|
maio 11, 2017
Renovado, MuBE destaca Paulo Mendes da Rocha por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Renovado, MuBE destaca Paulo Mendes da Rocha
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 9 de maio de 2017.
Num fim de tarde, o céu de outono já escuro, Cauê Alves dá voltas no Museu Brasileiro da Escultura. Ele, que assumiu há pouco o comando artístico da instituição, quer mostrar a aura azulada emoldurando a dramática marquise do prédio desenhado por Paulo Mendes da Rocha.
Essa luz fantasmagórica vem de um letreiro em neon que a artista Carmela Gross montou em cima do MuBE. Enquanto isso, a esplanada de concreto ali parece engolfada por ondas de fumaça, uma instalação de Laura Vinci que detonou uma série de telefonemas afoitos ao museu -muitos pensaram que um incêndio consumia o lugar.
Mesmo sem fogo de verdade, no entanto, Alves vem se esforçando para jogar luz mais intensa sobre um espaço que passou anos apagado no circuito -no alto de um poste, um canhão de luz do argentino Nicolás Robbio, aliás, parece ser o lado mais literal de toda essa estratégia.
O surgimento disso que o diretor e sua equipe vêm chamando de "novo MuBE", no caso, está ancorado em desmontar a imagem de salão de festas que grudou no endereço do Jardim Europa, daí a ideia de escalar nomes de peso da cena contemporânea com trabalhos capazes de sublinhar o lado mais valioso da instituição -sua arquitetura.
"Há um reconhecimento de que o maior patrimônio do museu é seu prédio", diz Alves. "A gente está num momento de olhar para nós mesmos e projetar o futuro."
Não à toa, uma grande mostra agora em cartaz, a maior organizada nessa nova fase do museu, tenta dissecar o pensamento de Mendes da Rocha, herói do brutalismo paulista e idealizador do MuBE.
Quando o vencedor do Pritzker, maior prêmio da arquitetura no planeta, desenhou o museu na década de 1990, ele já pensava numa espécie de parque ou praça, atendendo a demandas de moradores do bairro que não queriam um shopping ali.
Sua estrutura radical, toda de concreto e arquitetada em engenhosos desníveis em relação às ruas ao redor, no entanto, manteve a pose vanguardista só na casca, virando em grande parte espaço de aluguel para marqueteiros.
Em 2009, vivendo talvez o auge de uma crise, o museu demitiu seu curador, Jacob Klintowitz, e ficou à deriva, encenando mostras num programa sem um eixo muito claro, que ia de grafite a homenagens à Turma da Mônica.
Mas, desde o ano passado, uma mudança no comando parece preparar o terreno para um futuro menos inglório. Cauê Alves, escalado pela nova diretora administrativa, Flavia Velloso, tem como missão reerguer o MuBE, algo que depende ainda da criação de um novo acervo ali -um conjunto de peças, no caso, que deve servir de lastro conceitual à instituição.
"Surgiu a ideia de fazer uma coleção de obras efêmeras, projetos", diz Alves. "É mais uma reflexão sobre a intenção do artista do que a conservação da materialidade da obra. A função do museu é dar vida longa a trabalhos que talvez nem existissem sem ele."
Alves fala não de colecionar esculturas no sentido clássico da coisa, mas plantas e projetos de intervenções pontuais, que podem ser remontadas no futuro. Duas dessas peças, de Lucia Koch e da dupla Avaf, já entraram para o novo acervo, enquanto ele ainda negocia com uma série de artistas a doação de mais instalações nesses moldes.
Mesmo refletindo mudanças nos métodos de trabalho de autores contemporâneos, esse interesse do MuBE no que chama de "obras-projeto" também tem a ver com o fato de o museu não ter uma reserva técnica para abrigar esculturas físicas. O espaço, em forma de cubo, foi desenhado por Mendes da Rocha, mas depende de um orçamento mais robusto para sair do papel.
O museu trabalha hoje com R$ 6 milhões ao ano, sendo que desse valor recebeu, via Lei Rouanet, só R$ 1,5 milhão neste ano. É uma fração, por exemplo, dos R$ 40 milhões do Masp, instituição que passou por uma revolução administrativa há três anos. O atual público do MuBE, de cerca de 60 mil ao ano, também parece tímido diante dos 408 mil que o maior museu do país recebeu no ano passado.
Flavia Velloso, aliás, chegou a integrar a cúpula da instituição na avenida Paulista e parece ter levado ao MuBE a mesma estratégia de recuperação -o foco em doações de patronos e uma redefinição da imagem do museu.
No caso, enquanto o Masp revê os passos da arquiteta Lina Bo Bardi, uma de suas idealizadoras, a instituição do Jardim Europa se volta com tudo para Mendes da Rocha.
Outra ideia no horizonte, aliás, é a atenção do MuBE à ecologia, algo que resgata a visão de seu arquiteto. Uma mostra no fim deste ano deve dar mais peso à ideia de um lugar pensado para refletir não só sobre escultura mas também o espaço natural.
"Quando desenhou o museu, o Paulo pensou em Burle Marx", lembra Alves, acrescentando que o paisagista deve ser alvo de uma retrospectiva. "Arte contemporânea borra suas fronteiras com a não arte. Grande parte dos artistas contemporâneos se aproxima dessas questões."