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agosto 15, 2017
Cindy Sherman abre seu Instagram. Qual é o lugar dessa rede social na arte por André Cabette Fábio, Nexo Jornal
Cindy Sherman abre seu Instagram. Qual é o lugar dessa rede social na arte
Matéria de André Cabette Fábio originalmente publicada no Nexo Jornal em 11 de agosto de 2017.
No início de agosto, a renomada artista visual abriu sua conta pessoal no Instagram para o público. O 'Nexo' conversou com duas pesquisadoras para discutir a plataforma para a arte
Conhecida pelos seus autorretratos conceituais, a artista nova iorquina Cindy Sherman é frequentemente descrita como “pioneira da selfie”. Desde a década de 1970, ela usa o próprio corpo, além de próteses, fantasias, maquiagem e edição, para criar personagens que representam arquétipos sociais, figuras históricas e, em muitos casos, grotescas. O MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York) disponibiliza on-line imagens da retrospectiva da obra da artista, que ocorreu em 2012.
No início de agosto, Sherman abriu para o público sua conta pessoal em uma rede social voltada para a fotografia, e com certa ênfase no autorretrato, o Instagram. Criada em 2010, a rede social permite adicionar filtros digitais a fotos e compartilhá-las. Usuários podem curtir as imagens e seguir e conversar entre si.
A conta de Sherman possui mais de 600 fotos. As mais antigas parecem ser voltadas para seu círculo íntimo, com retratos de viagens, obras de arte em galerias ao redor do mundo, cenários nevados e apresentações musicais. A série mais recente inclui, no entanto, selfies em que Sherman usa maquiagem, poses e distorções digitais em obras que parecem ter sido criadas especialmente para a rede.
Em uma delas, Sherman aparece na cama de um hospital com seu rosto aperfeiçoado com um filtro digital embelezador. Na postagem ela pergunta “estou curada, doutor?”. Em outras, seu rosto distorcido aparece cercado de reproduções caleidoscópicas, interagindo com um papagaio, ou em uma carranca com várias camadas de maquiagem.
Ao contrário de seus trabalhos fotográficos anteriores, em geral cuidadosamente produzidos em estúdio, essas fotos parecem ter sido tiradas em ambientes banais, e a edição, feita com recursos igualmente simples.
Segundo o jornal americano The New York Times, Sherman tem usado aplicativos para celular, como Facetune, que permite mudar o formato do rosto e adicionar traços como rugas e verrugas, e o Perfect365, que permite simular o uso de maquiagens.
Ao postar suas fotos, ela, em certa medida, volta atrás em uma avaliação que fez em 2016 em entrevista ao mesmo jornal americano. Questionada sobre como encarava o compartilhamento de fotos em redes sociais, ela afirmou: “me parece tão vulgar”.
O compartilhamento de fotos, e mesmo selfies, artísticas, como as de Sherman, não é algo exatamente novo e vem sendo executado no Instagram por incontáveis artistas, assim como usuários sem esse tipo de pretensão. Mas o fato de que um nome tão reconhecido em círculos de elite da arte aderiu à prática tem levantado a antiga questão “isso é arte?”, além do debate sobre o papel dessa rede social no mundo artístico.
O Instagram e o comércio artístico
Galerias de arte, como a Galeria Vermelho, em São Paulo, casas de leilão, como Christie's e Sotheby's, assim como colecionadores privados têm contas do Instagram. Muitos as utilizam para promover trabalhos que querem vender, ou para conhecer e entrar em contato com artistas de quem desejam comprar.
Em 2015, o leiloeiro suíço Simon de Pury afirmou: “há muitos artistas, colecionadores ou donos de galerias ou fotógrafos que o usam [o Instagram] muito ativamente, portanto ele permite que você veja previamente exposições que acontecem por todo o mundo, e trabalhos no minuto em que exposições são inauguradas”.
Em alguns casos, obras com valor de dezenas de milhares de dólares são anunciadas e vendidas com o intermédio da plataforma. Em um caso notório, o ator Leonardo DiCaprio teria comprado a obra “Nachlass”, do pintor Jean-Pierre Roy, por US$ 15 mil após tê-la visto no Instagram, segundo o site Creators, ligado ao grupo Vice.
Em novembro de 2016, a rede social começou a testar uma função que permitiria fazer compras dentro da própria plataforma, o que potencializaria e tornaria mais explícito seu uso comercial, mas ela não foi disponibilizada de forma generalizada até o momento.
Independentemente disso, muitos artistas a usam para promover obras que não são necessariamente feitas para a rede social. Em outros casos, postam trabalhos originais nela, como as selfies de Sherman, ou as pinturas da britânica Genieve Figgis, que lançou sua carreira na plataforma. Há também projetos inteiros feitos especificamente para o Instagram, em que artistas criam personas e executam performances que duram meses ou anos a fio.
Em um relato escrito para o site Vice, o artista visual canadense Brad Phillips escreveu: “no Instagram há uma dissolução liberadora das múltiplas barreiras que impediam jovens artistas de se conectarem com galerias e críticos do mundo real”, em um outro trecho, ele escreve que isso seria especialmente valioso para artistas que não se sentiriam inclinados a “jogar o tedioso e caro jogo que o mundo da arte exige —mudar para Nova York, ser efusivamente amigável em um milhão de aberturas de exposições”.
Em janeiro de 2016, o site Artsy, que, além de abrigar leilões, reúne dados sobre mercado da arte e conteúdo artístico, publicou um artigo mostrando como o Instagram vem afetando também o fotojornalismo.
Por exemplo: em 2015, a comunidade negra de Baltimore iniciou protestos contra a morte de um jovem negro sob custódia da polícia. Devin Allen, um morador de 26 anos de idade, fotografou o momento em que um jovem parecia estar fugindo de um enorme grupo de policiais em um protesto, e a postou em seu Instagram.
Sua cobertura viralizou, e a foto foi parar na capa da prestigiosa revista Time, abrindo caminho para a carreira de Allen como fotojornalista. Além disso, a cobertura feita via Instagram de fotógrafos veteranos também vinham trazendo novas perspectivas sobre o cenário de guerras.
As críticas à relação entre Instagram e arte
Apesar da capacidade de conectar tanto artistas prestigiosos quanto pouco conhecidos diretamente a seus públicos, o Instagram também é frequentemente alvo de questionamentos.
Criada em 2010, a plataforma não é uma tela em branco, mas uma empresa, comprada pelo Facebook em 2012 por US$ 1 bilhão. Assim como sua dona, o Instagram ganha dinheiro via anúncios pagos.
Apesar de haver artistas fazendo dinheiro usando a plataforma, há um número muito maior deles que produzem conteúdo de sucesso na rede, mas não conseguem monetizá-lo. Mesmo quando não traz dividendos para quem posta, esse tipo de atividade ajuda a manter o público em transe, acessando o aplicativo de forma constante, e a rede, valiosa.
Em 2016, ela já havia multiplicado em dezenas de vezes seu valor de mercado em comparação com aquilo pago pelo Facebook, e valia entre US$ 25 bilhões e US$ 50 bilhões, segundo reportagem da revista Forbes.
Em 2017, o Instagram possui mais de 600 milhões de usuários diários.
Assim como o Facebook, para manter essa base de usuários mais ampla o possível, ele possui restrições editoriais, e veta conteúdo excessivamente sexual, o que, pelos seus parâmetros, inclui mamilos femininos. Isso faz com que censure conteúdo postado por artistas e outros usuários, influindo diretamente no tipo da arte que abriga.
A arte postada na rede também é afetada por problemas existentes em outras áreas da internet. Phillips destaca que já se surpreendeu ao ver trabalhos seus serem compartilhados sem que ele fosse devidamente creditado, e que conhece artistas que tiveram obras reproduzidas em publicações sem terem sido informados, muito menos monetariamente compensados.
O Nexo pediu que duas pesquisadoras comentassem o papel exercido pelo Instagram no mundo da arte hoje.
Giselle Beiguelman é artista digital, pesquisadora e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
Priscila Arantes é curadora do Paço das Artes e diretora adjunta do Museu da Imagem e do Som, em São Paulo, além de professora de história e crítica da arte na pós-graduação da PUC (Pontifícia Universidade Católica)
Qual é o lugar do Instagram na arte hoje?
GISELLE BEIGUELMAN Para os artistas, o Instagram é um lugar não só de compartilhamento, mas também de produção. Muitas obras apropriam-se das rotinas -narrativas e de programação- do Instagram no seu processo de desenvolvimento e realização.
O On Broadway, do Lev Manovich e do Grupo de Pesquisa Software Studies, é certamente, o exemplo mais complexo desse tipo de apropriação. A partir da coleta de imagens postadas no Instagram com a localização da Broadway, foi criado um mapa da avenida que funciona como uma “metáfora visual” da cidade de Nova York.
No outro extremo, cito um projeto bem low tech, o “Livro de Instagram” da Paula Borghi, que posta uma série de redundâncias de outros “canais”, como o WhatsApp e Facebook. São “screen shots” de esperas, adiamentos, anúncios coloridos do Facebook, que quando vistos em conjunto e isolados do seu contexto original, criam um diário irônico de toda uma geração.
PRISCILA ARANTES A arte contemporânea é transdisciplinar, ela rompe a ideia de suportes específicos e se abre para a utilização de novos meios, como o Instagram. Você tem artistas que vão trabalhar além da pintura, da escultura e da performance e incorporam o vídeo, o digital, a fotografia da performance, como ocorre com a net.art [criada na década de 1990 por artistas que usavam a internet como meio].
Acho completamente natural que artistas como a Cindy Sherman utilizem as redes sociais e trabalhem com recursos do Instagram, que também é um espaço de circulação e exposição diferente da galeria ou do museu. Qualquer pessoa conectada e com um perfil pode ver a produção dela no Instagram.
O Instagram é uma empresa. Qual é a implicação disso para o que se produz e se posta nela?
GISELLE BEIGUELMAN O Arthur Scovino é um artista que usa sua conta do Instagram para uma performance fotográfica em rede que ele faz desde os tempos do Flickr. A performance começou como uma forma de afirmar sua natureza selvagem em detrimento a uma certa expectativa de civilidade que se tinha pela sua ascendência italiana.
São séries de retratos dele e de parceiros nus, nas quais ele investe na imagem "erótica-exótica". Diante dos atuais constrangimentos de censura algorítmica, hoje a performance assumiu um viés político.
Não existe arte sem risco e o #Nhanderudson testa cotidianamente os limites da rede. Segue firme e forte com seus mais de 16.000 seguidores. Em outras palavras, as corporações travam, os artistas se infiltram, encontram as rachaduras e expandem as frestas.
PRISCILA ARANTES Se você expõe um trabalho em um museu público e ele envolve um nu, você é obrigado a dar um informe devido à questão da faixa etária, assim como tem censura no cinema. É muito engraçado que o nu de uma pintura de 700 anos não tenha esse tipo de problema, mas se for em uma fotografia ele pode ser visto de outra maneira.
Não estou defendendo, mas quem publica no Instagram sabe que a rede tem implicações para a arte que se coloca lá, que há determinadas limitações, como haveria em outros lugares.
Tem também uma discussão que não é do campo da arte. O acervo de um museu é alimentado com doações, ou com prêmios aquisição [a compra de um trabalho por quem promove um concurso ou exposição artística]. Com o Instagram, por um lado você democratiza o acesso à arte, mas por outro, alimenta o banco de dados de uma empresa com informações, no caso, com a produção artística.
Precisamos pensar que as imagens no Instagram estão se integrando a um grande banco de acúmulo de informação de uma empresa privada. As informações de todos os usuários estão sendo coletadas.