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junho 14, 2016
A artista Ana Paula Oliveira une o improvável em suas peças por Camila Molina, Estado de S. Paulo
A artista Ana Paula Oliveira une o improvável em suas peças
Matéria de Camila Molina originalmente publicada no jornal Estado de S. Paulo em 12 de junho de 2016.
Escultora apresenta obras realizadas entre 2014 e 2016 na mostra 'Círculo de Giz e Um Pouco Sobre Sólidos'
Os pássaros estão a ponto de alçar voo, mas, fundidos em bronze, os sanhaços da obra Um Pouco Sobre Sólidos (2014), de Ana Paula Oliveira, simbolizam apenas “impulso” da ação. O trabalho da artista, exposto agora na Galeria Marcelo Guarnieri, em São Paulo, tem uma estranha leveza, uma beleza triste com as esculturas dos pequenos bichos instaladas sobre placas de vidro – e mesmo as peças geométricas de ferro que sustentam a estrutura daquela criação não parecem pesadas, repousadas entre os planos transparentes.
Diante de sua mostra, a escultora, que realizou sua última individual na cidade em 2013, afirma que gostaria de fazer com suas obras o que o diretor japonês Akira Kurosawa consegue com os filmes: ser ao mesmo tempo “tão forte e tão leve”, ser contundente, firme, falando com delicadeza. “Aquilo que sinto quando assisto a ele é o que queria passar”, resume a artista, que já usou grandes dormentes de madeira para suspender sacos de plásticos com água e peixinhos (como esquisitas aliterações dos globos com peixes dourados das pinturas de Matisse) – na instalação Ainda Não (2010) – e jabuticabeiras – em Meu Chapéu tá no Alto do Céu (2012).
Na semana em que a arte brasileira perde um de seus maiores criadores, Tunga, morto na última segunda-feira, 6, aos 64 anos, vale a pena resgatar uma fala do escultor – “Percebi que arte não era outra coisa senão juntar coisas; fazer com que, ao juntar coisas, apareçam coisas que nos surpreendam, coisas que estão ali, mas estão veladas”. A força dos trabalhos de Ana Paula Oliveira também está no exercício desse “artifício”, o de juntar o que é improvável.
Veja conversa da artista Ana Paula Oliveira com Laura Vinci e Douglas de Freitas
No caso da exposição Círculo de Giz e Um Pouco Sobre Sólidos, em cartaz até 16 de julho na Galeria Marcelo Guarnieri, pássaros (sanhaços fundidos em bronze ou pequenos manons taxidermizados) pertencem a trabalhos feitos também com peças de ferro e vidros. Ou, por exemplo, uma estátua de alumínio, réplica do histórico Discóbolo, do grego Míron, tem partes compostas com plantas (popularmente conhecidas como espadas de São Jorge). “Se você coloca coisas opostas juntas, você acentua cada uma delas”, define Ana Paula Oliveira, nascida em 1969, em Uberaba. “Não é 8 ou 80, é encontrar no meio a polarização”, diz.
A própria criadora identifica uma nova e surpreendente “elaboração” em suas obras – os elementos de suas criações não são mais “mal acabados” como antes e os materiais não mais se juntam como “atletas correndo provas separadas numa mesma raia”, fruto de “um arbítrio distraído, estético”, já escreveu o artista Nuno Ramos em 2009 sobre a escultora.
Sendo assim, na série Vistaña (2016), os desenhos dos voos “predestinados” de manons taxidermizados são cortados, por meio de jatos d’água, em placas de vidro. Nas peças entre o bidimensional e o tridimensional, com formas geométricas traçadas e pássaros mortos embutidos, coexistem "a prática manual, primária; a industrial, reta e até agressiva; e o passarinho, que simboliza um costume de muito tempo atrás”, explica Ana Paula Oliveira.
Mais ainda, o Círculo de Giz que aparece no título da mostra é uma menção, por meio de Vistaña, aos “desenhos que você faz e que se apagam” – e os voos, etéreos, estão representados por linhas duras, geométricas.
Mas é Vetores (2016), a réplica “meio cafona” do Discóbolo com as espadas de São Jorge a peça que, afinal, “está causando”. A inusitada imagem retoma a história da escultura ao remeter à estátua grega datada de mais de 400 anos a.C. e que representa o atleta na iminência de lançar um disco.
O homem (ideal) representado “sugere movimento” e indica uma “tensão” que Ana Paula Oliveira também relaciona como uma característica presente em sua produção artística. A réplica, entretanto, foi feita em alumínio, “material chulé”, nada tradicional. “O (escultor) Amilcar (de Castro) dizia que o alumínio não tem caráter”, conta a artista, que surpreende o espectador ao materializar as linhas da ação do atleta (os vetores) com as espadas de São Jorge. Essas plantas, ela lembra, “quer queira ou não, têm uma simbologia forte” e evocam nossos antepassados. É uma escultura sobre a junção de distinta tradições.