|
maio 8, 2018
Feiras de arte refletem aquecimento do mercado latino-americano por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Feiras de arte refletem aquecimento do mercado latino-americano
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 7 de maio de 2018
Eventos aconteceram sob calor atípico em Nova York
Nas mãos dos colecionadores, qualquer pedacinho de papel virava um leque improvisado, enquanto o lounge dos VIPs se enchia de galeristas alegres com as vendas do momento buscando refresco em taças de vinho rosé.
Nunca pareceu tão tropical a ilha de Randalls, uma tripa de terra no meio do rio East, em Nova York, onde a feira Frieze monta uma série de tendas brancas cheias de arte contemporânea para seduzir os compradores mais influentes da maior cidade americana.
“Esse calor atrapalhou um pouco”, dizia Pedro Mendes, um dos donos da galeria paulistana Mendes Wood DM, fritando sob o teto de plástico do evento. “Mas a energia foi boa.”
Energia, no caso, que se traduz em dólares. Nas primeiras horas da Frieze, que encabeçou uma lista de outras feiras espalhadas por toda Nova York ao longo da semana passada, a sua galeria já tinha vendido algumas peças da artista Patrícia Leite e arrancado elogios rasgados de críticos.
Talvez fosse só essa primavera de calor atípico —termômetros em Manhattan marcaram até 33ºC— falando, mas todos os olhos da ilha de Randalls e do Upper East Side, o bairro favorito dos colecionadores, pareciam grudados nos nomes latino-americanos.
E o fato de o MoMA realizar agora uma retrospectiva da modernista Tarsila do Amaral e o Museu do Brooklyn exibir “Mulheres Radicais”, mostra só de artistas mulheres da América Latina que chega em agosto à Pinacoteca paulistana, só turbina a sensação de euforia nesse mercado.
Muitas galerias da feira surfaram na onda dessa última mostra, entre elas a americana Lelong, que representava ali as cubanas Ana Mendieta e Zilia Sánchez, e a suíça Peter Kilchmann, com pinturas da colombiana Beatriz González.
Essa também foi a deixa, aliás, para que alguns dos galeristas por ali arriscassem nomes de fora do cânone, como a galeria Marilia Razuk, de São Paulo, que levou obras do artista naïf Mestre Didi à Frieze, e a aposta da Fortes, D’Aloia & Gabriel, também paulistana, em Ivens Machado, um artista morto há três anos não muito conhecido no cenário global.
“Neste ano todos nós sentimos uma recuperação boa, mas não são fogos de artifício”, dizia a galerista Marcia Fortes. “Não é um momento de ‘hype’ vazio, é um momento de fazer o que você sabe fazer.”
Nesse sentido, Fortes lembra que Machado, “um artista que teve uma vida institucional enorme, mas que morreu sem poder pagar sua conta de luz”, pode ser um nome no valor certo para colecionadores atrás de obras-primas ainda longe de preços exorbitantes.
Mas quem não se espantava com os cifrões tinha todo um universo deles para explorar na Tefaf, feira rival que recria em pleno Upper East Side corredores acarpetados e arranjos de tulipas suspensos do teto de sua matriz na cidadezinha holandesa de Maastricht.
“É uma feira que vende obras raras, com preços mais altos mesmo”, dizia Antônia Bergamin, dona de metade da paulistana Bergamin & Gomide. “Está cheia de pequenos achados, de joias e raridades.”
Entre as tais raridades, um quadro de Tarsila da década de 1920, à venda ali pelo equivalente a R$ 12,3 milhões, um pequeno “Bicho”, escultura de metal articulado criada por Lygia Clark, com etiqueta de R$ 4,8 milhões, e um delicado relevo de madeira de Sergio Camargo, por R$ 2,5 milhões.
Mas os verdadeiros trabalhos arrasa-quarteirão desse concretista, morto aos 60, em 1990, estavam ali ao lado na nova-iorquina Sean Kelly, galeria que aproveitou para abrir em seu espaço no Chelsea a primeira mostra individual do artista nos Estados Unidos em paralelo às feiras.
Lá estava um grande relevo de madeira, as famosas composições lembrando florestas de toquinhos que ele plantava sobre a superfície da tela, à venda por R$ 7,7 milhões, valor idêntico a seu recorde em leilão, mas que passaria fácil dessa marca caso os toquinhos ali fossem bem menores.
“O mercado tem essas regras esquisitérrimas. Quanto menor o toquinho, mais alto o valor”, dizia Jones Bergamin, dono da Bolsa de Arte, a maior casa de leilões do Brasil, durante passeio pela Tefaf. “Mas ninguém pediria menos por uma obra desse quilate.”
Kelly, o galerista americano, concordava. “Os preços de Sergio Camargo estão se fortalecendo muito bem, mas ele ainda não está no nível de um artista americano da mesma importância que ele tem”, dizia ele. “Há muito espaço para uma valorização da sua obra.” A uruguaia Sur tinha obras de Volpi e de Oiticica —de R$ 400 mil a R$ 3,5 milhões.
O mobiliário moderno brasileiro também parece passar por essa inflação. Na Nilufar, uma galeria de Milão, uma cadeira de Joaquim Tenreiro custava quase R$ 1,5 milhão, um dos carrinhos de bebidas de Jorge Zalszupin passava de R$ 500 mil e uma banqueta de Lina Bo Bardi valia R$ 165 mil.
Fora das feiras, o mercado reflete essa ebulição. A galeria Kurimanzutto, uma das maiores do México, seguiu o embalo e abriu uma sede em Manhattan, quase vizinha da filial nova-iorquina da Mendes Wood DM, poucas quadras ao sul do espaço da também paulistana Nara Roesler por aqui.
Na abertura da casa mexicana, colecionadores e curadores combatiam o calor tomando drinques coloridos enquanto desviavam das obras penduradas do teto pelo artista Abraham Cruzvillegas, uma explosão de objetos rosa-choque no fervo primaveril.
OUTRAS FEIRAS DE PRIMAVERA NA CIDADE
O Pioneer Works, galpão que abriga ateliês de artistas no Brooklyn, recebe o 1-54, evento especializado em arte contempo-rânea africana.
Também no Brooklyn, a The Other Art Fair reúne artistas vendendo seus próprios trabalhos, e a Moniker se dedica à arte de rua.
No Lower East Side, a Fridge Art Fair ainda faz uma seleção de artistas emergentes com preços mais em conta que os medalhões da Frieze.