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junho 26, 2017
Após 20 anos de pesquisas, Leonilson ganha catálogo com 1.100 páginas por Nelson Gobbi, O Globo
Após 20 anos de pesquisas, Leonilson ganha catálogo com 1.100 páginas
Matéria de Nelson Gobbi originalmente publicada no jornal O Globo em 14 de junho de 2017.
Obras do artista estão em mostra em Fortaleza, na Art Basel, na Suíça, e vão para NY
RIO — Em seus 36 anos de vida, Leonilson manteve uma produção intensa, numa grande variedade de técnicas e suportes, como pintura, colagem, desenhos e bordados, que resultou em mais de três mil obras marcadas por um caráter profundamente pessoal. Nas palavras da irmã Ana Lenice Dias Fonseca da Silva, presidente do projeto que leva o nome do artista, fundado em São Paulo em 1994, a produtividade vinha de uma necessidade quase compulsiva de criar, que o levava a virar noites para terminar uma série de desenhos ou um novo bordado. Toda essa produção está reunida finalmente em um catálogo raisonné, projeto iniciado em 1996 e que será lançado no dia 30 de junho, na exposição dedicada ao cearense no Espaço Cultural Unifor, em Fortaleza. Em setembro, a publicação será lançada em uma mostra no Americas Society, em Nova York. Por agora, a obra do artista, morto em 1993 em decorrência da Aids, está em destaque na Art Basel, uma das principais feiras de arte do mundo, na Suíça, onde a Galeria Marilia Razuk, de São Paulo, expõe dez de seus trabalhos.
— A sensação que o Leonilson nos passava era a de que ele via a criação como um alimento, muito mais do que uma forma de posteridade. Quando já estava doente e ia para o hospital para fazer transfusão de sangue, ele nos pedia para levar cadernos para desenhar. Produzir era algo tão importante para a sua sobrevivência quanto os medicamentos — lembra Ana Lenice, para quem o traço pessoal das obras do irmão garante sua atualidade. — Ele colocava em seus trabalhos coisas que a gente quer dizer e não consegue. Até hoje vejo jovens emocionados com a sua obra, essa ligação permanece.
Ana Lenice assina a curadoria do catálogo com a filha, Gabriela Dias, coordenadora do Projeto Leonilson, e com Ricardo Resende, curador do Museu Bispo do Rosário, no Rio. Com 1.100 páginas e 3.400 obras, a publicação é dividida em três volumes, em ordem cronológica, e traz a produção de Leonilson nos anos 1970, 1980 e 1990. A pesquisa, iniciada há mais de 20 anos, identificou trabalhos que foram vendidos ou doados pelo artista ainda em vida, além do acervo do projeto. A partir do levantamento, Resende organizou a exposição “Leonilson: arquivo e memória vivos”, em cartaz no Ceará até 7 de julho e já visitada por mais de 58 mil pessoas desde março.
— A proposta para as 120 obras expostas em Fortaleza foi reunir trabalhos pouco vistos, que foram doados por Leonilson ou comprados diretamente em seu ateliê. A pesquisa para o catálogo indicou o paradeiro de muitas dessas obras, que formam um panorama diverso de sua criação, mostrando Leonilson como o artista único que ele era — destaca Resende.
A família negocia a ida da exposição para outras capitais, como Rio, São Paulo e Porto Alegre, enquanto prepara a mudança do acervo para uma outra casa na capital paulista, em Vila Mariana, onde as obras ganhariam um espaço expositivo maior. Presentes no acervo de importantes instituições internacionais, como o MoMA, em Nova York, o Centro Pompidou, de Paris, e a Tate Modern, em Londres, as obras de Leonilson ganham novos admiradores no estande da Galeria Marilia Razuk na Art Basel, aberta ontem para convidados e de amanhã a domingo ao público em geral.
— Trouxe para Basel obras realizadas entre 1989 e 1993, e elas têm despertado muito interesse entre colecionadores e representantes de instituições — conta Marilia Razuk, por telefone, da Suíça. — As obras conquistam de imediato quem passa pela galeria. Muita gente que tem uma ideia preconcebida da arte brasileira e latino-americana se surpreende, as questões abordadas nas obras são as mesmas que muitos jovens artistas trabalham hoje.
A atualidade da obra de Leonilson é destacada também por Gabriela Rangel, diretora e curadora de Artes Visuais da Americas Society, que organiza uma exposição do artista em setembro, com obras de instituições como o MoMA, o Los Angeles County Museum of Art e o Masp, além do acervo da família e de colecionadores.
— Cecilia Brunson, que dirige uma galeria em Londres e faz projetos independentes de curadoria, propôs a exposição, mas já estávamos atentos à sua obra. Diria sem hesitação que sua apropriação poética da arte popular brasileira e do artesanato vernacular, bem como seu diálogo com Bispo de Rosário e Antonio Dias, são únicos na América Latina — frisa Gabriela.
Para além de toda a obra reunida no catálogo, Leonilson deixou uma vasta produção textual, além de agendas que guardam várias de suas interferências gráficas, ressaltando o caráter autobiográfico de sua obra.
— Às vezes as agendas e os desenhos guardados por Leonilson são expostos em vitrines, em meio às mostras, mas esse material permanece praticamente inédito. Isso daria um volume específico, não daria para incluir no catálogo. É um universo infinito de descobertas — conclui Ana Lenice.