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agosto 17, 2017

Dois novos centros culturais arranham o céu de São Paulo por Gustavo Simon, Marcelo Pliger e Silas Martí, Folha de S. Paulo

TERRA DE GIGANTES
Em integração com o entorno e com galerias na vertical, um Sesc no coração de SP e a torre de vidro do Instituto Moreira Salles, na Paulista, são os novos centros culturais da cidade

Reportagem de Gustavo Simon, Marcelo Pliger e Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 16 de agosto de 2017.

Recomendamos para esta super reportagem da Folha, após a leitura do texto, o mergulho nas fotografias, vídeo e simulações no original

INTRODUÇÃO
Dois novos centros culturais arranham o céu de São Paul

No coração da cidade, a poucos metros do Theatro Municipal, Paulo Mendes da Rocha acaba de desenhar o Sesc 24 de Maio, prédio com pele de vidro que se tornou um mirante do skyline histórico do centro. O espaço abre ao público no próximo sábado (19).

Na Paulista, a firma Andrade Morettin Arquitetos revisita o repertório de marcos da avenida mais famosa da metrópole, entre eles o Conjunto Nacional e o Masp, para criar uma torre envidraçada em integração com os espaços ao seu redor. A inauguração da sede está prevista para a segunda quinzena de setembro.

São lugares para a cultura que pulsam com o movimento da maior cidade do continente.

SESC 24 DE MAIO
Paulo Mendes da Rocha fez do Sesc um mirante do fluxo do centro de SP por Silas Martí

“Isso tudo já estava aqui”, diz Paulo Mendes da Rocha, num dos andares mais altos do novo Sesc 24 de Maio. “Era só dar uma arrumadinha.”

No caso, derrubar uma série de estruturas antigas, escavar o subsolo para construir um teatro, fincar quatro enormes pilares para sustentar uma piscina na cobertura, criar uma rede de rampas em zigue-zague para a circulação e depois selar tudo com uma pele de vidro.

Quem olha agora para o novíssimo centro cultural no coração de São Paulo não reconhece mais o prédio abandonado que estava ali há quase 20 anos e onde antes funcionou a antiga loja de departamentos Mesbla.

Mas a metamorfose radical levou tempo. Depois de arrematar o prédio num leilão, em 2001, o Sesc escalou Mendes da Rocha, vencedor do Pritzker, o maior prêmio mundial da arquitetura, para adaptar os espaços e criar uma sucessão de galerias de arte, salas de aula e ginástica, biblioteca, café e restaurante. É como se replicasse toda a força das ruas que se desenrolam lá fora numa pilha de 13 andares.

Oito anos depois, as obras, que consumiram R$ 120 milhões, começaram a sair do papel e acabaram levando mais oito anos para chegar à forma final. Atrasos com empreiteiras que se viram na mira da operação Lava Jato e dificuldades na escavação do subsolo e retirada de entulho empurraram para a frente a conclusão dos trabalhos.

Mas também permitiram um conhecimento profundo do espaço e dos arredores. Mendes da Rocha, que mantém seu escritório perto dali, no Instituto de Arquitetos do Brasil, e desenhou a marquise da praça do Patriarca do outro lado do viaduto do Chá, fez do Sesc 24 de Maio uma espécie de mirante estratégico dos fluxos intensos da região.

Nesse sentido, o arquiteto, que trabalhou ao lado de Marta Moreira, da firma MMBB, tentou levar para dentro de sua torre de concreto a sensação de flanar pelo centro –o Theatro Municipal e outros marcos da arquitetura paulistana, como os edifícios Copan e Itália, estão a poucos metros dali e podem ser vistos através da fachada de vidro.

O térreo, aliás, é aberto nas laterais e se transforma num atalho entre as ruas 24 de Maio e Dom José de Barros, que se cruzam ali. É como se levasse para o lado de dentro uma extensão da calçada num dos pontos mais fervilhantes da metrópole.

Mendes da Rocha também deslocou o maquinário e outras estruturas de apoio do prédio para uma torre de 20 andares ao lado, mantendo a fluidez entre as salas e galerias da torre principal.

Essa sensação de movimento desimpedido ainda continha rampa acima. Quem sobe rumo à cobertura vai avistando amplos espaços abertos, além de um terraço no meio do caminho, que deixa ver o vaivém dos corredores e escadas das galerias comerciais ao redor.

SESC, O PROJETO
Arquiteto pediu compra de edifício vizinho para abrigar parte técnica por Marcelo Pliger

Na década de 1990, o prédio que agora abriga o Sesc 24 de Maio era usado pela loja de departamentos Mesbla. A construção já havia sido ampliada anteriormente e possuía um fosso interno que ventilava os andares e iluminava a loja do térreo por meio de uma cúpula.

Os arquitetos decidiram então demolir as escadas e os banheiros existentes, além da cúpula central. O novo uso do edifício exigiria que essas funções fossem redimensionadas. As paredes que envolviam o prédio também foram retiradas.

No espaço interno do prédio, em formato de “U”, foram erguidos quatro pilares para sustentar uma piscina de 25x25 m acima da cobertura original do edifício. A área entre esses quatro pilares permitiu escavar o solo para construir um teatro de 245 lugares com entrada independente.

Para reduzir o uso dos elevadores, os andares foram ligados por rampas. Uma grande parede de vidro permite a entrada de luz natural, o que torna a caminhada entre os andares mais agradável. O térreo terá aberturas para as duas ruas.

O arquiteto do projeto, Paulo Mendes da Rocha, pediu ao Sesc que comprasse também um pequeno prédio vizinho: “O edifício maior será o nosso grande barco, mas o pequeno será o barquinho que conduzirá o barco ao porto”.

Ali, uma torre com depósitos, vestiários e equipamentos liberou o edifício principal para uso quase que exclusivo dos usuários do Sesc.

Durante a obra, os funcionários criaram um tripé de metal para sustentar mangueiras. Mendes da Rocha decidiu se inspirar na estrutura para desenhar os móveis da nova unidade.

INSTITUTO MOREIRA SALLES
Do IMS, a Paulista vira abstração filtrada pelos vidros da fachada por Silas Martí

Numa ponta da Paulista, entre duas estações de metrô, o novo Instituto Moreira Salles parece uma continuação da avenida para quem anda pela calçada.

Duas escadas rolantes na entrada viram uma extensão do movimento do lado de fora, levando a uma praça suspensa com vista panorâmica do skyline ao redor.

Sua fachada translúcida e o piso de pedras portuguesas do saguão elevado parecem reforçar a estratégia da firma Andrade Morettin Arquitetos de fazer dessa mais nova torre cultural da cidade uma extensão de seu entorno.

Enquanto a calçada que avança para dentro do volume construído ecoa o Conjunto Nacional e a relação entre os andares lembra o térreo da torre da Fiesp, a caixa de vidro com vista para a avenida repisa as táticas do Masp, obra-prima de Lina Bo Bardi.

Essas semelhanças só aumentam o impacto que o prédio, mesmo se ainda em construção, já exerce sobre seu entorno. Sua estrutura levíssima, de aço e concreto, sustenta um paredão de vidro que deixa à mostra um grande bloco vermelho lá dentro.

O volume, que abriga as três galerias de arte no alto do novo centro cultural, vira um corpo etéreo quando visto de fora -é o coração do museu que tem ainda ateliês na cobertura e uma biblioteca de fotolivros, auditório, salas de aula e um restaurante embaixo.

“Ele se alinha com a vida na Paulista, onde as pessoas se encontram”, diz Marcelo Morettin, metade da dupla que desenhou o prédio. “São Paulo pode ser muito hostil, não tem descanso, então aqui você reconquista a escala humana num lugar denso. Tem a mesma proposta de multiplicação do espaço público.” Ou de “horizontalizar o espaço vertical”, nas palavras de Lorenzo Mammì, o diretor artístico desse novo IMS.

Orçado em R$ 80 milhões e construído ao longo dos últimos quatro anos, o lugar deve se tornar agora a maior vitrine de um acervo com mais de 2 milhões de imagens, engrossando um corredor cultural com uma série de outras instituições de peso.

Três mostras –do americano Christian Marclay, do suíço Robert Frank, além de uma coletiva com artistas brasileiros, entre eles Bárbara Wagner, Jonathas de Andrade e Sofia Borges– vão ocupar suas galerias quando o espaço abrir as portas em setembro –a inauguração antes marcada para 21 de agosto foi adiada por um atraso nas obras.

Lá dentro, no entanto, as exposições ocupam espaços reservados, fechados à circulação que deve tomar conta das escadarias do prédio. Vista no caminho, entre uma exposição e outra, aliás, a Paulista vira uma abstração ruidosa e colorida filtrada pela casca de vidro da fachada.

“O prédio se torna às vezes mais vibrante”, diz Morettin. ”À noite, ele fica transparente e vira uma lanterna. Acaba criando uma atmosfera.”

IMS, O PROJETO
‘Vão’ no térreo e recepção elevada convidam visitantes a circular por Marcelo Pliger

A principal estratégia do projeto da nova sede do Instituto Moreira Salles em São Paulo foi transferir a tradicional recepção do térreo para o quinto andar, 15 metros acima do nível da avenida Paulista. O usuário que entra no edifício sobe imediatamente para esse espaço por meio de uma escada rolante.

Da recepção elevada, o público é distribuído para o auditório e a biblioteca de fotolivros, no andar de baixo, e para as salas de exposição, logo acima. No último andar do prédio, chamado de estúdio, serão dadas oficinas e cursos.

Elevadores e escadas de incêndio foram posicionados em um volume de concreto que percorre de cima a baixo a face noroeste do prédio e sustenta a caixa d’água. A reserva técnica e o estacionamento estarão localizados nos dois andares de subsolo.

Exceto pelo volume de concreto, toda a estrutura foi construída com aço. Os arquitetos aproveitaram a flexibilidade do material para criar aberturas entre os diferentes espaços da obra.

A fachada foi revestida por vidro translúcido. De dentro para fora, revela um panorama desfocado da cidade. De fora para dentro, permite ver as silhuetas dos usuários em movimento, emoldurados pelos pilares e vigas de aço.

O IMS optou por realizar uma concorrência fechada entre seis escritórios nacionais de arquitetura. Além dos vencedores Andrade Morettin, participaram do concurso spbr arquitetos, Arquitetos Associados, Bernardes Jacobsen, Studio MK27 e UNA Arquitetos.

A escolha foi feita por um júri presidido por Pedro Moreira Salles e composto por Karen Stein (editora, jurada do Prêmio Pritzker), Richard Koshalek (então diretor do museu Hirshhorn, de Washington, e membro do comitê que selecionou o projeto da Tate Modern de Londres), Jean-Louis Cohen (professor de história da arquitetura na New York University), Ricardo Legorreta (arquiteto mexicano morto em 2011, ex-jurado do prêmio Pritzker), André Corrêa do Lago (diplomata e crítico de arquitetura), Fernando Serapião (crítico de arquitetura e editor da revista Monolito) e Flávio Pinheiro (superintendente-executivo do IMS).

Reportagem: Silas Martí, Gustavo Simon e Marcelo Pliger / Imagens: Eduardo Knapp e Giovanni Bello / infografias e maquetes virtuais: Marcelo Pliger e Simon Ducroquet / Edição de vídeo: Giovanni Bello / Edição de fotografia: Daigo Oliva / Design e desenvolvimento: Angelo Dias, Rogério Pilker, Rubens Alencar e Thiago Almeida / Coordenação de arte: Daigo Oliva e Kleber Bonjoan

Posted by Patricia Canetti at 11:15 AM