta. “Uma exposição não muda as coisas. Uma exposição é uma sinalização, um início. Há que seguir trabalhando.”
Um claro sinal de que a pesquisa continua e é permeável a novos contextos é a assimilação de quatros novas artistas brasileiras e uma mexicana à montagem da mostra na Pinacoteca, que também agrega Valéria Piccoli na curadoria.