|
abril 10, 2017
‘Modelo das bienais está desgastado’, diz novo curador da Bienal de Arte de São Paulo por Alessandro Giannini, O Globo
‘Modelo das bienais está desgastado’, diz novo curador da Bienal de Arte de São Paulo
Matéria de Alessandro Giannini originalmente publicada no jornal O Globo em 7 de abril de 2017.
Espanhol Gabriel Pérez-Barreiro esteve à frente da Bienal do Mercosul e foi conselheiro da Fundação Iberê Camargo
Anunciado em janeiro como curador da 33ª Bienal de Arte de São Paulo, marcada para setembro de 2018, o espanhol Gabriel Pérez-Barreiro, de 46 anos, sinalizou que pretende mudar o modelo temático que prevalece há cerca de 20 anos na mostra de arte contemporânea. Em entrevista ao GLOBO, Pérez-Barreiro disse que dois eixos serão contemplados em sua proposta: a forma como o curador se torna um protagonista do evento e a maneira como a instituição vai dialogar com o visitante médio. Enquanto começa um plano de trabalho, ele acompanha de longe a montagem de uma exposição que assina ao lado de Michelle Sommer no Museu Reina Sofía, em Madri, dedicada ao crítico Mário Pedrosa.
Todo novo curador que chega à Bienal tem o desafio de fazer diferente. O que você está pensando para a próxima edição?
A Bienal é uma instituição com 66 anos e uma história de continuidade, mas também baseada em mudanças internas. É um modelo interessante, diferente do de museus e de outras instituições. Ela está em um momento importante de sua trajetória, o que simplifica e dificulta ao mesmo tempo. Muitas coisas deram certo na última edição, mas tem questões que eu gostaria de focar. Uma delas é a Bienal necessariamente ter um tema. Esse modelo tem uma série de problemas, e um deles é limitar o potencial das obras de arte, que existem muito em função de um discurso prévio. A pergunta que me faço é: será que não é possível fazer o contrário? E se a obra de arte propuser uma estrutura, e não o assunto propuser uma leitura da obra? Outra questão é que a Bienal é um evento de massa, cuja última edição recebeu a visita de 900 mil pessoas. Qual é a relação que pode articular com esse grande público? O que se pode propor para muitas pessoas que têm um primeiro contato com a arte? Até que ponto a estrutura curatorial contribui para se aproximar do visitante não especializado? Parece óbvio, mas não é. Essas são as linhas que estão nesse momento de começo de trabalho.
Esse modelo de curadoria temática é consagrado internacionalmente, em eventos como a Bienal de Veneza e a Documenta de Kassel, por exemplo. Há outros?
Acho que esse modelo está se cansando. Está na hora de questionar o automatismo. Não há nenhuma lei escrita dizendo que precisa ser assim. Houve múltiplas maneiras de organizar a própria Bienal: binacional, concurso, premiação. O modelo atual tem 20 anos, e tudo tem um ciclo. No momento de sua criação foi uma grande novidade, uma resposta ao modelo da premiação, oriundo da Bienal de Veneza — que vem do século XIX. Foi fundamental uma reforma para falar de outras coisas, para articular um discurso mais unificado. Hoje, é o establishment. Até os temas ficaram meio parecidos: questões sociais, o estado do mundo, o desejo de convivência. Foi interessantíssimo, mas não sei se o público quer a cada dois anos ser tratado do mesmo jeito. Acho que é um bom momento para mudar. A instituição é sólida, nasceu para ser experimental. Vamos ver se há outros modelos.
Existem outras experiências de curadoria sem o uso do tema em outras mostras de arte fora do Brasil que possam servir como parâmetro?
A Bienal é um bicho muito diferente. Os museus e todas as instituições de arte contemporânea estão constantemente experimentando modelos diversos. Tem todo um ciclo novo (de bienais) que vai ser interessante observar. Por exemplo, a próxima Bienal de Veneza, que tem um tema muito geral, “Viva arte viva”. Estou curioso para ver como vai ser articulada. Mas tenho escutado uma coisa interessante. Sinto um desejo de questionar a massificação. Por que não uma Bienal com metade do tamanho? De fato, as mostras têm se reduzido, aqui mesmo. E não é uma questão orçamentária. Há um desejo de focar mais, de ficar mais tempo com os artistas, escapar desse modelo do supermercado e zoológico, que tem um pouco de tudo. É um desejo de limitar a escala e dar um pouco mais de profundidade aos artistas. Fizemos uma experiência na Bienal do Mercosul, na qual a gente escapou um pouco da temática. Era uma tentativa de ver que outras formas existem para apresentarmos outro tipo de experiência.
Qual a melhor maneira de criar um diálogo com esse público que não é especializado?
Estou preparando uma exposição sobre Mário Pedrosa no Museu Reina Sofía, em Madri. Chama-se “Mário Pedrosa — Da natureza afetiva da forma”. Uma pena, queria usar como título da Bienal, mas gastou essa ficha (risos). Acho que a minha aspiração máxima é criar um espaço no qual o visitante se sinta em condições de ter uma relação afetiva com a obra de arte. Isso tem que ser construído com a experiência física. Essa coreografia de conteúdo, essa maneira de falar institucionalmente para o público é muito importante. Essa é a prioridade, acima de qualquer coisa. Não é uma questão que pode ser jogada no educativo. Curadoria tem parte importante.