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agosto 19, 2016
Era uma vez por Paula Alzugaray, Select
Era uma vez
Crítica de Paula Alzugaray originalmente publicada na revista Select em 18 de agosto de 2016
Em novo filme-instalação, Giselle Beiguelman viaja por cinco cidades polonesas reunindo memórias de um passado não vivido
A obsolescência tecnológica e as políticas do esquecimento – dois grandes temas de pesquisa de Giselle Beiguelman – são os fios condutores de Cinema Lascado, recorte de dez anos de trabalhos artísticos, em exposição na Caixa Cultural de São Paulo. Mas é possível discernir os fragmentos de sua obra completa em uma só instalação, em cartaz do outro lado da cidade, no Galpão Videobrasil. Quanto Pesa uma Nuvem? abre uma nova dimensão ao trabalho de Giselle Beiguelman, que passa a se orientar não apenas à pesquisa da imagem digital, mas das imagens mentais.
Comissionada pelo Adam Mickiewicz Institute, como parte do programa de promoção da cultura polonesa no Brasil, organizado pelo Culture.pl., a exposição é composta de três obras: Perguntas às Pedras (carimbo), Perturbadoramente Familiar (áudio e postais) e Quanto Pesa uma Nuvem? (vídeo e fotografia). Mas deve ser entendida e usufruída como um filme-instalação, composto de elementos distribuídos pelo espaço. É o visitante quem “monta” esse filme, a partir de um percurso sugerido. O primeiro ato dá-se em uma sala vazia, onde as imagens serão mentalmente construídas pelo visitante, a partir da audição de um diário de viagem.
O diário sonoro Perturbadoramente Familiar, cuja audição não deverá ser necessariamente linear, mune o visitante de pistas para construir sua própria experiência narrativa. Ele anuncia que Giselle Beiguelman chegou na Polônia “sem imagens mentais”, com a impressão de chegar em um território sem narrativas. Ensina que o céu de Denblin, cidade natal do bisavô paterno, o grão-rabino Hersz leub Beiguelman, é “azul cor de vazio”. Ou que naquela cidade não restaram nem judeus, nem suas casas, sinagogas ou beiguels – o pão da tradição judaica, que emprestou o nome à família da artista.
O diário completa-se em uma coleção de cartões-postais, que dão forma e existência inteligível aos fragmentos de imagens mentais; e em uma série de carimbos (Perguntas às Pedras) que estampam questões lançadas no áudio – “A beleza afronta a memória do pesadelo?”; “A dor tem cor?”; “Como é viver onde tudo era?”. As Perguntas às Pedras revivem o trabalho Memória da Amnésia, realizado no fim de 2015 com 60 monumentos esquecidos de São Paulo, que lançava a pergunta “O que você esqueceu de lembrar?”
Entre os terrenos vagos fotografados e reproduzidos em postais e os hiatos da história sonora figuram um vídeo e uma fotografia, que colocam lado a lado o peso e a fugacidade de “tempos abolidos e imóveis”. O terceiro ato narrativo é obra do espectador, convidado a carimbar as perguntas nos versos dos cartões-postais e criar o seu próprio epílogo a esta comovente história de perdas e memórias não vividas.