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maio 1, 2017
Masp chega ao 3º ano sob nova direção enfrentando demissões e divergências por Silas Martí, Folha de S. Paulo
Masp chega ao 3º ano sob nova direção enfrentando demissões e divergências
Matéria de Silas Martí originalmente publicada no jornal Folha de S. Paulo em 30 de abril de 2017.
Quando assumiu o comando artístico do Masp, Adriano Pedrosa anunciou como primeiro gesto o resgate dos famosos cavaletes de vidro de Lina Bo Bardi. Transparentes, eles dão a impressão de que as telas dos maiores mestres da arte estão flutuando na grande galeria do museu.
Num choque de gestão que já dura três anos, Pedrosa, com carta branca de uma nova diretoria liderada pelo empresário Heitor Martins, ressuscitou uma instituição então fracassada, afundada em dívidas e sem relevância no cenário contemporâneo.
Mas seu jeito direto e reto e a cobrança de metas em estilo corporativo de Martins, métodos que alguns veem como transparentes e sinceros até demais, vêm causando atritos no maior museu de arte da América Latina, que acumula uma série de pedidos de demissão no ano em que completa sete décadas.
Figuras importantes de um time escolhido a dedo para dinamizar e atualizar o endereço mais famoso da avenida Paulista estão deixando seus cargos num efeito dominó.
Essas baixas atingem tanto a área artística do museu, responsável pela linha de exposições que entram em cartaz, quanto a administração executiva, que sanou as contas da instituição, com dívidas que ultrapassavam R$ 40 milhões.
Flavia Velloso, consultora financeira hoje na direção do MuBE, foi a primeira a se desligar do Masp, um ano depois da troca de comando, que encerrou duas décadas desastrosas de domínio do arquiteto Júlio Neves e seus asseclas à frente do museu.
Ela diz que deixou o cargo depois de cumprir o combinado, que era reestruturar questões estatutárias e atrair novos patronos e conselheiros que pudessem pôr a mão no bolso para ajudar a instituição. Mas pessoas nos bastidores do Masp afirmam que ela bateu de frente com Pedrosa e preferiu se distanciar.
Na sequência, foram embora a curadora de fotografia, Rosângela Rennó, o diretor financeiro, Miguel Gutierrez, e a responsável por mediação com o público, Luiza Proença, a última desse time a sair.
Rennó diz que se tornou inviável continuar colaborando com o museu porque vive no Rio e a distância impediria que ela participasse em tempo integral das discussões, como exige Pedrosa. Pessoas ligadas à cúpula do museu, no entanto, também afirmam que houve um desentendimento com o diretor artístico.
Gutierrez, que não será substituído, não deu detalhes das circunstâncias de sua saída, mas integrantes do alto escalão do museu afirmam que seu estilo administrativo não agradou a nova direção.
HORIZONTE
No horizonte há uma série de possíveis baixas. Em breve, a curadora de arte moderna e contemporânea, a venezuelana Julieta González, também deve deixar o museu. Enquanto isso, Miguel Chaia, vice-presidente e segundo na linha de comando depois de Martins, chegou a entregar sua carta de demissão, mas voltou atrás por insistência do empresário e permanece no museu até segunda ordem.
"Toda a diretoria e o Heitor batalham para o Masp ficar de pé. O Adriano tem um estilo de trabalho mais fechado, mas eficiente", observa Chaia. "Meu problema é de ordem pessoal no interior de uma instituição que não curto e para a qual não tenho mais tempo. São conflitos de pessoas com concepções fortes."
De um lado dessa batalha, está uma visão mais plural do museu, que gostaria que o Masp voltasse a olhar para seu acervo histórico e assumisse uma vocação de museu de história da arte, como foi idealizado por Pietro Maria Bardi, um de seus fundadores.
Ex-funcionários e pessoas que frequentam as reuniões da direção e do conselho, aliás, dizem que Martins e Pedrosa pouco conhecem o acervo do museu, com joias renascentistas e impressionistas.
Demitida há um mês, depois de quase quatro décadas gerenciando os empréstimos do acervo do Masp, Eugenia Gorini Esmeraldo, por exemplo, diz que o diretor artístico "conhecia pouco o acervo e não se interessava muito", embora elogie as mudanças realizadas pela nova gestão.
Outros, no entanto, defendem uma linha mais popular, com mostras capazes de atrair multidões ao museu.
Há ainda a visão de Pedrosa, que impõe um programa calcado numa espécie de reparação histórica, reposicionando artistas esquecidos, como Agostinho Batista de Freitas e Teresinha Soares -com uma retrospectiva aberta na semana passada-, e abrindo espaço para minorias no Masp, começando por um resgate de mostras clássicas idealizadas por Lina Bo Bardi.
Mesmo dividido, o Masp reagiu bem às mudanças, com público em alta desde que Martins e Pedrosa, que não quiseram comentar as demissões nem as divergências no comando do museu, assumiram as rédeas há três anos.
De 289 mil visitantes em 2014, o Masp pulou para 408 mil no ano passado, superando os 307 mil recebidos pela Pinacoteca, um dos museus mais robustos da cidade.
Mas não faltam dúvidas sobre como deverá ser o futuro do museu da Paulista.
Mostras com maior potencial de público, como a de Toulouse-Lautrec, em junho, e de Jean-Michel Basquiat, no ano que vem, representam um lado da queda de braço entre um grupo de patrocinadores, entre eles o banco Itaú, ansiosos para ver resultados numéricos, e curadores, liderados por Pedrosa, que tentam implementar uma visão mais conceitual.
No meio do caminho, uma leva de funcionários da antiga gestão foi deixando o Masp no rastro da troca de comando, muitos deles mais velhos e assustados com o que veem como agressividade de uma nova geração acostumada a uma hierarquia mais rígida e a uma administração mais dinâmica, algo resumido como modelo de museu americano.
"Essas pessoas novas que chegaram tinham de saber que estavam encontrando uma equipe muito fragilizada, que também tinha feito resistência à gestão anterior", diz Paulo Portella Filho, antigo responsável pelo serviço educativo do museu. "Deve existir uma insegurança muito grande que transparece como esnobismo, porque havia muito desrespeito e grosseria."
Martins, que acaba de aprovar no conselho do museu a criação de um fundo independente para atenuar a dependência do Masp das leis de incentivo, não esconde que se inspirou em instituições como o Metropolitan, de Nova York, para tocar a instituição.
Lá dentro, profissionais de áreas estratégicas do museu atribuem a essa mudança de funcionamento um ambiente de trabalho mais intenso, hierarquizado e competitivo, com pressões para cumprir metas que comparam a uma empresa com fins lucrativos.
IMPERADOR
Mas esse não é um conflito generalizado. Pedrosa, um dos curadores mais influentes e poderosos de sua geração, não deixou de ser assediado por bienais e outras instituições, mas parece firme em seu compromisso com a reestruturação do Masp.
Sua equipe, que inclui Rodrigo Moura, ex-todo-poderoso do Instituto Inhotim, em Minas Gerais, e Fernando Oliva, com passagem por uma série de instituições, também parece permanecer fiel a sua visão para o museu, mesmo com sua fama de duro e difícil, que acabou rendendo a ele o apelido de "imperador" nos corredores da instituição.
Patricia Carta, uma amiga de longa data de Pedrosa escalada por ele como curadora à frente do departamento de moda do Masp, defende o estilo de Pedrosa como um fator positivo para a instituição.
"Ele é um cara fechado, não é espalhafatoso. É bastante convicto das ideias dele e sistemático na maneira de trabalhar", afirma Carta. "Não é um cara chapa, que fica dando pancadinha nas costas e chamando para tomar um chope, mas ele conhece o que faz."