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abril 19, 2017
Entrevista com Fábio Luchetti por Paula Alzugaray, seLecT
Entrevista com Fábio Luchetti
Entrevista de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista seLecT em 17 de abril de 2017.
Adelina Galeria nasce com foco na criação de um micro-sistema integrado de produção, educação e difusão da arte
Inaugurada no início de abril, em São Paulo, a Adelina Galeria é um espaço que escapa ao modelo convencional de galeria comercial. Isto porque já nasce com um projeto que contempla as três fases da cadeia da arte contemporânea: a criação, a educação e a exibição. O proprietário, Fábio Luchetti, que também exerce o cargo de CEO da Porto Seguro, conceitua seu projeto como um “espaço de acontecimentos”, que divide-se entre três imóveis localizados na rua Cardoso de Almeida, em Perdizes. Um deles contempla o espaço expositivo; o outro, ateliês para cursos livres e salas de residências artísticas; o terceiro, em construção, será um café com janelas abertas para seu vizinho, a Galeria Brasiliana, especializada em arte popular.
A política da boa vizinhança é uma marca evidente. Mas Luchetti quer mais que isso. “Hoje as empresas crescem e se tornam burocráticas. Queremos preservar os pequenos cuidados, ficar nas relações em detrimento do crescimento e da produtividade”, diz ele à seLecT.
Ao olhar para o entorno e os outros “atores culturais” do bairro, a Adelina implanta um circuito de parcerias que inclui a livraria Zaccara e a Casa da Travessa, distribuidora de vinhos que oferece cursos e formação vitivinícola. Só para começar. “Estamos escapando dos territórios onde as galerias estão instaladas. Nossa proposta é tentar criar um circuito novo”, diz.
A residência Adelina recebe atualmente a dupla Lecuona e Hernández, radicada em Tenerife, nas Ilhas Canárias (Espanha). Eles participam da mostra inaugural, Para que Eu Possa Ouvir, curadoria de Douglas Negrisolli. A mostra apresenta jovens artistas, entre os quais, destaca-se Renan Marcondes, de São Bernardo do Campo (SP). Graduado em belas artes e doutorando em artes cênicas, Marcondes explora a performatividade de objetos de uso cotidiano. Nesta entrevista a seLecT, Luchetti fala sobre seu projeto de criação de novos territórios para a arte.
seLecT – Como pretende trabalhar a ideia de expansão do conceito de galeria?
Fábio Luchetti – Eu estava vendo uma daquelas pesquisas do Latitude (projeto em parceria da ABACT e da Apex-Brasil, no sentido de favorecer a exportação da arte brasileira) que diz que 58% das exposições na cidade de São Paulo estão em galerias. Só que não existe uma relação do público com as galerias como acontece, por exemplo, com o espaço cultural. O público vai ao CCBB, Tomie Ohtake, Masp, mas eventualmente não vai a uma galeria. Por sua vez, as galerias, pelo que vi circulando nos últimos anos, são mais fechadas para quem não é efetivamente do meio, não são um ambiente acolhedor. Por isso o que a gente está tentando fazer aqui é um híbrido disso. Contratamos um educativo, uma consultoria com a Stela Barbieri. Parte do escopo do projeto da Stela é montar esse programa de residência, dentro e fora do Brasil, dentro do eixo da América Latina. No espaço expositivo, o educativo irá trabalhar em sintonia com a equipe de vendas. As pessoas podem vir consumir a obra ou o conhecimento que está por trás disso. Se fizermos um trabalho mais sincronizado, talvez a gente consiga superar esses 10% da população que se envolve com arte no Brasil. Queremos ativar esse entendimento do que é a arte contemporânea. Vejo por mim, que tinha uma relação muito mais estética no começo, e aos poucos fui entendendo o grau de profundidade que existe por trás disso tudo.
Ampliar o público da arte também é uma meta?
Sim, temos um ateliê que montamos com oficinas, a ideia é começar a fazer um trabalho forte com escolas do entorno. Temos um espaço para preparar as pessoas para esse entendimento da arte contemporânea. No fundo, é você criar uma sustentabilidade para o sistema. Se você roda as galerias nos finais de semana, vê sempre as mesmas pessoas, os mesmos curadores, os mesmos artistas, os mesmos colecionadores. É como se o sistema fosse fechado. Tem uma aura meio que de joalheria. Só entra quem conhece ou quem vai adquirir.
Em sua experiência no Centro Cultural Porto Seguro, você lida com várias linguagens. Por que escolheu trabalhar a arte contemporânea?
Eu entrei na empresa pelo teatro, o Porto Seguro está envolvido com teatro há 15, 20 anos. Depois entramos no processo de montar um complexo cultural. Tínhamos uma relação com fotografia muito forte, mas era muito mais do mesmo. Aquilo estava ficando cristalizado e queríamos abrir um pouco. Fui fazer uma visita a uma seguradora dos Estados Unidos e fiquei impressionado porque eles tinham obras em todos os lados. O CEO deles me disse que eles acreditavam que a arte dispara uma criatividade nas pessoas que ocupam o espaço diariamente. Aquilo me agradou, comecei a fazer aquisições. De uns 10 anos para cá, comecei a adquirir obras próprias, a partir de meu envolvimento… mas comecei a perceber que minha relação era estética. Aí, parei de comprar porque percebi que estava formando uma coleção sem pé nem cabeça. E aí falei: tenho que entender isso. Na medida em que fui aprofundando, passei a comprar baseado muito mais no discurso que estava implícito do que na obra em si. Quando ficava na dúvida, meu fator de decisão era entender a cabeça do artista, o processo de criação dele, as inspirações. O olhar disruptivo do artista é uma coisa que me agrada. Mas você não sabe se todas as tuas apostas vão dar certo ou não. Você tem que ir tateando, tem uma subjetividade aí que é interessante. Aí fui buscar um curso de pós graduação na Belas Artes, de Museologia, Colecionismo e Curadoria, para entender esse contexto dos diversos ângulos. Terminei, estou na fase do TCC, que apresento em junho. Meu TCC é exatamente esse conceito do território: como se discute o território, seja na arte ou na educação.
Como avalia suas atuações na Porto Seguro e na Adelina?
Lá, eu estou deixando um legado para alguém. É um modelo de negócio como este, que trabalha com artistas novos, não é uma coisa que vira em 3, 4 anos. Eu já estou com 51 anos, não posso esperar me aposentar com 63 anos para começar algo novo. Como não quero fazer nada com pressa – essas coisas tem que achar seu espaço, vamos aprender, vamos errar. Se estiver errado, a gente faz tudo de novo, como fazem as startups, que vamos pivotando até achar um espaço. Além disso, hoje em dia, nas empresas, você tem que parar mais cedo pra dar espaço pra molecada que quer crescer, né?